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Processo n.º 697/08                                                             
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
                (Conselheiro Benjamim Rodrigues)
 
 
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I – Relatório
 
  
 
             1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A., B., C. e D., e 
 recorrido, o Ministério Público, foram interpostos dois recursos separados, ao 
 abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 
 de Novembro (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 
 
 10.07.2008, para apreciação da constitucionalidade:
 
             a) da norma do artigo 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, na 
 versão dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no 
 sentido de permitir que, durante o inquérito, a excepcional complexidade, a que 
 alude o n.º 3 do mesmo artigo, possa ser declarada oficiosamente sem 
 requerimento do Ministério Público;
 
             b) da norma do artigo 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, na 
 versão dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no 
 sentido de permitir que, em caso de declaração oficiosa da excepcional 
 complexidade, esta não tem que ser precedida da audição do arguido,
 por se verificar, quanto à primeira, a violação do disposto nos n.ºs 4 e 5 e, 
 quanto à segunda, a violação do n.º 1, todos do mesmo artigo 32.º da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
             2. Com pertinência para a compreensão do quadro processual em que as 
 questões emergiram, importa notar o seguinte.
 
             2.1. Os arguidos foram detidos em 3 de Outubro de 2007 e, havendo 
 sido apresentados ao Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Viana do 
 Castelo, foi-lhes aplicada a medida de coacção da prisão preventiva.
 
             2.2. Interposto, pelos arguidos, recurso para o Tribunal da Relação 
 de Guimarães, foi confirmada a medida de coacção aplicada.
 
             2.3. Por despacho de 3 de Abril de 2008, o referido Juiz de 
 Instrução Criminal determinou a excepcional complexidade dos autos e a 
 manutenção da prisão preventiva aos arguidos.
 
             2.4. Invocando o disposto nos artigos 118.º, n.º 2, 123.º, n.º 1, 
 
 215.º, n.º 4, in fine, 61.º, b) do Código de Processo Penal, e 32.º, n.º 1, da 
 Constituição da República Portuguesa, os arguidos vieram invocar a 
 irregularidade e consequente invalidade do despacho que determinou a especial 
 complexidade dos autos e, por via disso, a extinção, por decurso do prazo, da 
 medida de prisão preventiva.
 
             2.5. Por despacho de 7 e 8 de Outubro de 2008, o Juiz de Instrução 
 Criminal indeferiu a requerida irregularidade, com o fundamento de que, em 
 situação de oficiosidade, a decisão que determine a excepcional complexidade, 
 nos termos do artigo 215.º, n.º 4, do CPP, não impõe a audição do Ministério 
 Público, do arguido ou do assistente.
 
             2.6. Inconformados, os arguidos interpuseram, perante o Supremo 
 Tribunal de Justiça, providência do Habeas Corpus invocando a ilegalidade da 
 prisão, decorrente da caducidade do prazo da prisão preventiva, e recurso para o 
 Tribunal da Relação, com os mesmos fundamentos.
 
  
 
             3. O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães negou provimento ao 
 recurso, abonando-se, essencialmente, nas seguintes considerações:
 
  
 
 «- Vejamos: 
 
 1 - Sobre se durante o inquérito o Juiz de Instrução Criminal pode declarar, 
 oficiosamente, a excepcional complexidade do processo nos termos do art. 215º, 
 n.ºs 3 e 4 do C. P. Penal. 
 Este preceito tem na sua epígrafe a menção “Prazos de duração máxima da prisão 
 preventiva” e o seu n.º 4 estabelece o seguinte: 
 
 “4 - A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode 
 ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente 
 ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.”. 
 
  
 Analisado o normativo em apreço constata-se, com linearidade, que o mesmo não 
 distingue em que fase do respectivo processo o juiz pode declarar a excepcional 
 complexidade; se em sede de inquérito, instrução ou julgamento. 
 Ora, onde a lei não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo. 
 Argumentam, porém, os recorrentes que se durante o inquérito e nos termos do 
 art. 194°, n.°s 1 e 2 do C. P. Penal o juiz não pode aplicar uma medida de 
 coacção sem ouvir o Ministério Público, não podendo mesmo fazer aplicação de uma 
 medida de coacção mais grave do que a requerida por aquele, não faria sentido 
 que durante o mesmo inquérito pudesse ex officio declarar a excepcional 
 complexidade deste último. 
 Discordamos de tal ponto de vista. 
 Com efeito, no sobredito art. 194° está em causa a aplicação de medidas de 
 coacção ou de garantia patrimonial, as quais implicam uma limitação directa à 
 liberdade pessoal ou patrimonial do arguido. 
 Ou seja, ali estipulam-se as condições em que o juiz procede à aplicação 
 daquelas medidas, que portanto “ são meios processuais de limitação da liberdade 
 pessoal ou patrimonial dos arguidos e outros eventuais responsáveis por 
 prestações patrimoniais, que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, 
 quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões 
 condenatórias “ (Prof. Germano Marques da Silva, In Curso de Processo Penal, II, 
 pág. 201). 
 Assim, estando o respectivo processo ainda em fase de inquérito impõe-se que o 
 seu dominus, o M. P., limite nessa fase a intervenção do Juiz de Instrução, 
 quanto à aplicação dos aludidos meios processuais; e até porque se assim não 
 fosse, poderia até comprometer-se todo um plano de investigação (como refere a 
 Dr.a Odete Maria Oliveira, figure-se a hipótese de o Juiz de Instrução impor ao 
 arguido a prisão preventiva “ quando uma correcta execução de um concreto plano 
 de investigação implicasse a continuação do arguido em liberdade “, In As 
 Medidas de Coacção no Novo Código de Processo Penal, pág. 179). 
 
  
 Já no assinalado art. 215°, nº 4, visa-se apenas uma medida de coacção em 
 particular, a prisão preventiva – de cuja aplicação o M. P. não discorda – e o 
 prazo da sua duração. 
 Nesta conformidade e como in casu sucedeu, aquando do reexame dos pressupostos 
 da prisão preventiva em inquérito – acto jurisdicional a que o Juiz de Instrução 
 Criminal procede periodicamente naquela fase sem necessário e prévio 
 requerimento do M. P., cfr. o art. 213°, n. 1 do C. P. Penal[1] - nada impede 
 que o Juiz nesse momento processual declare a excepcional complexidade do 
 processo. 
 Veja-se que nos termos do n.º 2 daquele preceito compete, então, também ao Juiz 
 de Instrução aquilatar dos fundamentos da elevação dos prazos da prisão 
 preventiva. 
 E para tanto só ouve o M. P. e o arguido, se isso for necessário (n.º 3 do mesmo 
 normativo legal). 
 
  
 Afigura-se-nos, pois, que se em inquérito o M. P. não pretende que ao arguido 
 seja aplicada uma medida de coacção menos gravosa do que a prisão preventiva, 
 nada obsta a que o Juiz ao proceder ao reexame periódico daquela medida, a 
 mantenha, por também a reputar necessária, e em simultâneo declare oficiosamente 
 a excepcional complexidade do processo por entender estarem verificados os 
 fundamentos para tanto. 
 Neste sentido aponta o Acórdão do S. T. J de 30-04-08, processo 08P1504 (uma das 
 providencias de habeas corpus instauradas nestes autos), relatado pelo 
 Conselheiro Rodrigues da Costa, no qual se decidiu que “Em qualquer das fases do 
 processo – inquérito, instrução ou julgamento – a excepcional complexidade pode 
 ser declara pelo juiz oficiosamente e, portanto, também pelo Juiz de Instrução, 
 nomeadamente no reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou sempre que 
 necessário.” 
 Improcede destarte o fundamento invocado. 
 
 *
 
 - Sobre se a decisão que declarou a excepcional complexidade dos presentes autos 
 tinha de ser precedida da audição do arguido. 
 Voltemos a interpretar o acima transcrito art. 215°, n.º 4, do Código de 
 Processo Penal. 
 Entendemos que o mesmo distingue entre a declaração de excepcional complexidade 
 declarada ex officio e a decretada através de prévio requerimento do M. P.. 
 No primeiro caso, o juiz, porque age por sua iniciativa não tem de ouvir os 
 restantes sujeitos processuais. 
 Logo, não tem ab initio de consultar o arguido, embora, naturalmente, o possa 
 fazer. 
 Na segunda situação, a declaração em apreço é solicitada por um dos sujeitos 
 processuais, o M. P., pelo que, antes de decidir o juiz tem de ouvir o arguido e 
 o assistente. 
 Desta orientação que, com todo o respeito pela opinião contrária, julgamos ser a 
 mais correcta, resultam as seguintes consequências: 
 a) Nem o assistente nem o arguido podem requerer que seja declarada a 
 excepcional complexidade do processo. 
 b) Quando esta for declarada oficiosamente, o juiz não tem, previamente, de 
 consultar qualquer sujeito processual (embora o possa fazer). 
 c) Apenas o M. P. pode requerer o decretamento de tal declaração e, nesta 
 hipótese, o juiz só pode decidir depois de ouvir o arguido e o assistente. 
 Reportando-nos ao casu sub judice, verifica-se que o mesmo é subsumível à 
 situação contemplada na sobredita al. b) não padecendo, pois, a decisão 
 recorrida dos vícios assinalados nos recursos. 
 A interpretação do citado art. 215°, n.º 4, por banda dos recorrentes, no 
 sentido de que, em qualquer circunstância, o juiz antes de decidir teria de dar 
 a palavra ao arguido, conduziria, salvo o devido respeito, a esta ilogicidade: a 
 de aquele magistrado ter sempre de ouvir o arguido e o assistente – porque in 
 fine o preceito refere “ouvidos o arguido e o assistente” – e já não ter de 
 consultar o M. P., visto este não ser mencionado na parte final da norma em 
 questão. 
 Como diz e bem o ilustre PGA junto deste Tribunal da Relação “se no art. 215°, 
 n.º 4 do C. P. P. se visasse uma observância irrestrita do contraditório, não 
 faria sentido excluir (sublinhado nosso) o M. P. da audição a que o JIC 
 previamente à prolação “ex officio” do despacho declarativo da excepcional 
 complexidade do procedimento está obrigado” (fls. 1759); exclusão, acrescentamos 
 nós, que já não incidiria sobre o assistente. 
 Não vislumbramos, assim, que a douta decisão a quo tenha contrariado o elemento 
 literal ou sistemático da norma em apreciação. 
 E a este ultimo propósito, nem se diga que houve violação do disposto no art. 
 
 61°, n.º 1, al. b) do C. P. Penal, ou incumprimento do preceituado no art. 32°, 
 n.º 1 da C. R. P., 14°, n.º 3 do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e 
 Políticos, ou no art. 11°, n.º 1, in fine da Declaração Universal dos Direitos 
 do Homem. 
 Na verdade, estamos perante uma das excepções ao direito de audição do arguido 
 previstas no corpo do sobredito art. 61°, n.º 1, nos termos do qual “O arguido 
 goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, 
 dos direitos de: (...)” (sublinhado nosso). 
 Tal restrição legal em nada belisca a obrigação, decorrente do art. 32°, n.º 1, 
 da C. R. P., de o processo penal assegurar ao arguido todas as garantias de 
 defesa. 
 E porquanto a nossa lei adjectiva penal continua a dotar o arguido com todos os 
 mecanismos processuais necessários à elaboração da sua defesa, e, o citado art. 
 
 61°, estabelece “os alicerces do direito global de defesa, especificando alguns 
 dos variados direitos concretos que o integram” (Dr.s Simas Santos e Leal 
 Henriques, In ob. cit., pág. 316). 
 A interpretação sufragada na douta decisão recorrida não padece, portanto, de 
 qualquer vício de inconstitucionalidade. 
 E ela é enunciada como admissível no supra indicado acórdão do S.T.J., quando 
 ali se exarou que “ Se se entender como admissível que a declaração oficiosa de 
 excepcional complexidade pode ser ditada pelo Juiz sem audição prévia do 
 arguido, então tal situação configurará justamente uma das excepções ressalvadas 
 pelo art. 61°, n.º 1 do C. P. P. e não ocorrerá qualquer violação da lei”. 
 Não existem, pois, as invocadas irregularidades nos despachos em apreço. 
 Termos em que improcede, igualmente, este fundamento alegado. 
 
 *
 
 3- Se tem justificação nos presentes autos a sua declaração como sendo de 
 especial complexidade;
 Face aos elementos disponíveis nos autos, investiga-se nos mesmos a prática, 
 pelos recorrentes, em “co-autoria material e com dolo directo, de: 
 
 - dois crimes de roubo, na forma consumada, p. e p. pelo art. 210º, n.ºs 1 e 2, 
 b), em conjugação com o disposto nos art.s 204.º, n.º 2, a) e f) e 202.º, b), 
 todos do CP (lei vigente à data dos factos); 
 
 - um crime de associação criminosa, na forma consumada, p. e p. pelo art. 299.º, 
 n.º 1 do CP (lei vigente à data dos factos); 
 
 - dois crimes de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos art.s 131. °, n.ºs 1 
 e 2, f), g) e j), ambos do CP (lei vigente à data dos factos).” (cfr. fls. 1384 
 e 1385, do 8º volume). 
 Antes de mais, é de referir que os factos em causa são de 04 e sobretudo de 06 
 de Setembro de 2007 (cfr. fls. 288 do II vol.). 
 
 *
 Tendo em 15-09-2007, entrado em vigor a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto que 
 veio alterar o C.P.P. (alterações que se revelam, quanto às matérias em apreço, 
 mais favoráveis aos arguidos - para efeitos do disposto no art. 5º do C. P. 
 Penal). 
 No respeitante à declaração de excepcional complexidade, continuando a ser 
 prevista pela lei nova enquanto pressuposto de elevação, embora em moldes mais 
 reduzidos, quando comparativamente com a antecedente, tem como traço distintivo, 
 como vimos supra, só poder ser declarada durante a 1ª instância, por despacho 
 fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o 
 arguido e o assistente – art. 215. ° n.º 4 do CPP. 
 O legislador não forneceu razão para esse decretamento preclusivo só nessa fase 
 processual – em 1ª instância –, mas alcança-se que a oportunidade da declaração 
 se faz por razões de maior protecção da liberdade individual, coarctando a 
 possibilidade de, noutra fase processual, aquela declaração ainda ter lugar, 
 estimulando a uma maior celeridade processual, desincentivando esse último 
 recurso de elevação do prazo da prisão preventiva. 
 Os crimes em causa, reportam-se a “criminalidade especialmente violenta”, como 
 configura a alínea l) do artigo 1º do C. P. Penal. 
 Conforme estipula o n.º 2 do artigo 215. ° do CPP, no caso, os prazos de duração 
 máxima da prisão preventiva, previstos no nº 1 do artigo 215.º do CPP, são, 
 pois, automaticamente elevados, conforme naquela disposição legal consta. 
 Todavia, os prazos de duração máxima da prisão preventiva previstos no nº 1 
 podem, ainda, ser elevados nos termos do nº 3 daquele artigo 215. ° desde que o 
 procedimento se revele de excepcional complexidade. 
 A descrição da norma não apresenta, porém, a noção de “excepcional complexidade” 
 com um círculo de referências objectivamente marcadas. 
 Para a integração do conceito, indica o legislador, a título de exemplo (como é 
 função do advérbio nomeadamente) alguns tópicos. A excepcional complexidade será 
 revelada, «nomeadamente, pelo número de arguidos ou ofendidos ou pelo carácter 
 altamente organizado do crime». 
 A noção está, pois, em larga medida referenciada a espaços de indeterminação 
 pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os 
 elementos do procedimento; a integração da noção exige, assim, uma intensa e 
 exclusiva ponderação sobre os elementos da concreta configuração processual, que 
 se traduz, no essencial, em uma avaliação prudencial sobre factos. 
 A esse respeito decidiu-se no Acórdão do STJ de 26.1.2005, in Proc. 3114/05, de 
 que foi relator o Exmo. Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, vide site do STJ, 
 in Sumários de Acórdãos, a excepcional complexidade constitui, no rigor, uma 
 noção que apenas assume sentido quanto avaliada na perspectiva do processo, 
 considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na 
 dimensão factual de procedimento enquanto sequência e conjunto de actos e 
 revelação externa e interna de acrescidas dificuldades de investigação, 
 composição e sequência com refracção nos termos e nos tempos do procedimento. 
 A decisão sobre a verificação da excepcional complexidade não depende, pois, da 
 aplicação da lei a factos e da integração de elementos compostos com dimensão 
 normativa, nem está tributária da interpretação de normas. 
 O juízo sobre a complexidade assume-se, assim, como juízo prudencial, de 
 razoabilidade, de critério da justa medida na apreciação e avaliação das 
 dificuldades suscitadas pelo procedimento. Mas, dificuldades do procedimento e 
 não estritamente do processo; as questões de interpretação e de aplicação da 
 lei, por mais intensas e complexas, não atingem a noção. 
 As dificuldades de investigações (técnicas, com intensa utilização dos leges 
 artis da investigação), o número de intervenientes processuais, a deslocalização 
 dos actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos 
 sujeitos processuais, a intensidade de utilização dos meios, tudo serão 
 elementos a considerar, no prudente critério do juiz, para determinar que um 
 determinado procedimento apresenta, no conjunto ou, parcelarmente, em alguma das 
 suas fases, uma especial complexidade com o sentido, essencialmente de natureza 
 factual, que a noção funcionalmente assume no artigo 215, n.º 3 do CPP. 
 Esta declaração deve fundar-se em factores objectivos que coloquem uma 
 dificuldade adicional, acrescida, de natureza excepcional, ao juiz, não sendo 
 por isso suficientes factores de natureza subjectiva. 
 O despacho de declaração da excepcional complexidade deve, como qualquer 
 despacho, ser fundamentado. Di-lo o n.º 4 do artigo 215. °, mas tal já resultava 
 do n.º 5 do artigo 97° do CPP, e constitui, aliás, concretização de imperativo 
 constitucional (artigo 205.º, n.º 1, da Constituição). 
 Está, in casu, o mesmo, no essencial fundamentado da forma seguinte: 
 
 27 “Tais crimes são crimes que se reportam a criminalidade especialmente 
 violenta, tal qual o CPP o define no art. 1º l). 
 Existem constituídos nos autos, para além destes quatro arguidos, pelo menos 
 mais cinco arguidos, para além de diversas pessoas que são, para já, suspeitas. 
 Estão em curso diversas diligências de prova, algumas das quais periciais e de 
 elevada complexidade. 
 Tudo gera, consequentemente, dificuldades na tramitação normal do presente 
 inquérito. 
 Os factos em investigação reportam-se a uma criminalidade complexa, com 
 relacionamentos entre muitas pessoas e com situações que geram dificuldades na 
 investigação. 
 Tais circunstâncias – que desde logo acarretam uma perda enorme de tempo real 
 entre a prática de cada acto de investigação que compõe o inquérito – são de per 
 si reveladoras e constitutivas da qualificante de excepcional complexidade. 
 Dispõe o nº 3 do art. 215. ° do CPP que “Os prazos referidos no n.º 1 são 
 elevados, respectivamente, para doze meses (...), quando o procedimento for por 
 um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional 
 complexidade (...).“ 
 
 É essa, pelos factos supra referidos, a situação do presente inquérito. 
 
  
 
  
 Do nosso ponto de vista, no essencial, concorda-se com o mencionado pelo M. P. 
 que na sua resposta refere: 
 
 “Como já referimos em intervenções anteriores, está em causa nos presentes autos 
 a investigação de criminalidade especialmente violenta, cujos agentes revelaram 
 uma actividade particularmente organizada. 
 Na verdade, os arguidos B., Teimo Martins e A., juntamente com Bruno Moreira e 
 outros indivíduos, mantinham entre si fortes relações de amizade e interesses 
 mútuos, mantendo entre todos um convívio permanente no dia-a-dia. 
 No âmbito desse relacionamento tais indivíduos decidiram conciliar-se para, em 
 conjunto, de forma duradoura, e sob o comando do Bruno Moreira e B., além do 
 mais, congregarem esforços para se apoderarem de bens de terceiros, com recurso 
 
 à força e intimidação através de armas de fogo, cujos lucros seriam divididos 
 por todos. 
 Com o decurso do tempo foram refinando os métodos de actuação, mantendo uma 
 actividade arrojada, extremamente organizada e cautelosa, passando pela prática 
 de carjacking para a utilização de carros roubados em assaltos, como sucedeu nos 
 presentes autos, com utilização de disfarces, eliminando depois toda e qualquer 
 prova que os possa correlacionar com os crimes, ora destruindo as viaturas e 
 telemóveis de recurso, ora evitando qualquer contacto telefónico entre eles de 
 modo a não serem captados em escutas telefónicas. 
 Não tem sido fácil a investigação levada a cabo nos autos pela PJ, para 
 investigar os dois assaltos ocorridos: um em Paços de Ferreira (carjacking) e 
 outro em Viana do Castelo (assalto a duas ourivesarias). 
 Basta uma leitura superficial do processo. 
 Neste momento os autos são constituídos por 22 volumes, com 6090 páginas, para 
 além de diversos apensos. 
 Dado o carácter altamente organizado dos crimes só com recurso a um elevado 
 número de agentes policiais e demoradas diligências de prova (escutas, 
 periciais, exames, cruzamento de diversos dados, etc.) foi possível determinar o 
 acervo factual e probatório já disponível, quase sempre a montante dos factos 
 ocorridos em ordem a colher alguns vestígios quanto a estes dada a destruição 
 sistemática de quaisquer indícios por parte dos arguidos. 
 Sendo certo que ainda importa prosseguir com algumas diligências que se revelam 
 essenciais para o apuramento total dos crimes perpetrados. 
 Deste modo, conclui-se que a classificação da excepcional complexidade do 
 procedimento não oferece quaisquer dúvidas e satisfaz os critérios legais”. 
 
 (o sublinhado e destacado a negrito é nosso). 
 Assim, atento o exposto e compulsados os autos, quanto ao mérito da declaração 
 da excepcional complexidade do procedimento, não há razões para censurar o 
 despacho recorrido. 
 A excepcional complexidade é um grau superlativo de dificuldade, que não pode 
 ser banalizado. Porém, a análise dos elementos em que se fundou o despacho 
 recorrido, demonstra no caso e fundamenta a declaração da excepcional 
 complexidade do procedimento. 
 Em nosso entender, o despacho não viola, pois, qualquer norma processual penal, 
 nem de natureza constitucional, nomeadamente as indicadas pelos recorrentes. 
 O alargamento dos prazos de prisão preventiva em virtude da declaração de 
 excepcional complexidade não viola o art. 28. ° n.º 4 da CRP que concede ao 
 legislador uma margem de liberdade de conformação suficiente, observado o 
 princípio da proporcionalidade, para diferenciar os ditos prazos em função da 
 gravidade objectiva dos crimes e da complexidade dos processos. 
 Em face do que é improcedente nesta parte o recurso dos arguidos». 
 
  
 
             4. Alegando no Tribunal Constitucional, os arguidos A. e B. 
 concluíram a sua argumentação do seguinte jeito:
 
                         «[…]
 
 ·        Porque à data em que foram as Decisões em apreço proferidas, os autos 
 estavam na fase de inquérito;
 
  
 
 ·        Porque o Mº Pº é o único titular do inquérito e é da sua exclusiva 
 competência a promoção processual
 
  
 
 ·        Porque na fase de inquérito, a declaração de excepcional complexidade 
 tem, necessariamente, de ser requerida pelo Ministério Público, por ser o 
 titular dessa fase preliminar e obrigatória do processo;
 
  
 
 ·        Porque o Mº Pº não requereu a declaração de excepcional complexidade 
 dos autos;
 
  
 
 ·        Porque é ilegítima a iniciativa ex ofício do JIC para determinar a 
 excepcional complexidade dos autos durante a fase de inquérito sem prévio 
 requerimento do titular do inquérito;
 
  
 
 ·        Porque a declaração de excepcional complexidade só pode ser  
 oficiosamente proferida pelo JIC durante a instrução e pelo Juiz após 
 recebimento da acusação;
 
  
 
 ·        Porque a Decisão que determina a especial complexidade nos autos, nos 
 moldes em que foi proferida, consubstancia abuso do poder cometido ao JIC e 
 invade competência reservada ao Mº Pº
 
  
 
 ·        Porque tal decisão afecta pessoalmente o Recorrente, aumentando para o 
 dobro o prazo máximo de prisão preventiva a que está sujeito;
 
  
 
 ·        Porque não foi previamente conferido ao Recorrente o direito de audição 
 quanto à declaração de excepcional complexidade dos autos;
 
  
 
 ·        Porque a decisão de especial complexidade nos moldes em que foi 
 proferida viola os direitos liberdades e garantias do Recorrente;
 
  
 
 ·        Porque a Decisão de declaração de excepcional complexidade, nos moldes 
 em que foi proferida, é contra legem;
 
  
 
 ·        Porque a interpretação normativa segundo a qual o disposto no art. 
 
 215º, nº 4 do CPP permite a declaração oficiosa de excepcional complexidade pelo 
 Juiz de instrução durante o inquérito, sem prévio requerimento do Ministério 
 Público é inconstitucional por violação do disposto no art. 32º da C.R.P.
 
  
 
 ·        Porque a interpretação normativa segundo a qual o disposto no art. 
 
 215º, nº 3 do CPP permite a declaração oficiosa de excepcional complexidade pelo 
 Juiz de instrução sem ser precedida de audição do arguido é inconstitucional por 
 violação do disposto no art. 32º da C.R.P.
 
  
 deve o presente recurso ser provido e, por via dele, declaradas 
 inconstitucionais, por violação do disposto no art. 32º da CRP, 
 
  
 
 1 - a interpretação normativa segundo a qual, durante o inquérito em processo 
 penal, a declaração de excepcional complexidade a que alude o art. 215º, nº 3 do 
 CPP pode ser declarada oficiosamente e sem que seja precedida de requerimento do 
 Ministério Público
 
 2 - a interpretação normativa segundo a qual a declaração de excepcional 
 complexidade a que alude o art. 215º, nº 3 do CPP pode ser declarada 
 oficiosamente sem prévia audição do Arguido».
 
  
 
             5. Por sua vez, os arguidos C. e D. sintetizaram nas seguintes 
 proposições as razões da sua discordância com o decidido:
 
  
 
 «1.          Resulta do Artigo 263.º n.º 1 do C.P.P. que “A direcção do 
 inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia 
 criminal”, sendo que, durante o Inquérito, apenas estão reservados ao JIC os 
 actos de Natureza Jurisdicional a que melhor aludem os artigos 268.º e 269.º do 
 C.P.P.
 
  
 
 2.            O despacho que determina a declaração de Excepcional Complexidade 
 ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 215.º é, quando proferido durante o 
 inquérito, um dos “…actos que a lei expressamente…” reserva ao JIC nos termos da 
 alínea f) do n.º 1 do art. 268.º do C.P.P.
 
  
 
 3.            Pelo que, nos termos do n.º 2 do art. 268.º, tais actos apenas 
 poderão ser praticados “…a requerimento do Ministério Público, da autoridade de 
 polícia criminal em caso de urgência ou de perigo na demora, do arguido ou do 
 assistente”
 
  
 
 4.      A declaração oficiosa a que alude o art. 215 n.º 4 do C.P.P. reserva-se 
 exclusivamente para as fases de Instrução e Julgamento, nunca para a fase de 
 Inquérito.
 
  
 
 5.      Entendimento contrário viola o princípio do acusatório e é 
 manifestamente inconstitucional, por violar o art. 32 n.º 5 da C.R.P.
 
  
 Ainda,
 
  
 
 6.            O Art. 32.º n.º 1 da C.R.P. ao impor de forma peremptória que “O 
 processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”, 
 tem, numa das suas concretizações ao nível da Lei Ordinária, a parte final do 
 n.º 4 do art. 215º do C.P.P., sendo a audição prévia do Arguido a que alude 
 aquele artigo de carácter obrigatório.
 
  
 
 7.      O Arguido não foi ouvido, tido, nem achado, na decisão que declarou a 
 especial ou excepcional complexidade do presente processo.
 
  
 
 8.      Ou seja, o Arguido foi apanhado de surpresa e, sem mais, viu os prazos 
 da sua Prisão preventiva alargarem-se para o dobro do normal – na fase de 
 inquérito –, sem lhe ter sido dada a possibilidade de se pronunciar ou 
 contribuir para a respectiva decisão judicial.
 
  
 
 9.      Ao aceitar a declaração de Especial ou Excepcional Complexidade dos 
 Autos sem a prévia audição do Arguido, o tribunal “a quo” fez uma interpretação 
 normativa do art. 215º n.º 4 do C.P.P. absolutamente inconstitucional, por 
 violação do art. 32 n.º 1 da C.R.P.
 
  
 Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via dele, 
 deve esta alta instância:
 
  
 I.          Julgar Inconstitucional, por violação do art. 32.º n.º 4 e n.º 5.º 
 da C.R.P., o art. 215º n.º 4.º do C.P.P (na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 
 48/2007 de 29 de Agosto), na interpretação normativa, segundo a qual, durante o 
 Inquérito, a declaração de “Excepcional Complexidade” a que alude o n.º 3 do 
 mesmo artigo 215.º do C.P.P. pode ser declarada oficiosamente e sem qualquer 
 requerimento do Ministério Público;
 
  
 II.                  Julgar Inconstitucional, por violação do art. 32.º n.º 1.º 
 da C.R.P., o art. 215º n.º 4.º do C.P.P (na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 
 48/2007 de 29 de Agosto), na interpretação normativa, segundo a qual, quando 
 declarada oficiosamente, a “Excepcional Complexidade” a que alude o n.º 3.º do 
 art. 215.º do C.P.P., não carece de ser precedida de audição do Arguido.
 
  
 III.                Conceder provimento ao recurso e, por consequência, revogar 
 o Acórdão recorrido, determinando-se que o mesmo seja reformado em conformidade 
 com os juízos de não inconstitucionalidade supra peticionados».
 
  
 
             6. Contra-alegando, o Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal 
 Constitucional, concluiu:
 
             
 
 «1.          A interpretação do disposto do nº 4 do artigo 215° do CPP, na 
 versão da Lei 48/2007, de 29 de Agosto, ínsita no despacho judicial que, em sede 
 de inquérito, declara, oficiosamente, a excepcional complexidade dos Autos sem 
 audição prévia dos arguidos e sem ter sido requerida pelo Ministério Público, e 
 tendo o mesmo despacho sido objecto de reclamação e de recurso para um tribunal 
 superior, não viola o direito de defesa garantido pelo artigo 32° da CRP. 
 
  
 
 2.                        Termos em que devem os recurso ser indeferidos». 
 
  
 
 7. Tendo o primitivo relator ficado vencido, quanto à segunda questão de 
 constitucionalidade suscitada no pedido, houve lugar à mudança de relator.
 Uma vez que o projecto de acórdão apresentado por aquele relator obteve 
 vencimento, quanto à primeira questão de constitucionalidade, foi integralmente 
 mantida a parte do texto que se lhe refere. 
 
  
 
  
 
             II. Fundamentação
 
  
 
             8. De entre as suas várias disposições, apenas se questionam 
 constitucionalmente duas dimensões normativas do artigo 215.º do Código de 
 Processo Penal, ambas relativas ao seu n.º 4: a primeira, traduzida no “sentido 
 de permitir que, durante o inquérito, a excepcional complexidade, a que alude o 
 n.º 3 do mesmo artigo, possa ser declarada oficiosamente sem requerimento do 
 Ministério Público” e a segunda, referente ao “sentido de permitir que, quando 
 declarada oficiosamente a excepcional complexidade, esta não tem que ser 
 precedida da audição do arguido”.
 
             E, situando-nos no âmbito da definição do objecto do concreto 
 recurso de constitucionalidade, cabe deixar aqui registado que não cabe na 
 competência do Tribunal Constitucional pronunciar-se no sentido de qual seja o 
 melhor direito que é inferível das disposições legais, mas apenas ajuizar se o 
 direito concretamente determinado e aplicado na solução da causa é ou não 
 constitucionalmente válido. 
 
             Nesta óptica, não há que indagar se as melhores interpretações do 
 n.º 4 do artigo 215.º do CPP, quanto à competência oficiosa do juiz para 
 declarar a especial complexidade do processo, para os efeitos do seu n.º 3, e à 
 audição do arguido são as que foram sufragadas pelo acórdão recorrido.
 
             E sendo assim, as alegações apresentadas pelos recorrentes, no 
 Tribunal Constitucional, perdem todo o sentido, na parte em que estes se 
 esforçam por demonstrar qual é a melhor solução, no plano do direito ordinário.
 
             Para melhor compreensão da problemática que está em causa, 
 afigura-se, porém, de utilidade transcrever o artigo 215.º, na parte 
 circunstancialmente adequada.
 
             Diz ele o seguinte:
 
  
 Artigo 215.º
 Prazos de duração máxima da prisão preventiva
 
  
 
 1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem 
 decorrido: 
 
           a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação; 
 
           b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida 
 decisão instrutória; 
 
           c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª 
 instância; 
 
           d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em 
 julgado. 
 
           2 –[…]. 
 
           3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para 
 um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro 
 meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior 
 e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de 
 arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime. 
 
           4 - A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo 
 apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, 
 oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o 
 assistente. 
 
           5 –[…].
 
           6 –[…]. 
 
           7 –[…]. 
 
           8 –[…].
 
  
 
             E porque os critérios normativos constitucionalmente sindicados 
 foram aplicados no âmbito da actividade jurisdicional a que se refere o artigo 
 
 213.º do Código de Processo Penal, reproduz-se, igualmente, este preceito.
 
             Estipula ele:
 
  
 Artigo 213.º
 
  
 Reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na 
 habitação
 
 1 - O juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão 
 preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de 
 manter ou devem ser substituídas ou revogadas: 
 a) No prazo máximo de três meses, a contar da data da sua aplicação ou do último 
 reexame; e 
 b) Quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou 
 decisão que conheça, a final, do objecto do processo e não determine a extinção 
 da medida aplicada. 
 
 2 - Na decisão a que se refere o número anterior, ou sempre que necessário, o 
 juiz verifica os fundamentos da elevação dos prazos da prisão preventiva ou da 
 obrigação de permanência na habitação, nos termos e para os efeitos do disposto 
 nos n.ºs 2, 3 e 5 do artigo 215.º e no n.º 3 do artigo 218.º 
 
 3 - Sempre que necessário, o juiz ouve o Ministério Público e o arguido. 
 
 4 - A fim de fundamentar as decisões sobre a manutenção, substituição ou 
 revogação da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, o 
 juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, pode 
 solicitar a elaboração de perícia sobre a personalidade e de relatório social ou 
 de informação dos serviços de reinserção social, desde que o arguido consinta na 
 sua realização. 
 
 5 - A decisão que mantenha a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na 
 habitação é susceptível de recurso nos termos gerais, mas não determina a 
 inutilidade superveniente de recurso interposto de decisão prévia que haja 
 aplicado ou mantido a medida em causa.
 
  
 
             Conforme resulta do relatado, a declaração de especial complexidade 
 do processo foi efectuada pelo juiz de instrução, a quando da realização do 
 reexame oficioso dos pressupostos da prisão preventiva, a que se refere a alínea 
 a) do n.º 1 do artigo 213.º do CPP, sobre cuja matéria os recorrentes e o 
 Ministério Público se pronunciaram, ao abrigo do disposto no n.º 3 do mesmo 
 artigo. 
 
             Nesse reexame, o juiz de instrução concluiu pela manutenção da 
 medida de coacção da prisão preventiva por, em síntese, “não se terem alterado 
 as situações de facto e de direito que presidiram à decisão tomada aquando do 
 
 1.º interrogatório judicial”.
 
  
 
             9. Como se colhe das suas alegações, os recorrentes não refutam a 
 competência do juiz de instrução para efectuar, oficiosamente, o reexame dos 
 pressupostos da prisão preventiva, prevista no artigo 213.º do Código de 
 Processo Penal.
 
             Ora, aceitando-se, sem contestação, como fazem os recorrentes, a 
 competência do juiz para proceder, oficiosamente, ao reexame desses 
 pressupostos, não se vê como, sem quebra da congruência da racionalidade 
 jurídica, se possa defender (mesmo no plano infraconstitucional) o afastamento 
 da competência do mesmo juiz para, na sequência, precisamente, do cumprimento 
 desse dever de reexame constatar a existência da situação de especial 
 complexidade do processo e do poder de a aclarar mesmo para o efeito de elevação 
 dos prazos de duração máxima da prisão preventiva previsto no n.º 3 do artigo 
 
 215.º do CPP.
 
             Decorre do disposto no artigo 28.º, n.ºs 1 a 3, da Constituição da 
 República Portuguesa (CRP) que constitui reserva constitucional do juiz a 
 decisão judicial de aplicação da medida de coacção da prisão preventiva: só o 
 juiz pode ordenar e manter, ao arguido, a medida de coacção da prisão 
 preventiva.
 
             Tendo, porém, a prisão preventiva uma natureza excepcional, que não 
 pode “ser decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra 
 medida mais favorável prevista na lei” (n.º 2 do artigo 28.º da CRP), ou seja, 
 sendo uma medida de coacção sujeita constitucionalmente aos princípios da 
 necessidade, subsidiariedade e proporcionalidade, constitui necessário postulado 
 dessa reserva de juiz que o mesmo possa (melhor dito, deva) proceder ao reexame 
 oficioso dos pressupostos de facto e de direito que a determinaram, de modo a 
 que a lesão do direito fundamental da liberdade se quede pelo mínimo possível 
 sempre que seja surpreendida uma alteração, e, por cautela, periodicamente, em 
 virtude de a evolução da investigação poder, adequadamente, pressupor que venha 
 a lume o conhecimento de novos elementos, susceptíveis de fundamentar uma 
 reponderação judicial.
 
             É essa natureza excepcional e a sua sujeição aos princípios 
 consagrados no artigo 18.º da CRP para os direitos, liberdades e garantias que 
 justificam a solução por que optou o legislador ordinário, nos n.ºs 1 e 2 do 
 artigo 194.º do CPP, ao autorizar a sua aplicação, durante o inquérito, apenas a 
 requerimento do Ministério Público e ao sancionar a aplicação de medida de 
 coacção ou de garantia patrimonial mais grave que a requerida pelo Ministério 
 Público com a nulidade.
 
             É que, competindo ao Ministério Público, em termos constitucionais, 
 a direcção do inquérito (cf. Acórdão n.º 395/04, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), será ele quem, nessa fase processual, conhece, 
 inteiramente, os factos investigados que são susceptíveis de revelarem a prática 
 de um crime, o seu possível autor e as provas que tenham potencialidade para 
 induzir à convincência indiciária da sua existência e, decorrentemente, será, 
 também, ele quem, prima facie, estará, então, em melhor posição para poder 
 aferir da necessidade de aplicação das medidas cautelares ou de coacção, 
 necessárias para acautelarem a realização da justiça penal.
 
             Todavia, decidindo-se o Ministério Público pelo pedido, caberá, 
 porém, já ao juiz a avaliação, autónoma e independente, dos seus pressupostos de 
 facto e de direito, passando a impender, constitucionalmente, sobre ele o dever 
 de conter as restrições ao direito fundamental em causa (no caso da prisão 
 preventiva, da liberdade) ao âmbito temporal fixado na lei e, dentro deste, ao 
 mínimo possível.
 
             As razões que justificam que, em processo de inquérito, a medida de 
 prisão preventiva apenas possa ser aplicada em deferimento de requerimento do 
 Ministério Público, esgotam-se totalmente no momento em que este a requeira ao 
 juiz e este a aplique.
 
             A natureza excepcional da prisão preventiva, afirmada no n.º 2 do 
 artigo 28.º da Constituição, tem igualmente como postulado que a mesma seja 
 sujeita a prazos máximos que não frustrem o seu fundamento constitucional. 
 
             Isso mesmo consta do n.º 4 do artigo 28.º da Constituição, ao 
 prescrever-se que “a prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na 
 lei”.
 
             Daqui decorre que o legislador ordinário, no cumprimento dessa 
 incumbência, está sujeito ao princípio de que o tempo de prisão preventiva se 
 configura como um tempo excepcional de restrição do direito fundamental da 
 liberdade, pelo que o deve limitar ao necessário (artigo 18.º, n.º 2, da 
 Constituição), para salvaguardar os outros direitos ou interesses 
 constitucionalmente protegidos, no caso, a prevenção do interesse da realização 
 efectiva e eficaz da justiça penal. 
 
             Dito de outro modo, o legislador ordinário está sujeito a um 
 princípio de razoabilidade, ínsito no princípio da proporcionalidade e, como bem 
 se faz notar no Acórdão n.º 404/2005, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, próximo do requisito do “prazo razoável” a que 
 alude o n.º 3 do artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
 
             A lei densificou o referido preceito constitucional no artigo 215.º 
 do CPP, adoptando um figurino em que o prazo de prisão preventiva se conta 
 sempre desde o seu início, mas não pode exceder certos limites acumulados, 
 reportados a quatro marcos processuais (dedução da acusação, prolação da decisão 
 instrutória quando tenha havido instrução, condenação em 1.ª instância e 
 trânsito em julgado da condenação) (No CPP de 1929, o sistema era o de fixação 
 de prazos máximos de prisão preventiva em correspondência directa com cada fase 
 processual – cf. artigos 273.º, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 402/82, de 
 
 23 de Setembro, e 308.º, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 377/77, de 6 de 
 Setembro). 
 
             Por outro lado, no que importa aos prazos máximos totais e aos 
 reportados aos referidos marcos processuais, o preceito previu quatro situações 
 distintas: a primeira como consubstanciando situação-regra (n.º 1 do artigo 
 
 215.º); a segunda, traduzida numa elevação dos prazos-regra para os limites 
 apontados, nos “casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente 
 organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo 
 superior a 8 anos” ou por um dos crimes constantes do catálogo aí enunciado (n.º 
 
 2 do artigo 215.º); a terceira, consubstanciada, igualmente, numa elevação dos 
 prazos-regra, para os limites, também, aí, precisados, mas aqui “quando o 
 procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior (n.º 2 do artigo 
 
 215.º) e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número 
 de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime” e, 
 finalmente, a quarta, traduzida num acrescentamento em seis meses dos prazos 
 correspondentes às segunda e terceira situações, no caso de haver recurso para o 
 Tribunal Constitucional. 
 
             No que tange à terceira situação, cabe ainda notar que a “especial 
 complexidade [a que se refere] apenas pode ser declarada durante a 1.ª 
 instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do 
 Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente”.
 
             Aceite, constitucionalmente, o alargamento dos prazos de prisão 
 preventiva, com base na complexidade do processo e das características dos 
 crimes, por a fixação dos prazos não poder alhear-se das dificuldades da 
 investigação criminal e da operacionalidade prática dos princípios do 
 inquisitório e do contraditório, que, adequadamente, tenderão a ser maiores 
 quando estão em causa certos tipos de crimes e a maior ou menor gravidade desses 
 tipos, e da necessidade de acautelar a realização da justiça penal relativamente 
 a eles (J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, Volume I, p. 490, afirmam ser ele duvidoso, “mas, de 
 qualquer modo impõe-se aqui a observância estrita do princípio da proibição do 
 excesso “), não pode deixar de considerar-se corresponder a uma incumbência 
 constitucional do juiz, decorrente da sua reserva de jurisdição na aplicação e 
 na manutenção da prisão preventiva, o poder de oficiosamente declarar a especial 
 complexidade do processo.
 
             Ao fazê-lo, o juiz mais não faz do que constatar se existe, 
 materialmente, a situação cautelar que corresponde àquela cujo recorte é feito 
 pelo legislador como justificando a concreta elevação dos prazos máximos da 
 prisão preventiva para poder acautelar, de modo proporcionado e razoável, 
 concomitantemente, a satisfação dos interesses da realização efectiva da justiça 
 penal e da menor afectação possível do direito fundamental da liberdade do 
 arguido.
 
             Exigir, como defendem os recorrentes, que a especial complexidade do 
 processo, com o efeito da elevação do prazo previsto na lei, ficasse sujeita a 
 requerimento obrigatório do Ministério Público, corresponderia a cercear a 
 função jurisdicional do juiz, na apreciação dos pressupostos de facto e de 
 direito da prisão preventiva, evidenciados pelos autos, quando para determinar a 
 prisão preventiva, mesmo em apreciação de pedido da mesma entidade na fase do 
 inquérito, ou a sua manutenção não lhe pode ser sonegado o conhecimento de 
 quaisquer elementos necessários à apreciação da situação.
 
             Tal forma de ver encontra-se enfeudada ao entendimento errado de que 
 a prisão preventiva constitui uma medida cautelar que visa acautelar apenas os 
 interesses da investigação penal ou o princípio do inquisitório.
 
             Porém, como já se viu, independentemente da especial tradução que o 
 legislador ordinário dê aos princípios constitucionais do inquisitório, do 
 acusatório e do contraditório, consagrados nos n.ºs 4 e 5 do artigo 32.º da 
 Constituição, sendo a prisão preventiva uma medida que se prende directamente 
 com o direito fundamental da liberdade, ela pertence necessariamente à reserva 
 constitucional do juiz.
 
             Temos, assim, de concluir que o artigo 215.º, n.º 4, do Código de 
 Processo Penal, interpretado no “sentido de permitir que, durante o inquérito, a 
 excepcional complexidade, a que alude o n.º 3 do mesmo artigo, possa ser 
 declarada oficiosamente sem requerimento do Ministério Público” não ofende o 
 artigo 32.º da Constituição, e nomeadamente, os seus números 4 e 5.
 
  
 
             10. Cabe, agora, conhecer da questão de constitucionalidade do 
 artigo 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, interpretado no “sentido de 
 permitir que, quando declarada oficiosamente a excepcional complexidade [do 
 processo], esta não tem que ser precedida da audição do arguido”.
 
             Os recorrentes argumentam que a dimensão normativa em causa viola o 
 direito de defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
 Este preceito proclama que “o processo criminal assegura todas as garantias de 
 defesa, incluindo o recurso”. Desta forma se consagra, condensadoramente, o 
 
 “princípio de protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em 
 processo criminal” (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, 516). Entre esses direitos está 
 indubitavelmente incluído o direito do arguido “a ser ouvido', enquanto direito 
 a dispor de oportunidade processual efectiva de discutir e tomar posição sobre 
 quaisquer decisões que o afectem.
 Na verdade, a enunciação maximizante do direito de defesa tem que ser 
 compreendida como uma manifestação qualificada, em processo criminal, do direito 
 a tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da CRP), englobante do direito a um 
 processo equitativo, pelo que dele decorre necessariamente um direito de 
 audição, materialmente imposto pela conformação processual ao princípio do 
 contraditório (n.º 5 do artigo 32.º da Constituição). 
 Se o direito de audição tem uma extensão geral a todos os actos susceptíveis de 
 afectar a posição do arguido (ob. cit., 523), a sua efectivação é 
 constitucionalmente exigível de forma particularmente intensa quando estão em 
 causa decisões judiciais que, de forma directa (imediata ou não), têm como 
 resultado a privação de liberdade daquele sujeito.
 Está nestas condições a prisão preventiva. Por isso mesmo, a Constituição rodeou 
 esta medida de especiais resguardos, em preceito a ela especificamente dedicado 
 
 (artigo 28.º da CRP).
 De forma que, na conformação do conteúdo do princípio do contraditório atinente 
 a decisões nesta matéria, o legislador ordinário, em tudo o que não esteja já 
 fixado pela Lei Fundamental, encontra-se sempre sujeito, em termos estritos, ao 
 postulado constitucional de efectivação de todas as garantias de defesa do 
 arguido. 
 
             O alongamento dos prazos máximos de prisão preventiva, com base na 
 declaração de especial complexidade do procedimento, viu o seu regime alterado 
 pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto.
 
             Ao mesmo tempo que procedeu a uma fixação de prazos máximos de 
 prisão preventiva mais curtos do que acontecia até então, com base numa leitura 
 do princípio da necessidade e da proporcionalidade diferentes da anteriormente 
 feita, o legislador, pretendendo “introduzir maior clareza às situações em que, 
 por força da complexidade processual, tal importe um alongamento da prisão 
 preventiva dos arguidos”, passou a determinar que a declaração de especial 
 complexidade apenas poderia ser efectuada na 1.ª instância, com base em despacho 
 fundamentado, “oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o 
 arguido e o assistente”.
 O acórdão recorrido entendeu não ter o juiz o dever de ouvir o arguido acerca da 
 eventual declaração da especial complexidade do procedimento, quando a sua 
 iniciativa seja oficiosa.
 Independentemente da questão de saber se esta é a interpretação que melhor 
 corresponde ao critério enunciado na lei ordinária, a este Tribunal só cabe, 
 tomando-a como um dado, decidir se ela está ou não em conformidade com as 
 exigências constitucionais decorrentes das garantias de defesa. 
 Em sentido afirmativo, poderá eventualmente chamar-se a atenção para que estamos 
 perante uma qualificação jurídica, incidente sobre factos em relação aos quais o 
 arguido já teve oportunidade de produzir prova e de contrariar os elementos 
 constantes do processo e de se pronunciar acerca deles. Mais não demandaria o 
 princípio do contraditório.
 Mas este entendimento reducionista do princípio, cingindo o seu alcance ao 
 domínio dos factos e não também ao de valoração jurídica, é constitucionalmente 
 claudicante. O sentido tutelador do princípio do contraditório e as garantias de 
 defesa que dele emanam só encontram realização correspondente ao que a 
 Constituição impõe quando ao arguido é dada oportunidade de influenciar, em seu 
 benefício, a tomada de decisões que lhe respeitam, também através da 
 possibilidade de esgrimir, em tempo oportuno, argumentos juridicamente 
 sustentados, dirigidos a convencer a instância decisória do fundamento de 
 medidas favoráveis ou da falha de razão de medidas desfavoráveis. 
 
 É esta concepção do princípio do contraditório que claramente se assumiu no 
 Acórdão n.º 96/99, ao caracterizá-lo como “o direito que o arguido tem em se 
 fazer ouvir e contraditar todos os elementos (aqui se incluindo os de prova) ou 
 argumentos (incluindo-se os de ordem jurídica) (…)”, num caso em que, só a 
 integral manutenção do quadro factual e jurídico anterior foi tida como 
 justificando a não audição do arguido, a quando do reexame da medida de coacção.
 Daí que, estando em causa, a subsunção dos factos num novo quadro legal – o da 
 excepcional complexidade do procedimento – susceptível de conduzir directamente 
 ao alargamento da duração da prisão preventiva, ao arguido deveria ter sido dada 
 oportunidade de refutar a verificação dos pressupostos legais dessa qualificação 
 e a adequação e necessidade dessa medida.  O promanar esta de iniciativa 
 oficiosa do juiz e não de promoção pelo Ministério Público em nada altera esta 
 valoração, pois o princípio do contraditório não visa apenas assegurar a 
 igualdade de armas (em relação àquela entidade), mas, mais amplamente, garantir 
 
 (neste caso, ao arguido) “uma influência efectiva no desenvolvimento do 
 processo” (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. loc. cit.)
 Como eloquentemente se exprimiu o Acórdão n.º 499/97, num caso em que o Supremo 
 Tribunal de Justiça havia, em recurso interposto pela defesa, revogado perdão de 
 penas decretado pelas instâncias, sem prévia audição, sobre essa questão, dos 
 arguidos recorrentes:
 
 «Todavia, a protecção do exercício do contraditório como condição de uma justiça 
 comunicacional, profundamente humana, não abrange apenas a discussão conducente 
 
 à prova dos factos e da culpa ou à infirmação da presunção de inocência, mas 
 atinge ainda todos os aspectos de qualificação jurídica com repercussão na 
 situação do arguido.
 
 (…) Deste modo, o contraditório surge como regra orientadora da produção pelo 
 tribunal de um juízo que interfira com o arguido, para além de se justificar 
 pela defesa de direitos. Em processo penal, o contraditório visa, antes de mais, 
 assegurar decisões fundamentadas na discussão de argumentos, subordinando todas 
 as decisões (ainda que recorríveis) em que os arguidos sejam pessoalmente 
 afectados [cf. artigo 65.º, nº l, alínea d), do Código de Processo Penal], como 
 emanação de uma racionalidade dialéctica, comunicacional e democrática.»
 A mesma orientação já tinha norteado o precedente Acórdão n.º 279/95, em 
 motivação de uma decisão de inconstitucionalidade de um critério normativo que 
 não preveja, perante a possibilidade de qualificação jurídico-penal dos factos 
 conducente à condenação em pena mais grave, que o arguido seja prevenido da nova 
 qualificação, sem lhe dar, quanto a ela, oportunidade de defesa. Como aí se 
 salientou, no domínio do processo criminal, a liberdade de qualificação jurídica 
 de que goza o tribunal, como expressão da sua sujeição à lei, sempre carece de 
 compatibilização com a plenitude de garantias de defesa exigida pelo artigo 32º, 
 nº 1, do texto constitucional.
 Mais recentemente, e quanto à obrigatoriedade de audição prévia do arguido, face 
 
 à possibilidade de lhe ser revogado o perdão concedido e de ter que vir a 
 cumprir pena efectiva de prisão, também o Acórdão n.º 298/2005 perfilhou este 
 entendimento do princípio do contraditório. Depois de transcrever alguns trechos 
 do já citado Acórdão n.º 499/97, ficou consignado naquele aresto o seguinte:
 
 «Como resulta desta transcrição, o respeito do princípio do contraditório, como 
 emanação das garantias de defesa em processo criminal, impunha que, perante a 
 promoção de revogação do perdão de pena, fosse dada ao arguido a possibilidade 
 de se pronunciar, possibilidade que não lhe podia ser negada com base numa 
 pretensa automaticidade ou operatividade ope legis daquela revogação. Acresce 
 que esta revogação dependia da verificação da ocorrência de determinadas 
 circunstâncias e ao arguido assistia o direito de, logo perante o juiz de 1.ª 
 instância, aduzir as suas razões no sentido do não preenchimento dessas 
 condições, quer propugnando uma interpretação normativa diversa da que veio a 
 ser acolhida, quer arguindo a inconstitucionalidade desta última.»
 Ainda que versando sobre situações processuais distintas, as questões de 
 constitucionalidade decididas por estes acórdãos têm um sentido de 
 problematicidade análogo ao suscitado pela questão em apreciação. Trata-se, em 
 todos os casos, de apreciar a obrigatoriedade de audição do arguido quanto a uma 
 reapreciação jurídica dos factos apurados, conducente à restrição (ou 
 agravamento da restrição) do seu direito à liberdade.
 O respeito pelas garantias de defesa constitucionalmente consagradas impõe que 
 se dê ao arguido a oportunidade de contraditar o fundamento de uma decisão 
 inovatória em relação a outra anteriormente tomada. De outro modo, não sendo 
 colocado perante a eventualidade dessa decisão e convidado a sobre ela se 
 pronunciar, o arguido pode ficar sujeito a uma medida que o apanha de surpresa, 
 sem oportunidade de expor os seus pontos de vista e apresentar as suas razões em 
 sentido contrário ao projectado. 
 Por isso mesmo, não releva o facto de que a especial complexidade do processo 
 foi declarada pelo juiz, a quando do reexame periódico dos pressupostos da 
 prisão preventiva a que se refere o artigo 213.º do CPP, e que os recorrentes 
 tiveram ocasião – e usaram-na – de se pronunciar sobre a manutenção ou revogação 
 da medida de coacção.
 Como se escreveu no Acórdão n.º 279/95, reportando uma orientação já perfilhada 
 no Acórdão n.º 173/92, “(…) um exercício eficaz do direito de defesa não pode 
 deixar de ter por referência um enquadramento jurídico-penal preciso”. Ora, a 
 decisão tomada não se traduziu, nem na manutenção, nem na revogação, da medida 
 de coacção; ela deu um novo conteúdo à medida de coacção a que o arguido estava 
 sujeito, alterando substancialmente (em sentido desfavorável) o seu estatuto 
 processual. De acordo com a estrutura dialéctica do processo, moldada pela sua 
 matriz acusatória, era sobre a concreta possibilidade dessa alteração, e em 
 função dela, que devia ter sido “dada voz” ao arguido. Só assim o direito de 
 audição, como componente fundamental do direito de defesa, se efectivaria 
 verdadeiramente e cumpriria o seu papel, de modo a satisfazer as razões que 
 materialmente o justificam.
 Também não dá satisfação bastante ao direito de defesa do arguido a 
 possibilidade de recurso, em termos de este poder ser visto como um sucedâneo ou 
 um perfeito equivalente funcional do direito de audição prévia, no mesmo plano e 
 com idêntica eficácia garantística. Ainda que comungando da natureza comum de 
 meios de defesa, cada um dos instrumentos tem uma missão específica a cumprir, 
 insubstituível pela que ao outro cabe. O recurso é um remédio para algo que pode 
 
 “estar mal”, uma via de correcção de eventuais vícios da decisão recorrida – 
 aqui, aliás, admitida em condições apertadas, dado o curto prazo de três dias 
 para a sua interposição (artigo 123.º, n.º 1, do CPP) . Mas o que sobremaneira 
 interessa, como modo preferencial de preservação dos direitos dos sujeitos 
 envolvidos, é que a decisão não contenha, logo em primeira instância, erros, in 
 judicando, mas também in procedendo (cfr., neste sentido, CUNHA RODRIGUES, 
 
 “Recursos”, Jornadas de direito processual penal. O novo Código de Processo 
 Penal, Coimbra,  1988, 381 s., aqui 386-387). 
 E também não é por a decisão ser tomada numa fase de inquérito, em etapa 
 preliminar do processo penal, que se justifica, neste ponto, uma qualquer 
 
 “maleabilização” ou relativização do princípio do contraditório, que atenue, ou 
 transfira para outros momentos processuais, a plenitude das exigências que dele 
 estritamente decorrem.
 Para remover, de imediato, esta ideia argumentativa, basta valorar, na justa 
 medida, os efeitos da decisão em causa sobre a posição processual do arguido. A 
 
 “especial complexidade do procedimento” é qualificação que, nos termos do n.º 3 
 do artigo 213.º do CPP, acarreta a elevação dos prazos de prisão preventiva. Por 
 conseguinte, a decisão afecta-o pessoalmente, incidindo directamente no núcleo 
 do seu direito fundamental à liberdade, pois é susceptível de provocar a 
 extensão temporal de uma medida de coacção que o priva desse bem primário, sendo 
 certo que, por imperativo constitucional (artigo 32.º, n.º 2, da CRP), ele é 
 presumido inocente. É quanto bonda para considerar que aqui se fazem sentir, de 
 forma particularmente intensa, as razões garantísticas que dão suporte 
 axiológico ao direito de audição, arredando qualquer justificação, no plano da 
 legitimidade constitucional, de uma interpretação que a dispense.  
 
  Há a concluir que, para se adequar integralmente aos dados constitucionais 
 pertinentes, a qualificação do procedimento como de “excepcional complexidade” 
 deveria ter sido precedida da audição deste sujeito processual, de modo a 
 assegurar a plenitude do seu direito de defesa.  
 A interpretação do artigo 215.º, n.º 4, do CPP no sentido de que essa audição 
 não é obrigatória está, pois, ferida de inconstitucionalidade.
 
      
 
  
 
             III – Decisão
 
  
 
             Em face do exposto, acordam em:
 
  
 a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 215.º, n.º 4, do Código de 
 Processo Penal, na versão dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando 
 interpretada no sentido de permitir que, durante o inquérito, a excepcional 
 complexidade, a que alude o n.º 3 do mesmo artigo, possa ser declarada 
 oficiosamente, sem requerimento do Ministério Público;
 b) Julgar inconstitucional a mesma norma, quando interpretada no sentido de 
 permitir que, em caso de declaração oficiosa da excepcional complexidade, esta 
 não tem que ser precedida da audição do arguido, por violação do disposto no 
 artigo 32.º, n.º 1, da Constituição;
 c) Conceder provimento parcial ao recurso, determinando a reformulação do 
 acórdão recorrido, em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade 
 constante da alínea b). 
 
             Sem custas.
 
             Lisboa, 19 de Novembro de 2008
 
  
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 
                                                      Benjamim Rodrigues (vencido 
 quanto á apurada pronúncia, de inconstitucionalidade, nos termos da declaração 
 anexa)
 
                                                         João Cura Mariano 
 
 (vencido, pelas razões constantes de declaração anexa)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 DECLARÇÃO DE VOTO
 
  
 Os recorrentes argumentam que a dimensão normativa, em causa, viola o direito de 
 defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
 
             Antes de mais, importa relembrar que não cabe ao Tribunal 
 Constitucional saber se essa interpretação corresponde ao melhor direito, 
 imanente no texto legal, mas, apenas, se é não direito, por constitucionalmente 
 insolvente.
 
             Por outro lado, não poderá esquecer-se que a especial complexidade 
 do procedimento foi declarada pelo juiz, a quando do reexame periódico dos 
 pressupostos da prisão preventiva a que se refere o artigo 213.º do CPP, e que 
 os recorrentes tiveram ocasião – e usaram-na – de se pronunciar sobre a 
 manutenção ou revogação da medida de coacção.
 
             Finalmente, é de notar que a sujeição do arguido à medida de coacção 
 da prisão preventiva não corresponde a qualquer definição judicial de que a sua 
 situação de privação da liberdade, apenas, ocorre durante o prazo mais curto, de 
 entre os prazos máximos previstos nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 215.º do CPP.     
 
             O artigo 32.º, n.º 1, da Constituição contempla, como princípio 
 material reclamado pelos princípios da dignidade humana e do Estado de direito 
 democrático, a garantia de que “o processo criminal assegura todas as garantias 
 de defesa, incluindo o recurso”.
 
             Constitui entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência 
 constitucional que esta fórmula condensa não só todas as garantias de defesa que 
 estão contempladas nos demais números do mesmo artigo, como “também serve de 
 cláusula geral englobadora de todas as garantias de defesa que, embora não 
 explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da protecção 
 global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal” (cf. 
 J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, Volume I, p. 516).
 
             Como notam os mesmos glosadores (op.cit., p. 516), “em todas «as 
 garantias de defesa» engloba-se indubitavelmente todos os direitos e 
 instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e 
 contrariar a acusação”, donde o preceito poder constituir “fonte autónoma de 
 garantias de defesa”, pelo inafastável comprometimento com o respeito pelos 
 direitos fundamentais do arguido, postulado pelos referidos princípios da 
 dignidade humana e do Estado de direito.
 
             Quando referida ao direito de audição, a garantia de defesa do 
 arguido tem um sentido correspondente ao do princípio do contraditório, que se 
 encontra expressamente reconhecido no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição. 
 
             Numa formulação sintética, pode dizer-se que o princípio geral do 
 contraditório implica que se dê a cada um dos sujeitos processuais a 
 possibilidade de apresentarem as suas razões, oferecerem as suas provas, 
 controlarem as provas oferecidas pelos outros sujeitos e pronunciarem-se sobre 
 umas e outras. 
 
             No processo penal, e no que respeita ao arguido, o princípio do 
 contraditório demanda que o mesmo seja ouvido sobre todas as situações factuais 
 ou jurídicas em que o seu estatuto de arguido seja afectado e se lhe dê a 
 oportunidade de se defender.
 
             Mas o princípio do contraditório não impõe a adopção de qualquer 
 arquétipo concreto de um instrumento jurídico ou de um direito, como sendo, 
 unicamente, esse que desempenhe, constitucionalmente, a função de garantia de 
 defesa. 
 
             É que existem momentos materiais processuais aos quais a Lei 
 Fundamental conferiu uma expressão máxima e intangível do contraditório e outros 
 em que não pode deixar de reconhecer-se “não existir um espartilho 
 constitucional formal que não tolere certa maleabilização do contraditório” (cf. 
 Acórdão n.º 278/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
 
             São exemplo do primeiro caso as situações do primeiro interrogatório 
 judicial de arguido detido (artigo 28.º, n.º 1, da Constituição), em que o 
 contraditório pode, até, limitar-se a uma tomada de posição oral do arguido 
 perante o juiz, bem como o conhecimento ao arguido da acusação e da concessão da 
 possibilidade de dela se defender (artigo 32.º, n.º 5, da Constituição), cujas 
 directas prescrições têm assento constitucional, estando, assim, subtraídas às 
 contingências de alguma indeterminabilidade interpretativa em face do princípio 
 constitucional do contraditório.
 
             Mas, como se refere no referido Acórdão n.º 278/99, «a 
 intangibilidade deste núcleo essencial compadece-se, no entanto, com a liberdade 
 de conformação do legislador ordinário que, designadamente na estruturação das 
 fases processuais anteriores ao julgamento, detém margem de liberdade suficiente 
 para plasticizar o contraditório, sem prejuízo de a ele subordinar estritamente 
 a audiência: aqui tem o princípio a sua máxima expressão (como decorre do nº 5 
 do artigo 32º citado), nessa fase podendo (e devendo) o arguido expor o seu 
 ponto de vista quanto às imputações que lhe são feitas pela acusação, 
 contraditar as provas contra si apresentadas, apresentar novas provas e pedir a 
 realização de outras diligências e debater a questão de direito em causa (cf. o 
 acórdão deste Tribunal, nº 352/98 e, ainda, inter alia, os nºs. 133/92 e 172/92, 
 publicados no Diário da República II Série, de 14 de Julho de 1998, 24 de Julho 
 e 18 de Setembro de 1992, respectivamente)», ou, dito de outra maneira, 
 
 «ressalvado esse núcleo intocável – que impede a prolação da decisão sem ter 
 sido dada ao arguido a oportunidade de 'discutir, contestar e valorar' (parecer 
 nº 18/81 da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, 
 
 16º vol., pág. 154) – não existe um espartilho constitucional formal que não 
 tolere certa maleabilização do exercício do contraditório (como, de resto, e ao 
 menos implicitamente, se retira de certos arestos do Tribunal como, v.g., os 
 nºs. 1185/96 e 358/98, publicados no citado Diário II Série, de 12 de Fevereiro 
 de 1997 e 17 de Julho de 1998, respectivamente)».
 
             Estamos, aqui, perante uma outra dimensão do princípio do 
 contraditório, cujo conteúdo não é já fixado pela Lei fundamental, mas pelo 
 legislador ordinário, embora, sempre, sujeito ao postulado constitucional de 
 poder tomar conhecimento dos elementos que possam afectar o arguido e de ter 
 possibilidade de se defender.
 
             Foi, de resto, por este prisma que o legislador do actual CPP viu a 
 questão relativa à elevação dos prazos máximos de prisão preventiva, com base na 
 declaração de especial complexidade do procedimento, até à alteração do artigo 
 
 215.º do CPP, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto.
 
             Na verdade, este preceito não previa, até então, a audição do 
 arguido e, mesmo quando efectuada por ocasião do reexame oficioso periódico dos 
 pressupostos da prisão preventiva, determinado no artigo 213.º, essa audição, 
 apenas, estava prevista se o juiz a tivesse por necessária.
 
             Ao mesmo tempo que procedeu a uma fixação de prazos máximos de 
 prisão preventiva mais curtos do que acontecia até então, com base numa leitura 
 do princípio da necessidade e da proporcionalidade diferentes da feita, 
 anteriormente, o legislador da Lei n.º 48/2007, pretendendo “introduzir maior 
 clareza às situações em que, por força da complexidade processual, tal importe 
 um alongamento da prisão preventiva dos arguidos”, passou a determinar que a 
 declaração de especial complexidade apenas poderia ser efectuada na 1.ª 
 instância, com base em despacho fundamentado, “oficiosamente ou a requerimento 
 do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente”.
 
             Mesmo tendo o acórdão recorrido entendido não ter o juiz o dever de 
 ouvir o arguido, acerca da matéria da eventual declaração da especial 
 complexidade do procedimento quando a sua iniciativa seja oficiosa, não pode 
 concluir-se, sem mais, saírem violados o princípio do contraditório e as 
 garantias de defesa do arguido, contra a extensão temporal da prisão preventiva.
 
             Antes de mais, importa notar que, tendo a decisão de constar de 
 despacho fundamentado, ela dá a conhecer aos arguidos os pressupostos de facto e 
 de direito, bem como a ponderação concretamente levada a cabo, com base na qual 
 se concluiu pela declaração, bem podendo todos esses elementos ser refutados em 
 recurso, que constitui, também, ele próprio, uma das garantias de defesa, com 
 directo assento constitucional (cf. Acórdão n.º 686/04, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
             Depois, sendo dada aos arguidos a possibilidade (concretizada) de se 
 pronunciarem sobre a manutenção ou não da sua situação de prisão preventiva, por 
 ocasião do reexame oficioso dos pressupostos da prisão preventiva, a que se 
 refere o artigo 123.º do CPP – e quando esse momento, como foi o caso, coincida 
 com o da declaração da especial complexidade do procedimento – não pode deixar 
 de relevar-se esse instrumento como realizando, no essencial, o direito de 
 audição, pois que lhes é possível, então, proceder ao exame de todos os 
 pressupostos com base nos quais o juiz se possa vir a decidir pela declaração de 
 especial complexidade.
 
             Na verdade, não pode deixar de considerar-se que a declaração de 
 especial complexidade do procedimento não tem a natureza de aplicação de uma 
 nova medida de coacção ou de uma medida de agravamento da situação de prisão 
 preventiva em que o arguido se encontra, mas se traduz, antes, “num especial 
 reexame dos pressupostos de facto e de direito da prisão preventiva”, em função 
 dos prazos máximos previstos na lei para certo tipo de situações, sendo certo 
 que, como já se disse, o decretamento judicial da prisão preventiva não se 
 encontra enfeudado ao cumprimento específico, apenas, de um de qualquer dos 
 grupos de prazos máximos de prisão preventiva, previstos no artigo 215.º do CPP.
 
             Por fim, quer a admitida possibilidade de arguição de nulidade com 
 base no alegado incumprimento do direito de audição, quer o direito de recurso 
 da decisão judicial, onde se podem contraditar os fundamentos da decisão tomada, 
 constituem, ainda, instrumentos de contraditório e momentos de realização de 
 garantias de defesa, constitucionalmente relevantes.
 
             Não estando o direito de audição, aqui em causa, abrangido pelo 
 núcleo essencial das garantias de defesa, constitucionalmente definido, bem pode 
 ele ser configurado pelo legislador ordinário nos termos acabados de apontar, já 
 que o arguido continua a ter, sempre, a possibilidade de contraditar os factos 
 considerados relevantes para a decisão e a debater a questão de direito.
 
  
 
    Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 
  
 Divergi da opinião que fez vencimento por entender que a Constituição não impõe 
 que o arguido seja obrigatoriamente ouvido antes do juiz, oficiosamente, 
 decretar a especial complexidade de um determinado processo penal.
 O artigo 32.º, n.º 1, da C.R.P., quando dispõe que o processo criminal assegura 
 todas as garantias de defesa, utiliza uma cláusula geral que não só abrange 
 todas as exigências garantísticas da posição processual do arguido em processo 
 penal, contidas em alguns dos números deste artigo, como também engloba todas as 
 garantias que, apesar de não se encontrarem aí explicitadas, são 
 imprescindíveis para assegurar uma efectiva defesa da posição do arguido.
 Entre estas garantias inominadas costuma ser apontado o chamado direito de 
 audição (ou de audiência) do arguido antes de ser proferida decisão que 
 pessoalmente o possa afectar de forma relevante.
 Este direito, enquanto instrumento específico do direito de defesa do arguido, 
 visa assegurar que não seja tomada nenhuma decisão que o afecte directa e 
 pessoalmente de forma relevante (v.g. a aplicação de prisão preventiva), sem que 
 este tenha a possibilidade de trazer ao conhecimento do tribunal todas as 
 circunstâncias fácticas que lhe sejam favoráveis e que devam ser ponderadas 
 nessa decisão.
 Não se justifica assegurar este direito do arguido nos casos em que não seja 
 possível ouvi-lo em tempo útil, ou em que o tipo de decisão em causa torne 
 desnecessária a sua audição, uma vez que todos os elementos que devem ser 
 ponderados estão à disposição do juiz, nada podendo o arguido acrescentar de 
 novo.
 Já quanto ao direito de audição prévia geral que assiste a todos os 
 intervenientes processuais principais, incluindo o arguido, nos diferentes tipos 
 de processos, incluindo o processo penal, e que lhes permite poder influenciar a 
 decisão do juiz, decorre do modelo do processo equitativo imposto pelo artigo 
 
 20.º, n.º 4, da C.R.P. Neste domínio deve entender-se que o legislador ordinário 
 goza de ampla liberdade de conformação, podendo restringir esse direito apenas 
 
 às decisões mais importantes e decisivas, dispensando-o, relativamente às 
 decisões interlocutórias e de conteúdo meramente processual, de forma a 
 assegurar o cumprimento de outros princípios do processo equitativo, como o da 
 celeridade e o da economia processual.
 No presente caso, estamos perante uma decisão de qualificação de um processo 
 penal comum como de especial complexidade.
 Esta declaração tem como efeito a alteração de alguns pontos do regime do 
 processo penal comum, contemplando a especial complexidade da causa, 
 traduzindo-se, sobretudo, num alargamento de alguns prazos processuais e de 
 duração de algumas medidas de coacção.
 Pode dizer-se que, por decisão do juiz, o processo passa a ter uma forma 
 especial, com regras específicas, que o distinguem do processo penal comum, 
 sobretudo no que toca à duração de alguns prazos.
 A declaração de especial complexidade tem as seguintes consequências no processo 
 onde foi proferida:
 
 - o alargamento dos prazos máximos de prisão preventiva, proibição e imposição 
 de condutas e obrigação de permanência na habitação (artigos 215.º, 218.º, 200.º 
 e 201.º, do C.P.P.);
 
 - a possibilidade de prorrogação dos prazos previstos nos artigos 78.º 
 
 (contestação ao pedido civil), 287.º (requerimento para abertura de instrução) e 
 
 315.º (contestação da acusação), todos do C.P.P. (artigo 107.º, n.º 6, do 
 C.P.P.).
 
 - a possibilidade de alargamento do limite do número de testemunhas (artigos 
 
 283.º, n.º 7 e 315.º, n.º 4, do C.P.P.).
 
 - a possibilidade de o juiz presidente mandar dar vista aos juízes adjuntos por 
 prazo não superior a oito dias (artigo 314.º, n.º 3, do C.P.P.).
 
 - o alargamento do prazo para alegações e réplica na audiência de julgamento 
 
 (artigo 360.º, n.º 3, do C.P.P.).
 Destas consequências, apenas se pode considerar que é susceptível de afectar de 
 forma relevante a posição do arguido, o alargamento dos prazos máximos de 
 duração de medidas de coacção gravemente restritivas da liberdade, como é a 
 prisão preventiva.
 Na verdade, na hipótese de ter sido decretada a prisão preventiva, como sucedeu 
 no presente caso, sendo declarada a especial complexidade do processo, o limite 
 máximo do período em que o arguido pode estar preso preventivamente é superior 
 
 àquele em que poderia estar, caso não tivesse sido emitida essa declaração.
 
 É uma afectação meramente mediata e hipotética, uma vez que não resulta imediata 
 e necessariamente da decisão do juiz o prolongamento da prisão preventiva do 
 arguido, mas apenas a possibilidade desta se vir a prolongar por mais tempo do 
 que era possível no regime comum.
 Só este cariz mediato e hipotético da afectação que pode resultar para o arguido 
 da decisão de declaração de especial complexidade de um determinado processo 
 penal, é suficiente para colocar em dúvida sobre se neste caso existe uma 
 obrigatoriedade constitucional do arguido ser ouvido antes do juiz, 
 oficiosamente, proferir tal decisão.
 Mas, neste tipo de decisão, acresce outra característica, que desfaz esta 
 dúvida.
 
 É que a declaração de especial complexidade é uma decisão de conteúdo meramente 
 adjectivo, fundada apenas em factores objectivos processuais que coloquem uma 
 dificuldade acrescida à tramitação comum prevista na lei, podendo essa 
 dificuldade resultar do número elevado de arguidos ou de ofendidos, ou do 
 carácter altamente organizado do crime em causa.
 Não há, pois, neste caso, a possibilidade do arguido alegar circunstâncias que 
 não sejam do conhecimento do juiz e que este deva ponderar na decisão a emitir.
 Tudo está no processo.
 A audição do arguido revela-se, pois, desnecessária, para assegurar o seu 
 direito de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da C.R.P.), uma vez que este não pode 
 acrescentar nenhum elemento ou circunstância de facto que deva ser ponderada na 
 decisão a proferir.
 Quanto ao direito constitucional, decorrente do modelo do processo equitativo 
 
 (artigo 20.º, n.º 4, da C.R.P.), do arguido poder influenciar a decisão do juiz, 
 argumentando quanto ao raciocínio jurídico a efectuar, e que assiste também aos 
 demais intervenientes processuais principais em processo penal (Ministério 
 Público e assistente), é evidente que esta decisão não é das mais importantes e 
 decisivas no figurino do processo penal, uma vez que se limita a determinar a 
 alteração de alguns pontos do regime do processo penal comum, atendendo à 
 especial complexidade da causa, traduzindo-se, sobretudo, no alargamento de 
 alguns prazos, incluindo os prazos gerais e abstractos da prisão preventiva.
 Por estas razões entendemos que a interpretação normativa que permite ao juiz 
 declarar, oficiosamente, a especial complexidade de um determinado processo 
 penal, sem audição prévia do arguido, não viola nenhum parâmetro 
 constitucional, nomeadamente o direito de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 
 
 1, da C.R.P.) e o direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da 
 C.R.P.).
 
  
 João Cura Mariano
 
 
 
 [1] - Como referem os Dr.s Simas Santos e Leal Henriques, em comentário a este 
 preceito, In Código de Processo Penal Anotado, 1, Vol., 2004, pág.s 1023 e 1024, 
 
 “importará sublinhar a acentuação da oficiosidade e da obrigatoriedade do 
 reexame pelo juiz dos pressupostos da prisão preventiva, obedecendo a uma 
 periodicidade trimestral e sem que se imponha qualquer requerimento prévio por 
 parte do arguido, do seu defensor ou do M. P.”; assim, “tal reexame poderá 
 surtir oficiosamente”.