 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 447/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         O Ministério Público deduziu acusação contra A., 
 imputando‑lhe a autoria material, em concurso real e na forma consumada, de: (i) 
 um crime de associação de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido pelo 
 artigo 135.º, n.ºs 1 e 3; (ii) um crime de angariação de mão‑de‑obra ilegal, 
 previsto e punido pelo artigo 136.º‑A; (iii) 198 crimes de auxílio à imigração 
 ilegal, previstos e punidos pelo artigo 134.º‑A, n.º 2, todos do Decreto‑Lei n.º 
 
 244/98, de 8 de Agosto, na redacção introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 
 
 25 de Fevereiro; (iv) 198 crimes de falsificação de documento, previstos e 
 punidos pelo artigo 256.º, n.ºs 1 e 3; (v) 24 crimes de corrupção activa, 
 previstos e punidos pelo artigo 374.º, n.º 1; (vi) 17 crimes de lenocínio, 
 previstos e punidos pelo artigo 170.º, n.º 2; (vii) 7 crimes de tráfico de 
 influência, previstos e punidos pelo artigo 335.º; (viii) 4 crimes de burla, 
 previstos e punidos pelo artigo 217.º; (ix) um crime de descaminho, previsto e 
 punido pelo artigo 355.º; e (x) um crime de extorsão, previsto e punido pelo 
 artigo 223.º, todos do Código Penal.
 
                         A referida arguida apresentou requerimento de abertura 
 de instrução no qual, além do mais, arguiu: (i) a nulidade das escutas 
 telefónicas, por alegada violação do disposto nos artigos 187.º e 188.º do 
 Código de Processo Penal (CPP) e 32.º, n.ºs 1 e 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 
 
 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP); e (ii) a 
 inconstitucionalidade orgânica e material do artigo 134.º‑A, n.º 2, do 
 Decreto‑Lei n.º 244/98, na redacção introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 34/2003, e 
 a inconstitucionalidade orgânica do artigo 2.º, alínea o), da Lei n.º 22/2002, 
 de 21 de Agosto e dos artigos 135.º e 136.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 244/98, 
 na redacção introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 34/2003, por violação do artigo 
 
 165.º, n.º s 1, alíneas b) e c), e 2, da CRP.
 
                         Pela decisão instrutória do Tribunal de Instrução 
 Criminal do Porto, de 1 de Agosto de 2007, foi desatendida quer a arguição da 
 nulidade das escutas telefónicas quer a arguição de inconstitucionalidade dos 
 artigos 2.º, alínea o), da Lei n.º 22/2002 e 134.º‑A, n.º 2, 135.º e 136.º, n.º 
 
 2, do Decreto‑Lei n.º 244/98, na redacção introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 34/2003, tendo, a propósito desta questão de inconstitucionalidade, sido tecidas 
 as seguintes considerações:
 
  
 
             “Os arguidos B., C. e A. vêm ainda invocar:
 
             – a inconstitucionalidade orgânica e material do artigo 134.º‑A, n.º 
 
 2, do [Decreto‑Lei n.º 244/98, na redacção introduzida pelo] Decreto‑Lei n.º 
 
 34/2003, de 25 de Fevereiro, por ofensa do disposto no artigo 165.º, n.º 1, 
 alínea c), da Constituição da República Portuguesa, alegando, para tanto, que a 
 alteração introduzida no Decreto‑Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, não respeitou a 
 Lei de Autorização Legislativa n.º 22/2002, de 21 de Agosto, a qual não tinha o 
 sentido nem a extensão de autorizar o Governo a incriminar o auxílio à 
 permanência ilegal de estrangeiros em território nacional;
 
             – a inconstitucionalidade orgânica do artigo 2.º, alínea o), da Lei 
 n.º 22/2002, de 21 de Agosto, e do artigo 136.º, n.º 2, do [Decreto‑Lei n.º 
 
 244/98, na redacção introduzida pelo] Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 de 
 Fevereiro, por violação do artigo 165.º, n.º s 1, alíneas b) e c), e 2, da 
 Constituição da República Portuguesa;
 
             – a inconstitucionalidade orgânica do artigo 2.º, alínea o), da Lei 
 n.º 22/2002, de 21 de Agosto, e do artigo 135.º do [Decreto‑Lei n.º 244/98, na 
 redacção introduzida pelo] Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, por 
 violação do artigo 165.º, n.ºs 1, alíneas b) e c), e 2, da Constituição da 
 República Portuguesa;
 
             – a alínea o) da predita Lei n.º 22/2002, de 21 de Agosto, apenas 
 autorizara o Governo a criminalizar o trânsito ilegal de estrangeiros em 
 Portugal;
 
             – a inconstitucionalidade da alínea o) do artigo 2.º da Lei n.º 
 
 22/2002, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 2, da Constituição da 
 República Portuguesa, por não definir, com rigor, o sentido da autorização 
 concedida ao Governo.
 
             Cumpre decidir.
 
             O n.º 2 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa 
 prescreve que «as leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o 
 sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada».
 
             A Lei de Autorização n.º 22/2002, de 21 de Agosto, observa todos 
 estes requisitos.
 
             Desde logo, e quanto ao objecto da autorização, o artigo 1.º da 
 referida Lei diz que «É concedida ao Governo autorização para alterar o regime 
 de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros em 
 território nacional».
 
             O sentido e extensão, ou seja, os princípios orientadores do Governo 
 na emanação do decreto‑lei autorizado sobre a imigração, vêm definidos no seu 
 artigo 2.º: aí indica‑se o conteúdo e as questões materiais sobre que irá 
 incidir o decreto‑lei autorizado. Entre elas está o de «aperfeiçoar o regime 
 sancionatório das infracções criminais associadas ao fenómeno da imigração, 
 criando novos tipos criminais (…)» – cf. a alínea o) do art. 2.º
 
             Os arguidos entendem que, pelo facto de na referida alínea o) se 
 dizer, expressamente, que se deverá criminalizar o trânsito ilegal de cidadãos 
 estrangeiros em território nacional, não fora o Governo autorizado a incriminar 
 o auxílio à permanência ilegal, e, ao tê‑lo feito, o decreto‑lei autorizado, n.º 
 
 34/2003, de 25 de Fevereiro, excedeu os limites da lei de autorização.
 
             Mas não é assim.
 
             A mencionada alínea o) autorizou o Governo a «aperfeiçoar o regime 
 sancionatório das infracções criminais associadas ao fenómeno da imigração 
 criando novos tipos criminais (…)» – realce nosso.
 
             A lei de autorização tem de ser interpretada no contexto em que foi 
 concedida, sem esquecer que é ao Governo que compete a iniciativa legislativa 
 da autorização. Não é o Parlamento que, de motu proprio, concede a autorização.
 
             No artigo 1.º do Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, 
 estabelece‑se que «O presente diploma transpõe para a ordem jurídica interna a 
 
 (…) Directiva n.º 2002/90/CE, do Conselho, de 28 de Novembro, relativa à 
 definição do auxílio à entrada, ao trânsito e à residência irregulares».
 
             O artigo 1.º da referida Directiva prescreve que «1 – Os 
 Estados‑Membros devem adoptar sanções adequadas: (…) b) Contra quem, com fins 
 lucrativos, auxilie intencionalmente uma pessoa que não seja nacional de um 
 Estado‑Membro a permanecer no território de um Estado‑Membro, em infracção da 
 legislação aplicável nesse Estado em matéria de residência de estrangeiros» – 
 sublinhado nosso.
 
             Ora, se o legislador pretendeu aplicar, na ordem jurídica interna, a 
 disciplina da referida Directiva, tinha que alterar, em conformidade, o regime 
 previsto no Decreto‑Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, o qual não prescrevia 
 quaisquer sanções contra quem, com fins lucrativos, auxiliasse, 
 intencionalmente, uma pessoa que não fosse nacional de um Estado‑Membro a 
 permanecer no território de um Estado‑Membro.
 
             Com efeito, no regime anterior, apenas se previa e punia o auxílio à 
 entrada ilegal de cidadãos estrangeiros, fosse ele com ou sem intenção lucrativa 
 
 – cf. o artigo 134.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto‑Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto.
 
             Não faria qualquer sentido que o legislador, querendo transpor para 
 a ordem jurídica interna a predita Directiva, viesse, afinal, criminalizar, 
 apenas, o auxílio ao «trânsito» ilegal, como pretendem os arguidos.
 
             Daí que a Assembleia da República, através da Lei n.º 22/2002, de 21 
 de Agosto, expressamente, como dela consta, tivesse autorizado o Governo a 
 alterar o regime que regula a permanência de cidadãos estrangeiros em 
 território nacional, previsto no Decreto‑Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto – cf. o 
 artigo 1.º
 
             E, no artigo 2.º, alínea o), diz, expressamente, que a lei tem o 
 sentido e a extensão de autorizar o Governo a «aperfeiçoar o regime 
 sancionatório das infracções criminais associadas ao fenómeno da imigração, 
 criando novos tipos criminais, designadamente, no sentido de criminalizar o 
 trânsito ilegal de cidadãos estrangeiros em território nacional e agravar as 
 medidas das penas aplicáveis» – realce nosso.
 
             Se a Assembleia da República pretendesse autorizar o Governo a 
 incriminar apenas o auxílio ao «trânsito» ilegal de estrangeiros em Portugal, 
 devia, então, ter dito que autorizava o Governo a «aperfeiçoar o regime 
 sancionatório das infracções criminais associadas ao fenómeno da imigração, 
 criminalizando o trânsito ilegal de cidadãos estrangeiros em território 
 nacional e agravar as medidas das penas aplicáveis».
 
             Se esta última hipótese tivesse acontecido, então, a Assembleia da 
 República não estaria a respeitar a advertência contida na Directiva n.º 
 
 2002/90/CE, para a necessidade de criminalizar o auxílio à permanência ilegal.
 
             A imigração ilegal não comporta, apenas, as vertentes da «entrada» e 
 do «trânsito», mas, também, o da «permanência», como consequência da «entrada». 
 Daí que, nesse novo regime sancionatório das infracções criminais associadas à 
 imigração ilegal, tem cabimento a criminalização do auxílio à permanência 
 ilegal.
 
             Não pode, por isso, sufragar‑se a tese dos arguidos de que a lei de 
 autorização legislativa não definia, com rigor, o sentido e extensão da 
 autorização concedida ao Governo.
 
             Em conformidade com o que acaba de dizer‑se, pode ler‑se no 
 preâmbulo do Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, que, «Por fim, 
 procede‑se à transposição, para o direito interno (…) do previsto na Directiva 
 n.º 2002/90/CE, do Conselho, de 28 de Novembro, relativa à definição do auxílio 
 
 à entrada, ao trânsito e à residência irregulares, e, na Decisão Quadro, do 
 Conselho, de 28 de Novembro de 2002, relativa ao reforço do quadro penal para a 
 prevenção do auxílio à entrada, ao trânsito e à residência irregulares» – realce 
 nosso.
 
             Concluindo, pelo que acaba de dizer‑se, porque abrangida pela 
 autorização legislativa a criminalização do auxílio à permanência ilegal de 
 cidadãos estrangeiros no território nacional, os artigos 134.º‑A, 136.º, n.º 2, 
 e 135.º do [Decreto‑Lei n.º 244/98, na redacção introduzida pelo] Decreto‑Lei 
 n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, não padecem de inconstitucionalidade material e 
 orgânica, como também não enferma de tal vício o artigo 2.º, alínea o), da Lei 
 n.º 22/2002, de 21 de Agosto.
 
             No sentido do aqui decidido, que se seguiu de perto, pronunciou‑se o 
 acórdão da Relação de Porto, de 15 de Fevereiro de 2006, no proc. n.º 0545889 
 
 (disponível no sítio da internet in www.dgsi.pt/jtrp/00038816), dizendo que o «O 
 Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, que criminaliza o auxílio à 
 permanência ilegal de cidadãos estrangeiros em território nacional, respeitou os 
 limites da Lei de Autorização n.º 22/2002, de 21 de Agosto, não havendo, aí, por 
 isso, qualquer inconstitucionalidade orgânica».
 
             Pelo exposto, este Tribunal decide:
 
             – julgar improcedente a invocada inconstitucionalidade orgânica e 
 material do artigo 134.º-A, n.º 2, do [Decreto‑Lei n.º 244/98, na redacção 
 introduzida pelo] Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, por ofensa do 
 disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição da República 
 Portuguesa;
 
             – julgar improcedente a invocada inconstitucionalidade orgânica do 
 artigo 2.º, alínea o), da Lei n.º 22/2002, de 21 de Agosto, e do artigo 136.º, 
 n.º 2, do [Decreto‑Lei n.º 244/98, na redacção introduzida pelo] Decreto‑Lei n.º 
 
 34/2003, de 25 de Fevereiro, por suposta violação do artigo 165.º, n.ºs 1, 
 alíneas b) e c), e 2, da Constituição da República Portuguesa;
 
             – julgar improcedente a invocada inconstitucionalidade orgânica do 
 artigo 2.º, alínea o), da Lei n.º 22/2002, de 21 de Agosto, e do artigo 135.º do 
 
 [Decreto‑Lei n.º 244/98, na redacção introduzida pelo] Decreto‑Lei n.º 34/2003, 
 de 25 de Fevereiro, por suposta violação do artigo 165.º, n.ºs 1, alíneas b) e 
 c), e 2, da Constituição da República Portuguesa;
 
             – julgar improcedente a interpretação da alínea o) da predita Lei 
 n.º 22/2002, de 21 de Agosto, no sentido de que apenas autorizou o Governo a 
 criminalizar o trânsito ilegal de estrangeiros em Portugal;
 
             – julgar improcedente a invocada inconstitucionalidade da alínea o) 
 do artigo 2.º da Lei n.º 22/2002, por suposta violação do disposto no artigo 
 
 165.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, interpretada no sentido 
 de que não definia, com rigor, o sentido da autorização concedida ao Governo.”
 
       
 
                         Passando de seguida ao “juízo de indiciação”, a decisão 
 instrutória em causa viria a não pronunciar a arguida pelos crimes de auxílio à 
 imigração ilegal reportados a factos ocorridos antes do dia 12 de Março de 2003 
 
 – por “julgar procedente a invocada inconstitucionalidade do artigo 134.º‑A do 
 
 [Decreto‑Lei n.º 244/98, na redacção introduzida pelo] Decreto‑Lei n.º 34/2003, 
 de 25 de Fevereiro, por violação do disposto no artigo 29.º, n.º 1, da CRP, 
 interpretado no sentido de que incrimina os actos de auxílio à «permanência» 
 ilegal de estrangeiros em território nacional praticados antes do dia 12 de 
 Março de 2003” –, nem pelos 17 crimes de lenocínio, pelos 4 crimes de burla, 
 pelo crime de descaminho e pelo crime de extorsão, e a alterar a incriminação 
 pelo crime de angariação de mão‑de‑obra ilegal, previsto no artigo 136.º‑A, 
 para o crime de auxílio à entrada ilegal de cidadão estrangeiro em território 
 nacional, com intenção lucrativa, previsto pelo artigo 134.º‑A, n.º 2, do 
 referido diploma.
 
                         Contra a decisão instrutória interpuseram recurso para o 
 Tribunal da Relação do Porto o Ministério Público e a arguida A., além de 
 outros arguidos.
 
                         No seu recurso, o Ministério Público, no que a esta 
 arguida respeita, propugnou a sua pronúncia por todos os crimes de auxílio à 
 imigração ilegal por que fora acusada e ainda pelos 17 crimes de lenocínio e 
 pelo crime de extorsão.
 
                         Por seu turno, a motivação do recurso da referida 
 arguida foi sintetizada nas seguintes conclusões:
 
  
 
             “1.ª – A alteração introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 
 de Fevereiro, no Decreto‑Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, não respeitou a alínea 
 o) do artigo 2.º da Lei de Autorização n.º 22/2002.
 
             2.ª – Essa Lei de Autorização não tinha o sentido nem a extensão de 
 autorizar o Governo a incriminar o auxílio à permanência ilegal de 
 estrangeiros em território nacional.
 
             3.ª – O n.º 2 do artigo 134.º‑A do Decreto‑Lei n.º 244/98, de 8 de 
 Agosto, na redacção resultante do Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, 
 está, assim, ferido de inconstitucionalidade, por ofensa ao disposto na alínea 
 c) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.
 
             4.ª – Caso se entenda que a incriminação inovadora do auxílio à 
 permanência ilegal contida naquele artigo 134.º‑A, n.º 2, está coberta pela 
 fórmula não taxativa da citada alínea o), expressa no advérbio «designadamente», 
 nem por isso ela deixa de ofender a reserva relativa de competência legislativa 
 da Assembleia da República (logo, a alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP),
 
             5.ª – uma vez que essa interpretação implica a inconstitucionalidade 
 da própria norma da alínea o) do artigo 2.º da Lei n.º 22/2002, de 21 de Agosto, 
 por violação do comando contido no n.º 2 do artigo 165.º da CRP.
 
             6.ª – Em resumo: seja porque extravasa o sentido admissível da lei 
 de autorização, seja porque tal sentido não está definido nesta lei com rigor, 
 a incriminação do auxílio à permanência ilegal de estrangeiros, estatuída pelo 
 artigo 134.º‑A, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na redacção do 
 Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, está ferida de 
 inconstitucionalidade orgânica e material e não pode fundar‑se nela a 
 incriminação da arguida.
 
             7.ª – Ao decidir em sentido contrário, a douta decisão impugnada 
 ofendeu as disposições normativas que ficaram citadas.
 
             8.ª – Sempre que no decurso do prazo da vigência da autorização de 
 escutas telefónicas ocorra a intercepção e gravação de qualquer conversa 
 telefónica, tem de ser lavrado imediatamente auto desse facto e o mesmo, 
 acompanhado dos suportes técnicos da gravação efectuada, levado de imediato ao 
 conhecimento do juiz, que terá de proceder também de imediato à leitura do auto 
 e ao controlo do seu conteúdo, através da audição das gravações.
 
             9.ª – É o juiz de instrução criminal, portanto, quem tem de efectuar 
 a selecção dentre as gravações efectuadas, não podendo as mesmas ser valoradas 
 sem que tenham sido por ele previamente seleccionadas em função da sua 
 relevância para a investigação.
 
             10.ª – Nos presentes autos, não resulta documentado, nomeadamente, 
 dos doutos despachos que ordenaram a transcrição das escutas telefónicas – fls. 
 
 284, 314, 352, 401, 513, 565, 660, 904, 951, 1232, 1241, 1759, 1974, 4783, 4968, 
 
 5039, 5104, 5434, 5460 e 6019 –, que o juiz de instrução criminal tivesse 
 procedido à sua audição para, desse modo e de forma criteriosa, seleccionar 
 aquelas que considerava serem de interesse para a investigação em curso, ou, 
 sequer, que tivesse validado a selecção efectuada pelo órgão de polícia 
 criminal.
 
             11.ª – De facto, a selecção das escutas foi efectuada pelo órgão de 
 polícia criminal e foi com base nesta selecção que o juiz de instrução criminal 
 ordenou a respectiva transcrição e a destruição das sessões que foram, também 
 pelo órgão de polícia criminal, consideradas sem interesse para a prova dos 
 factos em investigação.
 
             12.ª – Mesmo no entendimento de que o juiz de instrução criminal 
 podia limitar‑se à audição das escutas previamente seleccionadas pelo órgão de 
 polícia criminal, o certo é que, nos presentes autos, isso não ocorreu, ou seja, 
 o juiz de instrução criminal não procedeu à audição de qualquer passagem de 
 gravação.
 
             13.ª – Assim, o juiz de instrução criminal ordenou a transcrição sem 
 que previamente tivesse procedido à audição das escutas que não acompanhou nem 
 controlou.
 
             14.ª – Pelo exposto, a inexistência de qualquer controlo judicial da 
 legalidade das escutas telefónicas em apreço – audição e selecção dos registos 
 telefónicos ou validação das sessões indicadas pelo órgão de polícia criminal – 
 determina a viciação deste meio de prova, por violação do disposto no n.º 3 do 
 artigo 188.º do CPP e [no artigo] 34.º da CRP, e importa a nulidade das 
 intercepções telefónicas efectivadas nos presentes autos, o que devia ter sido 
 declarado.
 
             15.ª – Acresce que não foram observadas nem respeitadas algumas das 
 formalidades essenciais a que tem de obedecer a execução das escutas, o que 
 reflecte, afinal, a falta de acompanhamento e controlo das escutas pelo juiz de 
 instrução criminal, que se manifesta, relativamente aos alvos 28 479, 28 677, 31 
 
 607, 31 687, 31 688 e 31 692, no facto de:
 
             – decorrerem enormes e, a todos os títulos, inadmissíveis períodos 
 de tempo entre o dia das gravações das sessões e a validação da respectiva 
 transcrição;
 
             – decorrerem grandes lapsos de tempo entre a data da escuta e a data 
 da sua documentação em auto – o órgão de polícia criminal estava obrigado a 
 apresentar as sessões gravadas ao juiz de instrução criminal no prazo de 15 dias 
 
 – e a ordem de transcrição ou destruição dada pelo juiz;
 
             – não ser cumprido o prazo para a transcrição das sessões tidas por 
 relevantes;
 
             – o juiz de instrução criminal prorrogar o prazo das intercepções 
 telefónicas sem que tenha ouvido as gravações anteriormente efectuadas;
 
             – o juiz de instrução criminal validar transcrições sem que de facto 
 as tenha verificado uma vez que se o tivesse feito jamais poderia ter validado a 
 transcrição de escutas de conversas mantidas entre o arguido e o seu 
 mandatário, como aconteceu, mas foi justamente reparado pela douta decisão em 
 mérito, na parte não impugnada.
 
             16.ª – Este padrão não é compatível com a natureza excepcional deste 
 meio de recolha de prova e ofende o disposto nos artigos 187.º e 188.º do CPP, 
 sendo nula a prova obtida com violação destes preceitos legais.
 
             17.ª – A interpretação destes preceitos, subscrita pela douta 
 decisão em mérito, em que se admita a ocorrência dos enormes períodos de tempo 
 observados neste processo entre o dia em que se realiza a escuta e a data em 
 que é ordenada a sua transcrição, em que se legitima a intercepção de conversas 
 telefónicas efectuadas por telefones cujo número foi obtido através de sessões 
 cuja transcrição não foi ordenada e em que se permita o não cumprimento de 
 prazos e formalidades judicialmente ordenadas, é inconstitucional, por ofensa 
 das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, 
 n.º 2, da CRP.
 
             18.ª – Acresce que o juiz de instrução criminal ordenou a destruição 
 de vários suportes magnéticos de conversações interceptadas e gravadas, que ele 
 considerou sem interesse, por indicação do órgão de polícia criminal, e essa 
 ordem foi executada.
 
             19.ª – Deste modo, à recorrente não foi dada a possibilidade de 
 conferir a utilidade para a sua defesa dos elementos destruídos, tendo ficado, 
 assim, a constar dos autos, apenas, a selecção de conversas efectuada pela 
 acusação e sancionada pelo juiz.
 
             20.ª – A destruição dos elementos de prova feita à revelia da 
 arguida tem como consequência a impossibilidade de esta poder explicar e 
 contextualizar as conversas em que possa ter participado.
 
             21.ª – Essa destruição implica a nulidade da prova, por força da 
 inconstitucionalidade da segunda parte do n.º 3 do artigo 188.º, que ofende os 
 mencionados artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, 
 inconstitucionalidade essa que fica alegada.
 
             22.ª – Ao indeferir a nulidade das escutas telefónicas suscitada 
 pela arguida, o douto despacho em mérito ofendeu, entre outras, as citadas 
 disposições dos artigos 187.º e 188.º do CPP e 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 8, e 
 
 43.º, n.ºs 1 e 2, da CRP”.
 
  
 
                         Pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de 
 Fevereiro de 2008, foi negado provimento ao recurso do Ministério Público na 
 parte em que se reportava à aludida arguida, e, quanto ao recurso desta 
 arguida, não tomou conhecimento do mesmo na parte respeitante à 
 inconstitucionalidade do artigo 134.º‑A, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 244/98, 
 aditado pelo Decreto‑Lei n.º 34/2003, e do artigo 2.º alínea o), da Lei n.º 
 
 22/2002, e julgou‑o procedente apenas na parte relativa à inconstitucionalidade 
 do artigo 188.º, n.º 3, do CPP, na redacção anterior à dada pela Lei n.º 
 
 48/2007, de 29 de Agosto, “interpretado no sentido de permitir a destruição de 
 elementos obtidos pela intercepção e gravação de conversações ou comunicações 
 telefónicas e considerados irrelevantes para a prova pelo juiz de instrução 
 criminal, mas sem que ao arguido seja dado conhecimento dos mesmos e para se 
 pronunciar sobre a sua relevância para esse efeito”.
 
                         A decisão de não conhecimento da aludida questão de 
 inconstitucionalidade foi fundamentada nas seguintes considerações:
 
  
 
             “Eis a 9.ª questão: a Lei n.º 22/2002, de 21 de Agosto, e o artigo 
 
 134.º‑A, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, padecem de 
 inconstitucionalidade, suscitada pela arguida A.?
 
             É evidente que esta questão não surge teoricamente ou em abstracto, 
 mas, sim, porque a norma em causa teve uma concreta e precisa «conformação», 
 assente, naturalmente, nos factos que permitiam sustentá‑la em termos de 
 relevância criminal; ou seja, de modo mais simples, a sua referência deveu‑se à 
 circunstância de, constituindo um tipo criminal, o mesmo ter sido preenchido 
 pelos pertinentes factos, que foram imputados à arguida A., segundo o despacho 
 de pronúncia.
 
             Só que o foram em termos idênticos aos da acusação.
 
             Sucede que o despacho de pronúncia que assim decida é irrecorrível 
 
 (artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à dada 
 pelo artigo 1.º da Lei n.º 48/2007, de 29 Agosto).
 
             Por isso, não se toma conhecimento da questão em referência e, 
 necessariamente, do recurso interposto pela arguida A. nesta parte.”
 
  
 
                         Por seu turno, a propósito da questão da 
 inconstitucionalidade da norma que determina a destruição imediata dos suportes 
 das escutas tidas por irrelevantes e suas consequências, desenvolveu‑se, no 
 acórdão, a seguinte argumentação:
 
  
 
             “Eis a 7.ª questão: a decisão de destruição, prevista na segunda 
 parte do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior 
 
 à dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, sem que os arguidos 
 devessem pronunciar‑se, nesta interpretação, está ferida de 
 inconstitucionalidade, suscitada pelos arguidos A., B. e D., por violação do 
 disposto nos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da 
 Constituição da República Portuguesa?
 
             O artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção 
 anterior à dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, impõe a 
 destruição dos elementos recolhidos quando os mesmos não sejam considerados 
 relevantes para a prova.
 
             No caso, houve essa destruição, em rigorosa conformidade com este 
 ditame legal, isto é, e indo no sentido que nos importa, sem que aos arguidos 
 
 (A., B. e D.) fosse dado conhecimento desses elementos antes dessa decisão de 
 destruição.
 
             Começando pela resposta ou solução, propendemos (ainda que com 
 algumas dúvidas ou hesitações, confessamos) por julgar inconstitucional essa 
 interpretação, designadamente porque a mesma coloca o arguido numa posição de 
 desigualdade processual (em detrimento do que se tem de haver por um processo 
 leal) que parece não ter justificação substancial razoável (até porque a sua 
 intervenção pode contribuir para a própria de decisão sobre a relevância para a 
 prova dos elementos recolhidos) e que, no limite, pode pôr em crise (ainda que, 
 em muitas situações, senão todas, de forma não absoluta ou definitiva, como 
 adiante tentaremos explicar …), em termos objectivos, as garantias de defesa 
 
 (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
 
             Isto mesmo nos é dito pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 
 
 660/2006, proc. n.º 729/2006, de 28 de Novembro de 2006, in Diário da 
 República, II Série, n.º 7, de 10 de Janeiro de 2007, págs. 745/758): «O 
 arguido não chega sequer a ter conhecimento do conteúdo das comunicações antes 
 da sua destruição, muito menos fazendo valer, ou fundamentar, a sua apreciação 
 sobre a sua relevância, ficando, por isso, colocado numa posição de 
 inferioridade, ou desigualdade, que objectivamente põe em causa as suas 
 garantias de defesa; por outro lado, sendo ao arguido que compete organizar a 
 sua defesa, contraditando os elementos invocados pela acusação e utilizando‑os 
 para se defender, tem de lhe ser deixada a possibilidade de ser ele a ajuizar, 
 com base no conteúdo das conversações em causa, sobre a sua relevância, para, 
 pelo menos, a poder justificar (por exemplo, porque entende que dela resulta uma 
 atenuação da sua culpa, ou até uma causa de justificação), sem que esse juízo 
 possa ser antecipadamente inviabilizado pela destruição dos suportes magnéticos 
 com base numa apreciação alheia (ainda que do juiz de instrução). Aliás, não 
 está apenas em causa a possibilidade de conhecimento pelo arguido do conteúdo 
 das comunicações, para efectuar e fundamentar a sua apreciação sobre a sua 
 relevância, mas também a própria possibilidade de um controlo judicial da 
 decisão de destruir os registos das conversações.»
 
             Expliquemos esta conclusão, para o que vamos seguir de perto o 
 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 450/2007, proc. n.º 452/2007, de 18 de 
 Setembro de 2007, in Diário da República, II Série, n.º 205, de 24 de Outubro de 
 
 2007, págs. 30 739/30 745.
 
             Não estamos, agora, no âmbito e sentido da reserva de juiz, pois não 
 se põe em causa que a ordem de destruição em referência esteja no âmbito desse 
 princípio, de forma que, não estando em causa saber quem deve decidir, 
 definitivamente, sobre a relevância para a prova dos elementos recolhidos, o 
 que se questiona é se tal decisão do juiz de instrução criminal pode ser tomada 
 sem o arguido ter tido acesso aos mesmos, integralmente; mais concretamente, se 
 essa ordem, quando no sentido da destruição, não corresponde a uma intervenção, 
 por restritiva dos direitos fundamentais do arguido, constitucionalmente 
 ilegítima.
 
             Essa ordem (nessa dimensão) implica uma compressão das garantias de 
 defesa do arguido, inaceitável e desnecessária, designadamente quando em 
 confronto com a posição da acusação, pois quando o arguido sofrera, já, aquela 
 primeira intervenção restritiva, ainda que, e apenas, justificada pelas ditas 
 razões de necessidade, nos direitos fundamentais correspondentes, ao ser alvo de 
 intercepção e gravação das conversações ou comunicações telefónicas, vê 
 destruídos dados elementos, sem que do seu conteúdo tenha tomado conhecimento, 
 sequer para se pronunciar sobre a respectiva relevância, ao mesmo tempo que quer 
 o Ministério Público, quer o órgão de polícia criminal (este, aliás, em primeiro 
 lugar), tiveram acesso aos elementos (todos), em termos de, este, seleccionar e 
 indicar as passagens das gravações relevantes para a prova, o que corresponde a 
 uma intervenção claramente substancial anterior à da apreciação, pelo juiz, e da 
 sua consequente decisão sobre a relevância ou irrelevância dos elementos, que, 
 por isso, pode influenciar (v. o artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo 
 Penal, na redacção anterior à dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 48/2007, de 29 de 
 Agosto).
 
             Ademais, muito na linha do que acima se disse, o direito, 
 inviolável, ao sigilo dos meios de comunicação privada corresponde à refracção 
 de outros bens jurídicos: os protegidos pelo direito à palavra e pelo direito à 
 reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da 
 República Portuguesa).
 
             O primeiro desses direitos assenta numa precisa realidade, qual seja 
 o que é dito fora do espaço público tem, como regra, o propósito de não ser 
 escutado, o que faz parte da acção comunicativa espontânea, inocente e 
 autêntica, pressupondo, portanto, a existência de uma liberdade de disposição 
 na área da comunicação não pública. Nesta dimensão, a comunicação humana abrange 
 os discursos fragmentários, a expressão não reflectida nem contida ou a sua 
 formulação somente compreensível no contexto de uma situação especial, o que 
 determina a conclusão de que quem escuta, nestes termos, infere sentidos, por 
 decisão unilateral e externa (sem conhecimento do autor do discurso). E isto é 
 de tal maneira assim que se pode caminhar no sentido de uma descontextualização 
 pela sequência de inferências de sentido, até terminar numa redução de 
 compreensibilidade em relação ao que fora dito.
 
             Sucede que se não pode desprezar um específico aspecto, qual seja o 
 de que a ordem de destruição em destaque pode, na mesma, justificar‑se sem a 
 audição do arguido para a devida protecção da reserva da intimidade da vida 
 privada de terceiros, já que no âmbito daquele especial tipo de comunicação 
 também se atinge a esfera pessoal de terceiros, assim se concretizando uma 
 devassa da privacidade, na sua esfera mais íntima.
 
             Nestas situações, que dão forma a uma autêntica colisão de direitos 
 
 (a do arguido a um processo equitativo, com todas as garantias de defesa, e que 
 inclui, pelo dito, o acesso à integralidade das gravações efectuadas, e a de 
 terceiros, em relação aos bens jurídicos pelo atinente direito protegido), a 
 mesma não pode resolver‑se unilateralmente (com prevalência de um e com prejuízo 
 do outro) mas através da ponderação, de forma a fazer prevalecer qualquer deles 
 sobre o outro.
 
             Ou seja: a destruição, por irrelevância para a prova, pura e simples 
 
 (isto é, sem audição do arguido), dos elementos recolhidos pela intercepção e 
 gravação das conversações ou comunicações telefónicas, prevista naquele artigo 
 
 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, determina a inconstitucionalidade 
 desta norma, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
 **
 
             Segue‑se, então, a 8.ª questão: em caso afirmativo, verifica‑se a 
 nulidade prevista no artigo 189.º do Código de Processo Penal, na redacção 
 anterior à dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto?
 
             Como se acabou de ver, a solução para a questão anterior foi 
 positiva (afirmativa, portanto).
 
             E como se impõe, forçosamente, há que retirar as devidas 
 consequências daquele juízo de inconstitucionalidade.
 
             Os arguidos A., B. e D. sustentaram, una voce, a nulidade da prova 
 obtida por este meio de obtenção, nos termos do artigo 189.º do Código de 
 Processo Penal, na redacção anterior à dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 48/2007, 
 de 29 de Agosto.
 
             Ainda que se possa compreender (no sentido de entender as razões) 
 esta posição, o certo é que pensamos ser a mesma fortemente injustificada e, 
 até, possibilitar uma interpretação inconstitucional por violação do princípio 
 da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República 
 Portuguesa).
 
             Mas abalancemo‑nos à explicitação das razões pelas quais assim 
 pensamos.
 
             Um aspecto nos parece, desde já, decisivo: a questão que fundou o 
 dito juízo de inconstitucionalidade foi, somente, o de a ordem de destruição dos 
 elementos considerados irrelevantes para a prova, que cabe, sempre, ao juiz de 
 instrução criminal, ser proferida sem que ao arguido fosse dada a oportunidade 
 para se pronunciar.
 
             Então, e numa primeira (e coerente) abordagem, o que estaria viciado 
 seria a decisão que continha aquela ordem, de forma a poder ser renovada para 
 decidir‑se, previamente, no sentido de conceder ao arguido a possibilidade de se 
 pronunciar sobre esses elementos e, depois, decidir‑se no sentido, ou não, da 
 destruição, por se considerarem irrelevantes para a prova.
 
             Neste quadro, que temos por relevante para o que de seguida se vai 
 evidenciar, levando‑se a cabo a audição do arguido, a consequência somente 
 podia ser a seguinte: ou decisão, mesmo que em parte, no sentido da relevância 
 dos elementos em referência, ampliando‑se, então, a transcrição dos havidos por 
 relevantes para a prova, ou decisão, ainda que em parte, no sentido da 
 destruição, por consideração dos mesmos como irrelevantes para esse efeito.
 
             De uma forma que nos pareceria a mais ajustada, então: audição do 
 arguido de todos os elementos recolhidos (com a excepção dos que se teriam de 
 excluir por força do juízo de ponderação acima explicitado em caso de colisão 
 de direitos) e, após, a decisão tida por atinente.
 
             Sucede que esse procedimento, no caso, é, presentemente, uma 
 impossibilidade existencial (a ordem de destruição foi dada e cumprida sem a 
 audição dos arguidos A., B. e D.).
 
             É claro que o que acaba de ser dito pode entender‑se como redutor ou 
 como não integralmente relevante, já que mais pode e deve ser dito, e, na 
 verdade, assim pode ser (é), designadamente para efeitos de validade ou 
 invalidade da prova obtida pelo meio em referência.
 
             Assentemos nesta realidade: nada nos permite dizer (os arguidos A., 
 B. e D. não o sugeriram sequer …) que os elementos recolhidos pelas intercepções 
 e gravações das conversações ou comunicações telefónicas que foram considerados 
 relevantes para a prova o foram por decorrência, imposição ou forte sugestão 
 daqueles que foram julgados irrelevantes para a prova e, por isso, objecto da 
 ordem de destruição; o que estes arguidos vieram sustentar foi a relevância para 
 a prova (ainda que muito vagamente, com excepção do arguido B., tudo como melhor 
 adiante se verá) dos elementos objecto da ordem de destruição e efectivamente 
 destruídos, ainda que, como é óbvio, a decisão sobre esta relevância seria, 
 sempre, do juiz de instrução criminal.
 
             Isto é, e para o caso, muito sinteticamente: o juízo de relevância, 
 em princípio, não podia ser atingido.
 
             Somente assim não seria se intercedessem factores de relevo 
 decisivo.
 
             A nosso ver, eles somente podiam relevar do que se pode ter como o 
 núcleo essencial dos direitos do arguido (na vertente, já afirmada, das 
 garantias de defesa).
 
             Aquela posição (a que sustentou o juízo de inconstitucionalidade 
 daquele artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal) nada tem a ver com o 
 princípio do contraditório, que somente vale para as fases da audiência de 
 julgamento e para os actos instrutórios que a lei determinar.
 
             Tem a ver, sim, com a garantia de que todo o processo criminal se 
 cumpra como se deve cumprir, de forma a fazer ressaltar as razões da acusação e 
 da defesa, equiparando, o mais possível, o arguido à acusação; nas palavras do 
 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 450/2007, proc. n.º 452/2007, de 18 de 
 Setembro de 2007, in Diário da República, II Série, n.º 205, de 24 de Outubro de 
 
 2007, págs. 30 739/30 745, «exigir que semelhante garantia se cumpra não 
 equivale a transfigurar um processo penal de estrutura mitigada em outro 
 diverso, de estrutura radicalmente acusatória. A exigência significa apenas que 
 se obedece ao princípio contido no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, pois 
 que em todas as garantias de defesa englobam‑se indubitavelmente todos os 
 direitos e instrumentos necessários para o arguido defender a sua posição e 
 contrariar a acusação. Dada a radical desigualdade material de partida entre a 
 acusação (normalmente apoiada pelo poder institucional do Estado) e a defesa, só 
 a compensação desta, mediante específicas garantias, pode atenuar essa 
 desigualdade de armas.»
 
             Ora, violando, a norma em referência, como se disse para fundar o 
 afirmado juízo de inconstitucionalidade, as garantias de defesa do arguido, não 
 podemos deixar de ponderar, também, na possibilidade de a dita compressão dessas 
 garantias poder ser eliminada (ou, quando menos, acentuadamente reduzida) por 
 intervenção de outros instrumentos que concretizam essas mesmas garantias de 
 defesa, destacando‑se, em primeira e decisiva via, os que decorrem do princípio 
 do contraditório.
 
             Na verdade, e se bem vemos, neste domínio ele é praticamente 
 evidente (e muito mais quando atentamos no que, neste mesmo âmbito, os arguidos 
 A., B. e D. evidenciaram …).
 
             Estamos, como acima se disse, e somente, no domínio do direito (do 
 arguido) à palavra, à conversação ou comunicação não pública, sendo que a 
 audição dessa conversação, no que se reporta à palavra, somente permite, a quem 
 ouve, externamente, inferir sentidos.
 
             Sucede que ninguém melhor do que o titular do direito à palavra (o 
 arguido, repete‑se) pode intervir, valiosamente, na definição dessas 
 inferências, explicando‑a, contextualizando‑a e, portanto, eliminando a redução 
 da compreensibilidade.
 
             E tal, exactamente porque estamos nesse domínio, tanto podia ser 
 alcançado pela disponibilização, como relevante, de outros elementos 
 recolhidos pela intercepção ou gravação das conversações ou comunicações 
 telefónicas, como através (até de forma mais segura, como nos parece de toda a 
 evidência, pela conformação fragmentária e, muitas e muitas vezes, de apertada 
 síntese, de que se revestem essas conversações ou comunicações …) de prova 
 
 (desde logo, as declarações do arguido e, depois, a testemunhal …).
 
             É claro que se poderia objectar, em tese, que tal seria 
 empreendimento claramente insuportável (e insustentável) para o arguido, pois 
 estava‑se num domínio demasiado fluido, mas o certo é que assim não tem de ser 
 
 (nem é) quando o que está em causa são matérias relevantes, muito distantes, 
 portanto, do que são as conversas do dia‑a‑dia, corriqueiras, irrelevantes, 
 despiciendas (estas, sim, passíveis daquela crítica), para mais quando há, na 
 base, uma localização (no tempo, no espaço e no assunto) delas, disponibilizada 
 pela transcrição das que foram julgadas relevantes para a prova, que, a final, 
 
 é o que releva.
 
             No caso, se atentarmos no que o arguido B. veio dizer como que 
 confirma o que se acabou de referir, pois foi peremptório em mencionar a 
 existência de prova testemunhal que podia rebater a interpretação que a 
 acusação havia feito dos elementos recolhidos pela intercepção e gravação das 
 conversações ou comunicações das conversações telefónicas e transcritas.
 
             Daí que, também, se não possa conceber o que a arguida A. considerou 
 a impossibilidade de poder explicar e contextualizar as conversas em destaque.
 
             E não é que a arguida D. nada, a este respeito, disse …
 
             Ou seja, por tudo o que se referiu, não se justifica que a 
 consequência da sobredita declaração de inconstitucionalidade do indicado artigo 
 
 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal seja a nulidade da prova obtida pela 
 intercepção e gravação das comunicações ou conversações telefónicas e prevista 
 naquele artigo 189.º do Código de Processo Penal.
 
             Se assim não fosse entendido, ou seja, que tal implicaria a nulidade 
 da prova assim obtida, estaríamos face a interpretação inconstitucional, por 
 violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
             Na verdade, como se disse, a restrição do direito do arguido 
 derivada da eliminação de elementos recolhidos pela intercepção das conversações 
 ou comunicações telefónicas, por terem sido considerados irrelevantes para a 
 prova, sem a sua audição, porque afectam as suas garantias de defesa, é 
 eliminada pelo exercício, por si, do princípio do contraditório.
 
             A nulidade da prova obtida através desse meio, então, e por isso, 
 redundaria na afectação, necessariamente injustificada, do já dito interesse ou 
 valor constitucionalmente protegido num Estado de Direito que é a prossecução 
 da justiça penal.
 
             Em conclusão: não se verifica a nulidade prevista no artigo 189.º do 
 Código de Processo Penal, na redacção dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 48/2007, 
 de 29 de Dezembro.”
 
  
 
                         Notificados deste acórdão, interpuseram recursos para o 
 Tribunal Constitucional:
 
                         I – o Ministério Público, ao abrigo da alínea a) do n.º 
 
 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 
 alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra 
 o referido acórdão, na parte em que recusou, com fundamento em 
 inconstitucionalidade, por violação das garantias de defesa asseguradas pelo 
 artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a aplicação do segmento da norma da segunda parte 
 do n.º 3 do artigo 188.º do CPP, na redacção anterior à dada pelo artigo 1.º da 
 Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretado no sentido de permitir a 
 destruição de elementos obtidos pela intercepção e gravação de conversações 
 telefónicas consideradas irrelevantes para a prova pelo juiz de instrução 
 criminal, mas sem que ao arguido seja dado conhecimento dos mesmos e para se 
 pronunciar sobre a sua relevância para o efeito; e
 
                         II – a arguida A., ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC:
 
                         1) contra o mesmo acórdão, para apreciação da 
 inconstitucionalidade:
 
                         “A. – Do conjunto normativo formado pelos artigos 187.º 
 e 188.º do Código de Processo Penal (na versão anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 
 de Agosto), na interpretação que admite a ocorrência de enormes períodos de 
 tempo entre o dia em que se realiza a escuta e a data em que é ordenada a sua 
 transcrição, em que se legitima a intercepção de conversas telefónicas 
 efectuadas por telefones cujo número foi obtido através de sessões cuja 
 transcrição não foi ordenada e em que se permita o não cumprimento de prazos e 
 formalidades judicialmente ordenadas, por ofensa das disposições conjugadas dos 
 artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP;
 
                         B. – Do conjunto normativo formado pelos artigos 188.º, 
 n.º 3, e 189.º do Código de Processo Penal (na versão anterior à Lei n.º 
 
 48/2007, de 29 de Agosto), na interpretação segundo a qual a declaração de 
 inconstitucionalidade da norma daquele n.º 3 do artigo 188.º (na interpretação 
 segundo a qual a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção 
 de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público 
 conheceram e que são consideradas irrelevantes pelo Juiz de Instrução Criminal, 
 sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a 
 sua relevância) não implica a nulidade da prova obtida através da parte das 
 intercepções telefónicas cuja gravação não foi destruída”; e
 
                         2) contra a decisão instrutória, para apreciação da 
 inconstitucionalidade:
 
                         “C. – Do conjunto normativo formado pela alínea o) do 
 artigo 2.º da Lei de Autorização n.º 22/2002, de 21 de Agosto, e pelo n.º 2 do 
 artigo 134.º‑A do Decreto‑Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na redacção resultante 
 do Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, por ofensa do disposto na 
 alínea c) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 165.º da CRP.”
 
                         A interposição deste último recurso, a título cautelar, 
 como no respectivo requerimento se assinala, deveu‑se à circunstância de se 
 pretender recorrer para o Tribunal Constitucional de duas decisões diferentes, 
 proferidas por instâncias distintas (e sendo o recurso da decisão instrutória, 
 na parte relativa à questão de inconstitucionalidade suscitada a propósito da 
 pronúncia, interposto na sequência do acórdão da Relação que não conheceu dessa 
 parte do recurso ordinário, por inadmissibilidade do mesmo – artigo 75.º, n.º 2, 
 da Lei do Tribunal Constitucional) e o artigo 76.º, n.º 1, desta Lei determinar 
 que compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a 
 admissão do respectivo recurso, pelo que a aplicação rigorosa desta disposição 
 pressuporia que fosse o autor da decisão instrutória a proferir despacho sobre a 
 admissão do recurso dessa decisão. Neste Tribunal Constitucional, o relator 
 consignou, no despacho liminar, que, tendo o Desembargador Relator do Tribunal 
 da Relação do Porto proferido despachos em que admitiu expressamente os dois 
 recursos, razões de celeridade e economia processual justificavam que se 
 evitasse o envio dos autos à 1.ª instância para o referido efeito.
 
                         Nesse mesmo despacho, em que se determinou a apresentou 
 de alegações, foram as partes convidadas a pronunciarem‑se, querendo, sobre a 
 eventualidade de não se conhecer do recurso da arguida:
 
                         – na parte relativa à questão enunciada na parte A do 
 respectivo requerimento de interposição de recurso, por duas ordens de razões: 
 
 (i) por não se revestir das características de generalidade e abstracção 
 próprias das questões de inconstitucionalidade normativa, antes ser susceptível 
 de ser vista como representando a imputação directa da violação da Constituição 
 
 à decisão judicial, em si mesma considerada, em termos inseparáveis das 
 especialidades irrepetíveis do presente caso concreto; e (ii) por não existir 
 inteira coincidência entre os critérios normativos que a recorrente reputou 
 inconstitucionais na parte correspondente da sua motivação de recurso para o 
 Tribunal da Relação do Porto e os critérios normativos efectivamente aplicados, 
 como ratio decidendi, pelo acórdão recorrido; e
 
                         – na parte relativa à questão enunciada na parte B do 
 dito requerimento, também por duas ordens de razões: (i) por não se revestir 
 das características de generalidade e abstracção próprias das questões de 
 inconstitucionalidade normativa, antes ser susceptível de ser vista como 
 representando a imputação directa da violação da Constituição à decisão 
 judicial, em si mesma considerada, em termos inseparáveis das especialidades 
 irrepetíveis do presente caso concreto; e (ii) por falta de prévia suscitação, 
 pela recorrente, antes de proferida a decisão recorrida, da questão de 
 constitucionalidade em causa, apesar de não se poder considerar insólito, 
 inesperado ou anómalo o critério adoptado no acórdão recorrido.
 
                         O representante do Ministério Público apresentou 
 alegações relativas ao respectivo recurso, em que, após invocar o juízo emitido 
 pelo Plenário do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 70/2008, concluiu:
 
  
 
             “1. Não é inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 188.º do 
 Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, quando 
 interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material 
 coligido através de escutas telefónicas quando considerado irrelevante, sem que 
 previamente ao arguido seja dado conhecimento e possa pronunciar‑se sobre o 
 eventual interesse para a defesa.
 
             2. Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
 
  
 
                         Relativamente ao recurso por si interposto, a arguida A. 
 começou por reconhecer “no que respeita às questões que suscitou na alínea A) do 
 requerimento de interposição de recurso, que não existe coincidência entre os 
 critérios normativos por si reputados inconstitucionais e os efectivamente 
 aplicados pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, pelo que desiste do 
 recurso, nessa parte”, mantendo‑o, todavia, quanto ao mais, e formulando, a 
 final, as seguintes conclusões:
 
             
 
             “1. O conjunto normativo formado pelos artigos 188.º, n.º 3, e 189.º 
 do CPP interpretado no sentido de que a declaração de inconstitucionalidade da 
 norma daquele n.º 3 do artigo 188.º (na interpretação segundo a qual a 
 destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de 
 telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público 
 conheceram e que são consideradas irrelevantes pelo Juiz de Instrução Criminal, 
 sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a 
 sua relevância) não implica a nulidade da prova obtida através da parte das 
 intercepções telefónicas cuja gravação não foi destruída, é inconstitucional, 
 por ofensa, entre outros, dos artigos 32.º, n.ºs 1 e 8, 202.º, n.º 2, e 204.º da 
 CRP.
 
             2. A alteração introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 de 
 Fevereiro, no Decreto‑Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, não respeitou a alínea o) 
 do artigo 2.º da Lei de Autorização n.º 22/2002.
 
             3. Essa lei de autorização não tinha o sentido nem a extensão de 
 autorizar o Governo a incriminar o auxílio à permanência ilegal de estrangeiros 
 em território nacional.
 
             4. O n.º 2 do artigo 134.º‑A do Decreto‑Lei n.º 244/98, de 8 de 
 Agosto, na redacção resultante do Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, 
 está, assim, ferido de inconstitucionalidade por ofensa do disposto na alínea c) 
 do n.º 1 do artigo 165.º CRP.
 
             5. Caso se entenda que a incriminação inovadora do auxílio à 
 permanência ilegal contida naquele artigo 134.º‑A, n.º 2, está coberta pela 
 fórmula não taxativa da citada alínea o), expressa no advérbio 
 
 «designadamente», nem por isso ela deixa de ofender a reserva relativa de 
 competência legislativa da Assembleia da República (logo, a alínea c) do n.º 1 
 do artigo 165.º CRP),
 
             6. uma vez que essa interpretação implica a inconstitucionalidade da 
 própria norma da alínea o) do artigo 2.º da Lei n.º 22/2002, de 21 de Agosto, 
 por violação do comando contido no n.º 2 do artigo 165.º CRP.
 
             7. Em resumo: seja porque extravasa o sentido admissível da lei de 
 autorização, seja porque tal sentido não está definido nesta lei com rigor, a 
 incriminação do auxílio à permanência ilegal de estrangeiros estatuída pelo 
 artigo 134.º‑A, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na redacção do 
 Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, está ferida de 
 inconstitucionalidade orgânica e material e não pode fundar‑se nela a 
 incriminação da arguida.
 
             8. Ao decidir em sentido contrário, a douta decisão impugnada 
 ofendeu as disposições normativas que ficaram citadas.”
 
  
 
                         O representante do Ministério Público apresentou 
 contra‑alegações relativas ao recurso da arguida, concluindo:
 
  
 
             “1. Por não estarem reunidos os respectivos pressupostos não poderá 
 conhecer‑se da conformidade constitucional do conjunto normativo formado pelos 
 artigos 188.º, n.º 3, e 189.º do Código de Processo Penal.
 
             2. Não é inconstitucional a norma do artigo 134.º‑A, n.º 2, do 
 Decreto‑Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na redacção do Decreto‑Lei n.º 34/2003, 
 de 28 de Fevereiro, editado a coberto da credencial parlamentar da Lei de 
 autorização n.º 22/2002, de 21 de Agosto.
 
             3. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.”
 
  
 
                         Em resposta às alegações de recurso do Ministério 
 Público, sustenta a arguida que a decisão tomada no Acórdão (do Plenário) n.º 
 
 70/2008, para além de não ter força vinculativa, é inconstitucional, uma vez 
 que a existência de três acórdãos que julgaram inconstitucional a norma em 
 causa impunha, por força do disposto nos artigos 82.º da LTC e 281.º, n.º 3, da 
 CRP, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dessa 
 norma, não sendo lícito, em cada processo concreto posterior à prolação de três 
 decisões conformes de inconstitucionalidade, os tribunais proferirem juízo 
 diferente do contido nessas decisões.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         2.1. Recurso do Ministério Público
 
                         O Tribunal Constitucional, através dos Acórdãos n.º 
 
 660/2006, da 2.ª Secção, e n.ºs 450/2007 e 451/2007, ambos da 3.ª Secção, 
 apreciando a questão que constitui objecto do recurso do Ministério Público, 
 pronunciou‑se no sentido da inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, 
 n.º 1, da CRP, da norma do artigo 188.º, n.º 3, do CPP, na interpretação segundo 
 a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção 
 de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público 
 conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o 
 arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua 
 relevância.
 
                         Atendendo à existência de vários votos de vencido 
 apostos a esses Acórdãos e para evitar divergências jurisprudenciais, determinou 
 o Presidente do Tribunal Constitucional, com a concordância do Tribunal, ao 
 abrigo do artigo 79.º‑A, n.º 1, da LTC, a intervenção do Plenário, que, pelo 
 Acórdão n.º 70/2008 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), embora com 
 diversos votos dissidentes, inflectiu aquela orientação, decidindo “não julgar 
 inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na 
 redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no 
 sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material coligido através de 
 escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem que antes o arguido 
 dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre o eventual interesse para a 
 sua defesa”.
 
                         A orientação assim definida foi posteriormente seguida 
 pelos Acórdãos n.ºs 128/2008, 204/2008 e 205/2008 e pela Decisão Sumária n.º 
 
 202/2008.
 
                         É essa mesma orientação que ora se reitera, o que 
 determina o provimento do recurso do Ministério Público, com a consequente 
 reformulação, nesta parte, da decisão recorrida.
 
                         Como é sabido, a existência de três decisões do 
 Tribunal Constitucional, proferidas em sede de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade, que tenham julgado inconstitucional determinada norma não 
 determina necessariamente que, no processo de “generalização” previsto no artigo 
 
 82.º da LTC, a decisão do Tribunal não possa ser outra senão a confirmação 
 daqueles juízos de inconstitucionalidade. A “generalização” dos juízos 
 concretos de inconstitucionalidade não se produz automaticamente, sendo a 
 existência de três decisões concretas de inconstitucionalidade mero pressuposto 
 da instauração de um processo autónomo de fiscalização abstracta da 
 constitucionalidade da norma em causa, que seguirá os termos do esquema comum 
 dessa forma processual, designadamente com audição do autor da norma (que não 
 teve lugar nos processos de fiscalização concreta). Assim, estando‑se perante um 
 processo autónomo, nada impede que a decisão do Plenário seja divergente dos 
 juízos de inconstitucionalidade proferidos pelas Secções (decisões estas que 
 inclusivamente podem ser provenientes de uma mesma Secção e ter sido aí 
 aprovadas por uma maioria tangencial de três dos respectivos juízes, pelo que 
 não faria sentido impor o sentido dessa decisão ao Plenário, integrado por 
 treze juízes). Como refere Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, tomo 
 VI, 3.ª edição, Coimbra, 2008, p. 280), “uma automática declaração de 
 inconstitucionalidade, concomitante com a terceira decisão em concreto, 
 brigaria com a letra da Constituição, com o seu espírito e com a distinção de 
 competência das secções e do plenário” (posição reafirmada em Jorge Miranda e 
 Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo III, Coimbra, 2007, p. 811). 
 No sentido da não automaticidade da “generalização” dos juízos de 
 inconstitucionalidade também se pronunciaram J. J. Gomes Canotilho, Direito 
 Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Coimbra, 2003, p. 1025; e 
 José Manuel M. Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, 3.ª 
 edição, Coimbra, 2007, p. 91 e nota 122) e constitui entendimento desde sempre 
 sustentado por este Tribunal, tendo‑se referido no Acórdão n.º 457/94: “O facto 
 de determinada norma ter sido julgada inconstitucional em três casos concretos 
 não conduz, por sua vez, e como pondera o Acórdão n.º 347/92 (…), na esteira de 
 outros, a uma declaração automática da sua inconstitucionalidade com força 
 obrigatória geral, mas implica reapreciar a questão pelo Tribunal 
 Constitucional: como então se observou, «é um novo processo de fiscalização 
 que se abre e uma nova decisão que se tem de tomar»”.
 
                         A existência de juízos concretos de 
 inconstitucionalidade por parte de Secções do Tribunal Constitucional, 
 independentemente do número desses juízos, não tem força vinculativa fora dos 
 processos em que foram proferidos, nem em relação aos restantes tribunais, nem 
 sequer face ao próprio Tribunal Constitucional, nada impedindo que, quer em 
 Secção, quer em Plenário, e seja este chamado a intervir ao abrigo do artigo 
 
 82.º ou dos artigos 79.º‑A ou 79.º‑C da LTC, venha a obter vencimento posição no 
 sentido da não inconstitucionalidade. E, por outro lado – embora, em estrito 
 rigor, não seja juridicamente vinculativa –, a pronúncia do Plenário chamado a 
 intervir ao abrigo do artigo 79.º‑A da LTC, intervenção motivada justamente por 
 o Tribunal, colegialmente, a ter considerado “necessária para evitar 
 divergências jurisprudenciais”, deva ser seguida em posteriores decisões do 
 Tribunal, mesmo pelos juízes que dela divergiram, ao menos enquanto se mantiver 
 a composição do Plenário e não sobrevierem alterações relevantes do quadro 
 jurídico existente.
 
  
 
                         2.2. Recursos da arguida A.
 
                         2.2.1. Tendo a recorrente abandonado, nas suas 
 alegações, a questão de inconstitucionalidade mencionada na parte A do seu 
 requerimento de interposição de recurso, restariam as questões enunciadas na 
 parte B (reportada ao recurso do acórdão do Tribunal do Porto) e na parte C 
 
 (reportada ao recurso da decisão instrutória) do mesmo requerimento.
 
                         Acontece que o provimento do recurso do Ministério 
 Público, acabado de decidir, faz precludir a possibilidade de conhecimento da 
 questão de inconstitucionalidade referida na aludida parte B – que tinha por 
 objecto “o conjunto normativo formado pelos artigos 188.º, n.º 3, e 189.º do 
 Código de Processo Penal (na versão anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de 
 Agosto), na interpretação segundo a qual a declaração de inconstitucionalidade 
 da norma daquele n.º 3 do artigo 188.º (na interpretação segundo a qual a 
 destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de 
 telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público 
 conheceram e que são consideradas irrelevantes pelo Juiz de Instrução Criminal, 
 sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a 
 sua relevância) não implica a nulidade da prova obtida através da parte das 
 intercepções telefónicas cuja gravação não foi destruída” –, já que, tendo a 
 decisão recorrida de vir a ser reformulada no sentido de não julgar 
 inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 3, do CPP, na aludida versão, na 
 parte em que determina a destruição dos elementos recolhidos mediante 
 intercepção de telecomunicações considerados irrelevantes para a prova, sem que 
 antes o arguido deles tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre o eventual 
 interesse para a sua defesa, deixa forçosamente de subsistir (porque tinha como 
 pressuposto lógico necessário o juízo de inconstitucionalidade dessa norma) o 
 critério, cuja conformidade constitucional integra esta parte do recurso, 
 segundo o qual tal juízo de inconstitucionalidade “não implica a nulidade da 
 prova obtida através da parte das intercepções telefónicas cuja gravação não foi 
 destruída”.
 
                         Feita esta constatação, nem se torna necessário apurar 
 se seriam, ou não, subsistentes as duas razões avançadas no despacho do relator 
 que determinou a apresentação de alegações, no sentido do não preenchimento dos 
 requisitos de admissibilidade desta parte do recurso.
 
  
 
                         2.2.2. Resta, assim, o recurso da arguida tendo por alvo 
 a decisão instrutória, e que visa a apreciação da inconstitucionalidade do 
 
 “conjunto normativo formado pela alínea o) do artigo 2.º da Lei de Autorização 
 n.º 22/2002, de 21 de Agosto, e pelo n.º 2 do artigo 134.º‑A do Decreto‑Lei n.º 
 
 244/98, de 8 de Agosto, na redacção resultante do Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 
 de Fevereiro, por ofensa do disposto na alínea c) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 
 
 165.º da CRP”.
 
                         Na sua redacção originária, o Decreto‑Lei n.º 244/98, 
 diploma que regulou a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros 
 do território nacional, previa apenas dois tipos de crime: (i) o crime de 
 
 “auxílio à imigração ilegal” (artigo 134.º), punindo com prisão até 3 anos “quem 
 favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada irregular de cidadão 
 estrangeiro em território nacional” (n.º 1), sendo a pena de prisão de 1 a 4 
 anos se o agente praticasse essas condutas com intenção lucrativa (n.º 2); e 
 
 (ii) o crime de “associação de auxílio à emigração ilegal” (artigo 135.º), 
 punindo com prisão de 1 a 5 anos “quem fundar grupo, organização ou associação 
 cuja actividade seja dirigida à prática do crime previsto no artigo anterior” 
 
 (n.º 1) ou “quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações” (n.º 
 
 2), sendo a pena de 2 a 8 anos para “quem chefiar os grupos, organizações ou 
 associações referidos nos números anteriores” (n.º 3).
 
                         O Governo apresentou na Assembleia da República a 
 Proposta de Lei n.º 10/IX (Diário da Assembleia da República, II Série‑A, n.º 
 
 13, de 15 de Junho de 2002, p. 377), de autorização para alteração do regime 
 previsto no Decreto‑Lei n.º 244/98, assinalando na respectiva exposição de 
 motivos a necessidade de se consagrar “uma política de imigração assente em três 
 eixos fundamentais: promoção da imigração legal em conformidade com as 
 possibilidades reais do País; integração efectiva dos imigrantes e combate firme 
 
 à imigração ilegal”, inserindo‑se neste último vector a harmonização da 
 legislação nacional “com as orientações e directivas comunitárias” e a “previsão 
 de um regime sancionatório criminal mais adequado a prevenir e reprimir os actos 
 ilícitos relacionados com a imigração clandestina e com a exploração de 
 mão‑de‑obra dos estrangeiros em situação não regularizada”.
 
                         Na sequência da aprovação dessa Proposta de Lei, foi 
 publicada a Lei n.º 22/2002, de 21 de Agosto, que concedeu ao Governo 
 
 “autorização para alterar o regime de entrada, permanência, saída e afastamento 
 de cidadãos estrangeiros em território nacional” (artigo 1.º), precisando o 
 artigo 2.º que essa lei de autorização tinha “como sentido e extensão autorizar 
 o Governo a: (…) o) Aperfeiçoar o regime sancionatório das infracções criminais 
 associadas ao fenómeno da imigração ilegal, criando novos tipos criminais, 
 designadamente no sentido de criminalizar o trânsito ilegal de cidadãos 
 estrangeiros em território nacional e agravar as medidas das penas aplicáveis; 
 
 (…)” [O inciso “designadamente no sentido de criminalizar o trânsito ilegal de 
 cidadãos estrangeiros em território nacional” não constava da Proposta de Lei, 
 tendo sido aditado no decurso dos trabalhos parlamentares].
 
                         No uso desta autorização legislativa, o Governo editou o 
 Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, que alterou e aditou diversos 
 artigos ao Decreto‑Lei n.º 244/98, e que, em matéria criminal, para além da 
 criação de dois novos tipos de crime – o crime de angariação de mão‑de‑obra 
 ilegal (artigo 136.º‑A) e o crime de violação da medida de interdição de 
 entrada (artigo 136.º‑B) – e da elevação para 6 anos do limite máximo da pena 
 aplicável ao crime de associação de auxílio à imigração ilegal (artigo 135.º, 
 n.º 1), passou a prever a punição do crime de auxílio à imigração ilegal no novo 
 artigo 134.º‑A, punindo com pena de prisão até 3 anos “quem favorecer ou 
 facilitar, por qualquer forma, a entrada ou o trânsito ilegais de cidadão 
 estrangeiro em território nacional” (n.º 1), sendo a pena de prisão de 1 a 4 
 anos para “quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada, a 
 permanência ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional 
 com intenção lucrativa” (n.º 2).
 
                         Comparando estas previsões com as do originário artigo 
 
 134.º, constata-se que enquanto este apenas previa expressamente o favorecimento 
 ou facilitação da entrada irregular de cidadão estrangeiro em território 
 nacional, sem (n.º 1) ou com (n.º 2) intenção lucrativa, o novo artigo 134.º‑A 
 passou a incriminar expressamente o favorecimento ou facilitação, para além da 
 entrada irregular, também do trânsito ilegal, sem intenção lucrativa (n.º 1), e 
 o favorecimento ou facilitação quer do trânsito quer da permanência ilegais, com 
 intenção lucrativa (n.º 2).
 
                         Constata‑se, assim, que, para o que releva no presente 
 recurso, a lei passou a incriminar inovatoriamente o favorecimento ou a 
 facilitação da permanência ilegal de cidadão estrangeiro em território nacional, 
 com intenção lucrativa.
 
                         Tratando‑se de matéria integrada na reserva relativa de 
 competência legislativa da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea 
 c), da CRP), a conformidade constitucional da emissão da norma em causa pelo 
 Governo depende quer da verificação da sua cobertura por autorização legislativa 
 parlamentar, quer da própria conformidade constitucional desta autorização. A 
 recorrente questiona estas duas conformidades, reputando inconstitucional a 
 própria autorização, por alegada deficiência na definição do seu sentido, em 
 violação do n.º 2 do referido artigo 165.º, e também por a norma emitida pelo 
 Governo extravasar o sentido da norma autorizadora.
 
                         Nenhuma destas objecções procede, como este Tribunal já 
 decidiu no Acórdão n.º 396/2007, em recurso em que, além de outras questões, 
 estavam em causa as ora em apreço.
 
                         Relativamente à exigência constitucional de a lei de 
 autorização legislativa definir, não apenas o objecto e a extensão, mas também o 
 sentido da autorização (requisito apenas aditado na revisão constitucional de 
 
 1982), a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem reiteradamente aderido 
 
 às formulações avançadas no Acórdão n.º 358/92, segundo as quais:
 
  
 
             “(…) o sentido de uma autorização legislativa, sendo um dos 
 elementos do «conteúdo mínimo exigível» da lei de autorização, só é 
 efectivamente observado quando as indicações a esse título constantes da lei de 
 autorização permitam um juízo seguro de conformidade material do conteúdo do 
 acto delegado em relação ao da lei delegante, pelo que, se o «sentido» não tem 
 que exprimir‑se em abundantes princípios ou critérios directivos, deverá, pelo 
 menos, ser suficientemente inteligível para que o seu conteúdo possa preencher a 
 função paramétrica que a Constituição lhe confere.
 
             Nesta ordem de ideias escreveu António Vitorino (op. cit., págs. 238 
 e 239): «O sentido da autorização legislativa, sendo algo mais do que a mera 
 conjugação dos elementos objecto (matéria ou matérias da reserva relativa de 
 competência legislativa da Assembleia da República sobre que incidirão os 
 poderes delegados) e extensão (aspectos da disciplina jurídica daquelas 
 matérias que integram o objecto da autorização que vão ser modificados), não 
 constitui, contudo, exigência especificada de princípios e critérios 
 orientadores (...), mas algo mais modesto ou de âmbito mais restrito, que deve 
 constituir essencialmente um pano de fundo orientador da acção do Governo numa 
 tripla vertente:
 
             – por um lado, o sentido de uma autorização deve permitir a 
 expressão pelo Parlamento da finalidade da concessão dos poderes delegados na 
 perspectiva dinâmica da intenção das transformações a introduzir na ordem 
 jurídica vigente (é o sentido na óptica do delegante);
 
             – por outro lado, o sentido deve constituir indicação genérica dos 
 fins que o Governo deve prosseguir no uso dos poderes delegados, conformando, 
 assim, a lei delegada aos ditames do órgão delegante (é o sentido na óptica do 
 delegado);
 
             – e, finalmente, o sentido da autorização deverá permitir dar a 
 conhecer aos cidadãos, em termos públicos, qual a perspectiva genérica das 
 transformações que vão ser introduzidas no ordenamento jurídico em função da 
 outorga da autorização (é o sentido na óptica dos direitos dos particulares, 
 numa zona revestida de especiais cuidados no texto constitucional – as matérias 
 que incluem a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da 
 República).”
 
  
 
                        Nesta mesma linha se insere o Acórdão n.º 213/95, no qual 
 se lê:
 
  
 
             “(…) dir‑se‑á que o objecto constitui o elemento enunciador da 
 matéria sobre que versa a autorização, a extensão especifica qual a amplitude 
 das leis autorizadas e através do sentido são fixados os princípios base, as 
 directivas gerais, os critérios rectores que hão‑de orientar o Governo na 
 elaboração da lei delegada.
 
             Este último elemento de condicionamento substancial constitui já, 
 não um limite externo, definidor dos contornos da autorização, mas um verdadeiro 
 limite interno à própria autorização, pois que é essencial para a determinação 
 das linhas gerais das alterações a introduzir numa dada matéria legislativa.
 
             Assim sendo, a autorização há‑de conter os princípios, as normas 
 fundamentais que concedem unidade lógico‑política à disciplina a editar pelo 
 Governo, e há‑de estabelecer também as directivas, reconduzíveis à determinação 
 das finalidades a que aquela disciplina tem de adequar‑se.
 E deve sublinhar‑se com especial destaque, que se o sentido da autorização não 
 tem de exprimir‑se em abundantes princípios ou critérios directivos (que 
 levados às últimas consequências poderiam até condicionar por inteiro em 
 termos de conteúdo o exercício dos poderes delegados), deverá, no mínimo, como 
 condição da sua própria verificação, ser suficientemente inteligível a fim de 
 poder operar como parâmetro de aferição dos actos delegados e, 
 consequentemente, como padrão de medida por parte do legislador delegado do 
 essencial dos ditames do legislador delegante (cf., por todos, os Acórdãos n.ºs 
 
 107/88 e 70/92, Diário da República, respectivamente, I série, de 21 de Junho de 
 
 1988 e II série, de 18 de Agosto de 1992).”
 
  
 
                         Apreciando as normas questionadas da Lei n.º 22/2002, 
 entendeu‑se no Acórdão n.º 396/2007:
 
  
 
             “Resulta do texto da Lei n.º 22/2002, de 21 de Agosto, nomeadamente 
 dos seus artigos 1.º e 2.º, alínea o), que a mesma concedeu ao Governo 
 autorização para, aperfeiçoando o regime sancionatório até aí vigente, 
 criminalizar as condutas associadas ao fenómeno crescente da imigração ilegal.
 
             Não restam, pois, dúvidas, que a lei de autorização concedida para a 
 edição do Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, é válida, pois nela é 
 definido, claramente, o sentido e extensão da autorização que nela se contém, ou 
 seja, aí se encontram condensados os princípios fundamentais a seguir pelo 
 Governo na definição dos critérios de delimitação substanciais indispensáveis à 
 respectiva concretização legislativa, não sendo a mesma, por conseguinte, ao 
 contrário do que defende a recorrente, inconstitucional.”
 
  
 
                         É este juízo que ora se reitera.
 
                         Sendo constitucionalmente válida a autorização 
 legislativa ao abrigo da qual o Decreto‑Lei n.º 34/2003 foi emitido, cumpre 
 apurar se a criminalização do favorecimento ou facilitação da permanência ilegal 
 de estrangeiros em território nacional, com intenção lucrativa, se pode 
 considerar coberta por aquela credencial parlamentar.
 
                         A resposta é seguramente positiva, como se concluiu no 
 citado Acórdão n.º 396/2007, pois o sentido da autorização legislativa concedida 
 foi o de criar um programa legislativo mais severo para este tipo de 
 criminalidade, com a agravação das incriminações já existentes e a adopção de 
 novas. Ora, a criminalização do favorecimento à permanência ilegal de 
 estrangeiros, com intenção lucrativa, enquadra‑se perfeitamente na ideia de 
 combate a este tipo de criminalidade, resultando num real aperfeiçoamento do 
 regime sancionatório até então em vigor. E a tal não obsta a expressa 
 referência, feita na lei de autorização, à criminalização do trânsito ilegal, já 
 que o assumido carácter exemplificativo dessa referência (inequivocamente 
 decorrente do uso do advérbio designadamente) nunca poderia significar que a 
 intervenção consentida ao Governo se restringiria à incriminação do tráfico 
 ilegal.
 
  
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em:
 
                         a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 188.º, 
 n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 
 
 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode 
 destruir o material coligido através de escutas telefónicas, quando considerado 
 não relevante, sem que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa 
 pronunciar‑se sobre o eventual interesse para a sua defesa; e, consequentemente,
 
                         b) Conceder provimento ao recurso do Ministério Público, 
 determinando a reformulação da decisão recorrida, na parte aí impugnada;
 
                         c) Considerar prejudicada, face à anterior decisão, a 
 apreciação da questão, suscitada no recurso da arguida, da inconstitucionalidade 
 do conjunto normativo formado pelos artigos 188.º, n.º 3, e 189.º do Código de 
 Processo Penal, interpretado no sentido de que a declaração de 
 inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 188.º não implica a nulidade 
 da prova obtida através da parte das intercepções telefónicas cuja gravação não 
 foi destruída;
 
                         d) Não julgar inconstitucionais as normas constantes da 
 alínea o) do artigo 2.º da Lei n.º 22/2002, de 21 de Agosto, e do 2 do artigo 
 
 134.º‑A do Decreto‑Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na redacção introduzida pelo 
 Decreto‑Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro; e, consequentemente,
 
                         e) Negar provimento ao recurso da arguida, confirmando a 
 decisão recorrida na parte aí impugnada.
 
                         Custas pela arguida recorrente, fixando‑se a taxa de 
 justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
 Lisboa, 19 de Junho de 2008.
 Mário José de Araújo Torres 
 Benjamim Silva Rodrigues
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos