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Processo  n.º 850/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
 
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I. Relatório
 
  
 A. reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de um despacho (a 
 fls. 384) que apenas lhe admitiu um recurso de um acórdão do Tribunal da Relação 
 de Coimbra para o Supremo Tribunal de Justiça na parte respeitante ao cúmulo 
 jurídico das penas parcelares que lhe haviam sido aplicadas, não admitindo tal 
 recurso na parte referente aos crimes pelos quais foi condenado e às respectivas 
 penas parcelares aplicadas.
 
  
 Na reclamação, sustentou o arguido que o recurso devia ser admitido na sua 
 totalidade, e não apenas no respeitante ao cúmulo jurídico, suscitando ainda a 
 inconstitucionalidade do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo 
 Penal, na versão da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando entendido no 
 sentido de, no caso de concurso de infracções, não ser recorrível, para o 
 Supremo Tribunal de Justiça, a parte da decisão da Relação que confirme decisão 
 da 1ª instância que aplique pena de prisão parcelar não superior a 8 anos, sem 
 prejuízo de ser recorrível qualquer outra parte dessa decisão, relativa a pena 
 parcelar ou mesmo só à operação de formação da pena única que tenha excedido 
 aqueles limites, por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição.
 
  
 Por decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Setembro de 
 
 2009 (a fls. 417 e seguintes), foi a reclamação indeferida, invocando-se, no 
 tocante à suscitada questão de inconstitucionalidade, a jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional quanto à inexigência de um triplo grau de jurisdição.
 
  
 Desta decisão recorreu A. para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo a 
 apreciação da “inconstitucionalidade do conceito normativo sobre o artigo 400º, 
 n.º 1, alínea f) e artigo 5º, n.º 2, do CPP, interpretado no sentido de que “no 
 caso de concurso de infracções tendo a Relação confirmado, em recurso, decisão 
 de 1ª instância que aplicou pena de prisão parcelar não superior a 8 anos, essa 
 parte não é recorrível para o S.T.J., nos termos do artigo 400º, n.º 1, alínea 
 f), do C.P.P., na versão da Lei 48/2007 de 29 de Agosto, sem prejuízo de ser 
 recorrível qualquer outra parte da decisão, relativa a pena parcelar ou mesmo só 
 
 à operação de formação da pena única que tenha excedido aqueles limites, por 
 violação do artigo 18º, n.º 3, e 32º, n.º 1, da CR». 
 
  
 Tendo o recurso sido admitido apenas no que se refere à norma da alínea f) do 
 n.° 1 do art. 400.° do CPP, por decisão sumária proferida ao abrigo do disposto 
 no artigo 78º-A da LTC foi negado provimento, com base no entendimento de que, 
 embora o Tribunal Constitucional não tenha ainda analisado a específica questão 
 suscitada, se retira da sua jurisprudência sobre o direito ao recurso em 
 processo penal que a mesma improcede necessariamente por não ser 
 constitucionalmente desconforme a inadmissibilidade de um terceiro grau de 
 jurisdição quanto à aplicação de pena parcelar não superior a 8 anos de prisão 
 
 (invocando-se a propósito os acórdãos n.ºs 189/01, 264/04, 64/06 e 640/2004).
 
  
 Notificado da decisão sumária, dela reclamou A. para a conferência, ao abrigo do 
 disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, dizendo, em 
 síntese, o seguinte (fls. 470 e seguintes):
 
  
 
 “[…]
 
 5 Salvo o muito respeito devido, o reclamante entende não terem sido sequer 
 respondidos, pelo Colendo Conselheiro Relator, as questões que levantou e que 
 ressaltam suficientemente das motivações atrás reproduzidas.
 
  
 
 6 Com efeito, parece patente, em boa fé, que o ora reclamante não pretendeu 
 colocar em crise a questão do direito constitucional do cidadão ao triplo grau 
 de jurisdição, até porque, embora não concordando, conhece a jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional sobre essa questão.
 
  
 
 7 A questão que aqui sempre foi colocada bem ostensivamente consiste em saber se 
 a Constituição da República Portuguesa sanciona ou não, em caso de concurso de 
 infracção a cisão em parcelas das diversas penas que compõem o cúmulo jurídico 
 no qual se estabelece uma pena de 10 anos de prisão, efectuando-se engenharia 
 que sublima o real peso desta pena aplicada, pretendendo-se para este o mesmo 
 tratamento de uma pena leve e sem gabarito para merecer a atenção do S.T.J.
 
 8 Como será possível, pois, invocar, neste caso, a fundamentação do Acordao 
 
 640/2004 que “afirma não ser arbitrário nem manifestamente infundado reservar a 
 intervenção do S.T.J. por via do recurso, aos casos mais graves, aferindo a 
 gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada”?
 
 9 Na verdade, estar-se-á a afirmar que um processo, no qual é aplicada uma pena 
 de 10 anos de prisão, constitui um caso de menor gravidade??
 
 10 Como pode, pois, o S.T.J. admitir um recurso apenas e exclusivamente para 
 apreciação do cúmulo jurídico, deixando de fora os próprios ilícitos que o 
 compõem?
 Será isto que a C.R.P. defende? […]”.
 
  
 Na resposta à reclamação, o representante do Ministério Público junto do 
 Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação 
 
 (fls. 488 e seguintes).
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 Segundo o reclamante, a questão de inconstitucionalidade por si colocada ao 
 Tribunal Constitucional – reportada à norma do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do 
 Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual, para efeitos de 
 recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão que aplique pena de prisão 
 superior a 8 anos, apenas é atendível a pena unitária resultante do cúmulo 
 jurídico, e não as penas parcelares que o formam, quando inferiores àquele 
 limite – não foi convenientemente equacionada na decisão sumária ora reclamada, 
 porquanto foi resolvida à luz do direito ao triplo grau de jurisdição e não, 
 como devia, à luz da proibição constitucional da “cisão em parcelas das diversas 
 penas que compõem o cúmulo jurídico” e, portanto, da proibição constitucional da 
 recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça “apenas e exclusivamente para 
 apreciação do cúmulo jurídico, deixando de fora os próprios ilícitos que o 
 compõem”.
 
  
 Na medida em que o reclamante entende que a questão por si colocada não se 
 prende com o direito ao triplo grau de jurisdição, a apontada “cisão em parcelas 
 das diversas penas que compõem o cúmulo jurídico” só seria atentatória do 
 direito ao recurso em processo penal (o direito fundamental cuja violação o 
 recorrente invoca no requerimento de interposição do recurso de 
 constitucionalidade) se tal cisão destituísse o próprio recurso admissível para 
 o Supremo Tribunal de Justiça – isto é, o recurso limitado à matéria do cúmulo 
 jurídico – de qualquer efeito útil. Quer dizer: o direito ao recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça só poderia considerar-se violado se, por via da 
 cisão, ao Supremo Tribunal de Justiça nada restasse, a final, para apreciar, no 
 recurso perante este tribunal interposto e admitido.
 
  
 Tal, porém, não sucede. É possível ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar a 
 matéria do cúmulo jurídico e as questões relativas à pena única aplicada, sem 
 concomitante apreciação das questões relativas às penas parcelares, como o 
 demonstra o regime do artigo 78º do Código Penal: decorre, na verdade, deste 
 preceito que é possível aplicar uma pena única tendo já transitado em julgado a 
 decisão respeitante à pena parcelar, o que, em virtude do caso julgado desta 
 decisão, inviabiliza a reapreciação das questões relativas a esta pena parcelar 
 aquando da ponderação daquele cúmulo.
 
  
 Não determinando a apontada “cisão em parcelas das diversas penas que compõem o 
 cúmulo jurídico” a inutilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça 
 referente à matéria do cúmulo e não se vislumbrando qualquer outro motivo para 
 imputar, à interpretação normativa que constitui o objecto do presente recurso 
 de constitucionalidade, a violação do direito ao recurso em processo penal 
 consagrado no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, improcede necessariamente a 
 reclamação.
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a presente reclamação 
 e confirma-se a decisão reclamada.
 
  
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC. 
 
  
 
  
 Lisboa, 15 de Dezembro de 2009
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão