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Processo n.º 1011/2005.
 
 3.ª Secção.
 
  
 Relator: Conselheiro Bravo Serra.
 
  
 
  
 
                1. Em 4 de Janeiro e 2006 o relator proferiu a seguinte decisão: 
 
 –
 
  
 
                “1. Inconformado com o acórdão proferido em 15 de Março de 2005 
 pelo tribunal colectivo do 3º Juízo Criminal do Tribunal de comarca de Almada 
 que – pela autoria de factos que foram subsumidos ao cometimento de um crime de 
 abuso de confiança fiscal na forma continuada, previsto e punível pelo nº 1 do 
 artº 24º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras aprovado pelo 
 Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção conferida pelo Decreto-Lei 
 nº 394/93, de 24 de Novembro, e por um crime de fraude fiscal na forma 
 continuada, previsto e punível pelo artº 23º, números 1, 2, alíneas a) e b), 3, 
 alíneas a) e e), e 4, ainda do falado Regime – o condenou na pena única de dois 
 anos e três meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de quatro 
 anos, sujeita à condição de pagar ao Estado, no período de dois anos, o montante 
 de € 159.275,74, a título de dívida respeitante a Imposto sobre o Valor 
 Acrescentado e a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, recorreu 
 para o Tribunal da Relação de Lisboa o arguido A..
 
  
 
                Na motivação do recurso, o arguido, em dados passos, e no que ora 
 releva, fez escrever, na parte que epitetou de “II. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA 
 DECISÃO RECORRIDA”: –
 
  
 
 ‘(…)
 As normas dos nºs 6 e 7 do artigo 11º do Regime Geral das Infracções Fiscais não 
 Aduaneiras, na medida em que subordinam obrigatoriamente ao pagamento da dívida 
 em causa a suspensão da execução da pena de prisão aplicada pela prática de 
 crime fiscal, são inconstitucionais, por violação dos princípios da igualdade, 
 da necessidade e da proporcionalidade da pena consagrados nos artigos 13º e 18º, 
 nº 2 da Constituição, respectivamente.           
 
 (…)’
 
  
 
                E, na parte intitulada “III. DO DIREITO APLICÁVEL”, fez escrever: 
 
 –
 
  
 
 ‘(…)
 A inconstitucionalidade da decisão recorrida, fundamenta-se, como foi já supra 
 referido na interpretação das normas dos nºs 6 e 7 do artigo 11º do Regime Geral 
 das Infracções Fiscais não Aduaneiras, na medida em que subordinam 
 obrigatoriamente ao pagamento da dívida em causa a suspensão da execução da pena 
 de prisão aplicada pela prática de crime fiscal, por violação dos princípios da 
 igualdade, da necessidade e da proporcionalidade da pena consagrados nos artigos 
 
 13º e 18º, nº 2 da Constituição, respectivamente.
 Desta forma, ao subordinar obrigatoriamente a suspensão da execução da pena de 
 prisão à exigência do pagamento do montante da dívida, sem qualquer ponderação 
 da personalidade do agente, das suas condições de vida, da sua capacidade 
 económica, da sua conduta anterior e posterior ao crime, da avaliação da culpa e 
 da ilicitude e das necessidades concretas de ressocialização e de prevenção, 
 sabendo em consciência e dando como provado, que o arguido não tem meios 
 económicos que lhe permitam proceder ao pagamento do montante em dívida, o douto 
 acórdão, viola os princípios da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade 
 da pena consagrados nos artigos 13º e 18º, nº 2, da Constituição, bem como o 
 art.º 51, n.º 2 do Código Penal.
 Pelo que, e também nesta parte, deve o douto acórdão ser revogado.
 Acresce, que o douto acórdão condena duplamente, o arguido, no que concerne a um 
 valor que é único.
 O que é legalmente inadmissível.
 O douto acórdão recorrido, condena o arguido ao pagamento do mesmo valor a 
 título de indemnização civil ao Estado, tendo já feito depender do pagamento 
 desse mesmo valor ao Fisco, a suspensão da execução da pena no foro criminal, 
 pelo que acaba por condenar o arguido duas vezes pelo mesmo crime.
 Devendo, assim, ser revogado, nesta parte, por violador da norma constitucional 
 estatuída no art.º 29, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.
 
 (…)’
 
  
 
                Na dita motivação, por entre outras, foram, igualmente para o que 
 agora importa, formuladas as seguintes «conclusões»: –
 
  
 
 ‘(…)
 CC) As normas dos nºs 6 e 7 do artigo 11º do Regime Geral das Infracções Fiscais 
 não Aduaneiras, na medida em que subordinam obrigatoriamente ao pagamento da 
 dívida em causa a suspensão da execução da pena de prisão aplicada pela prática 
 de crime fiscal, são inconstitucionais, por violação dos princípios da 
 igualdade, da necessidade e da proporcionalidade da pena consagrados nos artigos 
 
 13º e 18º, nº 2 da Constituição, respectivamente.
 DD) Assim, deve o douto acórdão ser revogado, nesta parte, por violador dos 
 princípios da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade da pena 
 consagrados nos artigos 13º e 18º, nº 2, da Constituição, e ainda, por violador 
 do art.º 51, n.º 2, do Código Penal.
 
 (…)
 FF) O Tribunal a quo, imputou ao arguido condenação dupla de um valor que é 
 
 único, condenando o arguido ao pagamento do mesmo valor a título de indemnização 
 civil ao Estado, tendo já feito depender do pagamento desse mesmo valor ao 
 Fisco, a suspensão da execução da pena no foro criminal, pelo que acaba por 
 condenar o arguido duas vezes pelo mesmo crime, o que é legalmente inadmissível.
 GG) Devendo, assim, ser revogado, nesta parte, por violador da norma 
 constitucional estatuída no art.º 29, n.º 5 da Constituição da República 
 Portuguesa.’
 
  
 
                O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 2 de Novembro de 
 
 2005, decidiu que ‘a impugnação da decisão recorrida merece apenas provimento no 
 tocante à condição de suspensão de execução da pena nos termos expostos em 5.2. 
 mantendo-se em tudo o mais o decidido na 1ª instância’.
 
  
 
                E, quanto a essa condição de suspensão, discreteou assim aquele 
 aresto: –
 
  
 
 ‘(…)
 
                         5. Na parte final da motivação, o recorrente põe em 
 causa a sua condenação em pena de prisão suspensa na sua execução condicionada 
 ao pagamento dos montantes em dívida no prazo de dois anos.
 
                         São diversos os ângulos da impugnação, cabendo tratá-los 
 separadamente.
 
                         5.1.5. Pretende o recorrente que é inconstitucional, por 
 violação dos princípios de igualdade, de necessidade e da proporcionalidade das 
 penas consagrad[o]s nos artºs 13º e 18º, 2 da CRP o entendimento de que a 
 suspensão da pena de prisão, no caso da prática de crimes fiscais deve ser 
 sempre subordinada ao pagamento da prestação tributária em dívida.
 
                         O preceito em causa, que coloca em estrito pé de 
 igualdade a generalidade dos agentes de crimes fiscais que devam ficar sujeitos 
 a pena de prisão e mereçam suspensão de execução da pena, não se divisa como 
 pode violar o primeiro dos preceitos constitucionais citados.
 
                         E não se torna claro pela evidência, nem o recorrente 
 esclarece, o que pode haver violador dos limites constitucionais colocados à 
 intervenção penal, quando se faz depender da reposição da ordem patrimonial 
 ainda possível, a aplicação de uma sanção penal menos gravosa.
 
                         Cabe todavia atentar em que estão em causa factos que se 
 prolongaram no tempo, desde 1993 e 1998 e que, no diploma que operou a revisão 
 do C. Penal em 1995 (Dec.-Lei nº. 48/95, de 15 de Março) existe uma disposição 
 que determinou a revogação das disposições legais que em legislação penal avulsa 
 proibissem ou restringissem a substituição da pena de prisão por multa ou a 
 suspensão da pena de prisão (artº. 2º, 3). Sendo assim e tendo presente o 
 preceituado no artº. 2º, 4 do C. Penal, cumpre aplicar, por mais favorável, esse 
 regime que durante parte do período de tempo em que se verificou a actividade 
 criminosa foi aplicável.
 
                         Porém, sendo certo que os ilícitos em presença têm 
 profunda incidência económica, crê-se que faz inteiro sentido condicionar a 
 suspensão da execução da pena à obrigação de satisfazer nalguma medida a 
 prestação tributária em dívida.
 
                         5.2. Ponderando o recorrente que, na decisão recorrida 
 foi considerado provado que ele está desempregado, vive em casa da companheira e 
 tem dos filhos, considera que não poderá cumprir a condição imposta, o que se 
 traduzirá por uma inevitável revogação da suspensão da pena de prisão.
 
                         Apreciando, dir-se-á que tendo em conta o 
 condicionalismo pessoal do recorrente apontado na sentença, não é inteiramente 
 seguro que não disponha de meios para repor os valores que deveriam pela sua mão 
 ingressar nos cofres públicos.
 
                         E mais se diz que, caso não seja efectuado o pagamento, 
 a revogação da suspensão da execução da pena é apenas uma das possibilidades de 
 solução, exactamente a terceira e última das previstas na lei, nada impondo que 
 seja esta a adoptada pelo tribunal, quando o incumprimento se deva a penúria 
 involuntária.
 
                         Acrescenta-se, em resposta à alegação do preceituado no 
 artº. 51º., 2 do C. Penal, que não se alcança que ultrapasse a razoabilidade o 
 sacrifício de pagar o que é devido à Fazenda Nacional e em cujos cofres não 
 ingressou pelas razões que a decisão recorrida esclarece e de que foi causa 
 eficiente a acção do recorrente.
 
                         Sendo no entanto certo que o condicionalismo económico 
 aludido na decisão recorrida também não permite que se afirme que o recorrente 
 está em situação que lhe permita solver a totalidade da sua dívida penal, tem-se 
 como medida mais razoável o estabelecimento da condição de suspensão da execução 
 da pena em metade do valor da condição de suspensão de execução da pena […] 
 apurado (€ 79.637,87), aumentando para três anos o prazo de pagamento.
 
 (…)’
 
  
 
                Do acórdão de que parte se encontra extractada interpôs o arguido 
 recurso para o Tribunal Constitucional, o que fez por intermédio de requerimento 
 onde se escreveu: –
 
  
 
 ‘A., melhor identificado nos autos à margem referenciados, em que é arguido, não 
 se conformando com o douto acórdão de fls …, proferido por este Tribunal da 
 Relação, vem do mesmo interpor recurso, nos termos do art.º 70º, n.º 1, alínea 
 b) da Lei 28/82 de 15 de Novembro, porquanto a douta decisão ora recorrida viola 
 os princípios constitucionais consagrados nos art.ºs 13º e 18º, n.º 2 da CRP e o 
 disposto no art.º 51º, n.º 2 do Código Penal, tendo esta questão sido suscitada 
 pelo arguido no recurso interposto do douto acórdão proferido em 1ª instância.’
 
  
 
                O Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, por 
 despacho de 30 de Novembro de 2005, admitiu o recurso.
 
  
 
  
 
                2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do 
 artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso 
 não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma 
 Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do 
 objecto da presente impugnação.
 
  
 
                Em primeiro lugar deverá anotar-se que o requerimento de 
 interposição de recurso para este Tribunal não cumpre a totalidade dos 
 requisitos previstos nos números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82. Todavia, 
 porque, como à frente se verá, não se poderia, in casu, tomar conhecimento do 
 objecto do recurso, ainda que se verificasse o cabal cumprimento do disposto 
 naqueles preceitos, seria consubstanciador de um acto perfeitamente inútil a 
 formulação, no momento e ao abrigo do nº 6 do mesmo artigo, de convite para o 
 arguido vir a completar o requerimento de interposição de recurso.
 
  
 
                Isto posto, há que sublinhar que, tratando-se, como se trata, de 
 um recurso ancorado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, o seu 
 objecto é constituído por normas ínsitas no ordenamento jurídico 
 infra-constitucional e não por outros actos do poder público tais como, verbi 
 gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
 
  
 
                  De outro lado, em face dessa espécie de recurso, nunca seria 
 cabido lançar-se mão do mesmo para aferir da validade de determinado normativo 
 por invocado ferimento de uma disposição constante de um corpo de leis como o 
 Código Penal.
 
  
 
                  Ainda de um outro lado, aquela sorte de impugnação depende da 
 verificação de dois pressupostos, a saber: –
 
  
 
                  – a suscitação, precedentemente à prolação da decisão judicial 
 intentada recorrer, da desarmonia constitucional de normas do ordenamento 
 jurídico ordinário;
 
  
 
                  – a aplicação, como ratio juris dessa decisão, das normas cuja 
 inconstitucionalidade foi equacionada. 
 
  
 
                  Neste contexto, é por demais evidente que, como resulta do 
 relato supra efectuado, nunca poderia abrir a via de recurso previsto na dita 
 alínea b) do nº 1 do artº 70º a impostação das questões condensadas nas 
 
 «conclusões» DD), FF) e GG) acima transcritas, pois que o vício de 
 desconformidade constitucional é aí imputado à decisão proferida pelo tribunal 
 colectivo do 3º Juízo Criminal do Tribunal de comarca de Almada.
 
  
 
                  Concernentemente às normas vertidas nos números 6 e 7 do artº 
 
 11º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, haverá, em face do 
 mesmo relato, que aceitar que foi, precedentemente ao proferimento do acórdão 
 agora desejado recorrer, suscitada uma questão de enfermidade constitucional.
 
  
 
                  Simplesmente, como bem se alcança da transcrição da parte do 
 acórdão prolatado em 2 de Novembro de 2005 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, 
 tais normas não constituíram razão jurídica do decidido quanto à imposição da 
 condição de suspensão da execução da pena que foi decretada naquele aresto.
 
  
 
                  Na realidade, ali foi entendido que, com a reforma operada no 
 Código Penal pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, foram revogadas as 
 disposições penais avulsas que estabelecessem proibição ou restrição da 
 suspensão da pena de prisão, pelo que não se poderia atender aos preceitos 
 daqueles números 6 e 7 do artº 11º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não 
 Aduaneiras. Contudo, na óptica do acórdão, como, no caso sub iudicio, não ficou 
 demonstrada a impossibilidade do cumprimento por parte do arguido de uma 
 condição tal como a do pagamento da dívida tributária, e porque estava em causa 
 a prática de ilícitos com profunda incidência económica, fazia «todo o sentido» 
 suspender a execução da pena aplicada sujeitando a suspensão da execução da pena 
 
 à condição de o mesmo arguido, em três anos, pagar um montante equivalente a 
 metade da dívida.
 
  
 
                  Daqui resulta, inquestionavelmente, que a razão jurídica, neste 
 particular, se esteou, não no citados números 6 e 7 do artº 11º, mas sim no artº 
 
 51º do Código Penal, pelo que se deve concluir que aqueles primeiros normativos 
 não cobraram aplicação no acórdão em crise.
 
  
 
                Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto do recurso, 
 condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça 
 em seis unidades de conta.”
 
  
 
                Da transcrita decisão reclamou o arguido, o que fez mediante 
 requerimento com o seguinte teor: –
 
  
 
 “1. Em 29/12/2005 o ora Reclamante interpôs recurso para o Tribunal 
 Constitucional de decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por a 
 mesma conter interpretações inconstitucionais relativamente aos preceitos 
 constantes do art.º 11°, nº 6 e 7 do Regime Geral das Infracções não Aduaneiras, 
 bem como do art.º 51, nº 1 do Código Penal, por violadoras dos princípios e 
 direitos constitucionais consagrados nos artigos 1º, 13º, 18° e 27°, nº 1, todos 
 da Constituição da República portuguesa (C.R.P.). No entanto,
 
 2. Por decisão sumária proferida pelo Ex.mo Juiz Conselheiro Relator não se 
 conheceu do objecto do referenciado Recurso, sendo o mesmo indeferido 
 liminarmente.
 
 3. A decisão referida no número anterior foi fundamentada com o não cumprimento 
 da totalidade dos requisitos exigidos no art.º 75-A, números 1 e 2 da Lei 28/82 
 por parte do requerimento de interposição de Recurso, bem como que a espécie de 
 Recurso exercida não era o mecanismo processual adequado à obtenção da pretensão 
 vertida no citado requerimento de interposição de recurso e ainda que as normas 
 cuja inconstitucionalidade foi invocada não constituíram ratio j[u]ris da 
 decisão recorrida. Sucede que,
 
 4. Do requerimento de interposição de recurso constam os princípios 
 constitucionais violados através das interpretações inconstitucionais 
 efectuadas, quer pela decisão do Tribunal de 1ª instância, quer pela decisão do 
 Tribunal da Re1ação, dos preceitos referenciados no nº 1 da ora Reclamação, 
 tendo ainda sido indicado a espécie de recurso em causa. Ou seja,
 
 5. Do referenciado requerimento constam todos os elementos exigidos pela Lei do 
 Tribunal Constitucional, pelo que se deve concluir pe1o preenchimento de lodos 
 os requisitos exigidos pelo art.º 75-A nº 1 e 2 da Lei 28/82.
 Acresce que,
 
 6. A decisão ora reclamada considerou que a questão suscitada foi de violação de 
 normas constantes do Código Penal por parte da decisão recorrida, o que não 
 corresponde à realidade. Na verdade,
 
 7. O objecto do Recurso consistiu nas interpretações dadas ao art.º 11º, nº 6 e 
 
 7 do Regime Geral das Infracções não Aduaneiras, bem como do art.º 51, nº 1 do 
 Código Penal, inconstitucionais por violadoras dos princípios e direitos 
 constitucionais consagrados nos artigos 1°, 13º, 18° e 27°, nº 1, todos das 
 Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), como aliás consta das conclusões 
 de Recurso, nomeadamente na alínea C, bem como no pedido constante desse mesmo 
 Recurso. Assim,
 
 8. Não foi colocado à consideração deste Tribunal em momento algum a questão da 
 violação do art.º 51 do Código Penal, ao contrário do que consta da decisão ora 
 reclamada, mas sim a interpretação inconstitucional que foi efectuada do seu 
 texto.
 Ainda,
 
 9. Não colocando em crise o pressuposto da suscitação, precedente à pro1ação da 
 decisão judicial intentada, da desarmonia constitucional de normas do 
 ordenamento jurídico ordinário, foi, no entanto, considerado pelo Exm.º Senhor 
 Juiz Conselheiro Relator que as normas cuja inconstitucionalidade foi invocada 
 não constituíram ratio j[u]ris da decisão recorrida. Ora,
 
 10. Mesmo que se aceitasse que a ratio j[u]ris da decisão recorrida fosse apenas 
 o art.º 51, nº 1 do Código Penal, o que não se concede, esse mesmo argumento 
 cairia por terra pelo atrás exposto, ou seja, que foi a interpretação 
 inconstitucional desse normativo o fundamento do Recurso e não a sua violação. 
 Acresce que,
 
 11. Essas interpretações inconstitucionais foram aplicadas não só pelo Tribunal 
 de 1ª instância, mas também pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao contrário do 
 defendido na decisão ora reclamada, pelo que também aqui não se percebe a 
 fundamentação utilizada para indeferir liminarmente a apreciação do objecto do 
 Recurso em causa.
 
 12. Verifica-se assim estarem preenchidos todos os requisitos exigidos pelo 
 art.º 75-A, números 1 e 2 da Lei 8/82, constituindo o presente Recurso meio 
 processual adequado para apreciação da pretensão do ora Reclamante.
 Termos em que se requer a V Ex.a que revogue a decisão ora reclamada e, em 
 consequência, seja ordenado o prosseguimento da normal tramitação do Recurso em 
 causa, nomeadamente a apreciação do seu objecto.”
 
  
 
                Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do Ministério 
 Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da sua manifesta 
 improcedência, sustentando que a argumentação do reclamante em nada abalava “os 
 fundamentos da decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos 
 pressupostos do recurso interposto”.
 
  
 
                Cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                2. Em primeira via, assinala-se que, de todo em todo, a decisão 
 em crise se não ancorou, para efeitos de não tomada de conhecimento do objecto 
 do recurso, na circunstância de o respectivo requerimento de interposição não 
 obedecer, na sua integralidade, aos comandos ínsitos nos números 1 e 2 do artº 
 
 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. 
 
  
 
                Para demonstrar esta asserção, basta ler o passo escrito em tal 
 decisão e de harmonia com o qual, como acima ficou extractado, “Todavia, porque, 
 como à frente se verá, não se poderia, in casu, tomar conhecimento do objecto do 
 recurso, ainda que se verificasse o cabal cumprimento do disposto naqueles 
 preceitos, seria consubstanciador de um acto perfeitamente inútil a formulação, 
 no momento e ao abrigo do nº 6 do mesmo artigo, de convite para o arguido vir a 
 completar o requerimento de interposição de recurso”.
 
  
 
                São, assim, inteiramente descabidas as considerações formuladas 
 na primeira parte do item 3., e nos items 4., 5. e 12. do requerimento 
 consubstanciador da reclamação.
 
  
 
  
 
                2.1. De outro lado, o que se disse na decisão sub iudicio foi que 
 aquilo que constava das «conclusões» DD), FF) e GG) da motivação de recurso do 
 tribunal da 1ª instância para o tribunal da 2ª instância não podia abrir o 
 recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, já que o 
 vício de desconformidade constitucional foi assacado à decisão proferida naquele 
 primeiro tribunal e não a normas (ainda que alcançadas por via de um processo 
 interpretativo) vertidas no ordenamento jurídico infra-constitucional, e sendo 
 que não poderia uma tal sorte de impugnação basear-se (como da dita «conclusão» 
 DD) expressamente constava) na violação “do art.º 51, n.º 2, do Código Penal”.
 
  
 
                Isso significa, pois, que a razão de ser do decidido se esteou no 
 facto de não ser imputada a qualquer normativo do ordenamento jurídico ordinário 
 o vício de contraditoriedade com a Lei Fundamental.
 
  
 
                Não tem, por isso, qualquer suporte o que é referido nos items 6. 
 e 8. do aludido requerimento que contém a reclamação.
 
  
 
  
 
                2.2. Por último, e não tendo sido, como não foi, suscitada 
 qualquer questão de inconstitucionalidade reportada a uma dada dimensão 
 interpretativa dos números 1 ou 2 do artº 51º do Código Penal, e sendo a norma 
 constante daquele preceito a razão jurídica do decidido pelo acórdão tirado no 
 Tribunal da Relação de Lisboa, é por demais claro que, de uma banda, as normas 
 precipitadas nos números 6 e 7 do artº 11º do Regime Jurídico das Infracções 
 Fiscais não Aduaneiras aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, 
 não foram aplicadas por aquele aresto e, de outra, que não poderia o recurso de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade incidir sobre o mencionado nº 2 do 
 artº 51º.
 
  
 
                É, em consequência, falho de razão o exposto no item 1., na parte 
 em que se diz que foi suscitada a desarmonia constitucional da interpretação do 
 artº 51º, nº 1 do Código Penal, no item 7., em idêntica parte, e nos items 10. e 
 
 11., todos do requerimento corporizador da reclamação.
 
  
 
                Em face do exposto, indefere-se a mesma, condenando-se o 
 impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte 
 unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 25 de Janeiro de 2006
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Artur Maurício