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Processo n.º 543/07
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
  
 
  
 Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, são recorrentes 
 A., B. e C., e vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, são recorrentes D. e E..
 
  
 Os recursos interpostos por E., A. e por B. foram objecto da Decisão Sumária n.º 
 
 445/07, de 25 de Junho de 2007, que decidiu não estarem preenchidos os 
 pressupostos necessários ao conhecimento do objecto daqueles recursos (fls. 5862 
 a 5869). A referida decisão sumária transitou em julgado, tendo, aliás, sido 
 reclamada para a conferência por parte do recorrente E. (fls. 5883 a 5884), que 
 confirmou o teor da decisão sumária proferida (fls. 5970 a 5975) e que já 
 transitou igualmente em julgado.
 
  
 Resta pois apreciar as questões de constitucionalidade normativa colocadas pelos 
 recorrentes D. (de ora em diante, abreviado por D.) e C. (de ora em diante, 
 abreviado por C.).
 
  
 
 2. Para o que releva nos presentes autos, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da 
 Relação de Lisboa, em 03 de Agosto de 2006, nos termos do qual foi confirmada a 
 decisão de primeira instância que, entre outras, “em cúmulo jurídico, condenou o 
 arguido D. pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso 
 efectivo, de 5 (cinco) crimes de actos homossexuais com adolescentes, ps. e ps. 
 pelo artigo 175º do Código Penal, na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) 
 meses de prisão” (fls. 5277) e concedeu provimento parcial ao recurso interposto 
 por C., tendo por consequência a redução da pena concretamente aplicada para 14 
 anos de prisão (fls. 5479), quando o tribunal de primeira instância:
 
  
 
 - “Em cúmulo jurídico, condenou o arguido C. pela prática, em autoria material, 
 na forma consumada e em concurso efectivo, de 18 (dezoito) crimes de abuso 
 sexual de crianças, ps. e ps. pelo art. 172º, n.s 1 e 2, do Código Penal, de 1 
 
 (um) crime de abuso sexual de crianças, ps. e ps. pelo artigo 172º, n.º 3, al. 
 a), do Código Penal, de 35 (trinta e cinco) crimes de actos homossexuais com 
 adolescentes, ps. e ps. pelo art. 175º do Código Penal e de 1 (um) crime de 
 detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 6º, n.º 1, da Lei 22/97, de 27-06, na 
 redacção da Lei n.º 98/01, de 25-08, na pena única de 19 (dezanove) anos de 
 prisão” (fls. 5272).
 
  
 O recorrente D. interpôs recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º 
 da LTC para que fosse, simultaneamente, apreciada a:
 
  
 i)                           “inconstitucionalidade material (…) do artº 175º do 
 Código Penal [na versão anterior à Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro] na 
 interpretação perfilhada pelo Ac. do TRL na interpretação segundo a qual pune a 
 prática de actos homossexuais com adolescentes mesmo que não se verifique, por 
 parte do agente, abuso da inexperiência da vitima, por violação das normas dos 
 artºs 13º nº 2 e 26º nº 1 da CRP, por referência ao artº 174º do mesmo Código 
 Penal” (fls. 5550); bem como
 
  
 ii)                         “a inconstitucionalidade orgânica da mesma norma do 
 artº 175º do Código Penal [na versão anterior à Lei n.º 59/2007, de 04 de 
 Setembro], na interpretação que dela faz o tribunal no sentido de ela conter no 
 seu elemento material o abuso da inexperiência da vítima, agora por violação das 
 normas dos artºs nº 2, 111º nº 1, 161º al. c), todos da CRP.” (fls. 5550)
 
  
 O recorrente C. interpôs recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º 
 da LTC para que fosse, simultaneamente, apreciada a inconstitucionalidade da:
 
  
 i)                           “interpretação feita pelo S.T.J., da norma inserta 
 no artº 400º nº 1 al. e) do C.P.P. [na versão anterior à Lei n.º 48/2007, de29 
 de Agosto], que permitiu não ser conhecid[a] a totalidade do acórdão de que se 
 recorre por não conforme ao art. 32º, nº 1 da C.R.P.” (fls. 5833), por ter 
 interpretado aquela norma no sentido de ser possível a “cindibilidade, não 
 requerida, do acórdão recorrido, para que, em consequência, se permita apreciar 
 somente alguns crimes nele julgados e não outros. (…) quando no caso estão em 
 apreço, para além de crimes com moldura penal abstracta inferior a 5 anos, 
 também crimes de moldura penal abstracta superiores aos referidos 5 anos” (fls. 
 
 5830);
 
  
 E ainda, subsidiariamente, caso aquela alegada inconstitucionalidade não seja 
 reconhecida, o recorrente mais requer que seja apreciada a:
 
  
 ii)                         “inconstitucionalidade do art. 175º do C.P. [na 
 versão anterior à Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro], por violação do princípio 
 da igualdade e da personalidade, insertos nos arts. 13º e 26º da C.R.P” (fls. 
 
 5829), “na medida em que não exige a inexperiência da vítima e se basta com a 
 prática de qualquer acto sexual de relevo para a punição das primeiras [relações 
 homossexuais], assim tratadas de forma mais severa, quando o bem jurídico 
 tutelado pela incriminação é exactamente o mesmo nas duas previsões” (fls. 
 
 5832);
 
  
 
             3. Notificado para alegar, o recorrente D. apresentou as suas 
 alegações, cujas conclusões foram as seguintes:
 
  
 
 “CONCLUSÕES:
 
  
 
 1 — O Estado não pode fazer qualquer discriminação sexual entre rapazes e 
 raparigas para efeitos de o art° 174° do CP exigir abuso da inexperiência, para 
 não criminalizar os actos sexuais heterossexuais; 
 
  
 
 2 — O Estado deve tratar absolutamente de forma igual qualquer cidadão sem 
 distinção do género; 
 
  
 
 3 — O Estado não pode criar entraves ao despontar da homossexualidade, e 
 facilitar porque não pune os actos sexuais das raparigas entre os 14 e os 16, 
 desde que não haja abuso da inexperiência; 
 
  
 
 4 — Não cabe ao Estado “torcer”, domar os instintos homossexuais e ao mesmo 
 tempo permitir que as raparigas possam ter relações sexuais de penetração 
 vaginal, coito anal, coito oral; 
 
  
 
 5 — O Estado não tem o direito de afirmar que é normal a heterossexualidade e 
 anormal a homossexualidade, porque era regressar ao tempo das Ordenações 
 Afonsinas e Manuelinas, ao Tempo da Inquisição; 
 
  
 
 6— O Estado deve sim punir quando não há consentimento; 
 
  
 
 7— A idade de 14 a 16 anos é uma idade sexual por excelência; 
 
  
 
 8— Por exemplo em Espanha a partir dos 13 anos desde que haja consentimento não 
 
 é crime; 
 
  
 
 9 — Em Portugal, com a mesma matriz religiosa, cultural, democrática, impedir um 
 jovem do sexo masculino de ter relações homossexuais, se consentidas, e 
 criminalizá-las é uma violência retrógrada, 
 
  
 
 10 — O tribunal interpretou as normas do art° 175° no sentido de que a prática 
 de actos homossexuais com adolescentes mesmo que se não verifique, por parte do 
 agente abuso da inexperiência sexual da vitima, por referência ao art° 174° do 
 CP, interpretação que é materialmente inconstitucional, por violação do art° 13° 
 nº 2 e art° 26° nº 1 da CRP, na parte em que pune os actos homossexuais com 
 adolescentes, mesmo que se não verifique, por parte do agente, abuso da 
 inexperiência; 
 
  
 
 11 — O tribunal “a quo” interpretou a norma do art° 175° do C. Penal no sentido 
 de ela conter no seu elemento material o abuso da inexperiência da vitima — até 
 como presunção inilidivel — mas tal interpretação é organicamente 
 inconstitucional, porque o abuso da inexperiência não é elemento do tipo, logo a 
 interpretação que da norma fez o tribunal recorrido viola a norma do art° 2°, 
 
 111 nº 1 e 161° al. c) da CRP; 
 
  
 
 12 — Como sabemos há uma corrente que aponta no sentido de de lege ferendo deve 
 ser elemento do tipo do art° 175° o abuso da inexperiência, mas será lei futura 
 e não a lei que temos, como parece resultar claro do Ac. do TC que se indicou 
 supra e da doutrina da Dr.ª Maria João Antunes. 
 
  
 
 13— No caso dos autos os jovens tinham mesmo muita experiência, real concreta, 
 experiência homossexual, a ponto de estarem a oferecer-se no Parque Eduardo VII, 
 na prostituição. 
 
  
 NESTES TERMOS, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência julgada 
 inconstitucional a norma do art° 175° nas interpretações que o Tribunal “a quo” 
 dela fez.” (fls. 5901 e 5902)
 
  
 Por sua vez, igualmente notificado para alegar, o recorrente C. apresentou as 
 suas alegações, cujas conclusões mais relevantes foram as seguintes:
 
  
 
                         “CONCLUSÕES
 
  
 
 (…)
 
  
 
 2. No que tange ao art°. 400° no 1 al e) do C.P.P. e sem embargo da 
 jurisprudência deste tribunal na interpretação deste normativo, a verdade é que 
 a interpretação que o STJ fez do mesmo levanta um problema novo e que se prende 
 com a cindibilidade ou fragmentação do recurso, não pelos critérios contemplados 
 no art°. 403º do C.P.P., mas com base na moldura abstracta do crime, o que 
 também afecta as garantias de defesa do arguido nos termos do art°. 32º n°1 da 
 C.R.P., conforme se procurará explicar adiante.
 
  
 
 3. Por outras palavras, os Acórdãos do Tribunal Constitucional citados nesta 
 matéria dão resposta à rejeição in totum dos recursos interpostos para o Supremo 
 Tribunal de Justiça nos termos do art°. 400° nº 1 al. e) do C.P.P.. e não sobre 
 a questão concreta da eventual (des)conformidade constitucional de 
 
 (ir)recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos do art°. 400° 
 nº 1 al. e) do C.P.P., quando este tribunal decide cindir o recurso interposto 
 pelo recorrente para, crime a crime e com base na moldura abstractamente 
 aplicável a cada um, decidir quais são e quais não são recorríveis.
 
  
 
 4. Resulta expresso da letra do art°. 400° nº 1 al. e) do C.P.P. a 
 incindibilidade do recurso, pois não será ao acaso que o preceito se refere a 
 
 “acórdão” e ainda a referência clara a “processo”.
 
  
 
 5. Por outro lado, dispõe o art°. 402º nº 1 do C.P.P. que, “(...)o recurso 
 interposto de uma sentença abrange toda a decisão” 
 
  
 
 6. A excepção de cindibilidade ou limitação do recurso prevista no art°. 403º nº 
 
 1 e 2 do C.P.P. está na disposição das partes — arguido e assistente — e também 
 do M°.P°, mas não do tribunal.
 
  
 
 (…)
 
  
 
 10. Admitindo-se que os tribunais superiores possam limitar o objecto do recurso 
 interposto pelos recorrentes, tal limitação só poderá ser feita nos termos do 
 art°.403° do C.P.P. e não recorrendo a critérios de moldura penal abstracta como 
 fez o STJ nos termos do art°. 400º n° 1 al. e) do C.P.P.
 
  
 
 11. Na verdade, a limitação do recurso tal como se encontra configurada pelo 
 art°. 403° nº 1 do C.P.P. destina-se apreciações e decisões que selam 
 autonomizáveis da própria decisão, o que não é manifestamente o caso.
 
  
 
 12. Pelo que, não pode ser constitucionalmente admissível, por violação do art°. 
 
 32° nº 1 da C.R.P., uma interpretação do art°. 400° nº 1 ai. e) do C.P.P. que 
 limite a apreciação dos recursos, através da moldura abstracta dos vários crimes 
 singularmente considerados, ainda para mais quando as questões aí suscitadas não 
 são autonomizáveis entre si.
 
  
 
 (…)
 
  
 
 15. O recorrente foi condenado pela prática de vários crimes do mesmo tipo — 18 
 crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 172°, nºs. 1 e 2 do 
 Código Penal; 1 crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 172º, nº 3 
 alínea a) do Código Penal e 35 crimes de actos homossexuais com adolescentes p. 
 e p. pelo artigo 175° do Código Penal —, sendo que todos eles visam proteger 
 mesmo bem jurídico tendo sido executados de forma essencialmente homogénea, 
 
  
 
 16. Assim, com a rejeição parcial do recurso, designadamente os crimes do art°. 
 
 175° do C.P. e art°. 172° nº 3 al. a) ambos do C.P.P., o STJ não poderá 
 convenientemente ajuizar da pretensão do recorrente em sede de crime continuado 
 pois os vários factores que concorreram para a diminuição da sua culpa não serão 
 apreciados no seu todo, nomeadamente a relação afectiva mantida com os jovens e 
 que em muito extravasou as relações sexuais ilícitas.
 
  
 
 (…)
 
  
 
 19. O terceiro grau de jurisdição para o STJ relativamente à matéria de direito 
 
 (actualmente mitigada, pois este tribunal pode conhecer também dos vícios do 
 art°. 410º nº 2 do C.P.P. que de certa forma se entroncam com questões 
 fácticas), encontra-se previsto na nossa lei processual penal com acento 
 constitucional no art°. 32° nº 1 da C.R.P.
 
  
 
 20. E, para que o terceiro grau de recurso seja admissível é suficiente que nos 
 termos do art°. 400° nº 1 al. e) do C.P.P. a decisão recorrida condene o arguido 
 por algum crime que seja abstractamente punível com pena de prisão superior a 5 
 anos.
 
  
 
 (…)
 
  
 
 26. Caso V. Exas. assim não entendam, isto é, considerem a interpretação do 
 art°. 400º nº1 al. e) do C.P.P. tal como configurada pelo STJ conforme ao art°. 
 
 32 nº 1 da C.R.P., devem, então V. Exas. apreciar a conformidade do art°. 175° 
 do C.P. quando confrontado com o art°. 174° desse mesmo diploma, por violação 
 dos artigos 32° nº 1, 13° e 26° da Constituição da República Portuguesa 
 respectivamente.
 
  
 
 27. A presente questão de inconstitucionalidade não é novidade para este 
 tribunal que já teve oportunidade de, quanto à mesma, se pronunciar por duas 
 vezes, nos acórdãos nº 247/05 e 372/05, confirmando a inconstitucionalidade da 
 norma do artigo 175° do Código Penal quando comparada com o art°. 174° do mesmo 
 diploma, por violação dos artigos 13° nº 2 e 26° nº 1 da Constituição da 
 República Portuguesa;
 
  
 
 (…)
 
  
 
 35. Conclui-se, por isso, que o confronto do artigo 174° com o artigo 175° do 
 Código Penal revela um juízo pejorativo e um preconceito do legislador, face à 
 homossexualidade e às práticas homossexuais, sendo, nessa medida, tal norma (e 
 respectiva aplicação pelo Julgador) ofensiva dos artigos 13° e 26° nº 1 da 
 Constituição da República Portuguesa enquanto pune a conduta (homossexual) aí 
 prevista, ainda que não se abuse da inexperiência do menor, quando a norma do 
 artigo 174° apenas pune a conduta (heterossexual) nele prevista se ela for 
 praticada com abuso da inexperiência do mesmo.
 
  
 
 (…).
 
  
 
 37. O tribunal da Relação de Lisboa, que de resto subscreve o entendimento da 
 primeira instância, vai mais longe, afirmando que “a presunção (iuris et de 
 iure) de que a vítima é inexperiente tanto vale nos casos do art°. 174º como nos 
 do artº 175°”.
 
  
 
 38. Tal entendimento, salvo melhor e mais douta opinião é ilegal, porquanto 
 configura uma interpretação do art°. 175º do Código Penal por analogia com o 
 art°. 174°, que não é permitida em Direito Penal face ao princípio da 
 legalidade, na medida em que, pretende o acórdão recorrido ficcionar um elemento 
 do tipo — o abuso da inexperiência — para aquele normativo, quando na verdade 
 tal elemento não existe, donde aliás deriva a inconstitucionalidade da norma.
 
  
 
 39. Dúvidas não existem que em direito penal a integração de lacunas através de 
 interpretação analógica (quer ela seja de normas ou de direito) se encontra 
 expressamente excluída por disposição constitucional e ordinária — vide art°s. 
 
 29º nº 3 da C.R.P. e art°. 1° nº 3 do C.P. respectivamente — pois nas palavras 
 de SOUSA BRITO “uma interpretação que vá além do sentido possível das palavras é 
 incompatível com o fundamento de segurança jurídica do principio nullum crimen, 
 nulla poena sine lege (...)“
 
  
 
 (…)
 
  
 
 49. A presunção do elemento do tipo utilizado pelo tribunal da Relação — abuso 
 de inexperiência — no art°. 175º do C.P. teve como objectivo salvar a 
 inconstitucionalidade do preceito.
 
  
 
 50. Acontece que a analogia in bonan parten tem de ser apreciada em concreto, e 
 na verdade a redução teleológica levada a cabo pelo tribunal recorrido teve a 
 
 única virtualidade de conseguir que o normativo do art°. 175° do C.P. fosse 
 aplicável (eventualmente sem ser inconstitucional) aos arguidos, o que desde 
 logo passa por criminalizar uma conduta que o tribunal recorrido bem sabia que 
 por força da sua inconstitucionalidade e consequente inaplicabilidade levaria à 
 absolvição dos arguidos.
 
  
 
 51. Por outra palavras, a redução teleológica do art°. 175° do C.P. nunca poderá 
 ser considerada in favor reus, uma vez que tal interpretação normativa visou 
 apenas adequar o tipo de crime à conduta dos arguidos.
 
  
 
 52. Ora, essa redução teleológica tem de ser considerada como prejudicial ou 
 desfavorável aos arguidos.
 
  
 
 53. Acresce que, e recuperando os doutos ensinamentos de TERESA BELEZA e MENEZES 
 CORDEIRO acima enunciados, tal redução teleológica seria sempre inadmissível.
 
  
 
 54. Primo, a interpretação em direito penal atento o princípio da legalidade não 
 pode extravasar a correspondência verbal possível do tipo de ilícito.
 
  
 
 55. Secundo, a redução teleológica da norma vai bem mais longe que uma simples 
 interpretação restritiva na medida em que não só reduz a letra da lei mas também 
 o seu espírito em função do seu escopo, ou seja, altera-se o valor axiológico da 
 norma. 
 
  
 
 (…) 
 
  
 
 61. Em suma, não é admissível qualquer redução teleológica da norma pela simples 
 razão de que o legislador não quis manifestamente prever o abuso da 
 inexperiência no tipo de ilícito do art°. 175° do C.P., isto porque o “telos” do 
 preceito não permite extrair ou presumir tal aspecto.
 
  
 
 62. Ademais, sempre se argumentaria ainda que esta nova concepção do art°. 175° 
 do C.P. coloca em crise os dois anteriores acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 que consideraram inconstitucional o art°. 175° do C.P. por comparação com o 
 art°. 174º do mesmo diploma precisamente por aquele ser mais abrangente e não 
 conter dois elementos do tipo que este contém, não se tendo em tais arestos 
 sequer abordado quaisquer presunções da norma. 
 
  
 
 63. Conclui-se assim que foi para salvar a inconstitucionalidade do art°. 175º 
 do C.P., já por duas vezes determinada pelo Tribunal Constitucional, que o 
 tribunal da Relação de Lisboa, na esteira do tribunal de primeira instância, 
 confirmou uma interpretação inadmissível da lei penal não só porque ferida de 
 inconstitucionalidade nos termos dos art°s. 13° nº 2 e 26 nº 1 da C.R.P., como a 
 alegada “presunção” invocada, fere também os art°s. 29º nº 3 e 111° nº 1 da 
 C.R.P. na medida em que viola o princípio da legalidade nos termos supra 
 expostos, onde para além de tudo o mais, o julgador se ingere nos poderes do 
 legislador na previsão que este fez da norma.”
 
  
 
 4. Posto isto, para tal notificado, o Ministério Público veio contra-alegar, 
 concluindo o seguinte:
 
  
 
 “1. Não é inconstitucional a norma do artigo 400°, nº 1, alínea e) do Código de 
 Processo Penal, interpretada no sentido de que não é recorrível para o Supremo 
 Tribunal de Justiça o acórdão proferido em recurso pela Relação, na parte em que 
 condenou o arguido por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 
 cinco anos, ainda que o tenha condenado também por crime a que corresponde pena 
 de prisão superior a esse limite.
 
  
 
 2. Face ao carácter instrumental do recurso de constitucionalidade, não pode o 
 Tribunal Constitucional apreciar a conformidade à Lei Fundamental da norma que 
 prevê e pune um determinado tipo legal de crime — como a do artigo 175° do 
 Código Penal — quando a mesma é alterada ou revogada por legislação entretanto 
 entrada em vigor, sem que o Tribunal competente se prenuncie sobre a situação, 
 em ordem a verificar-se posteriormente se a questão de constitucionalidade 
 suscitada continua a ser pertinente e a convocar a intervenção do Tribunal 
 Constitucional. 
 
  
 
 3. A não ser assim entendido, não é inconstitucional a norma do artigo 175º do 
 Código Penal (redacção anterior à que lhe foi introduzida pela Lei nº 59/2007, 
 de 4 de Setembro) quando cotejada com o tipo legal de crime do artigo 
 antecedente, que abarca uma realidade diferente, quer se tenha verificado abuso 
 de inexperiência da vítima, quer não, pois tal recorte das condutas aí previstas 
 situa-se no campo da liberdade de conformação do legislador ordinário, não 
 configurando solução arbitrária ou sem fundamento material para a diferença de 
 tratamento.” (fls. 5955 a 5961).
 
  
 
 5. Perante o teor das referidas contra-alegações, em 29 de Outubro de 2007, foi 
 proferido o despacho pela Relatora, sendo relevante, para efeitos deste acórdão, 
 o seguinte:
 
  
 
 “Nos termos do artigo 704º, n.º 2, e do artigo 702º, n.º 2, ambos do CPC, 
 aplicáveis «ex vi» artigo 69º da LTC, notifique-se os recorrentes para, no prazo 
 de 10 (dez) dias, virem dizer o que entenderem por conveniente, quanto ao não 
 conhecimento do objecto do recurso invocado pelo Ministério Público, ou ainda 
 quanto à remessa do processo ao Tribunal «a quo» para se pronunciar sobre o 
 artigo 175º do Código Penal anterior à alteração do mesmo Código verificada em 
 
 15 de Setembro passado ao caso, também invocado pelo Ministério Público. (…).”
 
  
 Em resposta ao referido despacho, foi dito, pelo recorrente D.:
 
  
 
                         “1º
 
 É pacifico que a alteração ao Código Penal criminalizou os actos porque o 
 recorrente foi condenado.
 
  
 
 2°
 Ou seja, o legislador veio produzir alterações no sentido de ultrapassar a 
 situação anterior, bem evidente nos Ac. do TC que julgaram a norma do art° 175º 
 inconstitucional.
 
  
 
 3°
 Só que o tribunal “a quo” substituiu-se ao legislador e legislou ele mesmo.
 
  
 
 4°
 
  
 Ora,
 
  
 
 é em relação a cada momento histórico-jurídico que se tem de aferir o 
 comportamento das pessoas, dos arguidos.
 
  
 
 5°
 Na data do factos não estava em vigor norma semelhante à do art° 173° do C. 
 Penal, actualmente em vigor.
 
  
 
 6°
 Assim sendo, o que há que fazer é julgar o Tribunal Constitucional em função das 
 normas que estavam em vigor na data do cometimento dos factos. 
 
  
 Além do que,
 
  
 
 7°
 
 é manifesto que as normas dos art°s 173° e 174°, mormente esta que seria a 
 aplicável ao caso se estivesse em vigor na data dos factos dos autos, são 
 manifestamente mais desfavoráveis ao recorrente. 
 
  
 
 8°
 Por outra via, não faz qualquer sentido que os autos baixem à 1ª instância para 
 ser aplicado um regime quando se sabe de antemão que o anterior é mais favorável 
 e no caso do recorrente ainda por maioria de razão porque está em causa o não 
 cometimento de qualquer crime. 
 
  
 
 9°
 Ou seja, hoje é crime mas antes não era à luz das normas vigentes no momento da 
 condenação e que serão sempre as aplicáveis de harmonia com o principio da 
 legalidade, da tipicidade e da aplicação da lei mais favorável. 
 
  
 
 10°
 Quanto á posição do Ministério Público sobre a questão da inconstitucionalidade 
 da norma do art° 175° do CP na versão anterior, não nos cabe pronunciarmo-nos, 
 mas se coubesse sempre diríamos que se o M° P° antes estava contra a decisão de 
 inconstitucionalidade compreende-se que mantenha a mesma posição.
 
  
 NESTES TERMOS, deve, pelo menos quanto ao recorrente, ser indeferido o requerido 
 pelo Ministério Público.” (fls. 5988 a 5990)
 
  
 
  
 O recorrente C. concluiu o seguinte: 
 
  
 
  
 
 “1. 
 Deve antes de mais o Tribunal Constitucional considerar inconstitucional, nos 
 termos da fundamentação do recurso apresentado, a interpretação que o Tribunal a 
 quo fez do art° 400º n° 1 al e) do C.P.P. e que permitiu cindir o acórdão do 
 T.R.L. e, consequentemente, cindindo o recurso, não conhecer da parte deste 
 relativa aos crimes com moldura penal inferior a 5 anos, reenviando ao tribunal 
 competente os autos para em conformidade decidir. 
 
  
 
 2. 
 Se assim não considerar, deverá esse Alto Tribunal, nos termos e fundamentos do 
 recurso apresentado, declarar inconstitucional o art. 175º do C.P., na altura 
 aplicável aos factos e, consequentemente, reenviar os autos ao tribunal 
 competente para, em conformidade, decidir.”
 
  
 
 6. Posteriormente, na fase de exame liminar e elaboração de projecto de acórdão, 
 a Relatora constatou que subsistiam fundamentos para o eventual não conhecimento 
 do objecto do recurso, pelo que proferiu o seguinte despacho, em 16 de Janeiro 
 de 2008:
 
  
 
 “Nos termos do art. 704º /1 CPC, aplicável «ex vi» artigo 69º LTC, notifique-se 
 os recorrentes C. e D. para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciarem quanto à 
 possibilidade de não conhecimento do recurso na parte respeitante às seguintes 
 interpretações normativas respectivamente:
 
  
 a)         inconstitucionalidade do art. 175º CP, na medida em que não exige a 
 inexperiência da vítima e se basta com a prática de qualquer acto sexual de 
 relevo para a punição das relações homossexuais, assim tratadas de forma severa, 
 quando o bem jurídico tutelado pela incriminação é exactamente o mesmo nas duas 
 previsões;
 b)         inconstitucionalidade do art. 175º CP na interpretação perfilhada 
 pelo Ac. do TRL na interpretação segundo a qual pune a prática de actos 
 homossexuais com adolescentes mesmo que não se verifique, por parte do agente, 
 abuso de inexperiência da vítima.”
 
  
 Notificado do referido despacho, o recorrente C. pronunciou-se no sentido de que 
 
 “deverá ser apreciada a matéria pelo arguido ora recorrente suscitada, no 
 sentido de ser por Vªs Exas. declarada a inconstitucionalidade do art. 175. ° do 
 C.P. quando comparado com o art. 174.° do mesmo diploma, por violação dos arts. 
 
 13.° e 26.° da Constituição da República Portuguesa.”
 
  
 Notificado do mesmo despacho, para os mesmos efeitos, o recorrente D. deixou 
 esgotar o prazo sem que viesse aos autos apresentar qualquer requerimento de 
 pronúncia.
 
  
 
 7. Corridos os vistos, já durante a discussão do projecto de acórdão, tendo-se 
 verificado a eventual existência de outros motivos de não conhecimento do 
 objecto do recurso, foram os recorrentes notificados do seguinte Despacho de 30 
 de Maio de 2008:
 
  
 
 “Nos termos do artigo 704º, nº 1, CPC, aplicável ex vi artigo 69º LTC, podendo 
 razoavelmente sustentar-se que não se deva conhecer do objecto do recurso pelas 
 razões a seguir indicadas, notifiquem-se os recorrentes para se pronunciarem, 
 querendo, sobre as seguintes questões: 
 
  
 
  
 a)      C. – sobre a não aplicação do artigo 175º CP pelo acórdão do STJ; 
 b)      D. – sobre a inutilidade do conhecimento do recurso na parte respeitante 
 ao artigo 175º CP, uma vez que não se verifica diferenciação entre a 
 aplicabilidade do artigo 174º e 175º CP no acórdão recorrido e ainda porque é 
 plausível considerar que o recorrente sindica o processo interpretativo levado a 
 cabo pelo tribunal recorrido.”
 
  
 O recorrente C. reiterou as posições anteriormente assumidas e o recorrente D. 
 não se pronunciou sobre o assunto.
 
  
 Cumpre agora apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 A)          QUESTÕES QUE OBSTAM AO CONHECIMENTO DO RECURSO
 
  
 
 1) Consequências da entrada em vigor de nova lei penal sobre o recurso de 
 fiscalização da constitucionalidade 
 
  
 
 8. Como questão prévia, importa verificar se, conforme sugerido pelo Ministério 
 Público junto do Tribunal Constitucional (fls. 5988), a nova redacção do actual 
 artigo 173º do CP (com a redacção da Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro), que 
 fundiu os anteriores artigos 174º e 175º do CP, impedem este Tribunal de tomar 
 conhecimento do recurso anteriormente interposto, com a necessária remessa dos 
 autos para (eventual) conhecimento sobre o problema da aplicação no tempo da lei 
 penal.
 
  
 A redacção dos artigos 174º e 175º do CP vigente até à entrada em vigor da Lei 
 n.º 59/2007, de 04 de Setembro, determinava o seguinte:
 
  
 
 “Artigo 174º (Actos sexuais com adolescentes)
 Quem, sendo maior, tiver cópula, coito anal ou coito oral com menor entre 14 e 
 
 16 anos, abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até 2 anos 
 ou com pena de multa até 240 dias.
 
  
 
 “Artigo 175º (Actos homossexuais com adolescentes)
 Quem, sendo maior, praticar actos homossexuais de relevo com menor entre 14 e 16 
 anos, ou levar a que eles sejam por este praticados com outrem, é punido com 
 pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.”
 
  
 
             Presentemente, por força da revisão do Código Penal, aquelas duas 
 categorias de actos sexuais com adolescentes deram lugar a um mesmo tipo de 
 ilícito que foi concebido nos seguintes termos:
 
  
 
 “Artigo 173º (Actos sexuais com adolescentes)
 
 1 – Quem, sendo maior, praticar acto sexual de relevo com menor entre 14 e 16 
 anos, ou levar a que ele seja por este praticado com outrem, abusando da sua 
 inexperiência, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa 
 até 240 dias.
 
 2 – Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito oral, coito anal ou 
 introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com 
 pena de prisão até três anos ou com pena de multa de 360 dias.”
 
  
 
             Perante esta alteração legislativa, entende o Ministério Público que 
 
 “o Tribunal Constitucional só deve conhecer das questões de constitucionalidade 
 normativa, quando a decisão a proferir nos autos possa influir utilmente no 
 julgamento da questão de mérito discutida no processo” (fls. 5988). Daqui se 
 extrai um argumento segundo o qual, mesmo que viesse a ser julgada a 
 inconstitucionalidade da interpretação do anterior artigo 175º do CP, a decisão 
 deste Tribunal não produziria efeito útil, na medida em que o tribunal recorrido 
 proferiria uma nova decisão sustentada no actual artigo 173º do CP que, 
 pretensamente, seria mais favorável aos arguidos do que aqueloutro preceito 
 legal.
 
  
 
             Do confronto entre a redacção literal do anterior artigo 175º do CP 
 e o actual artigo 173º do CP, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro, 
 resulta que, a partir de 15 de Setembro de 2007, com a entrada em vigor da Lei 
 n.º 59/2007 (cfr. artigo 13º do referido diploma legal), a nova previsão legal 
 descriminalizou condutas que tivessem envolvido a prática, por maiores de idade, 
 de actos sexuais de relevo com menores entre 14 e 16 anos, desde que não se 
 demonstre ter ocorrido abuso da inexperiência destes últimos. Essa 
 descriminalização constitui consequência inelutável do n.º 2 do artigo 2º do CP.
 
  
 
             Frise-se, porém, bem que este Tribunal não dispõe dos poderes para 
 proceder à determinação da lei penal aplicável à questão jus-criminal em apreço 
 no âmbito dos autos recorridos. Tal tarefa compete exclusivamente, aos tribunais 
 comuns. Ora, dos presentes autos não consta qualquer requerimento dos 
 recorrentes no sentido da aplicação da lei nova (v.g. do artigo 173º do CP) à 
 sua situação jurídico-penal, pelo que não se verifica fundamento para que se 
 proceda à remessa dos autos aos tribunais “a quo” (o Tribunal da Relação de 
 Lisboa, no caso do recurso interposto por D., noutro caso, o Supremo Tribunal de 
 Justiça, quanto ao recurso interposto C.). 
 
  
 
             Mas, então, a prolação de eventual decisão no sentido da 
 inconstitucionalidade da norma constante do artigo 175º do CP [na redacção 
 anterior à Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro], padecerá de inutilidade, pela 
 circunstância de qualquer um dos tribunais recorridos manter o poder de 
 determinar qual a lei penal concretamente aplicável ao caso dos autos, mesmo 
 após trânsito em julgado da decisão penal condenatória (como aparenta sugerir o 
 Ministério Público)?
 
  
 
             Entendemos que não. Caso o Tribunal viesse a julgar inconstitucional 
 aquele sentido interpretativo da norma, os tribunais recorridos mais não teriam 
 que dar-lhe execução, reformando a respectiva decisão recorrida em conformidade 
 com tal julgamento, conforme impõe o n.º 2 do artigo 80º da LTC, não sendo 
 forçoso, como aparenta sugerir o Ministério Público, que a reacção do tribunal 
 
 “a quo” resultaria na automática aplicação do artigo 173º do actual CP, com o 
 consequente esvaziamento de utilidade processual de uma eventual decisão 
 favorável aos recorrentes, a proferir por este Tribunal. Em suma, a decisão a 
 tomar nos presentes autos revelar-se-ia útil para a boa decisão da causa 
 juridicamente controvertida.
 
  
 
 2) Quanto à inconstitucionalidade do artigo 175º CP 
 
  
 a) Relativamente ao recorrente C.
 
  
 
             9. Recorde-se que C. recorre do Acórdão do STJ, de 15 de Março de 
 
 2007, tendo fixado, no momento processual de interposição de recurso como seu 
 objecto a aferição da “inconstitucionalidade do art. 175º do C.P. [na versão 
 anterior à Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro], por violação do princípio da 
 igualdade e da personalidade, insertos nos arts. 13º e 26º da C.R.P” (fls. 
 
 5829), “na medida em que não exige a inexperiência da vítima e se basta com a 
 prática de qualquer acto sexual de relevo para a punição das primeiras [relações 
 homossexuais], assim tratadas de forma mais severa, quando o bem jurídico 
 tutelado pela incriminação é exactamente o mesmo nas duas previsões” (fls. 
 
 5832). 
 
  
 Ora, o acórdão do STJ limitou-se a não admitir os recursos quanto aos crimes em 
 concreto, não se tendo pronunciado relativamente a qualquer interpretação do 
 artigo 175º do CP (cfr. fls. 5805), pelo que, não aplicou a interpretação 
 normativa alegada pelo recorrente. 
 
  
 
 É certo que, após ter sido notificado da decisão sumária que negou o 
 conhecimento do recurso interposto pelos recorrentes A. e B., o recorrente C. 
 veio, em sede de alegações, aludir a uma nova interpretação normativa do artigo 
 
 175º do Código Penal, considerando que a redução teleológica deste tipo de 
 ilícito criminal implica um recurso à analogia “que não é permitida em Direito 
 Penal face ao princípio da legalidade, na medida em que, pretende o acórdão 
 recorrido ficcionar um elemento do tipo – o abuso da inexperiência” e que “a 
 integração de lacunas através de interpretação analógica (quer ela seja de 
 normas ou de direito) se encontra expressamente excluída por disposição 
 constitucional e ordinária – vide artºs 29º nº 3 da C.R.P. e artº. 1º nº 3 do 
 C.P. respectivamente” (fls. 5944).
 
  
 
             Mas a verdade é que o teor das alegações do recorrente C. extravasa 
 do objecto do recurso por ele fixado, através do requerimento de interposição de 
 recurso apresentado a fls. 5834 a 5843.
 
  
 
             Na medida em que, por força do n.º 1 do artigo 75º-A e do artigo 
 
 79º-C da LTC, o Tribunal Constitucional apenas pode apreciar a 
 constitucionalidade de interpretações normativas que tenham sido efectivamente 
 identificadas no momento processual da interposição de recurso e que tenham sido 
 efectivamente aplicadas pela decisão alvo de recurso, não se pode conhecer do 
 recurso interposto pelo recorrente C., na parte em que diz respeito à norma 
 extraída do artigo 175º do CP [na redacção anterior à Lei n.º 59/2007, de 04 de 
 Setembro], na medida em que esta norma não foi aplicada pelo STJ. 
 
  
 b) Relativamente ao recorrente D.
 
  
 
 10. O recorrente D., conforme já supra evidenciado, elegeu duas dimensões 
 normativas para objecto do seu recurso, sendo uma delas a relativa à 
 
 “inconstitucionalidade material (…) do artº 175º do Código Penal [na versão 
 anterior à Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro] na interpretação perfilhada pelo 
 Ac. do TRL na interpretação segundo a qual pune a prática de actos homossexuais 
 com adolescentes mesmo que não se verifique, por parte do agente, abuso da 
 inexperiência da vitima, por violação das normas dos artºs 13º nº 2 e 26º nº 1 
 da CRP, por referência ao artº 174º do mesmo Código Penal”.
 
  
 Importa começar por determinar se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação 
 de Lisboa, em 03 de Agosto de 2006, fundou efectivamente a sua decisão na 
 interpretação normativa do artigo 175º do CP [na redacção anterior à Lei n.º 
 
 59/2007, de 04 de Setembro] suscitada pelo recorrente, a qual seria contrária 
 aos artigos 13º e 26º, n.º 1 da CRP e, como tal, conflituante com a 
 jurisprudência proferida por este Tribunal nos seus Acórdãos n.º 247/05, de 10 
 de Maio de 2005, n.º 351/05, de 05 de Julho de 2005.
 
  
 Analisada a decisão recorrida, a verdade é que, não obstante ao longo do acórdão 
 o Tribunal da Relação de Lisboa ter tecido considerações sobre a jurisprudência 
 do Tribunal Constitucional, relativa aos Acórdãos n.º 247/2005, de 10 de Maio de 
 
 2005, e n.º 351/2005, de 05 de Julho de 2007, acabou, uma vez ponderados os 
 factos, por considerar que existiu abuso da inexperiência da vítima. Senão 
 vejamos o teor da decisão a fls. 5469:
 
  
 
 “Ou seja, nos casos previstos no art. 175º do Código Penal, o agente pode actuar 
 abusando da experiência do menor ou não. Se o agente abusar da inexperiência do 
 menor, como no caso dos autos, não se coloca a questão de inconstitucionalidade 
 do aludido artigo 175º quando confrontado com o artigo 174º do mesmo código, 
 pois o agente estará a ser punido com base nos mesmos pressupostos que levam à 
 punição do art. 174º”.  
 
  
 Ora, nestas circunstâncias torna-se manifesto que a decisão recorrida não aplica 
 a norma tal como questionada pelo recorrente. Sendo que, em sede de fiscalização 
 sucessiva concreta de constitucionalidade, só são impugnáveis normas ou 
 interpretações normativas (artigo 277º CRP) efectivamente aplicadas pela decisão 
 recorrida, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso também nesta 
 parte. 
 
  
 B)          APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE 
 
  
 Cumpre, pois, apreciar as duas restantes questões de inconstitucionalidade.
 
  
 
 1)      A inconstitucionalidade orgânica do artigo 175º CP
 
  
 
 11. A primeira delas é a segunda questão suscitada pelo recorrente D., qual seja 
 a da “inconstitucionalidade orgânica da mesma norma do artº 175º do Código Penal 
 
 [na versão anterior à Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro], na interpretação que 
 dela faz o tribunal no sentido de ela conter no seu elemento material o abuso da 
 inexperiência da vítima, agora por violação das normas dos artºs nº 2, 111º nº 
 
 1, 161º al. c), todos da CRP.” (fls. 5550).
 
  
 No fundo, o que está subjacente ao raciocínio do recorrente é que a 
 interpretação levada a cabo pela decisão recorrida envolveria o exercício da 
 função legislativa, na medida em que o tribunal recorrido estaria a criar 
 autonomamente uma norma (que não pré-existiria no ordenamento jurídico).
 
  
 Não é isso, porém, que se verifica. Pelo contrário, o que a decisão recorrida 
 faz é aproveitar, de entre os vários sentidos possíveis da norma, aquele que, em 
 face da factualidade dada como assente, se mostre ainda conforme à Constituição, 
 no ponto em que pune o comportamento com o abuso da inexperiência da vítima. E 
 como tal considera que, em matéria de actos sexuais com adolescentes, existe 
 equivalência entre o artigo 175º e o artigo 174º do CP.  
 
  
 Ora, a norma assim interpretada não é inconstitucional. 
 
  
 
 2)      A inconstitucionalidade do artigo 400º, nº 1, al. e) do CP 
 
  
 
 12. Por último, há que apreciar a questão de inconstitucionalidade colocada pelo 
 recorrente C., relativa à norma constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 400º 
 do CPC [na versão anterior à Lei n.º 48/2007, de29 de Agosto]. 
 
  
 Para começar, sublinhe-se que o recorrente C. apenas elegeu como objecto do 
 presente recurso a norma extraída da alínea e) do n.º 1 do artigo 400º do CPP 
 
 [na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto] e não qualquer norma 
 relativa à possibilidade de rejeição parcial do recurso, fosse essa norma a 
 constante do n.º 1 artigo 403º (relativo à limitação do recurso), a constante do 
 n.º 2 do artigo 414º do CPP (relativo às condições para prolação de despacho de 
 não admissão), ou ainda a constante do n.º 1 do artigo 420º (relativo à rejeição 
 
 – total ou parcial – de recurso interposto), todos do CPP [na redacção anterior 
 
 à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto].
 
  
 Assim, a única questão colocada pelo recorrente é a de saber se será 
 inconstitucional a alínea e) do n.º 1 do artigo 400º do CPP [na redacção 
 anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto] quando interpretada no sentido de, 
 no caso de decisões proferidas em processos que visem a punição da prática de 
 crimes diversos, cujas molduras penais abstractas sejam, umas, superiores e, 
 outras, inferiores a 5 anos, determinar a inadmissibilidade parcial do recurso 
 quando os crimes puníveis com pena inferior a 5 anos.
 
  
 A alínea e) do n.º 1 do artigo 400º do CPC [na versão anterior à Lei n.º 
 
 48/2007, de 29 de Agosto] dispunha o seguinte:
 
  
 
             “1. Não é admissível recurso:
 
             (…)
 e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a 
 que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, 
 mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha 
 usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3;
 
 (…)”
 
  
 No que diz respeito à norma anteriormente contida na alínea e) do n.º 1 do 
 artigo 400º do CPP, existe abundante jurisprudência deste Tribunal no sentido da 
 sua compatibilidade com o enunciado constitucional. Por diversas vezes, tem 
 entendido este Tribunal que a Constituição da República Portuguesa (e, em 
 especial, o n.º 1 do seu artigo 32º) não obriga o legislador ordinário à 
 previsão de uma dupla instância de recurso. Senão, vejam-se, a mero título de 
 exemplo, o acórdão n.º 189/01, de 03 de Maio de 2001, (disponível in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt); o acórdão n.º 49/03, de 29 de Janeiro de 2003, 
 
 (disponível in «Diário da República», Série II, n.º 90, de 16 de Abril de 2003, 
 pp. 5929 e segs.); o acórdão n.º 490/03, de 22 de Outubro de 2003, (disponível 
 em http://www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 Aliás, através do Acórdão n.º 39/04, de 02 de Junho de 2004, (publicado in 
 
 «Diário da República», Série II, n.º 58, de 07 de Julho de 2004, pp. 10219 e 
 segs.; posteriormente reiterado pelo Acórdão n.º 140/06, de 21 de Fevereiro de 
 
 2006, publicado in «Diário da República», Série II, n.º 98, de 22 de Maio de 
 
 2006, pp. 7233 e segs.), o Tribunal Constitucional já pôde mesmo concluir pela 
 não inconstitucionalidade daquela alínea quando interpretada no sentido de 
 impedir um recurso fundado na nulidade da decisão recorrida, ou seja, mesmo que 
 a questão processual potencialmente geradora de nulidade apenas tenha sido 
 apreciada pelo tribunal que profere a decisão alvo de recurso.
 
  
 Nos presentes autos, entende o recorrente C. ser inconstitucional uma 
 interpretação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400º do CPC [na versão anterior à 
 Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto] que permita que, em caso de concurso de crimes 
 
 – uns com molduras penais abstractas inferiores a 5 anos e outros com molduras 
 penais abstractas superiores a 5 anos, se proceda a uma cisão do recurso 
 interposto, admitindo apenas recurso quanto aos crimes puníveis com pena de 
 prisão superior a 5 anos. Com efeito, esta questão específica de interpretação 
 normativa ainda não foi alvo de decisão expressa por parte do Tribunal 
 Constitucional, razão pela qual se justifica a sua apreciação mais detalhada.
 
  
 Resulta dos autos que, na sequência de Parecer do Ministério Público junto do 
 Supremo Tribunal de Justiça (fls. 5728 a 5731), a decisão recorrida por C. 
 determinou a rejeição parcial do recurso interposto, nos seguintes termos:
 
  
 
 “Sustenta, como vimos, o MP a irrecorribilidade total ou parcial dos recursos, 
 com base na al. e) do nº 1 do art. 400º do CPP, que estabelece que são 
 irrecorríveis os acórdãos das Relações, proferidos em recurso, em processo por 
 crime a que seja aplicável pena de multa ou de prisão não superior a 5 anos 
 
 (independentemente do resultado do recurso).
 
             Se atentarmos nas condenações, constataremos que o arguido A. foi 
 condenado em 1ª instância, por dois crimes do art. 175º do CP, a que corresponde 
 uma pena de prisão até 2 anos, condenação que foi confirmada pela Relação.
 
             Assim, por força do citado preceito, é incontestável que o recurso 
 deste arguido não é admissível.
 Pelo mesmo crime do art. 175º do CP foi também o arguido C. condenado (35 
 crimes). E foi ainda condenado por um crime do art. 172º, nº 3, a) do CP, 
 punível com prisão até 3 anos, e por um crime de detenção ilegal de arma, p.p. 
 pelo art. 6º, nº 1 da Lei nº 22/97, de 27-6, na redacção da Lei nº 98/2001, de 
 
 25-8, punível com prisão até 2 anos ou multa até 240 dias. Esta decisão da 1ª 
 instância foi confirmada pela Relação.
 Também a esses crimes se aplica, portanto, a mesma regra do art. 400º, nº 1, e) 
 do CPP.
 
 (…)
 Isto significa que o recurso do arguido A. deverá ser totalmente rejeitado, e 
 parcialmente rejeitados os dos outros recorrentes, por inadmissibilidade dos 
 mesmos.
 Resumindo: o recurso do arguido C. subsistirá quanto aos crimes do art. 172º, nº 
 
 1 e 2 do CP; quanto à pena unitária; e ainda quanto aos pedidos cíveis.” (fls. 
 
 5804 e 5805)
 
  
 
             Daqui decorre que, ao contrário do que sucedeu em outros autos, nos 
 quais o Tribunal Constitucional apreciou a constitucionalidade da alínea e) do 
 n.º 1 do artigo 400º do CPP [na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de 
 Agosto], neste caso, a decisão recorrida não rejeitou integralmente o recurso 
 interposto, tendo apenas rejeitado parcialmente o mesmo, quanto aos crimes cuja 
 moldura penal abstracta era inferior a 5 anos.
 
  
 Conforme já notado pelo Acórdão n.º 189/01, relevante para efeitos da 
 admissibilidade de recurso é a moldura penal abstracta de cada um dos crimes 
 julgados em cada processo. Deste modo, mantém-se o entendimento segundo o qual a 
 exclusão do direito de recorrer, uma segunda vez, de decisões relativas a crimes 
 de menor gravidade constitui restrição proporcionada ao direito de recurso 
 previsto no n.º 1 do artigo 32º da CRP, visto que visa evitar uma sobrecarga do 
 Supremo Tribunal de Justiça, assim assegurando uma adequada, mas célere, 
 ponderação de questões jurídico-criminais controvertidas que exigem 
 verdadeiramente a sua intervenção. A simples circunstância de, por razões de 
 celeridade processual, terem sido julgados diversos crimes no mesmo 
 processo-crime não justifica a invocação da tutela constitucional para conseguir 
 aquilo que o recorrente não lograria caso os crimes tivessem sido alvo de 
 julgamento em processo-crime autónomo.
 
  
 
             Acresce que, no caso concreto, a decisão recorrida garantiu 
 plenamente ao recorrente C. o direito de recorrer quanto aos crimes de abuso 
 sexual de crianças, seja mediante “acto sexual de relevo”, punível com pena de 
 prisão de 1 a 8 anos (cfr. n.º 1 do artigo 172º do CP, na redacção anterior à 
 Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro), seja mediante “cópula, coito anal ou coito 
 oral”, punível com pena de prisão de 3 a 10 anos (cfr. n.º 2 do artigo 172º do 
 CP, na redacção anterior à Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro), pelo que a 
 interpretação da norma constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 400º do CPP [na 
 redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto] nem sequer pode ser 
 considerada como equivalente a uma restrição desproporcionada do direito do 
 arguido ao recurso.
 
  
 Conforme abundantemente reiterado pela jurisprudência deste Tribunal, que aqui 
 se convoca, o direito ao recurso consagrado pelo n.º 1 do artigo 32º da Lei 
 Fundamental não equivale à exigência de que os arguidos possam recorrer até à 
 
 última instância de recurso em relação a todas as decisões proferidas por um 
 tribunal de segunda instância, que haja julgado determinada questão, em sede de 
 recurso. Como tal, independentemente da larga margem de conformação pelo 
 legislador das soluções legislativas que julgue mais adequadas, não é possível 
 concluir pela inconstitucionalidade da norma extraída da alínea e) do n.º 1 do 
 artigo 400º do CPP [na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto], 
 quando interpretada no sentido de ser possível a “cindibilidade, não requerida, 
 do acórdão recorrido, para que, em consequência, se permita apreciar somente 
 alguns crimes nele julgados e não outros. (…) quando no caso estão em apreço, 
 para além de crimes com moldura penal abstracta inferior a 5 anos, também crimes 
 de moldura penal abstracta superiores aos referidos 5 anos” (fls. 5830).
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
 
  
 a)                          Não conhecer do objecto do recurso quanto à 
 inconstitucionalidade material da norma extraída do artigo 175º do Código Penal 
 
 [na versão anterior à Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro];
 
  
 b)                          Não conceder provimento ao recurso, na parte em que 
 dele se conhece.
 
  
 
  
 Custas devidas por cada um dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 
 UC´s, por cada um, nos termos do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, 
 de 07 de Outubro.
 Lisboa, 2 de Julho de 2008
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Gil Galvão