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Processo n.º 1105/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
   
 
  Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                  1. A., L.da, apresentou reclamação para a 
 conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 15 de Janeiro de 
 
 2007, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, 
 não conhecer do objecto do recurso.
 
  
 
                                  1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte 
 teor:
 
  
 
                  “1. A., L.da, por requerimento apresentado em 12 de Julho de 
 
 2006 (fls. 1437 a 1450), veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA), 
 de 30 de Março de 2004 (fls. 243 a 251), pretendendo ver apreciada a questão da 
 inconstitucionalidade da «aplicação da Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro, 
 da Direcção‑Geral dos Impostos, que cria uma norma de incidência fiscal 
 distinta daquela que está prevista na alínea f), in fine, do n.º 3 do artigo 3.º 
 do Código do IVA, violando, assim, o princípio da legalidade em matéria de 
 incidência fiscal, previsto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, 
 da CRP», questão de inconstitucionalidade que teria sido suscitada, pela 
 recorrente, na petição inicial do processo de impugnação judicial, nas 
 contra‑alegações do recurso interposto pela Fazenda Pública para o TCA e em sede 
 de «reclamação para a conferência do TCA, a qual tinha por objecto o acórdão 
 recorrido», e ainda a questão da inconstitucionalidade material do conteúdo da 
 referida Circular, «por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 
 
 13.º da CRP», questão que teria sido «sobejamente suscitada durante o processo», 
 e, por último, a questão da violação, pelo acórdão recorrido, do princípio do 
 acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.º 
 da CRP, por ter omitido o fundamento de direito que justifica a afirmação que 
 
 «segundo a lei do POC (…), as ofertas constituídas por bens adquiridos a 
 terceiros, (…) serão tidas como custo fiscal desde que devidamente documentadas 
 e não excedam os limites considerados razoáveis pela DGCI».
 
                  O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do TCA Sul 
 
 (fls. 1473), decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional 
 
 (artigo 76.º, n.º 3, da LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é 
 inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária de não 
 conhecimento, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
                  2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, 
 a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas.
 
                  Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 
 
 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade 
 depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), 
 e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das 
 dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
 
                  Face ao disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, não são de 
 considerar, para se dar como verificado o cumprimento do apontado requisito, nem 
 suscitações de questões de constitucionalidade perante instâncias distintas do 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, nem questões suscitadas depois de 
 proferida a decisão final (com a qual se esgotou o poder jurisdicional do 
 tribunal recorrido), designadamente através de pedidos de aclaração ou de 
 arguições de nulidade dessa decisão. Por estas razões, não são atendíveis, para 
 este efeito, nem a petição inicial da impugnação judicial, apresentada no 
 Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, nem o pedido de aclaração do 
 acórdão recorrido.
 
                  Resta, assim, a contra‑alegação relativa ao recurso interposto 
 pela Fazenda Pública, endereçada ao TCA. Mas, lida essa peça (fls. 172 a 204), 
 nela não se vislumbra a suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade 
 tendo por objecto as normas da referida Circular, à qual são apenas 
 endereçadas acusações explicitamente qualificadas pela recorrente como 
 integrando ilegalidades, quer por «falta de habilitação legal para interpretar 
 extensivamente normas de incidência tributária», quer «por violar o princípio da 
 igualdade ao pretender tratar da mesma forma situações objectivamente desiguais, 
 tais como os usos comerciais», quer «pela abusiva desvirtuação de norma 
 comunitária e respectiva transposição legal». Isto é: a recorrente não 
 suscitou, em termos processualmente adequados, perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, em 
 termos de colocar esse tribunal na obrigação de dela conhecer.
 
                  Tanto basta para reconhecer a inadmissibilidade do recurso no 
 que tange às duas questões reportadas, no requerimento de interposição do 
 presente recurso, à aludida Circular.
 
                  E quanto à terceira questão (violação, pelo acórdão recorrido, 
 do princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, previsto 
 no artigo 20.º da CRP), é óbvio que não se trata de qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, sendo a pretensa violação da Constituição 
 imputada directamente à decisão judicial, em si mesma considerada, o que, como 
 se viu, não constitui objecto idóneo de recurso de constitucionalidade.
 
  
 
                  3. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 
 
 78.º‑A da LTC, não conhecer do presente recurso.”
 
                  
 
                                  1.2. A reclamação da recorrente apresenta a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
 “1.º – A recorrente interpôs recurso de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade do douto acórdão proferido pelo Tribunal Central 
 Administrativo Sul em 30 de Março de 2004.
 
 2.º – Considera a recorrente, em resumo, no recurso de fiscalização concreta 
 interposto, que se verificam diversas questões que reclamam a fiscalização por 
 parte deste Venerando Tribunal Constitucional:
 a) A inconstitucionalidade das normas contidas na Circular n.º 19/89, de 18 de 
 Dezembro, da Direcção‑Geral dos Impostos, que, criando uma norma de incidência 
 fiscal, violam o princípio da legalidade em matéria de incidência fiscal, 
 previsto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da CRP, e que o 
 douto acórdão recorrido vem aplicar, remetendo para «a lei do POC» a respectiva 
 autorização legal e, em consequência, adoptando, também aqui, uma interpretação 
 do Plano Oficial de Contabilidade (aprovado por Decreto‑Lei não autorizado por 
 lei da Assembleia da República) violadora do referido princípio constitucional 
 da legalidade em matéria tributária e, também, do artigo 112.º, n.º 6, da CRP 
 que refere que «Nenhuma lei pode (...) conferir a actos de outra natureza o 
 poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou 
 revogar qualquer dos seus preceitos»; e,
 b) A inconstitucionalidade das normas contidas na Circular n.º 19/89, de 18 de 
 Dezembro, da Direcção‑Geral dos Impostos, que, estabelecendo um critério único 
 para diversos sectores de actividade, numa tentativa de «interpretar» o 
 conceito legal de usos comerciais, violam o princípio da igualdade.
 
 3.º – Ora, a douta Decisão Sumária, de que se reclama, vem concluir pela 
 
 «inadmissibilidade do recurso» relativamente a estas questões, por considerar 
 que «a recorrente não suscitou, em termos processualmente adequados, perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, em termos de colocar esse tribunal na 
 obrigação de dela conhecer».
 
 4.º – Isto porque, por um lado, «não são atendíveis [para efeito de suscitação 
 de questões de inconstitucionalidade] nem a petição inicial (...), nem o pedido 
 de aclaração do acórdão recorrido».
 
                  5.º – E, por outro lado, que «não se vislumbra [na 
 contra‑alegação de recurso] a suscitação de qualquer inconstitucionalidade tendo 
 por objecto das normas da referida Circular».
 
                  6.º – Ora, salvo o devido respeito, que é muito, a recorrente 
 não pode conformar‑se com estas conclusões.
 
                  7.º – Efectivamente, a recorrente suscitou, também, nas suas 
 contra‑alegações de recurso as questões cuja inconstitucionalidade se pretende 
 submeter à apreciação deste Venerando Tribunal Constitucional. Vejamos as 
 passagens concretas dessas contra‑alegações:
 
  
 
                  «29.º – De acordo com o princípio da legalidade tributária, a 
 incidência, bem como as taxas de imposto, carecem da forma de lei ou de 
 decreto‑lei autorizado.
 
                  79.º – Esquecendo‑se que o princípio da igualdade consiste, 
 precisamente, em tratar igual o que é igual e diferenciadamente o que é 
 desigual.
 
                  93.º – Não o fazendo, a Administração Fiscal viola o princípio 
 da igualdade por não tratar de forma desigual situações que não são, de facto, 
 iguais.»
 
  
 
                  8.º – Ora, salvo o devido respeito, a recorrente expressamente 
 considerou que o princípio da legalidade tributária e o princípio da igualdade 
 seriam violados pela circular em questão.
 
                  9.º – Isto é, suscitou, em tempo e de modo adequado, a violação 
 dos referidos princípios constitucionais.
 
                  10.º – De resto, ao afirmar que «De acordo com o princípio da 
 legalidade tributária, a incidência, bem como as taxas de imposto, carecem da 
 forma de lei ou de decreto‑lei autorizado», não está mais do que a parafrasear o 
 disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP: «Os impostos são criados por lei, que 
 determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos 
 contribuintes».
 
                  11.º – E, ao afirmar que «o princípio da igualdade consiste, 
 precisamente em tratar igual o que é igual e diferenciadamente o que é 
 desigual» também não está mais do que a enunciar o brocado jurídico que 
 caracteriza este mesmo princípio constitucional.
 
                  12.º – De resto, pelo facto de a recorrente ter suscitado as 
 questões da inconstitucionalidade das normas da referida Circular, por violação 
 do princípio da legalidade em matéria tributária e do princípio da igualdade, o 
 acórdão recorrido pronunciou‑se sobre estas questões.
 
                  13.º – Pelo que não é verdade que a recorrente não tenha 
 suscitado as questões de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido «em 
 termos de colocar esse tribunal na obrigação de dela[s] conhecer».
 
                  14.º – Na verdade, o acórdão recorrido aborda a questão do 
 princípio da legalidade em matéria tributária e da sua (não) violação pelas 
 normas da Circular em crise, nos seguintes termos: «se é certo que os tribunais 
 estão apenas sujeitos à 1ei, pelo que não os vincula qualquer orientação 
 administrativa de que decorra uma certa interpretação da mesma, qual é o caso 
 das instruções dimanadas do referido ofício circular, poderia o M.mo Juiz 
 afastar a aplicação do critério dado pela Administração Tributária».
 
 15.º – «É que, face à lei, os procedimentos definidos, maxime o “direito 
 circulado” da Administração Tributária não podem derrogar o principio da 
 legalidade tributária pelo que, a essa luz, é possível afirmar a 
 desconformidade do conteúdo do acto recorrido com as normas legais referidas e, 
 deste modo, que os pressupostos realmente existentes impunham a decisão 
 administrativa de sinal contrário, sendo certo que o Sr. Juiz recorrido não 
 estava vinculado àquela decisão administrativa cuja aplicabilidade ao caso 
 concreto afastou ao afirmar que era ilegal a tributação por considerar que, ao 
 excepcionar as ofertas da tributação em IVA, a lei, quer a comunitária quer a 
 interna, não quantificou o valor dessas ofertas; em detrimento de um critério 
 quantificativo objectivo, optou deliberadamente por critérios valorativos – 
 pequeno valor, para os fins da própria empresa, em conformidade com os usos 
 comerciais – pela sua própria natureza de conteúdo mais indeterminado».
 
                  16.º – «E para o M.mo Juiz, tal opção inculca desde logo a 
 intenção legislativa de dar um cunho de maleabilidade à situação em causa, de 
 modo a ela poder adaptar‑se às específicas e concretas condições de mercado e da 
 economia».
 
                  17.º – «A nosso ver a casuística defendida pelo M.mo Juiz não é 
 aceitável e o critério fixado pela Administração Tributária no ajuizado ofício 
 circular é o mais objectivo e funda‑se na lei por apelo às normas constantes do 
 POC».
 
                  18.º – E, por outro lado, considera que «Resulta do exposto que 
 o critério consagrado no ofício circular em causa não viola o princípio de 
 igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República porque 
 demonstrado ficou que o mesmo não é arbitrário, isto é, tem uma justificação 
 razoável».
 
                  19.º – Considerando que «Por todas estas razões, não se violou 
 o princípio da igualdade nos termos configurados pelo recorrente».
 
                  20.º – O que a recorrente admite é que não suscitou a questão 
 da violação do princípio constitucional da legalidade tributária na perspectiva 
 que o douto acórdão recorrido também o faz.
 
                  21.º – Isto é, ao interpretar que o Plano Oficial de 
 Contabilidade (aprovado por decreto‑lei não autorizado por Lei da Assembleia da 
 República) pode conter normas de incidência fiscal ou autorizar uma circular a 
 fazê‑lo.
 
 22.º – O que, de resto, se explica de forma que a recorrente considera singela:
 
 23.º – O douto acórdão recorrido, ao considerar que, de acordo com «a lei do 
 POC», as ofertas «serão tidas como custo fiscal desde que devidamente 
 documentadas e não excedam os limites considerados razoáveis pela DGCI», 
 interpreta este diploma de forma também ela inconstitucional, isto é, admitindo 
 que um decreto‑lei não precedido de autorização legislativa pode determinar 
 normas de incidência fiscal (violando, assim, o disposto nos artigos 165.º, n.º 
 
 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da CRP),
 
 24.º – Mas também, reconhecendo a possibilidade de este diploma remeter para uma 
 circular essa delimitação de incidência fiscal, viola o disposto no artigo 
 
 112.º, n.º 6, da CRP.
 
 25.º – E esta é, de resto, a base fundamental para toda a decisão do acórdão 
 recorrido, cujas inconstitucionalidades a recorrente reconhece que não suscitou, 
 excepto em sede de pedido de aclaração e de reclamação para a conferência;
 
 26.º – Mas a razão para não o ter feito nas suas contra‑alegações de recurso é 
 manifesta:
 
 27.º – A douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de 1.ª Instância de 
 Lisboa julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela ora recorrente, 
 aderindo, assim, às questões suscitadas e nunca abordando a tese sustentada no 
 acórdão recorrido,
 
 28.º – Também a Fazenda Pública, no procedimento administrativo, na sua 
 contestação ou nas suas alegações de recurso, não sustenta, de forma alguma, a 
 tese original de que, de acordo com «a lei do POC», as ofertas «serão tidas como 
 custo fiscal desde que devidamente documentadas e não excedam os limites 
 considerados razoáveis pela DGCI».
 
 29.º – Assim, o primeiro momento em que a ora recorrente se confrontou com tal 
 doutrina foi com a prolação do acórdão recorrido.
 
 30.º – O que, de resto, se explica, uma vez que o Plano Oficial de 
 Contabilidade não tem ínsita a norma que o acórdão recorrido aí pretendeu 
 encontrar, nem o poderia fazer, sob pena das inconstitucionalidades arguidas.
 
 31.º – Assim, verifica‑se, quanto a esta questão, uma situação clara de dispensa 
 do ónus de suscitar esta inconstitucionalidade em momento anterior à prolação do 
 acórdão.
 
 32.º – O que parece óbvio, já que a recorrente não poderia antecipar ou imaginar 
 aquela que foi uma verdadeira «decisão surpresa»,
 
 33.º – E que se funda na esteira da jurisprudência deste Venerando Tribunal.
 
 34.º – Isto é, a, recorrente «não teve oportunidade processual de suscitar a 
 inconstitucionalidade deste normativo, antes da prolação do aresto recorrido» 
 
 (cf. Acórdão n.º 153/99, proferido em 9 de Março de 1999, por este Venerando 
 Tribunal. Constitucional, no âmbito do processo n.º 1/99).
 
 35.º – Por este facto, «o Tribunal Constitucional também tem reconhecido 
 poderem ocorrer situações em que não é exigível o cumprimento desse ónus, como 
 sucederá quando o recorrente, ou não dispôs de oportunidade para invocar a 
 inconstitucionalidade, ou foi – objectivamente – surpreendido com a aplicação de 
 uma norma, ou de uma sua interpretação, com a qual não podia razoavelmente 
 contar» (cf. Acórdão n.º 113/2003, proferido em 21 de Fevereiro de 2003 por 
 este Venerando Tribunal Constitucional, no âmbito do processo n.º 34/2003).
 
 36.º – Razão pela qual considera a recorrente que, em resumo, suscitou, em 
 tempo, as questões de inconstitucionalidade normativa que poderia ter 
 suscitado, não tendo suscitado aquelas que vieram a constituir uma verdadeira 
 
 «decisão surpresa» com o acórdão recorrido.
 
 37.º – Termos em que deverão considerar‑se verificados os pressupostos legais 
 de admissão do presente recurso.
 
 38.º – Pelo que a presente reclamação deverá ser deferida e, em consequência, 
 deverá conhecer‑se do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade 
 interposto.”
 
  
 
                                  1.3. Notificada da apresentação desta 
 reclamação, a recorrida (Fazenda Pública) respondeu, propugnando a improcedência 
 da pretensão da recorrente.
 
                                  Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                  2. Conforme resulta do respectivo requerimento 
 de interposição de recurso, a recorrente pretendia que o Tribunal Constitucional 
 apreciasse três “questões de inconstitucionalidade”, a saber:
 
                                  1.ª – a questão da inconstitucionalidade da 
 
 “aplicação da Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro, da Direcção‑Geral dos 
 Impostos, que cria uma norma de incidência fiscal distinta daquela que está 
 prevista na alínea f), in fine, do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA, 
 violando, assim, o princípio da legalidade em matéria de incidência fiscal, 
 previsto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da CRP”;
 
                                  2.ª – a questão da inconstitucionalidade 
 material do conteúdo da referida Circular, “por violação do princípio da 
 igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP”; e
 
                                  3.ª – a questão da violação, pelo acórdão 
 recorrido, do princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional 
 efectiva, previsto no artigo 20.º da CRP, por ter omitido o fundamento de 
 direito que justifica a afirmação que “segundo a lei do POC (…), as ofertas 
 constituídas por bens adquiridos a terceiros, (…) serão tidas como custo fiscal 
 desde que devidamente documentadas e não excedam os limites considerados 
 razoáveis pela DGCI”.
 
                                  Na decisão ora reclamada entendeu‑se não se 
 conhecer do objecto do recurso:
 
                                  – relativamente às duas primeiras “questões de 
 inconstitucionalidade”, por, na contra‑alegação da recorrente relativa ao 
 recurso interposto pela Fazenda Pública – única peça da recorrente apresentada 
 perante o tribunal recorrido – não se vislumbrar a suscitação de qualquer 
 questão de inconstitucionalidade tendo por objecto as normas da referida 
 Circular; e
 
                                  – relativamente à terceira questão, por ser 
 
 óbvio não se tratar de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, 
 sendo a pretensa violação da Constituição imputada directamente à decisão 
 judicial, em si mesma considerada, o que não constitui objecto idóneo de recurso 
 de constitucionalidade.
 
                                  Na presente reclamação, a recorrente não 
 impugna esta última decisão, limitando‑se a contestar a decisão de não 
 conhecimento das duas primeiras “questões de inconstitucionalidade”, decisão 
 que se baseou na constatação de a recorrente não ter suscitado, perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade. Para contrariar esta parte da decisão sumária reclamada, 
 a ora reclamante cita três artigos da sua contra‑alegação: o 29.º (“De acordo 
 com o princípio da legalidade tributária, a incidência, bem como as taxas de 
 imposto, carecem da forma de lei ou de decreto‑lei autorizado”), o 79.º 
 
 (“Esquecendo‑se que o princípio da igualdade consiste, precisamente, em tratar 
 igual o que é igual e diferenciadamente o que é desigual”) e o 93.º (“Não o 
 fazendo, a Administração Fiscal viola o princípio da igualdade por não tratar de 
 forma desigual situações que não são, de facto, iguais”). Mas estas afirmações 
 genéricas, esparsas por aquela peça processual, não constituem, manifestamente, 
 forma adequada de suscitação das duas questões de inconstitucionalidade que, no 
 requerimento de interposição de recurso, são reportadas à Circular n.º 19/89, de 
 
 18 de Dezembro, da Direcção‑Geral dos Impostos.
 
                                  As interpretações normativas acolhidas, a este 
 respeito, no acórdão recorrido nada têm de insólito ou de imprevisto, 
 correspondendo, aliás, na sua essência, às teses defendidas na alegação da 
 então recorrente Fazenda Pública, pelo que a ora reclamante teve oportunidade 
 processual para, na contra-alegação por si apresentada, suscitar apropriadamente 
 as questões de inconstitucionalidade que agora pretende ver apreciadas.
 
                                  Por último, a surpresa que a reclamante imputa 
 
 à invocação, pelo acórdão recorrido, da “lei do POC” – para além de ser 
 questionável, pois este diploma fora expressamente invocado na alegação da 
 Fazenda Pública (cf. 3-I, a fls. 162) – surge como irrelevante, por não integrar 
 o objecto das referidas duas “questões de inconstitucionalidade”, identificadas 
 no requerimento de interposição de recurso.
 
                                  Reitera‑se, assim, o entendimento de que, nessa 
 parte, a reclamante não suscitou adequadamente, perante o tribunal que proferiu 
 a decisão recorrida, as questões de inconstitucionalidade que pretendia ver 
 apreciadas, o que torna o recurso inadmissível e determina o não conhecimento do 
 seu objecto.
 
  
 
                                  3. Em face do exposto, acordam em indeferir a 
 presente reclamação.
 
                                  Custas pela reclamante, fixando‑se a taxa de 
 justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 15 de Fevereiro de 2007.
 Mário José de Araújo Torres
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos