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Processo n.º 863/08
 
 3ª Secção
 Relator: Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
  
 Por sentença do juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Lamego, foi indeferido o 
 recurso interposto por A. da decisão proferida pelo Instituto da Segurança 
 Social, IP, de retirada do apoio judiciário que anteriormente que lhe havia sido 
 deferido (cfr. fls. 19 e seguintes).
 
  
 A. arguiu a nulidade e requereu a reforma desta sentença (cfr. requerimento de 
 fls. 27 e seguintes), tendo nomeadamente concluído que a sentença “quedou-se em 
 apreciar todos os casos […] que merecem tratamento análogo, a fim de ter obtido 
 uma outra interpretação e a aplicação uniforme do direito, violando o estatuído 
 no n.º 3 do artigo 8º do Código Civil, e 13º, 20º, 32º, n.º 10, 204º, 268º da 
 Constituição”, que “o recorrido C.S.S. não deferiu a requerida consulta ao 
 processo, nem promoveu as requeridas diligências complementares, violando o 
 estatuído no artigo 68º, 101º e 104º do CPA, bem como o disposto no artigo 268º 
 da Constituição” e, bem assim, que “a douta decisão que alicerçou a sentença não 
 analisou todos os elementos constantes dos autos deste processo sancionatório, 
 
 […] não assegurou à requerente/recorrente os direitos de defesa ou seja a 
 consulta ao processo, a promoção de novas diligências, violou o n.º 3 do artigo 
 
 8º do Código Civil, artigo 32º n.º 10 da Constituição, bem como o artigo 13º, 
 
 20º, 204º e 268º da mesma”.
 
  
 O requerido foi indeferido, por despacho de fls. 41 e seguintes, pelos seguintes 
 fundamentos:
 
  
 
 “[…]
 Analisada a decisão preferida, não se vislumbra a existência de qualquer 
 nulidade que inquine aquela, designadamente as invocadas pela recorrente, uma 
 vez que a decisão especifica os fundamentos em que se ancorou e as normas 
 jurídicas legitimadoras do sentido decisório. 
 Quanto ao mais. 
 Dispõe o artigo 669.°, n.° 2, alínea b), do Código de Processo Civil que é 
 lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando constem do 
 processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem 
 necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, 
 não haja tomado em consideração. 
 Deste modo, o aludido nº 2 do artigo 669.° procura especificar, com maior 
 precisão, os poderes de alteração do decidido - e que, desde logo, podem 
 fundar-se, não propriamente numa “omissão”, mas num activo erro de julgamento. 
 Na referida alínea b) aparece essencialmente previsto o erro manifesto na 
 apreciação das provas, traduzido no esquecimento de um elemento que, só por si, 
 implicava decisão diversa da proferida (v. g. o juiz omite a consideração de um 
 documento, constante dos autos e dotado de força probatória plena, que só por si 
 era bastante para deitar por terra a decisão prolatada) — cfr. neste sentido 
 Lopes do Rego in “Comentários ao Código de Processo Civil”, Almedina, pág. 444 e 
 
 445). 
 Ora, salvo o devido respeito, tal não é o caso dos autos, já que sob a capa de 
 uma pretensa reforma de sentença se percebe tão só a discordância da recorrente 
 face ao desfecho do pleito, repetindo os argumentos que já anteriormente havia 
 invocado. 
 Assim, percebe-se que a argumentação expendida pela recorrente já foi apreciada 
 na decisão proferida, não existindo nos autos quaisquer elementos documentais 
 
 (que não peças processuais das próprias partes) que provem factos dissonantes 
 daqueles que o tribunal considerou. 
 Não se verifica nenhuma das situações previstas pelo citado artigo 669°, n.° 2, 
 do Código de Processo Civil, uma vez que não ocorreu manifesto lapso na 
 determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos (alínea 
 a) do referido artigo) nem o tribunal deixou de tomar em consideração qualquer 
 elemento que, só por si, implique decisão diversa da proferida (alínea b) do 
 aludido artigo). 
 Assim, e por não se verificar o circunstancialismo previsto, designadamente, na 
 alínea b) do n.° 2 do artigo 669.° do Código de Processo Civil, indefiro o 
 requerido, mantendo-se a sentença nos precisos termos em que foi proferida. 
 
 […]”.
 
  
 Deste despacho interpôs A. recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das 
 alíneas a), b), e f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, 
 tendo procedido no requerimento respectivo a uma exposição do processado e de 
 vários factos ocorridos fora do processo e concluindo do seguinte modo (cfr. 
 fls. 44 e seguintes):
 
  
 
 “[…]
 
 46º - Salvo o devido respeito pela decisão recorrida, ao quedar-se em apreciar o 
 cumprimento da norma estabelecida no n.º 1 do artigo 670º do CPC, violou o 
 estatuído no artigo 204º da Constituição, bem como o n.º 1 do artigo 20º e n.º 4 
 do artigo 268º do mesmo diploma.
 
 47º - Doutro modo, a requerente desde a petição do inquérito administrativo, bem 
 como na petição do recurso, tem vindo alegar a violação da Constituição.
 
 48º - A requerente/recorrente requer ser apreciada a Ilegalidade da violação da 
 norma estatuída no n.º 1 do artigo 670º do CPC supra alegada.
 
 49º - E cfr. o disposto no artigo 79º-C da LTC, seja apreciada a 
 inconstitucionalidade alegada na sua petição de 16/10/2006 e dos mais do 
 Inquérito Administrativo, promovido pelo requerido/recorrido do C.S.S. de Viseu.
 
 […]
 Requer que seja nomeado um advogado para acompanhar o presente recurso.
 
 […]”.
 
  
 O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho de fls. 51 e 
 seguintes, pelos fundamentos que seguem:
 
  
 
 “[…]
 Os pressupostos da admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional - 
 já que apenas nos podemos inserir na modalidade de processos de fiscalização 
 concreta - estão devidamente enunciados no artigo 70° da Lei do Tribunal 
 Constitucional, sendo que o caso vertente não se insere em nenhuma das alíneas 
 que compõem aquela norma. 
 Em matéria de fiscalização da constitucionalidade o legislador constituinte 
 elegeu como elemento identificador do objecto típico da actividade do Tribunal 
 Constitucional o conceito de norma jurídica, pelo que apenas estas podem ser 
 objecto de sindicância nesta sede, na qual se incluem os processos de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade, e não já as decisões judiciais em 
 si mesmas consideradas — cfr., neste sentido, entre muitos outros, o Ac. 
 Tribunal Constitucional de 26.02.1991 […].
 Ora, no caso concreto, o que pretende a recorrente é ver sindicada uma decisão 
 
 (em si mesma), por alegadamente não ter dado cumprimento a uma norma, não 
 suscitando em concreto 
 
 - que a decisão proferida recusou a aplicação de qualquer norma com fundamento 
 em inconstitucionalidade; 
 
 - que a decisão proferida aplicou determinada norma cuja inconstitucionalidade 
 haja sido suscitada durante o processo; 
 
 - que a decisão tivesse recusado a aplicação de norma constante de acto 
 legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor 
 reforçado, ou de qualquer outra norma constante de diploma regional ou de lei 
 geral da República; 
 
 - ou qualquer outra circunstância plasmada nas demais alíneas constantes do 
 artigo 70.° da LTC. 
 Acresce a tudo isto, que o não cumprimento pela secção de processos do 
 preceituado no artigo 670.°, n.° 1, do CPC, alegadamente ocorrido “ in casu”, 
 não se pode sem mais dar por assente, já que, em bom rigor, o ISS não se pode 
 taxar de “parte contrária” tal qual a mesma emerge numa normal controvérsia em 
 sede de processo de natureza cível que corre nos tribunais. De facto, aquela 
 norma está prevista para estes casos, e não para casos como o que ora nos 
 inserimos em que o ISS assume a qualidade de entidade recorrida, e o tribunal de 
 
 1ª instância assume a veste de tribunal de recurso. 
 Assim, e em bom rigor, nem sequer se pode dar por assente que tenha existido 
 omissão da secção de processos nos termos apontados pela recorrente. 
 Acresce ainda que, mesmo que assim tivesse sucedido, tal não passaria de uma 
 mera irregularidade que já estaria, aliás, sanada, já que não foi proferida 
 qualquer decisão que postergasse a posição já assumida pela ISS sendo que o 
 mesmo foi já notificado, nada tendo dito. 
 Assim, nenhuma alegada “violação do contraditório” terá ocorrido. 
 Por todas estas razões, indefere-se o presente recurso, por manifesta 
 inadmissibilidade legal. 
 
 […]”.
 
  
 Desta decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade reclamou A. para 
 o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 76º, n.º 4, e 77º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, sustentando o seguinte (fls. 1 e seguintes):
 
  
 
 “1º. Por um lado, o douto despacho rclamado limitou-se de maneira simplista a 
 apreciar o vertido no artigo 46°. da petição do recurso quanto à violação da 
 norma estabelecida no n°. 1 do artigo 670º. do C.P.C. 
 
 2°. Por outro lado, o tribunal reclamado quedou-se apreciar o que lhe fora 
 requerido cfr. artigo 47º e 49°. na petição do recurso. 
 
 3º. Até porque cfr. o consignado no Ac. n.º 934/96 do TC de 10.07.1996, pª. 
 
 5.1007 e ROA, 57., Janeiro/97, página 295, sempre se dirá ter-se em conta 
 averiguar, tudo quanto necessário no que respeita ao pedido de apoio judiciário. 
 
 
 
 4°. Conforme consta nos autos e se alegou no artigo 12º do recurso e no 
 petitório vertido na petição de 16/10/2006 dirigida ao ISS, em causa estava o 
 agravamento continuado da doença do marido da requerente bem como a sua situação 
 económica. 
 
 5º. Como sempre o requerente aqui reclamante alegou ao longo de todo o 
 processado ser apreciada a inconstitucionalidade do inquérito administrativo 
 promovido pelo ISS.
 
 6º. Até porque a decisão do ISS, de retirar o apoio Judiciário à requerente aqui 
 reclamante, foi alicerçado numa denúncia caluniosa, promovida pela parte 
 contrária, que servindo-se da sua relação com o Exército, indicia utilizar todos 
 os meios como forma de se fazer respeitar e até de obter vantagens várias. 
 
 7º. De tal forma que a requerente aqui Reclamante, viu-se forçada a participar a 
 Sua Excelência Ministro da Defesa a situação apreciada pelo Departamento de 
 Investigação e Acção Penal de Lisboa (junta cópia). 
 
 8°. Porém antes disso, a requerente na petição de 16/10/2006, enviada ao 
 recorrido ISS, requereu para serem promovidas novas diligências. 
 
 9º. Manifesto se tornava, promover as mesmas cfr. o espírito consignado na norma 
 vertida no artigo 22º. da Lei n°. 30-E/2000, de 20/12, e no artigo 88°. nº 1, 
 
 92°. e n°3 artigo 101º. e 104°. do C.P.A. 
 
 10º. Até porque é principio do direito processual, que tais procedimentos fossem 
 deferidos e promovidos. 
 
 11º. Isto porque a argumentação invocada, pelo recorrido ISS, é contraditória e 
 excessiva, e tal não foi apreciado pelo despacho reclamado. 
 
 12°. E o dever de exaustividade por parte do ISS e do despacho reclamado não foi 
 tido em conta, com objecto de se averiguar a factualidade alegada. 
 Pelo supra exposto. 
 O tribunal reclamado, ao indeferir o recurso interposto, por manifesta 
 inadmissibilidade legal, salvo o devido respeito, violou o direito ao recurso da 
 Reclamante bem como o disposto artigo 13°. n°. 1 e 2, 18°. n°. 1 e 2, 204°. e 
 
 268°. da Constituição. 
 Termos em que deve ser revogada a decisão que indeferiu o recurso, e a que 
 retirou o apoio judiciário, declarando-se a inconstitucionalidade de todo o 
 processado dando-se provimento à Reclamação. 
 
 […]”.
 
  
 Este requerimento encontra-se subscrito pela própria recorrente.
 
  
 Posteriormente, foi junto aos autos um requerimento com o mesmo conteúdo, mas 
 subscrito por advogada (cfr. fls. 11 e seguinte).
 
  
 O despacho que não admitiu o recurso foi mantido, por despacho de fls. 14.
 
  
 
  O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 pronunciou-se nos seguintes termos (fls. 58 v.º):
 
  
 
 “Vigorando em processo constitucional o patrocínio obrigatório (artigo 83º da 
 Lei nº 28/82), é evidente que a presente reclamação, consubstanciada em 
 requerimento subscrito pela parte (fls. 309), não poderia prosseguir sem que o 
 interessado tivesse procedido à constituição de advogado. Caso se admita, porém, 
 que o requerimento constante de fls. 318 traduz uma ratificação do processado 
 pela mandatária da reclamante, importará notar o carácter ostensivamente 
 infundado da reclamação, já que se não mostra delineada qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, susceptível de integrar objecto idóneo de um 
 recurso de fiscalização concreta”.
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 Admite-se que, ao subscrever o requerimento de fls. 11, a advogada constituída 
 pela recorrente ratificou o processado anterior, desse modo suprindo a falta de 
 preenchimento de um dos pressupostos processuais do presente recurso (o 
 patrocínio judiciário obrigatório: cfr. o artigo 83º da Lei do Tribunal 
 Constitucional) e permitindo que o mesmo tenha seguimento (cfr. o artigo 33º do 
 Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 69º da Lei do Tribunal 
 Constitucional).
 
  
 Importa, todavia, verificar se os restantes pressupostos processuais do presente 
 recurso se encontram preenchidos.
 
  
 E a resposta é, quanto a este ponto, negativa.
 
  
 Na verdade, no que à interposição do presente recurso ao abrigo das alíneas a) e 
 f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional diz respeito, é 
 patente que o mesmo não pode ser admitido: no caso da alínea a), desde logo 
 porque a decisão recorrida não recusou a aplicação de qualquer norma com 
 fundamento na sua inconstitucionalidade; no caso da alínea f), também desde logo 
 porque a decisão recorrida não aplicou qualquer norma cuja ilegalidade haja sido 
 suscitada durante o processo com fundamento em violação de lei com valor 
 reforçado e em violação do estatuto de região autónoma.
 
  
 No que se refere à interposição do presente recurso com fundamento na alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, é também evidente que 
 o mesmo não pode ser admitido, pelos seguintes motivos: em primeiro lugar, 
 porque no requerimento de interposição do recurso e na presente reclamação a 
 recorrente não delineou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa 
 
 (isto é, não imputou qualquer inconstitucionalidade a qualquer norma ou 
 interpretação normativa minimamente identificada), o que significa que é 
 inidóneo o objecto do recurso (pois que o objecto do recurso de 
 constitucionalidade apenas pode ser constituído por normas ou interpretações 
 normativas); em segundo lugar, porque perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida (que é a decisão que indeferiu uma arguição de nulidade) a recorrente 
 não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa (cfr., ainda, o 
 artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
 
  
 Não estando preenchidos os pressupostos processuais do recurso interposto, 
 conclui-se que o mesmo não poderia ser admitido, pelo que se indefere a presente 
 reclamação.
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a reclamação, 
 mantendo-se a decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade.
 
  
 
  
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.  
 Lisboa, 26 de Novembro de 2008
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão