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Processo n.º 399/07
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 I − Relatório
 
 1. A., inconformado com o despacho de 19 de Dezembro de 2006 proferido pelo 
 Desembargador relator do Tribunal da Relação de Évora, o qual não admitiu o 
 recurso por ele interposto para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão daquela 
 Relação, proferido em autos de processo crime, o qual manteve a decisão 
 condenatória proferida em 1.ª instância, interpôs reclamação do mesmo.
 
 2. O Conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 30 de 
 Janeiro de 2007, indeferiu a reclamação, nos seguintes termos:
 
 “I. O arguido A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão 
 proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, confirmativo da decisão da 1ª 
 instância, que o condenara pela prática, em autoria material, de um crime de 
 condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1, do CP, na pena 
 de 70 dias de multa à razão diária de € 7,00, num total de € 490,00, ou, 
 subsidiariamente, na pena de 46 dias de prisão, e na pena acessória de proibição 
 de conduzir veículos motorizados, por um período de 3 meses.
 Por despacho proferido pelo Ex.mo Desembargador relator, o recurso não foi 
 admitido, nos termos do art. 400º, n.º 1, alínea e), do CPP.
 Desse despacho reclama o recorrente, sustentando que o recurso é admissível ao 
 abrigo da alínea c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, a contrario.
 II. Cumpre apreciar e decidir.
 A irrecorribilidade das decisões judiciais, nos termos do n.º 1 do art. 400.º do 
 CPP, depende apenas da verificação da uma das situações nele contempladas.
 No caso em apreço, estamos perante um acórdão da Relação proferido em processo 
 crime a que é aplicável pena de multa ou de prisão não superior a cinco anos, 
 não sendo assim admissível o recurso para este Supremo Tribunal, nos termos do 
 art. 400º, n.º 1, alínea e), do CPP.
 III. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
 
 […]”
 
 3. Deste despacho interpôs o ora Reclamante recurso para este Tribunal 
 Constitucional nos termos que se passam a transcrever:
 
 1) A., Recorrente nos autos supra identificados, não se conformando com a douta 
 decisão sobre a reclamação contra a não admissão do recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça que lhes foi notificada, dela pretendem interpor recurso 
 para o Tribunal Constitucional, o que fazem nos termos seguintes: 
 O recurso é interposto ao abrigo de uma das situações excepcionais à al. b) do 
 n° 1 do art. 70° da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações 
 posteriores, em que é possível suscitar a questão da inconstitucionalidade após 
 o tribuna1 recorrido ter proferido a decisão final (Guilherme da Fonseca e Inês 
 Domingos. Breviário de Direito Processual Constitucional, Coimbra Editora. 1997, 
 p. 48. acs. 61/92, 188/93, 181/96, 569/95, 596/96). 
 Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do art. 400 n° 1. al. 
 e) do CPP, com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida. 
 Tal norma viola o art. 32° n° 1 da Constituição. 
 
 ‘Os despachos dos presidentes dos tribunais superiores sobre reclamações contra 
 a não admissão do recurso são considerados «decisões dos tribunais» para efeito 
 de recurso (acs. 323/94, 506/94), sendo tais reclamações abrangidas pelo 
 conceito de recurso ordinário utilizado pelo artº 70º nº2, da LTC (ac. 14/86)’ – 
 ob. cit., p.29.
 
 2) A decisão de indeferimento da reclamação assenta na consideração de que o 
 recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é admissível, nos termos do art. 
 
 400º. n°1. al. e) do CPP. 
 Falece porém razão à decisão assim tomada. 
 Com efeito, a interpretação dada ao art. 400º CPP na decisão recorrida, ao 
 entender que ‘A irrecorribilidade das decisões judiciais nos termos do nº1 do 
 art. 400° do CPP, depende apenas da verificação de uma das situações nele 
 contempladas’, e à al. e) do n° 1 do mesmo art. ao decidir que ‘No caso em 
 apreço, estamos perante um acórdão da Relação proferido em processo por crime a 
 que é aplicável pena de multa ou de prisão não superior a cinco anos, não sendo 
 assim admissível o recurso para este Supremo Tribunal, nos termos do artº 400°. 
 n°1. alínea e) do CPP’, não tendo em conta que, salvo o devido respeito, tal 
 recurso é admissível ao abrigo do disposto na alínea c) a contrario, do mesmo 
 normativo, uma vez que o acórdão recorrido, proferido em recurso pela Relação, 
 pôs termo à causa, foi de todo imprevisível, não podendo razoavelmente o 
 recorrente contar com a sua aplicação. 
 Na verdade tendo a decisão interpretado de modo tão particular tal norma, não 
 era exigível ao recorrente prever que essa interpretação viria a ser possível e 
 viesse a ser adoptada na decisão. 
 O uso inesperado e insólito de tal interpretação levou a que o recorrente não 
 tivesse podido, em momento anterior ao da decisão, representar a possibilidade 
 de aplicação da norma com tal interpretação.
 Assim sendo, não se mostrava adequado exigir-lhe, no caso concreto, um qualquer 
 juízo de prognose relativo a essa aplicação, em termos de se antecipar ao 
 proferimento da decisão, suscitando logo a questão de inconstitucionalidade. 
 Só perante a decisão proferida se viu o recorrente na possibilidade de arguir a 
 inconstitucionalidade em causa, tendo-o feito logo no primeiro momento que se 
 lhe impunha fazê-lo, ou seja, no presente requerimento de interposição de 
 recurso. 
 De resto, tem sido esta a jurisprudência defendida em vários acórdãos pelo 
 Tribunal Constitucional. 
 Salvo o devido respeito, o recurso tem subida nos próprios autos e efeito 
 suspensivo. 
 Nestes termos, requer a V. Ex.ª que se digne admitir o presente recurso e ordene 
 a sua subida, com o efeito próprio, seguindo-se os demais termos legais.”
 
 4. Por despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de 
 Janeiro de 2007, não foi admitido o recurso de constitucionalidade exarando-se o 
 seguinte:
 
 “Face ao disposto no nº 2 do art. 72. ° da LTC, o recurso previsto na alínea b) 
 do n° 1 do art. 70° da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado 
 a questão da inconstitucionalidade ‘de modo processualmente adequado perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a 
 dela conhecer’.
 E, manifestamente, como a doutrina tem assinalado, é momento inidóneo para 
 suscitar uma questão de inconstitucionalidade o requerimento de interposição de 
 recurso para o Tribunal Constitucional, por, após a sua apresentação, o tribunal 
 a quo já não poder emitir juízos de inconstitucionalidade. 
 Não procede a alegação do recorrente de que só agora teve oportunidade de arguir 
 a inconstitucionalidade do art. 400°, n° 1, alínea e), do CPP, porquanto a 
 interpretação encontrada no despacho ora impugnado, no que concerne a esta 
 norma, coincide com do despacho que não admitiu o recurso para este Supremo 
 Tribunal. 
 Por todo o exposto, não se admite o recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional.”
 
 5. Inconformado, vem agora reclamar, nos termos do disposto no artigo 76.º, n.º 
 
 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 13-A/98, 
 de 26 de Fevereiro (Lei do Tribunal Constitucional), do despacho do 
 Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso para 
 este Tribunal, alegando, em síntese, que:
 
 “[…]A decisão de indeferimento do recurso assenta em três ordens de razões. A 
 primeira é que o recurso só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a 
 questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o 
 tribunal que proferiu a recorrida, em termos de este estar obrigado a dela 
 conhecer. Pelas razões expendidas supra não concordamos com este entendimento.
 A segunda é que é momento inidóneo para suscitar uma questão de 
 inconstitucionalidade o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional, por, após a sua apresentação, o tribunal a quo já não poder 
 emitir juízos de inconstitucionalidade. 
 Ora, segundo Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, no caso vertente, a questão 
 da inconstitucionalidade deve ser suscitada, por via da regra, no requerimento 
 de interposição de recurso; ob. cit., p. 50. 
 A terceira funda-se no facto de a norma em crise já ter sido interpretada do 
 mesmo modo no despacho que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, e não só no despacho ora impugnado, pelo que o recorrente já teria tido 
 oportunidade de arguir a inconstitucionalidade da norma. 
 Ora, dado o princípio de exaustão dos recursos ordinários, com a abrangência que 
 lhes é dada pelo art. 700, n° 3, da LTC, o recorrente sempre teria de esgotar 
 previamente os recursos e as reclamações ordinárias, antes de suscitar a questão 
 da inconstitucionalidade. 
 E a última decisão proferida naquele âmbito é a única decisão de que se pode 
 recorrer com fundamento em inconstitucionalidade […].”
 
 6. Foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos do disposto no 
 artigo 77.º, n.ºs 2 e 3 da Lei do Tribunal Constitucional. O Exmo. 
 Procurador-geral Adjunto em funções neste Tribunal pronunciou-se no sentido do 
 indeferimento da reclamação, nos termos do seguinte parecer:
 
 “(…) não pode seguramente qualificar-se como ‘decisão-supresa’ que, pelo seu 
 carácter insólito e imprevisível, dispense o recorrente do ónus de suscitação da 
 questão de inconstitucionalidade ‘durante o processo’, a que, em processo de 
 reclamação, se limita a confirmar o teor do despacho que já havia, no Tribunal 
 
 ‘a quo’ rejeitado o recurso, em consonância, aliás, com jurisprudência uniforme 
 e reiterada sobre a interpretação da norma questionada.”
 
 7. Sem vistos, cumpre, assim, decidir.
 II − Fundamentos
 
 8. As reclamações sobre não admissão de recursos interpostos para o Tribunal 
 Constitucional destinam-se a, primordialmente, aferir da cognoscibilidade dos 
 respectivos objectos. Para tanto, cumpre averiguar se se encontram preenchidos 
 os requisitos específicos do recurso em análise. Assim, como se escreveu no 
 Acórdão n.º 641/99 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt),
 
 “Destinam-se as reclamações sobre não admissão dos recursos intentados para o 
 Tribunal Constitucional a verificar a eventual preterição da devida 
 reapreciação, pelo Tribunal Constitucional, de uma questão de 
 constitucionalidade, em sede de recurso de constitucionalidade. Mais que 
 apreciar a fundamentação do despacho de indeferimento do recurso, há, pois, que 
 verificar o preenchimento dos requisitos do recurso de constitucionalidade que 
 se pretendeu interpor.”
 No mesmo sentido, confiram-se, entre outros, o Acórdão n.º 178/95, publicado no 
 Diário da República, II Série, de 21 de Junho de 1995, e o Acórdão n.º 387/01 
 
 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt).]
 
 9. Importa, portanto, averiguar se o recurso intentado pelo ora Reclamante, ao 
 abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional, cumpre os respectivos requisitos específicos − a suscitação, 
 pelo recorrente, de inconstitucionalidade de uma norma durante o processo, 
 constituindo essa norma fundamento (ratio decidendi) da decisão recorrida, bem 
 como o prévio esgotamento dos recursos ordinários.
 A questão de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 400.º, n.º 1, 
 alínea e) do Código de Processo Penal foi apenas suscitada pelo Reclamante no 
 requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, portanto, quando o 
 Tribunal a quo não tinha já possibilidade de se pronunciar sobre a mesma. Ora, a 
 arquitectura do recurso interposto ao abrigo da referida alínea b), assenta num 
 juízo de reavaliação, a ser emitido pelo Tribunal Constitucional, versando a 
 decisão que o tribunal recorrido teve já oportunidade de proferir sobre tal 
 questão de constitucionalidade normativa. O que significa, portanto, que esta 
 questão deverá ter sido previamente suscitada, em termos adequados, em momento 
 anterior ao esgotamento do poder jurisdicional da instância recorrida. Como se 
 escreveu no Acórdão 15/95 deste Tribunal Constitucional (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt),
 
 “A locução ‘durante o processo’ exprime precisamente o desiderato da suscitação 
 na pendência da causa da questão de constitucionalidade, em termos de essa mesma 
 questão ser tida em conta pelo tribunal que decide. 
 Essa ideia é, afinal, corolário da natureza e do sentido da fiscalização 
 concreta de constitucionalidade das normas e, em especial, do recurso de parte 
 que dela participa. Aí a questão de constitucionalidade é uma questão 
 incidental, em estreita relação com o ‘feito submetido a julgamento’ (CRP, art. 
 
 207.º), só podendo incidir sobre norma relevantes para o caso. O ‘interesse 
 pessoal na invalidação da norma’ (G. Canotilho e Vital Moreira) só faz sentido e 
 se concretiza na medida em que a parte confronte, em tempo, o tribunal que 
 decide a causa com a controversa validade constitucional das normas que são aí 
 convocáveis.”
 A questão de constitucionalidade deve, portanto, ser suscitada pela parte 
 interessada antes de esgotado o poder jurisdicional da instância a quo durante o 
 respectivo processo (veja-se igualmente, nesse sentido, os Acórdãos n.ºs 62/85, 
 
 90/85, 90/85 e 450/87, publicados, respectivamente, no Diário da República, II 
 Série, de 31 de Maio de 1985 e 11 de Julho de 1985, e nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 10.º volume, pp. 573 e seguintes).
 
 10. Só em casos excepcionais é que este Tribunal Constitucional tem admitido a 
 não exigibilidade de preenchimento do requisito de invocação da 
 inconstitucionalidade normativa durante o processo. É que sucede quando, por 
 exemplo, a parte recorrente não teve oportunidade processual para suscitar a 
 questão ou quando não lhe fosse exigível a antecipação da possibilidade de 
 aplicação da norma ou a interpretação dada à mesma de modo a que se lhe 
 impusesse o ónus de suscitar a questão antes da decisão final, isto é, antes de 
 esgotado o poder jurisdicional do Tribunal a quo.
 Sucede que, no caso sub judicio, não se verifica nenhuma destas circunstâncias 
 excepcionais tanto mais que a norma impugnada − o artigo 400.º, n.º 1, alínea e) 
 do Código de Processo Penal − fora já aplicada com o mesmo sentido em despacho 
 anterior proferido pelo Tribunal da Relação de Évora. Desta forma, o ónus 
 imposto ao Reclamante de suscitar a questão de constitucionalidade normativa 
 durante o processo não foi cumprido, pelo que falece o preenchimento de um dos 
 requisitos deste recurso de constitucionalidade.
 
 11. Não tem razão, portanto, o Reclamante quando afirma que “(…) a questão de 
 inconstitucionalidade deve ser suscitada, por via de regra, no requerimento de 
 interposição de recurso (…)” e que “(…) dado o princípio de exaustão dos 
 recursos ordinários, com a abrangência que lhes é dada pelo art. 70.º, n.º 3, da 
 LTC, o recorrente sempre teria de esgotar previamente os recursos e as 
 reclamações ordinárias, antes de suscitar a questão de inconstitucionalidade.” 
 Com efeito, o juízo normativo impugnado deve ser suscitado antes de esgotado o 
 poder jurisdicional do tribunal a quo. Do disposto no artigo 70.º, n.º 3, da Lei 
 do Tribunal Constitucional decorre, tão-somente, um outro requisito cumulativo 
 aos que foram já anteriormente enunciados para que este Tribunal possa conhecer 
 do recurso em análise − a não admissibilidade de recurso ordinário da decisão 
 judicial, por a lei o não prever ou por haverem já sido esgotados todos os que 
 no caso cabiam (salvo os destinados a uniformização de jurisprudência).
 De resto, como acrescenta o Ministério Público, o despacho ora recorrido, 
 apresenta-se “em consonância […] com jurisprudência uniforme e reiterada sobre a 
 interpretação da norma questionada.”
 
 12. Constata-se, portanto, que a questão de inconstitucionalidade normativa não 
 foi suscitada em tempo útil, isto é, durante o processo, nos termos prescritos 
 pelos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 72.º, n.º 2 da Lei do Tribunal 
 Constitucional, falhando, portanto, pelo menos, um dos requisitos do recurso de 
 constitucionalidade que se pretendeu interpor.
 Pelo que, ainda que tivesse sido admitido no tribunal a quo, o presente recurso 
 sempre seria de não admitir neste Tribunal.
 III − Decisão
 Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência indeferir a 
 presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido 
 de não tomar conhecimento do objecto do recurso.
 Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 2 de Maio de 2007
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos