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Processo n.º 26/2004
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto                         
 
                 (Conselheira Maria Fernanda Palma)
 
  
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.Pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2003, foi 
 negado a A., convivente em união de facto com a vítima mortal de um acidente de 
 viação causado por culpa do lesante, o direito a uma compensação dos danos não 
 patrimoniais sofridos por morte da vítima, que reclamava à seguradora Companhia 
 de Seguros B:, SA, com fundamento no artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil 
 
 (diploma ao qual pertencem todas as disposições citadas doravante sem indicação 
 especial). Pode ler-se nesse aresto do Supremo Tribunal de Justiça:
 
 «1. Na acção de responsabilidade civil por acidente de viação que A., por si e 
 em representação do filho menor, C., moveu a Companhia de Seguros B., SA, para 
 ressarcimento do danos patrimoniais e não patrimoniais derivados da morte da, 
 respectivamente, companheira e mãe dos autores, as instâncias concluíram pela 
 exclusividade da culpa do condutor do veículo do segurado da ré, e, em 
 conformidade, foi esta condenada a pagar as seguintes indemnizações:
 em 1ª instância
 ao autor A.
 
 € 14.418,75, a título de despesas de funeral e de despesa, já realizada, com a 
 contratação de uma empregada para tomar conta do filho;
 o que se liquidar em execução de sentença de despesas feitas para tratar de 
 formalidades decorrentes do óbito e a fazer para pagar a empregada que toma 
 conta do filho;
 ao autor C.
 
 € 35.000, a título de perda dos alimentos prestados pela mãe;
 
 € 35.000, pela perda do direito à vida da mãe;
 
 € 20.000, pelos danos não patrimoniais próprios.
 Em recurso, que lhe foi levado por ambas as partes, a Relação de Coimbra deu 
 parcial procedência às apelações, e, deste modo, alterou o decidido, da seguinte 
 maneira:
 a indemnização pela perda do direito à vida subiu para € 40.000;
 os juros sobre as quantias indemnizatórias atribuídas ao autor B vencem-se a 
 partir da sentença (as relativas ao dano de frustração de alimentos e danos 
 morais próprios) e a partir do acórdão, a respeitante ao dano de perda da vida.
 As partes ainda se não conformaram, e pedem revista, assim fundamentada:
 os autores
 os juros moratórios sobre as quantias devidas ao autor C. devem contar-se desde 
 a citação, porque os valores atribuídos devem considerar-se reportados à data da 
 petição;
 a união de facto, que era a que ligava o autor A. à sinistrada, deve 
 equiparar-se ao casamento, para efeitos do art.º 496.º, 2, do CC, sob pena de 
 inconstitucionalidade;
 a ré
 não há fundamento legal para atribuir ao autor C. indemnização por frustração de 
 alimentos, para além dos encargos com a contratação de uma empregada;
 não o há, também, para indemnizar o autor A. pelas quantias despendidas com 
 deslocações efectuadas para tratar das formalidades decorrentes do óbito, porque 
 não cobertas pelo art.º 495.º, 2, do CC[1];
 também o não haveria para remeter o apuramento de tais despesas para liquidação 
 em execução de sentença, visto que não foi alegada justificação da 
 impossibilidade de liquidação à data da petição inicial;
 o montante indemnizatório da supressão da vida está exagerado com relação ao que 
 o Supremo Tribunal de Justiça costuma atribuir em casos paralelos.
 
 2. São os seguintes os factos provados:
 
 ·            no dia 09/12/93, cerca das 11H45, na E.N. n.º 1, ao Km 105, D. 
 conduzia o veículo pesado de mercadorias semi-reboque, de matrículas LQ----- e 
 L-----, no sentido Lisboa - Porto;
 
 ·            pela mesma estrada, e no mesmo sentido de trânsito, seguia E., que 
 conduzia o veículo ligeiro misto de matrícula XA---;
 
 ·            E. era acompanhada por F.;
 
 ·            na mesma estrada, e no sentido de trânsito oposto circulava G., que 
 conduzia um veículo pesado de mercadorias de matrícula SB----;
 
 ·            E. encontrava-se parada, pois pretendia virar à esquerda, atento o 
 seu sentido de marcha, e entrar no parque de estacionamento de um restaurante 
 ali existente;
 
 ·            E. estava parada junto ao eixo da faixa de rodagem, dentro da sua 
 mão de trânsito, com o sinal de mudança de direcção à esquerda ligado;
 
 ·             ao aproximar-se do veículo conduzido por E., D. embateu com o 
 veículo por si conduzido no veículo conduzido por E.;
 
 ·             o embate deu-se entre a parte da frente do lado esquerdo do 
 veículo conduzido por D. e a retaguarda do lado direito do veículo conduzido por 
 E.;
 
 ·             devido ao embate, o veículo conduzido por E. foi projectado para a 
 faixa de rodagem de sentido contrário;
 
 ·             o veículo conduzido por G. embateu com a parte da frente na parte 
 frontal do veículo conduzido por E.;
 
 ·             após os embates, o veículo conduzido por E. ficou imobilizado na 
 fixa de rodagem contrária àquela em que seguia;
 
 ·             após o embate, o veículo conduzido por D. ficou tombado na sua 
 faixa de rodagem;
 
 ·             o local do embate é uma recta com boa visibilidade;
 
 ·             a faixa de rodagem, no local do embate, tem 7,30 metros de 
 largura;
 
 ·             D. exercia a condução no interesse, por conta e sob a 
 responsabilidade da H.;
 
 ·             em consequência do embate, F. sofreu lesões corporais que foram 
 causa directa e necessária da sua morte;
 
 ·             F. sofreu lesões graves a nível do tórax, com fractura completa 
 dos 4.º, 5.º e 6.º arcos costais direitos e esquerdos pelo terço anterior, 
 volumoso hemotórax bilateral e hemoperitoneu, devido a rotura esfacelada do lobo 
 direito do fígado;
 
 ·             foi o autor quem suportou todas as despesas relacionadas com o 
 funeral, compra e revestimento do jazigo, tendo despendido a quantia de 
 
 350.000$00;
 
 ·             o autor A. teve gastos com deslocações para tratar das 
 formalidades post-mortem;
 
 ·             o autor A. vivia, há mais de cinco anos, em união de facto com F., 
 mantendo uma ligação muito estreita, surgindo à vista de toda a gente como se de 
 marido e mulher se tratassem;
 
 ·             o casal tinha recentemente montado um armazém para venda de 
 pesticidas, rações, adubos e cimento, localizado junto da sua residência;
 
 ·             a comercialização destes produtos, tendo em conta a região em que 
 está inserida, é uma actividade potencialmente lucrativa;
 
 ·             dado que A. era motorista, era F. quem dirigia o negócio;
 
 ·            F. auferiria proventos da exploração desse negócio, tendo sido 
 declarado pelo autor à administração fiscal, no ano de 1997, um resultado 
 apurado positivo, relativo a esse negócio, no montante de 257.386$00;
 
 ·             esses proventos seriam integrados no orçamento familiar que F. 
 formava com os autores;
 
 ·             com a morte de F., o autor A. sofreu grande angústia, profunda 
 tristeza e enorme desgosto;
 
 ·             a lida da casa e o apoio e guarda do filho eram da 
 responsabilidade de F.;
 
 ·             dado o falecimento de F. o autor A. teve que contratar uma 
 empregada doméstica/ama, situação que ainda se mantém;
 
 ·             desde então, o autor A. pagou à empregada doméstica 2.540.700$00;
 
 ·             o autor C. apercebeu-se de tudo quanto se passou, tanto mais que 
 sentiu a falta daquela que diariamente o acompanhava, que lhe prodigalizava 
 carinho e amor;
 
 ·             várias noites passou sem dormir, chorando pela mãe;
 
 ·             ainda hoje pergunta onde se encontra a sua mãe, começando 
 finalmente a perceber que jamais poderá contar com o seu apoio, carinho e 
 palavra amiga;
 
 ·             o autor C. atravessou crises de tristeza e, por vezes, de choro;
 
 ·             eram ambos os pais do C. que angariavam fundos para a sua 
 subsistência;
 
 ·             C. nasceu em 24/06/89, sendo filho de A. e de F.;
 
 ·             a responsabilidade por danos causados a terceiros emergentes de 
 acidente de viação relativa ao veículo pesado de mercadorias de matrícula LQ---- 
 havia sido transferida para a ré Companhia de Seguros B., SA, até ao limite de 
 
 100.000.000$00, nos termos da apólice n.º 6266240;
 
 ·             por força da referida apólice e por conta destes embates, a ré 
 Companhia de Seguros B., SA, procedeu ao pagamento da quantia de 34.549.950$00.
 
 3. A começar pelo recurso da ré seguradora, diremos que tanto é aceitável a 
 indemnização, do autor A., pelo dano emergente, presente e futuro, de cobertura 
 dos encargos com a contratação de uma empregada doméstica, como a indemnização 
 do autor C. pela perda da dose de alimentos que previsivelmente a mãe lhe 
 prestaria até à maioridade, pelo menos. Este último tem cobertura especial nos 
 art.ºs 495.º, 3, e 1874.º, 1 e 2, do CC; o primeiro, nas regras gerais 
 prescritas nos artºs 483.º, 1, 562.º, 563.º e 564.º, 1 e 2, do CC.
 O cálculo do dano de perda de alimentos (futuro, e dependente dos ganhos 
 produzidos pelo prestador dos alimentos) só pode ser feito à base da equidade, 
 tal como prescreve o artº 566.º, 3, do CC, reportado, nesta hipótese, ao 
 disposto ao 564.º, 1 e 2.
 E assim se fez.
 O cálculo teve como factores relevantes a tenra idade do autor e a recente e 
 potencialmente lucrativa actividade comercial da sinistrada, sua mãe, devedora 
 dos alimentos frustrados.
 Foi um cálculo prudente e cauteloso, quedando-se numa importância perfeitamente 
 defensável, face ao número de anos de alimentos que o menor tinha pela frente, 
 
 às potencialidades do negócio e à natural capacidade produtiva de uma jovem 
 mulher.
 As “quantias despendidas pelo autor A. com deslocações efectuadas para tratar 
 das formalidades decorrentes do óbito de F.” inserem-se nas “todas as demais” 
 
 (despesas, é claro), que o n.º 1, do art.º 495.º do CC declara indemnizáveis.
 Não se concebe que o legislador quisesse deixar sem reparação tais despesas, nem 
 se percebe como é possível sustentar o contrário.
 Não há, por outro lado, razão para criticar a decisão de lhes remeter o 
 apuramento para liquidação em execução de sentença, visto que, tendo o pedido 
 genérico sido admitido, e não tendo a liquidação sido operada na pendência da 
 causa, não restava outra solução que não fosse a de cumprir, como foi feito, o 
 n.º 2 do art.º 661.º, CPC.
 A indemnização pela perda do direito à vida foi correctamente fixada.
 Inscreve-se, perfeitamente, nos padrões de cálculo mais recentes deste Supremo 
 Tribunal (vejam-se, só a título de exemplo, os acórdãos: de 27.02.03, na revista 
 
 4553/02, 2.ª secção; de 25.06.02, na revista 4038/01, da 6.ª secção; de 
 
 28.05.02, na revista 920/02, 1.ª secção).
 Não havia razões nenhumas, a começar pela exclusividade da culpa do condutor 
 segurado, para, no presente caso, o tribunal se desviar daquele padrão 
 indemnizatório.
 E, assim, ao contrário do que a recorrente seguradora diz, não foi praticada 
 nenhuma injustiça relativa.
 O dies a quo do vencimento dos juros de mora sobre as verbas indemnizatórias 
 atribuídas ao autor e recorrente C. (danos patrimoniais futuros de perda de 
 alimentos; danos não patrimoniais próprios e dano de perda de vida) foi 
 estabelecido de harmonia com a jurisprudência uniformizadora deste Supremo 
 Tribunal, estabelecida no AUJ[2] n.º 4/02, de 09.05.02[3], onde se faz a 
 conciliação das disposições dos art.ºs 566.º, 2, e 805.º, 3, parte final, do CC.
 As mencionadas verbas indemnizatórias foram obviamente calculadas segundo os 
 valores da data em que a operação de cálculo foi efectuada.
 Nem poderia ter sido de outro modo, tendo em conta o dever que promana do citado 
 n.º 2 do art.º 566.º do CC (de referenciar a “diferença” no património do lesado 
 
 à data “mais recente que puder ser atendida pelo tribunal”).
 A regra geral, em matéria de responsabilidade civil extra-contratual, é a de que 
 a indemnização cabe ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente 
 lesado.
 O terceiro, reflexa ou indirectamente prejudicado, está fora do círculo dos 
 titulares do direito à indemnização.
 Excepcionalmente, esta pode caber também ou apenas a terceiros.
 
 É o que se passa com as situações previstas no art.º 495.º do CC, e 496.º, 2, do 
 CC.
 Designadamente, sobre esta última disposição, o fundamento geralmente apontado 
 para a opção por uma lista taxativa de lesados com direito de indemnização, é o 
 de evitar a multiplicação incontrolada de pretensões indemnizatórias[4].
 Neste último (496.º, 2), vai contemplada e valorada a dor do cônjuge não 
 separado judicialmente de pessoas e bens e a dos filhos ou outros descendentes.
 Mas não a daquele, companheiro ou companheira, que, à data da morte da vítima, 
 com ela vivia em união de facto, em condições análogas às dos cônjuges.
 E não se trata, este último, de caso omisso, merecedor de tratamento análogo 
 
 (segundo o disposto no art.º 10.º, 1, do CC), porque, enquanto norma 
 excepcional, a do n.º 2 do art.º 496.º não comporta a possibilidade de extensão 
 analógica (cfr. art.º 11.º do CC).
 Por outro lado, uma simples interpretação extensiva, que as normas excepcionais 
 já admitem, depara com dois obstáculos incontornáveis, o primeiro dos quais é a 
 própria letra da lei (cfr. art.º 9.º, 2, do CC), e o segundo é o enquadramento 
 histórico da norma, nascida num tempo e num espaço de absoluta rejeição dos 
 valores que suportam as uniões de facto.
 Entretanto, a Constituição da República de 1976, que deu expressão a novos 
 valores sócio-políticos emergentes da revolução de 25 de Abril de 1974, 
 consagrou, no art.º 36.º, 1, incluído no Título II, dedicado aos direitos, 
 liberdades e garantias, um “direito de constituir família e de contrair 
 casamento em condições de plena igualdade”.
 A letra e a história do preceito, e das suas revisões[5], induzem a conclusão de 
 que, por detrás daquela um tanto dúbia fórmula, ficou a intenção de dar abertura 
 constitucional à chamada família de facto (a união não fundada no matrimónio), 
 tendo em vista, principalmente, a não discriminação dos filhos nascidos fora do 
 casamento[6], mas, também, a possibilidade de a legislação ordinária se ir 
 adaptando à forma como evolui o pensamento social a respeito das diferentes 
 manifestações da conjugalidade.
 
 É, no entanto, óbvio, por outro lado, que a Constituição não quis colocar, em 
 definitivo, ao mesmo nível de protecção, e de direitos e de deveres, a família 
 de direito e a família de facto.
 Mais afoitos à esquerda, mais conservadores à direita, os constituintes abriram 
 a porta, mas esperam para ver quem quer e quem está em condições de por ela 
 entrar.
 
 É não só o modo de constituir família que está sob a mira do difuso texto do n.º 
 
 1 do art.º 36.º da Const.[7], mas, também, a própria evolução do conceito de 
 família.
 
 À luz de um tal entendimento daquele normativo, é forçoso, portanto, considerar 
 como simplesmente exemplificativas as fontes das relações jurídicas familiares a 
 que se reportam os art.ºs 1576.º e ss. do CC, mas não colocar em plena igualdade 
 com elas as relações de facto que se lhes assemelhem.
 Digamos que a Constituição não pretende andar com o carro à frente dos bois, que 
 o mesmo é dizer, acha preferível a família jurídica (ou não fosse o Estado, por 
 essência, o domínio da lei e do direito), não pretende ser o motor do 
 desenvolvimento de outras formas de união familiar, que, ou se impõem no corpo 
 social e encontram guarida no art.º 36.º, 1, que, nessa altura, conjurará o 
 legislador ordinário a agir em conformidade, ou devem ficar, de todo, à margem 
 do direito. Não se esqueça que o art.º 36.º, 1, Const, se não comprometeu 
 propositadamente com nenhuma outra definição de família que não seja a baseada 
 no casamento. Quanto ao mais, limitou-se a manter a porta aberta.
 E não se esqueça, também, que, mesmo na acepção dual (constituir família e 
 contrair casamento) não é preciso pensar na “união de facto” para colher o 
 sentido útil da fórmula legal.
 
 É que a célula familiar, como realidade social, como agregado humano de 
 parentesco, convivência e afecto, também pode nascer dos laços naturais da 
 filiação e dos legais da adopção, sem passar, necessariamente, pela matriz 
 matrimonial (é pensar, p. ex., nos não raros casos de agregados monoparentais, 
 criados à sombra de ligações fugazes à margem do matrimónio).
 Também eles terão estado no pensamento do legislador constitucional, e motivado, 
 tanto a expressão solene dos dois direitos como a própria ordem por que foram 
 enunciados, assim prevenindo a interpretação redutora que a ordem tradicional 
 
 (contrair casamento e constituir família) induziria.
 Entretanto, com o decorrer dos anos, a proliferação das uniões de facto e a 
 evolução do pensamento sócio-jurídico dominante, o legislador ordinário foi 
 fazendo o que estava implícito que deveria fazer, à luz do referido normativo 
 constitucional (a tal prudente abertura da Constituição às uniões de facto).
 Principiou por reformar o Código Civil, em 1977[8], dando nova redacção aos 
 art.ºs 1911.º, 3 (em matéria de exercício de poder paternal no âmbito da união 
 de facto[9] e 2020.º (em matéria de alimentos ao companheiro sobrevivo, de união 
 de facto com mais de dois anos); em 1985[10], alterou o art.º 1111.º, 2 e 3, do 
 CC, para incluir o cônjuge de facto, de união com mais de 5 anos, entre os 
 beneficiários da transmissão por morte do direito ao arrendamento (embora no 
 
 último lugar), solução que passou para o art.º 85.º do RAU[11]; ao correr dos 
 tempos, foi-lhe estendendo direitos sociais próprios da condição de casado, até 
 que, pela Lei n.º 7/01, de 11-5[12], além de um enorme salto qualitativo na 
 definição do que é união de facto, de que retirou o requisito do sexo diferente 
 das duas pessoas que vivem em união, estabeleceu, pela primeira vez, uma espécie 
 de lei-quadro das uniões de facto, sem prejuízo dos direitos já estabelecidos 
 anteriormente, e na que, inclusivamente, estabeleceu, para a modalidade 
 heterossexual, o direito de adopção plena (art.º 7.º), em condições análogas às 
 revistas no art.º 1979.º do CC, e deu nova redacção ao acima mencionado art.º 
 
 85.º do RAU, tendo feito subir a nova união de facto[13], que chama, 
 expressamente, de família[14], dois lugares na escala dos beneficiários da 
 transmissão, colocando o cônjuge de facto no lugar imediatamente a seguir aos 
 filhos, mas adiante dos ascendentes e dos afins.
 As intervenções do legislador ordinário têm incidido quase em exclusivo no 
 
 âmbito das chamadas normas de protecção (alimentos, garantia da casa de morada 
 em caso de morte do companheiro[15], benefícios sociais), na evidente lógica de 
 não estimular experiências sociais em matéria tão delicada, mas de esperar, 
 estudar e, só depois, agir.
 
 É nesta perspectiva que deve ser encarada a constitucionalidade da norma do 
 art.º 496.º, 2, do CC, posta em causa na medida em que afasta da sua previsão o 
 cônjuge de facto.
 Sob tal perspectiva, não há como não concluir que a dita norma nem vai contra o 
 art.º 13.º (princípio da igualdade), nem contra o art.º 36.º, 1 (família, 
 casamento e filiação), conjugado com o princípio da proporcionalidade, nem 
 contra o art.º 67.º (família), todos da Constituição da República, porque, na 
 verdade, a distinção que estabelece tem respaldo numa prioridade de valores e 
 num programa de protecção que ela própria adoptou, e, por isso, não é 
 injustificadamente arbitrária nem discriminatória, nem desprotege a família de 
 facto.
 Trata diferentemente, para aquele efeito indemnizatório, o cônjuge legal e o 
 cônjuge de facto, tendo boas razões para distinguir, aí, o que distinto é, sem, 
 por outro lado, ao negar o direito ao cônjuge de facto passar dos limites da 
 necessidade, da adequação e da racionalidade, que dão corpo à ideia de 
 proporcionalidade.
 
 É de dizer, nesta última perspectiva, que o direito previsto no n.º 2 do art.º 
 
 496.º do CC, não constitui, na óptica da proporcionalidade, como princípio de 
 direito constitucional inspirador dos direitos fundamentais, uma medida 
 necessária à protecção do direito fundamental a constituir família, porque não 
 implica com a protecção minimamente exigível àquele elemento base da sociedade, 
 e que, nessa medida, atribuir tal direito ao cônjuge de direito e não ao cônjuge 
 de facto não constitui defeito de protecção deste último.
 O direito que o n.º 2 do art.º 496.º do CC, confere ao cônjuge de direito e nega 
 ao cônjuge de facto (e porque não, então, ao companheiro da união de facto 
 homossexual?) tem uma justificação que passa muito para além do amor e da 
 compaixão, porque tem, igualmente, raízes na subordinação a deveres menos 
 próximos do prazer, mas que cimentam a união, como sejam o auxílio, a 
 cooperação, a fidelidade, a entrega total que a união de facto, que se extingue 
 num simples querer (art.º 8, 1, b), da Lei n.º 7/01), decididamente não garante.
 O único acórdão do Tribunal Constitucional que, até ao momento, abordou o 
 problema (n.º 275/02, no D.R., 2,ª série, n.º 169, de 24.07.02, págs. 12.896 e 
 ss.), foi tirado sobre um caso de homicídio doloso e a solução nele encontrada, 
 diferente da, aqui, defendida, tem, confessadamente, a marca da gravidade 
 extrema do ilícito.
 Vem, pois, com uma faceta de casuísmo que o debilita como precedente 
 jurisprudencial.
 
 4. Pelo exposto, negam ambas as revistas.»
 
 [notas de rodapé no original]
 
 2.Contra esta decisão foi intentado o presente recurso de constitucionalidade ao 
 abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, 
 visando a apreciação da constitucionalidade da “norma do n.º 2 do artigo 496º do 
 Código Civil, interpretada no sentido de que, em caso de morte da vítima de 
 acidente de viação provocada por culpa exclusiva de outrem nele interveniente, 
 se deve excluir a indemnização por danos não patrimoniais pessoalmente sofridos, 
 com a morte, pela pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto 
 estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges”.
 O recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
 
 «1.ª Da matéria provada, resulta com interesse que o recorrente vivia, há mais 
 de cinco anos, em união de facto com F., mantendo uma relação muito estreita, 
 surgindo à vista de toda a gente como se de marido e mulher se tratassem e que 
 com a morte da F., o recorrente sofreu grande angústia, profunda tristeza e 
 enorme desgosto. Dessa união nasceu um filho.
 
 2.ª É neste contexto fáctico/emocional que o recorrente peticiona a atribuição 
 de compensação (indemnização) pelos danos directamente por si sofridos com a 
 morte da sua companheira.
 Trata-se então de indemnização, que seria adquirida originariamente pelo 
 recorrente, por danos não patrimoniais (a dor, o sofrimento, a angústia, o 
 desgosto, etc.) sofridos por si mesmo, com o infeliz decesso da sua companheira 
 de vida.
 
 3.ª O Tribunal a quo interpretou o n.° 2 do art.º 496.° do C.C. no sentido de 
 nele estar excluída a compensação dos danos não patrimoniais sofridos, com a 
 morte da vítima, pela pessoa que com ela convivia em situação de união de facto, 
 estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges.
 
 4.ª O art.º 496.°, n.º 2, data de 25 de Novembro de 1966 (DL n.° 47344).
 A realidade sociológica de Portugal em 1966 era, evidentemente, muito distinta 
 da realidade sociológica dos nossos dias.
 Independentemente das convicções pessoais de cada um, certo é que a sociedade 
 portuguesa daqueles tempos, para melhor ou pior, estava estruturada de modo 
 bastante mais institucionalizado, a todos os níveis, do que hoje.
 
 5.ª O conceito de família, à época, era naturalmente diverso. A sociedade 
 portuguesa pouco mais conhecia, quanto à estrutura “família”, do que a família 
 
 “matrimonializada”.
 
 6.ª Relevante é saber que interesses o legislador quis tutelar e o momento 
 histórico em que a norma foi criada.
 O legislador só pode ter tido em mente o específico modo como, na altura, a 
 sociedade portuguesa se mostrava organizada e estruturada.
 
 7.ª Hoje, o intérprete não pode deixar de ter em conta a realidade sociológica 
 actual e os imperativos constitucionais.
 Assim, surgida a norma em causa no longínquo ano de 1966, a ela sobreveio a 
 Constituição da República de 1976, trazendo novos valores, novos horizontes 
 sociais. Com ela deu-se também um passo na evolução do conceito de família.
 
 8.ª No que concerne aos interesses tutelados pelo n.° 2 do art.º 496.° do CC, 
 foram considerados como relevantes, para efeitos indemnizatórios, os danos não 
 patrimoniais, que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.
 
 9.ª Na realidade, quis o legislador tutelar as dores emocionais, a perturbação, 
 a angústia, o sofrimento decorrentes da perda de um ente querido.
 E no sentido de limitar as pretensões indemnizatórias, delimitou os sujeitos do 
 direito indemnizatório.
 
 10.ª Fê-lo à luz das concepções dominantes na sociedade portuguesa de então, 
 entendendo que eram merecedores de tutela jurídica a dor, o sofrimento dos 
 familiares mais próximos.
 O legislador não quis alargar as pretensões indemnizatórias a todos aqueles que 
 pudessem sofrer com a perda da vítima. Entendeu, e bem, que apenas o sofrimento 
 dos que estavam mais próximos da vítima (pela sua natural gravidade) merecia a 
 tutela do direito.
 
 11.ª Nesse sentido existiu clara intenção de abranger os danos não patrimoniais 
 sofridos pelos familiares mais próximos, por se considerar, e bem, que estes 
 sofreriam as dores mais profundas e, como tal, pela sua gravidade, mereceriam a 
 tutela do direito.
 
 12.ª Então, não podemos deixar de concluir que o legislador quis restringir os 
 danos não patrimoniais sofridos no seio da “família afectiva” que não da 
 
 “família matrimonializada”.
 Este o cerne do presente recurso.
 
 13.ª Certo é que, em 1966, a “família afectiva” coincidia com a “família 
 institucionalizada pelo matrimónio, mas dessa coincidência social não se pode 
 retirar uma intenção do legislador em restringir os danos não patrimoniais 
 sofridos apenas pelos que fizessem parte da família institucional. O legislador 
 não foi mais longe, porque a “família afectiva” coincidia com a “família 
 matrimonializada”.
 
 14.ª Hoje, essa coincidência não se verifica. A Constituição da República, logo 
 em 1976, previa essa não coincidência.
 O conceito de família plasmado na Constituição de 1976 não se reduz à “união 
 conjugal baseada no casamento”.
 
 15.ª Donde resulta que, se o âmbito de protecção da norma do n.° 2 do art.º 
 
 496.° do CC é a “família afectiva” e se a Constituição não admite a redução do 
 conceito de família à união conjugal baseada no casamento, a interpretação que 
 se faça deste normativo há-de ter em conta o preceito constitucional do art.º 
 
 36.°, não excluindo, por isso, do âmbito de protecção da norma os danos não 
 patrimoniais sofridos por quem convivia com a vítima em condições análogas às 
 dos cônjuges.
 
 16.ª A norma (n.º 2 do art.º 496.° do CC) não está vocacionada para protecção da 
 família institucionalizada pelo casamento, mas sim para a família afectiva. O 
 conceito de família há-de ser entendido à luz da nossa Constituição e da nossa 
 realidade actual.
 
 17.ª É o âmbito de protecção da norma, que guiará o intérprete na tarefa de 
 incluir ou excluir do direito indemnizatório aquele que vivia com o lesado em 
 união de facto estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges.
 
 18.ª Já dissemos, tal como também se diz no douto acórdão recorrido, que na 
 norma em causa vai contemplada e valorada a dor. Trata-se da dor resultante do 
 afecto, sendo este ingrediente-mor do conceito de família.
 
 19.ª Como se pode ler no douto aresto produzido pelo agora Juiz Desembargador 
 Eurico Reis (Sentença de 15/07/1996 do 1.° Juízo Cível da Comarca de Lisboa) 
 
 (...) é de dor, de ansiedades, de tristezas e de sofrimento que cuida (mas não 
 cura) este normativo. E do seu ressarcimento. Na medida do possível...
 Ora a dor (como a alegria) não está, nem directa, nem proporcionalmente, 
 dependente da existência de vínculos familiares ou matrimoniais formais.
 
 20.ª A propósito do alcance e conteúdo do princípio da igualdade 
 constitucionalmente consagrado no art.º 13.° partilhamos o entendimento que tem 
 sido tomado por esse Venerando Tribunal, remetendo, por economia das presentes, 
 para os doutos arestos citados no douto Ac. n.° 275/2002.
 
 21.ª Em coerência teremos, então, de concluir que a distinção operada entre a 
 dor sofrida pelo cônjuge e a dor sofrida por quem convivia em união de facto 
 estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges, é destituída de 
 fundamento razoável.
 
 22.ª O sofrimento, a angústia, a dor do recorrente não são, na verdade, nem 
 qualitativa nem quantitativamente menos merecedores da tutela do direito, por 
 não existir um vínculo matrimonial. (cfr. Ac. n.° 275/2002 do TC)
 
 23.ª O que está tutelado na norma em causa é a dor dos que formam a família 
 gerada do afecto e não do vínculo matrimonial...
 Não existe aqui qualquer intenção de tutelar a família enquanto instituição 
 jurídica, mas sim a dor surgida nos elementos que compõem a “família” unida 
 pelos laços da afectividade.
 
 24.ª Logo, a exclusão do recorrente do âmbito de protecção da norma, enquanto 
 titular do direito indemnizatório, levará à inconstitucionalidade do art.º 
 
 496.°, n.º 2, por violação do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.° da 
 CRP, na interpretação supra indicada.
 
 25.ª Se atentarmos no cerne do presente recurso verificamos que a argumentação 
 expendida em variadíssimos arestos, defendendo a tese da não violação do 
 princípio da igualdade, deixa incólume a posição aqui defendida.
 
 26.ª É que a questão central não é a da igualdade, da semelhança ou diferenças 
 entre o matrimónio e a união de facto.
 O art.º 496.°, n.º 2, não tutela o casamento, não tutela a família de “direito” 
 em detrimento da família de “facto”.
 
 27.ª Não estão contemplados ou valorados, no n.° 2 do art.º 496.º do CC, os 
 direitos advindos do contrato de casamento.
 
 28.ª O legislador, naquela norma, não quis proteger, não quis tutelar apenas a 
 dor do que se havia unido pelo contrato de casamento, mas a dor daquele que 
 mantinha laços afectivos familiares com o lesado.
 O que se tutela não é o instituto “casamento”...mas a dor sentida por aqueles 
 que fazem parte da família dos afectos, tal como configurada no art.º 36.°, n.º 
 
 1, da CRP. Se assim não fosse, sempre teríamos que ter por excluídos os filhos 
 nascidos fora do casamento...
 
 29.ª Temos assim que, quer no âmbito do princípio da igualdade (art.º 13.° da 
 CRP), quer no âmbito da noção de família constitucionalmente consagrada (art.º 
 
 36.°, n.º 1, da CRP), a interpretação que se fez no douto acórdão recorrido do 
 disposto no n.° 2 do art.º 496.° do CC é inconstitucional, como também o é o 
 próprio normativo, na parte em que exclui a atribuição do direito de 
 indemnização por danos não patrimoniais pessoalmente sofridos pela pessoa que 
 convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em 
 condições análogas às dos cônjuges.
 
 30.ª E nem se diga, como parece resultar do douto acórdão recorrido, que a dor 
 resultante da perda será apenas de considerar se se tratar de crime doloso 
 
 (referindo-se ao Ac. n.° 275/2002, que tratava de um caso de homicídio doloso).
 
 31.ª A dor sentida pode, obviamente ser maior ou menor, atendendo às específicas 
 circunstâncias da lesão.
 
 32.ª Relevante será avaliar o modo como se concretizou a lesão e respectivas 
 consequências ao nível da dor sofrida, jamais o de excluir a relevância da dor 
 sentido em resultado de lesão produzida com mera culpa. Poderá ser dor menos 
 intensa, mas ainda assim sempre será dor suficientemente grave para ser alvo da 
 tutela do direito.
 A equidade jogará aqui o seu papel primordial.
 TERMOS EM QUE:
 Deve ser declarada a inconstitucionalidade da norma do n.° 2 do art.º 496.° do 
 Código Civil, interpretada no sentido de que, em caso de morte da vítima de 
 acidente de viação, provocada por culpa exclusiva de outrem nele interveniente, 
 que não a própria vítima, se deve excluir a atribuição de indemnização por danos 
 não patrimoniais pessoalmente sofridos, com a morte, pela pessoa que convivia 
 com a vítima em situação de união de facto estável e duradoura, em condições 
 análogas às dos cônjuges, por violação do princípio da igualdade consagrado no 
 art.º 13.° da CRP, do direito a constituir família independentemente de qualquer 
 vínculo formal estabelecido no art.º 36.°, n.º 1, da nossa Lei Fundamental e da 
 concepção constitucional de família vertida no art.º 67.º, n.º 1, da 
 Constituição.
 A recorrida contra-alegou, concluindo o seguinte:
 
 «I. Na nossa ordem jurídica, o direito a reclamar a indemnização só assiste à 
 pessoa directamente prejudicada pelo acto, e não a terceiros a quem o facto 
 prejudica;
 II. Excepcionalmente, porém, a indemnização pode competir também ou caber apenas 
 a terceiro - é o caso das pessoas enumeradas no art.º 496.º do Código Civil 
 relativamente a danos não patrimoniais;
 III. A opção do legislador foi a de não incluir o unido de facto entre os 
 terceiros que têm direito a exigir uma indemnização por danos não patrimoniais 
 próprios nos casos de morte;
 IV. No fundo, a questão que aqui se coloca é saber se a Constituição obriga o 
 legislador ordinário a estender o direito de indemnização por danos não 
 patrimoniais próprios ao membro sobrevivo da união de facto;
 V. Ora, como decidiu bem o douto Acórdão do STJ, a resposta a esta questão é 
 negativa; 
 VI. Se há fundamento material bastante para promover uma diferenciação e essa 
 diferenciação é aceitável e razoável, está observado o imperativo constitucional 
 de igualdade e a conformidade constitucional do art.º 496.º/2 do CC, na 
 interpretação seguida pelo Acórdão do STJ;
 VII. Ora, existe uma diferenciação evidente entre a situação material dos 
 casados e a situação material dos unidos de facto;
 VIII. Naquele primeiro caso, o casal optou pela sujeição aos ónus, direitos e 
 obrigações, nascidos com o contrato de casamento;
 IX. Por oposição, o regime da união de facto não impõe nenhuma destas 
 obrigações, não há adstrição dos “unidos de facto” a quaisquer deveres e a união 
 pode cessar quando bem lhes aprouver;
 X. Em face dessa diferença, não se pode considerar inconstitucional a opção do 
 legislador de não estender aos unidos de facto esse direito a uma indemnização 
 nos casos de morte;
 XI. Aliás, também outras pessoas que integram a “família afectiva”, a “família 
 dos afectos” da vítima - e com igual ou superior carácter de estabilidade - não 
 são ressarcidas (ou, em regra, não o são) dos seus danos não patrimoniais 
 próprios.
 XII. Como bem refere o Acórdão recorrido, a norma do art.º 496.º, n.º 2, não 
 contraria a Constituição porque a não extensão do direito de indemnização aos 
 unido de facto não passa “os limites da necessidade, adequação e da 
 racionalidade, que dão corpo à ideia de proporcionalidade”.
 XIII. O direito previsto no n.º 2 do art.º 496.° do CC, “não constitui, na 
 
 óptica da proporcionalidade, como princípio de direito constitucional inspirador 
 dos direitos fundamentais, uma medida necessária à protecção do direito 
 fundamental a constituir família, porque não implica com a protecção minimamente 
 exigível àquele elemento de base da sociedade, e que, nessa medida, atribuir tal 
 direito ao cônjuge de direito e não ao cônjuge de facto não constitui defeito de 
 protecção deste último.”
 Nestes termos e nos demais de Direito, que V.Ex.as. doutamente suprirão, deve 
 ser negado provimento ao presente recurso e recusado o pedido de declaração da 
 inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do art.º 496.º do Código Civil, 
 interpretada no sentido de que, em caso de morte, não se deve estender o direito 
 de indemnização, a título de danos não patrimoniais próprios, a pessoa que 
 convivia com a vítima em situação de unido de facto.»
 Após mudança de relator, por vencimento, cumpre decidir.
 II. Fundamentos
 
 3.O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, visando, nos termos do respectivo 
 requerimento, a apreciação da constitucionalidade da “norma do n.º 2 do artigo 
 
 496º do Código Civil, interpretada no sentido de que, em caso de morte da vítima 
 de acidente de viação provocada por culpa exclusiva de outrem nele 
 interveniente, se deve excluir a indemnização por danos não patrimoniais 
 pessoalmente sofridos, com a morte, pela pessoa que convivia com a vítima em 
 situação de união de facto estável e duradoura, em condições análogas às dos 
 cônjuges”.
 A inconstitucionalidade desta norma foi suscitada pelo recorrente nas alegações 
 do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que deu origem ao Acórdão 
 recorrido, de 4 de Dezembro de 2003, no qual se fez aplicação dessa mesma norma, 
 como ratio decidendi.
 Estão, pois, verificados os requisitos indispensáveis para se poder tomar 
 conhecimento do recurso de constitucionalidade.
 
 4.Nota-se, desde logo, que o Tribunal Constitucional não procedeu nunca à 
 apreciação da constitucionalidade da dimensão normativa impugnada no presente 
 recurso de constitucionalidade.
 
 É certo que o Tribunal Constitucional já tratou, em várias decisões, da 
 constitucionalidade da distinção de regime jurídico, em vários aspectos, entre 
 as posições do cônjuge e de quem vive com outrem numa situação de união de facto 
 
 – v. as decisões cits. no Acórdão n.º 275/2002, de 19 de Junho (Diário da 
 República [DR], II Série, n.º 169, de 24 de Julho de 2002, p. 12896, e Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional [ATC], vol. 53.º, p. 479), e, posteriormente, em 
 matéria de requisitos para atribuição de pensão de sobrevivência, os Acórdãos 
 n.ºs 195/2003, 88/2004, 233/2005 e 159/2005, este último confirmado em recurso 
 para o Plenário do Tribunal Constitucional pelo Acórdão n.º 614/2005 (publicados 
 os dois primeiros em ATC, respectivamente vol. 55.º, p. 897, e vol. 58.º, p. 
 
 423, e os restantes no DR, II série, respectivamente n.º 149, de 4 de Agosto de 
 
 2005, p. 11132, n.º 248, de 28 de Dezembro de 2005, p. 18056, e n.º 249, de 29 
 de Dezembro de 2005, p. 18116, e todos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). E o Tribunal Constitucional teve já mesmo 
 ocasião de apreciar uma dimensão normativa em que estava em causa a distinção 
 entre o cônjuge e o convivente em união de facto para o efeito previsto no 
 artigo 496.º, n.º 2, isto é, para o reconhecimento de uma “indemnização” de 
 danos não patrimoniais por morte da vítima.
 Não esteve, porém, nunca em causa a mesma dimensão normativa que é agora 
 impugnada no presente recurso.
 Com efeito, no Acórdão n.º 275/2002, de 19 de Junho (DR, II Série, n.º 169, de 
 
 24 de Julho de 2002, p. 12896, e ATC, vol. 53.º, p. 479) o que o Tribunal 
 Constitucional decidiu foi julgar inconstitucional a “norma do n.º 2 do artigo 
 
 496.º do Código Civil, na parte em que, em caso de morte da vítima de um crime 
 doloso, exclui a atribuição de um direito de ‘indemnização por danos não 
 patrimoniais’ pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em 
 situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos 
 cônjuges”. O objecto do presente recurso é diverso: não é questionada, como no 
 caso do Acórdão n.º 275/2002, a consequência, no plano da compensação por danos 
 não patrimoniais, da prática de um crime (de um homicídio), e de um crime 
 doloso, mas antes a consequência de um acidente de viação que se deveu a culpa 
 
 (negligência) exclusiva do lesante (v. a sentença de 1.ª instância, de 3 de Maio 
 de 2002, fls. 502 a 504 dos autos), cuja responsabilidade fora transferida para 
 a companhia de seguros demandada.
 
 É, no entanto, óbvio que tal diferença de objecto dos recursos de 
 constitucionalidade (o decidido pelo Acórdão n.º 275/2002 e o presente) não é 
 logo bastante para conduzir a qualquer solução da questão de 
 constitucionalidade. Não só há que apurar se a norma impugnada no presente 
 recurso é, ela própria, conforme com as normas e princípios constitucionais, 
 como se impõe averiguar se, sob esse ponto de vista, a questão ora trazida ao 
 Tribunal Constitucional é, ou não, substancialmente idêntica à decidida no 
 Acórdão n.º 275/2002 – designadamente, se os fundamentos desta decisão são 
 transponíveis para os presentes autos. Apenas em caso de resposta afirmativa a 
 esta pergunta se pode remeter, para fundamentar um juízo de 
 inconstitucionalidade, para esse Acórdão n.º 275/2002.
 
 5.A análise dos fundamentos do citado Acórdão n.º 275/2002, para os confrontar 
 com o presente caso, impõe-se, aliás, tanto mais quanto este aresto é 
 considerado na decisão recorrida (que se encontra publicada já na Colectânea de 
 Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano XI, 2003, tomo 
 III, p. 133, bem como em Maiajurídica – Revista de Direito, ano II, n.º 2, 
 Julho-Dezembro de 2004, pp. 127 e ss., com uma anot. de Manuel J. Aguiar 
 Pereira), bem como já pela decisão do Tribunal da Relação de Coimbra então 
 recorrida, e é invocado pelo recorrente no sentido da solução de 
 inconstitucionalidade que defende. Esse Acórdão do Tribunal Constitucional foi, 
 aliás, objecto de discussão jurisprudencial (v., além das declarações de voto a 
 ele apostas e das decisões constantes dos presentes autos, os Acórdãos do 
 Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2005 e 11 de Julho de 2006, ambos 
 acessíveis em www.dgsi.pt) e doutrinal (v., em sentido crítico, Francisco 
 Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, Curso de direito da família, vol. I, 3.ª 
 ed., Coimbra, Coimbra Ed., 2003, pp. 134-136, e Nuno de Salter Cid, A comunhão 
 de vida à margem do casamento: entre o facto e o direito, Coimbra, Almedina, 
 
 2005, pp. 526-544, bem como, substancialmente, Américo Marcelino, Acidentes de 
 viação e responsabilidade civil, Lisboa, Petrony, 2005, pp. 446-454; em sentido 
 favorável, a cit. anot. de M. J. Aguiar Pereira; e, questionando a extensão da 
 solução a outros casos, António Abrantes Geraldes, Temas da responsabilidade 
 civil, II: indemnização dos danos reflexos, Coimbra, Almedina, 2005, p. 27). E 
 esta discussão incidiu, em parte, justamente, sobre as consequências 
 alegadamente justificadas (ou até impostas) pela fundamentação do juízo de 
 inconstitucionalidade então alcançado, no Acórdão n.º 275/2002 – assim, além de 
 M. J. Aguiar Pereira e A. A. Geraldes, locs. cits., F. Pereira Coelho/G. de 
 Oliveira, ob. cit., pp. 135 e s., e N. Salter Cid, ob. cit., pp. 534 (e n. 65), 
 
 544. Não é, porém, uma “reanálise” ou reapreciação dos fundamentos do Acórdão 
 n.º 275/2002 que pode estar em causa no presente recurso, em que é, como se 
 disse, impugnada diversa dimensão normativa do artigo 496.º, n.º 2, apenas 
 importando recordar essa fundamentação na medida em que a referida decisão foi 
 invocada como precedente.
 Recorde-se, pois, a fundamentação expendida do Acórdão n.º 275/2002 para se 
 concluir pelo julgamento de inconstitucionalidade, “por violação do artigo 36.º, 
 n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade”, da 
 
 “norma do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, na parte em que, em caso de 
 morte da vítima de um crime doloso, exclui a atribuição de um direito de 
 
 ‘indemnização por danos não patrimoniais’ pessoalmente sofridos pela pessoa que 
 convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em 
 condições análogas às dos cônjuges”. Depois de se delimitar o objecto do recurso 
 e de, para enquadrar a questão de constitucionalidade, se referir a evolução do 
 regime jurídico da união de facto (com a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, e a 
 Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio) e a jurisprudência do Tribunal Constitucional 
 então existente sobre normas que previam uma diferenciação de tratamento entre 
 pessoas casadas e pessoas em situação de união de facto, disse-se:
 
 «(…)
 
 10. Numa certa perspectiva, segundo a qual a distinção entre pessoas casadas e 
 pessoas em situação de união de facto, para efeitos de atribuição de uma 
 compensação por danos não patrimoniais sofridos por morte da vítima, se afigura 
 destituída de fundamento razoável, constitucionalmente relevante, poder-se-ia 
 chegar, no presente recurso, logo a uma conclusão de inconstitucionalidade por 
 violação do princípio da igualdade.
 A aplicação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado tem sido 
 reconduzida à censura de distinções sem fundamento racional, justo ou objectivo 
 
 (veja-se, no direito privado, e a propósito do direito da família, Carlos 
 Alberto da Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 3ª ed., Coimbra, 1985, 
 págs. 78-80 e 148, nota 2). Como se disse no Acórdão n.º 14/2000 (DR, II série, 
 de 19 de Outubro de 2000):
 
 “A propósito do princípio da igualdade, teve já este Tribunal, por inúmeras 
 vezes, oportunidade de sobre o mesmo discretear, citando‑se, a título de exemplo 
 o Acórdão n.º 1007/96 (publicado no Diário da República, 2ª Série, de 12 de 
 Dezembro de 1996), onde, uma vez mais, se realçou que o princípio da igualdade 
 
 ‘obriga que se trate como igual o que for necessariamente igual e como diferente 
 o que for essencialmente diferente; não impede a diferenciação de tratamento, 
 mas apenas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade, ou seja, o que aquele 
 princípio proíbe são as distinções de tratamento que não tenham justificação e 
 fundamento material bastante. Prossegue-se assim uma igualdade material, que não 
 meramente formal’. E acrescentou-se nesse aresto que ‘[p]ara que haja violação 
 do princípio constitucional da igualdade, necessário se torna verificar, 
 preliminarmente, a existência de uma concreta e efectiva situação de 
 diferenciação injustificada ou discriminação’.
 Nas palavras de Maria DA Glória Ferreira Pinto (in Boletim do Ministério da 
 Justiça, n.º 358, pág. 44), ‘[o] critério valorativo a que o princípio da 
 igualdade, enquanto princípio jurídico, apela, não deve ser, em consequência, um 
 critério de valores subjectivos, mas, pelo contrário, um critério retirado do 
 quadro de valores vigentes numa sociedade, interpretados objectivamente. É certo 
 que tais valores vivem no âmbito das alterações históricas e civilizacionais, só 
 sendo materialmente determináveis em presença de uma sociedade em concreto, mas 
 nem por isso deixa de ser um quadro de valores objectivo’.”
 E pode, ainda, recordar-se o que, recentemente, se escreveu a propósito no 
 Acórdão n.º 187/2001 (DR, II série, de 26 de Junho de 2001):
 
 «(...)
 
 É sabido que o princípio da igualdade, tal como tem sido entendido na 
 jurisprudência deste Tribunal, não proíbe ao legislador que faça distinções – 
 proíbe apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem 
 uma justificação razoável, segundo critérios objectivos e relevantes. É esta, 
 aliás, uma formulação repetida frequentemente por este Tribunal (cf., por 
 exemplo, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 39/88, 325/92, 210/93, 302/97, 12/99 e 
 
 683/99, publicados, nos ATC, respectivamente, vol. 11º, pp. 233 e ss.,vol. 23º, 
 pp. 369 e ss., vol. 24º, pp. 549 e ss., vol. 36º, pp. 793 e ss., e no Diário da 
 República, II Série, de 25 de Março de 1999 e de 3 de Fevereiro de 2000).
 Como princípio de proibição do arbítrio no estabelecimento da distinção, tolera, 
 pois, o princípio da igualdade a previsão de diferenciações no tratamento 
 jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, 
 idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento 
 razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante.
 Ao impor ao legislador que trate de forma igual o que é igual e desigualmente o 
 que é desigual, esse princípio supõe, assim, uma comparação de situações, a 
 realizar a partir de determinado ponto de vista. E, justamente, a perspectiva 
 pela qual se fundamenta essa desigualdade, e, consequentemente, a justificação 
 para o tratamento desigual, não podem ser arbitrárias. Antes tem de se poder 
 considerar tal justificação para a distinção como razoável, constitucionalmente 
 relevante.
 O princípio da igualdade apresenta-se, assim, como um limite à liberdade de 
 conformação do legislador. Como se salientou no Acórdão n.º 425/87 (ATC, vol. 
 
 10º, pp. 451 e ss.), 
 
 “O âmbito de protecção do princípio da igualdade abrange diversas dimensões: 
 proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer a diferenciação de tratamento 
 sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos 
 constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações 
 manifestamente desiguais; proibição de discriminação, não sendo legítimas 
 quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias 
 meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; obrigação de diferenciação, 
 como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a 
 eliminação pelos poderes públicos de desigualdades fácticas de natureza social, 
 económica e cultural (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, I vol., 2ª ed., Coimbra, 1984, pp. 149 e segs.).
 A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação 
 ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como 
 princípio negativo do controlo.
 Todavia, a vinculação jurídico-material do legislador a este princípio não 
 elimina a liberdade de conformação legislativa, pois lhe pertence, dentro dos 
 limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as 
 relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar 
 igual ou desigualmente.
 Só existe violação do princípio da igualdade enquanto proibição de arbítrio 
 quando os limites externos da discricionariedade legislativa são afrontados por 
 carência de adequado suporte material para a medida legislativa adoptada.
 Por outro lado, as medidas de diferenciação devem ser materialmente fundadas sob 
 o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da 
 solidariedade, não se baseando em qualquer razão constitucionalmente imprópria.”
 Mais recentemente, no Acórdão n.º 409/99 (DR, II série, de 10 de Março de 1999) 
 disse-se que:
 
 “O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República 
 Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e 
 que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o 
 princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade 
 legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. 
 Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções 
 discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas 
 ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da 
 igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de 
 proibição do arbítrio (cf., quanto ao princípio da igualdade, entre outros, os 
 Acórdãos nºs 186/90, 187/90, 188/90, 1186/96 e 353/98, publicados in ‘Diário da 
 República’, respectivamente, de 12 de Setembro de 1990, 12 de Fevereiro de 1997, 
 e o último, ainda inédito).”
 E no Acórdão N.º 245/2000 (DR, II série, de 3 de Novembro de 2000) salientou-se 
 que
 
 “(...) tem, de há muito, vindo a afirmar este Tribunal que é ‘sabido que o 
 princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionaridade 
 legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a 
 adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias – e assumem, 
 desde logo, este carácter as diferenciações de tratamentos fundadas em 
 categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, 
 no n.º 2 do artigo 13º da Lei Fundamental –, ou seja, desigualdades de 
 tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável 
 
 (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa 
 expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da 
 lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot)’ (cfr., 
 por entre muitos outros, o Acórdão nº 1186/96, publicado no Diário da República, 
 
 2ª Série, de 12 de Fevereiro de 1997), ou, dito ainda de outra forma, o 
 
 ‘princípio da igualdade (...) impõe se dê tratamento igual ao que for 
 essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for. Não proíbe 
 as distinções de tratamento, se materialmente fundadas; proíbe, isso sim, a 
 discriminação, as diferenciações arbitrárias ou irrazoáveis, carecidas de 
 fundamento racional’ (verbi gratia, Acórdão nº 1188/96, ob. cit., 2ª Série, de 
 
 13 de Fevereiro de 1997).”»
 Ora, admitir-se-á que, na perspectiva referida, se entenda que a diferenciação 
 entre o cônjuge e a pessoa que convivia com a vítima em união de facto estável e 
 duradoura, para o efeito de excluir a possibilidade de compensar os danos não 
 patrimoniais sofridos por esta última com a morte da vítima, é destituída de 
 fundamento razoável. 
 Na verdade, como destituída de fundamento razoável não há que considerar apenas 
 a diferenciação de tratamento que possa considerar-se verdadeiramente 
 arbitrária, mas também aquela que se baseie num critério que não possa ser 
 relevante, considerando o efeito jurídico visado.
 E, na referida perspectiva, aceitar-se-á que a existência de um vínculo 
 matrimonial, por contraposição à convivência em união estável e duradoura, não 
 constitui só por si um fundamento razoável para excluir a compensação do 
 sofrimento e da dor sofridos com a morte pela(o) companheira(o) da vítima de um 
 homicídio doloso.
 Designadamente, o fundamento apontado em geral para a previsão de um conjunto de 
 pessoas cujos danos não patrimoniais, resultantes da morte da vítima, são 
 susceptíveis de ser levados em conta, consistente em evitar a multiplicação das 
 pretensões indemnizatórias em consequência desta lesão (razão pela qual as 
 
 “excelências da equidade” teriam de ser “sacrificadas às incontestáveis 
 vantagens do direito estrito” – Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil 
 anotado, vol. I, 4ª ed., com a colab. de Henrique Mesquita, pág. 501), não é 
 aplicável à dimensão normativa em causa, em que está em causa a compensação da 
 dor e do sofrimento da pessoa que convivia em união estável e duradoura, em 
 condições análogas às dos cônjuges, da qual existiam até dois filhos menores, 
 com a vítima de um homicídio doloso.
 
 É certo que a morte de uma pessoa é um evento que é susceptível de causar danos 
 não patrimoniais a um círculo alargado de pessoas. E pode também concordar-se 
 com a conveniência em evitar que o lesante por mera culpa se veja assoberbado 
 por pretensões indemnizatórias deduzidas por um número ilimitado de pessoas. Por 
 estas razões, compreende-se que no n.º 2 do artigo 496º o legislador se tenha 
 preocupado em enumerar o círculo de pessoas cujos danos não patrimoniais, 
 causados pela morte da vítima, são atendíveis, e que se tenha mesmo preocupado 
 em dividir tais pessoas em TRÊS  grupos (primeiro, o cônjuge não separado 
 judicialmente de pessoas e bens e os filhos ou outros descendentes; “na falta 
 destes”, os pais ou outros ascendentes; e, “por último”, os irmãos ou sobrinhos 
 que os representem). Isto, aliás, diversamente do que acontecia no anteprojecto 
 do articulado relativo ao direito das obrigações, para o Código Civil de 1966, o 
 qual previa, no seu artigo 759º, n.º 3, que no caso de morte de uma pessoa, 
 
 “quando as circunstâncias o impuserem, pode reconhecer-se direito de satisfação 
 a outros parentes, a afins ou estranhos à família, desde que tais pessoas 
 estivessem ligadas à vítima de maneira a constituírem de facto família dela” – 
 Adriano Vaz Serra, Direito das obrigações (com excepção dos contratos em 
 especial) – Anteprojecto, Lisboa, 1960, artigo 759º, n.º 3, pág. 624.
 Na dimensão normativa em causa, porém, não só o beneficiário da indemnização se 
 encontra perfeitamente delimitado, e é apenas um (pretendendo ser colocado no 
 mesmo plano do cônjuge, e, portanto, no primeiro grupo dos titulares de 
 indemnização), como – conforme bem nota o Ministério Público – não merece 
 certamente tutela o eventual interesse do homicida doloso em se eximir à 
 compensação de todos os danos que provocou com o homicídio.
 Por outro lado, sob a perspectiva do fundamento para o reconhecimento da 
 compensação – que reside, obviamente, na verificação da dor e do sofrimento por 
 causa do falecimento da vítima, e na justeza de uma compensação por tais danos 
 
 –, não se vê como possa relevar a existência de um vínculo matrimonial, em lugar 
 apenas de uma convivência em união estável e duradoura com outra pessoa, em 
 condições análogas às dos cônjuges, para excluir completamente a atendibilidade 
 dos padecimentos sofridos por esta. Estes não são, na verdade, nem qualitativa 
 nem quantitativamente menos merecedores da tutela do direito por não existir um 
 vínculo matrimonial.
 Não se divisando, pois, fundamento razoável na exclusão da ressarcibilidade dos 
 danos não patrimoniais sofridos por quem vivia em união de facto com a vítima, 
 chegar-se-ia, por esta via, a uma conclusão de inconstitucionalidade, por 
 violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição.
 
 11. Entende-se, porém, que, mesmo a não se perfilhar tal entendimento do 
 princípio da igualdade, não se é por isso necessariamente conduzido a uma 
 solução de compatibilidade com a Constituição da solução normativa em apreciação 
 no presente recurso de constitucionalidade. 
 Segundo uma outra perspectiva, não se pode excluir a liberdade do legislador de 
 prever um regime jurídico específico para os cônjuges, visando, por exemplo, a 
 prossecução de objectivos políticos de incentivo ao matrimónio. Considerando 
 desde logo a existência de especiais deveres entre os cônjuges, dir-se-ia, como 
 se afirmou no citado Acórdão n.º 14/2000, que “(...) de harmonia com o nosso 
 ordenamento (ainda suportado constitucionalmente), o regime das pessoas unidas 
 pelo matrimónio confrontadamente com a união de facto não permite sustentar que 
 nos postamos perante situações idênticas à partida e, consequentemente, que 
 requeiram tratamento igual”. E, portanto, não se divisaria na norma em apreço 
 violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Lei Fundamental.
 Ainda quem adopta tal perspectiva, há-de, porém, necessariamente interrogar-se 
 sobre a existência de uma justificação atendível para a solução de excluir de 
 plano e em abstracto todos e quaisquer danos não patrimoniais sofridos 
 pessoalmente por quem convivia com a vítima de um homicídio doloso em condições 
 análogas às dos cônjuges.
 Na verdade, como este Tribunal já afirmou, o legislador constitucional dispensa 
 no artigo 36º, n.º 1, protecção à família, enquanto “elemento fundamental da 
 sociedade”, distinguindo-a, no n.º 1 e no n.º 2 desse artigo, do casamento. E, 
 portanto, dispensa protecção a uma realidade social que se não funda 
 necessariamente no matrimónio – uma família não fundada no casamento. Tal 
 
 “distinção constitucional entre família, por um lado, e matrimónio por outro”, 
 que “parece espelhar um entendimento e reconhecimento da família como uma 
 realidade mais ampla do que aquela que resulta do casamento, que pode ser 
 denominada de família conjugal”, foi referida por este Tribunal, recentemente, 
 no Acórdão N.º 690/98 (ATC, vol. 41º, págs. 579 e segs.); na doutrina 
 civilística, veja-se C. Mota Pinto, ob. cit., pág. 149.
 No artigo 36º, n.º 1, a Constituição da República consagra, na verdade, o 
 
 “direito de constituir família e de contrair casamento”, distinguindo as duas 
 realidades – e regista-se, a propósito, que também a recente Carta dos Direitos 
 Fundamentais da União Europeia (a qual, apesar de não ter eficácia jurídica 
 obrigatória, pode aqui ser convocada por exprimir princípios comuns aos 
 ordenamentos europeus) consagra diferenciadamente, no seu artigo 9º, o “direito 
 de contrair casamento e o direito de constituir família”, podendo ler-se, nas 
 anotações explicativas pela mesa da Convenção que elaborou a Carta, que a 
 redacção deste artigo, fundada no artigo 12º da Convenção Europeia dos Direitos 
 do Homem, “foi modernizada de modo a abranger os casos em que as legislações 
 nacionais reconhecem outras formas de constituir família além do casamento”.
 A Constituição da República Portuguesa, depois de reconhecer o direito a 
 constituir família, que se não funda necessariamente no casamento, reconhece no 
 artigo 67º, n.º 1, à “família, como elemento fundamental da sociedade”, o 
 
 “direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as 
 condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.”
 Ainda que se entenda que daquela distinção e desta norma não resulta uma 
 imposição para o legislador de reconhecer e proteger, em geral, a união de facto 
 estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges, e a família nela 
 fundada, em termos idênticos aos da família baseada no casamento, há-de 
 certamente extrair-se daí, pelo menos, o dever de não desproteger, sem uma 
 justificação razoável, a família que se não fundar no casamento – isto, pelo 
 menos quanto àqueles pontos do regime jurídico que directamente contendam com a 
 protecção dos seus membros e que não sejam aceitáveis como instrumento de 
 eventuais políticas de incentivo à família que se funda no casamento.
 
 12. Ora, é justamente tal justificação que não se divisa para a dimensão 
 normativa em análise, permitindo tal falta distinguir também a situação presente 
 de outras, já apreciadas por este Tribunal.
 Na verdade, já se disse que não procede, em relação à compensação dos 
 sofrimentos e da dor sofrida por quem convivia com a vítima de um homicídio 
 doloso em condições análogas às dos cônjuges, nem a justificação consistente na 
 necessidade de limitar as pretensões indemnizatórias, nem a que valoriza a 
 necessidade de uma solução certa, já que a expectativa do lesante de se não ver 
 confrontado com um número não definido de pretensões indemnizatórias não merece 
 protecção e que o titular do direito à compensação se encontra perfeitamente 
 determinado. E já se disse também que, para o fundamento do reconhecimento da 
 compensação por danos não patrimoniais – a verificação da dor e do sofrimento 
 por causa do falecimento da vítima, e a justeza de uma compensação por tais 
 danos –, a existência de um vínculo matrimonial, em lugar apenas de uma 
 convivência em união estável e duradoura com outra pessoa, em condições análogas 
 
 às dos cônjuges, é irrelevante.
 Acresce, com relevo para a determinação dos limites da discricionariedade 
 legislativa, que a solução normativa em apreço se reporta a um problema que se 
 afigura como inadequado para a prossecução de eventuais objectivos políticos de 
 protecção ou incentivo ao casamento. Basta, para o concluir, considerar que não 
 está em causa a concessão de um benefício em relação ao qual se verifique a 
 previsibilidade necessária para se poder descortinar qualquer efeito de 
 incentivo (ao contrário do que, em certa perspectiva, poderia ser o caso de 
 outras medidas, como, por exemplo, a concessão de uma preferência para as 
 pessoas casadas, por exemplo, na colocação como funcionário).
 Na norma em questão trata-se, antes, de compensar um dano – e um dano 
 normalmente de grande gravidade, consistente em sofrimentos e dores, cuja 
 compensação “merece a tutela do direito”, sendo “indemnizável” nos termos do 
 regime geral do artigo 496º, n.º 1, do Código Civil. E trata-se de um dano que 
 resulta de um evento que é evidentemente imprevisível (um homicídio doloso).
 Pelo que, mesmo dispensando outras considerações, não se afiguraria adequada e 
 aceitável, à luz do reconhecimento constitucional de protecção também da família 
 não fundada no casamento – e do próprio valor da dignidade humana –, a 
 utilização do regime da “indemnização” pela dor e pelo sofrimento resultantes da 
 morte para as pessoas que conviviam com a vítima em condições análogas às dos 
 cônjuges, como instrumento para a prossecução de eventuais objectivos políticos 
 de incentivo à família fundada no casamento.
 Nesta linha, cumpre anotar, por último, que, se já se não encontra justificação 
 atendível para a desprotecção da família não fundada no casamento, que 
 resultaria da proibição de consideração dos danos não patrimoniais sofridos pela 
 pessoa que convivia em união estável e duradoura, em condições análogas às dos 
 cônjuges, com a vítima de um homicídio doloso, menos ainda será divisável tal 
 justificação no actual normativo, considerando o regime de protecção da união de 
 facto actualmente em vigor, previsto na Lei n.º 7/2001. Na verdade, não se 
 encontra justificação para se reconhecer a tais pessoas variados direitos (cfr. 
 o artigo 3º do citado diploma), que podem ter como destinatários também 
 particulares, mas limitar aos cônjuges a protecção que, em caso de morte, 
 resulta da compensabilidade dos danos não patrimoniais pessoalmente sofridos – 
 que se refere a danos de grande gravidade e pessoais, que por natureza revestem 
 sempre uma dimensão individual e de incomensurabilidade.
 Também nesta perspectiva – próxima da que, nas suas contra-alegações, adopta o 
 Ex.mº representante do Ministério Público neste Tribunal – se chegará, pois, a 
 uma solução de inconstitucionalidade, por violação do artigo 36º, n.º 1, da 
 Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade, da norma do n.º 2 
 do artigo 496º do Código Civil por, em caso de morte da vítima de um crime 
 doloso, excluir o direito de “indemnização por danos não patrimoniais” sofridos 
 pela pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e 
 duradoura, em condições análogas às dos cônjuges.»
 Como resulta da fundamentação transcrita, no Acórdão n.º 275/2002 não se 
 considerou inconstitucional a norma do artigo 496.º, n.º 2, na interpretação 
 então questionada, por violação do princípio da igualdade, mas antes, e apenas, 
 
 “por violação do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio 
 da proporcionalidade” (fundamentos distintos, mas não incompatíveis, para o 
 juízo de inconstitucionalidade a que se chegou). Esta distinção de fundamentos 
 resulta claramente, além da fórmula decisória adoptada, do confronto com este 
 segundo parâmetro (n.ºs 11 e seg. do aresto), exposto “mesmo a não se perfilhar 
 tal entendimento do princípio da igualdade”, segundo “uma outra perspectiva”, 
 que não exclui “a liberdade do legislador de prever um regime jurídico 
 específico para os cônjuges, visando, por exemplo, a prossecução de objectivos 
 políticos de incentivo ao matrimónio”, considerando “desde logo a existência de 
 especiais deveres entre os cônjuges”, para se dizer “como se afirmou no citado 
 Acórdão n.º 14/2000, que ‘(...) de harmonia com o nosso ordenamento (ainda 
 suportado constitucionalmente), o regime das pessoas unidas pelo matrimónio 
 confrontadamente com a união de facto não permite sustentar que nos postamos 
 perante situações idênticas à partida e, consequentemente, que requeiram 
 tratamento igual’”.
 A ratio decidendi do juízo de inconstitucionalidade do Acórdão n.º 275/2002 
 acha-se, pois, ainda para “quem adopta tal perspectiva” segundo a qual “não se 
 divisaria na norma em apreço violação do princípio da igualdade consagrado no 
 artigo 13º da Lei Fundamental”, apenas na “violação do artigo 36.º, n.º 1, da 
 Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade”.
 
 6.Afigura-se, porém, essencial recordar a forma como se concretizou o confronto 
 com o princípio da proporcionalidade. Com efeito, depois de se observar que o 
 legislador constitucional não quis reduzir a noção de família à união conjugal 
 baseada no casamento, e que impõe a protecção da “família, como elemento 
 fundamental da sociedade”, com “um dever de não desproteger, sem uma 
 justificação razoável, a família que se não fundar no casamento”, a apreciação 
 da conformidade com o princípio da proporcionalidade não se centrou em qualquer 
 
 “desproporção” das consequências do regime jurídico (que, efectivamente, podem 
 ser tão ou mais gravosas, por exemplo, no não reconhecimento da qualidade de 
 sucessível na sucessão legitimária). O iter seguido para o confronto com o 
 princípio da proporcionalidade, passou, antes, pela averiguação daquela 
 
 “justificação razoável” especificamente para a solução normativa em questão, 
 atentando, precisamente, na relação entre a justificação que para ela é 
 adiantada e os dados do caso em que a dimensão normativa impugnada fora aplicada 
 
 (e recorde-se que se tratou de decisão proferida em fiscalização concreta e 
 incidental da constitucionalidade).
 No contexto dessa averiguação da conformidade com o princípio da 
 proporcionalidade, enquanto princípio geral atinente à relação entre meios e 
 fins da actuação do poder público (conjugada com a protecção constitucional 
 também da “família não fundada no casamento”), logo se pôde verificar a total 
 desadequação da dimensão normativa então em apreciação às justificações ou 
 finalidades para ela adiantadas. Salientou-se, assim, que, para a “compensação 
 dos sofrimentos e da dor sofrida por quem convivia com a vítima de um homicídio 
 doloso em condições análogas às dos cônjuges”, não podia proceder, nem a 
 justificação da solução do artigo 496.º, n.º 2, “consistente na necessidade de 
 limitar as pretensões indemnizatórias, nem a que valoriza a necessidade de uma 
 solução certa, já que a expectativa do lesante de se não ver confrontado com um 
 número não definido de pretensões indemnizatórias não merece protecção e que o 
 titular do direito à compensação se encontra perfeitamente determinado” 
 
 (itálicos aditados – e cf. também já antes, a propósito do princípio da 
 igualdade, no n.º 10 da fundamentação do Acórdão n.º 275/2002). E ainda se 
 verificou, “com relevo para a determinação dos limites da discricionariedade 
 legislativa”, que a solução normativa em apreço se reporta a um problema que se 
 afigura como “inadequado para a prossecução de eventuais objectivos políticos de 
 protecção ou incentivo ao casamento”, não só por estar em causa compensar um 
 dano, normalmente de grande gravidade, como por este resultar de “um evento que 
 
 é evidentemente imprevisível (um homicídio doloso)”.
 Só estes passos permitiram concluir pela existência de “violação do artigo 36.º, 
 n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade” no caso 
 decidido pelo Acórdão n.º 275/2002, como resulta logo da leitura da sua 
 fundamentação – e sem que se afigure necessário recordar as virtudes, 
 democráticas e para o próprio funcionamento de um órgão de fiscalização concreta 
 da constitucionalidade, do emprego de fundamentações estreitas e limitadas à 
 dimensão normativa aplicada (analisadas, para a Supreme Court americana, por 
 Cass Sunstein, One Case at a Time/Judicial Minimalism on the Supreme Court, 
 Cambridge, Mass., Harvard Un. Press, 1999, esp. pp. 259 e ss., embora sem deixar 
 de notar o compromisso entre tais virtudes e a eficácia fora de cada processo da 
 actuação do intérprete da Constituição).
 E note-se, ainda, que as considerações expendidas na fundamentação do Acórdão 
 n.º 275/2002, relevantes, nos termos expostos, à luz do princípio da 
 proporcionalidade não dependeram de qualquer tomada de posição na discussão 
 sobre a verdadeira natureza ou função da “indemnizaçao”, “compensação” ou 
 
 “satisfação” (“Genugtuung”) por danos não patrimoniais (nos termos do artigo 
 
 496.º, n.º 1, apenas dos que “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”), 
 isto é, numa discussão em que, como é sabido, tem também sido defendida, entre 
 outras posições, a da atribuição de uma função sancionatória ou punitiva, ou 
 pelo menos de uma dupla função, compensatória e punitiva, a tal “satisfação” – 
 dando nota desta posição, v. António Pinto Monteiro, “Sobre a reparação dos 
 danos morais”, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, ano 1.º, 1, 1992, pp. 
 
 17-25 (20 e s.); Júlio Gomes, “Uma função punitiva para a responsabilidade civil 
 e uma função reparatória para a responsabilidade penal?”, Revista de Direito e 
 Economia, Coimbra, ano 15, 1989, pp. 105-144 (116 e ss.); recentemente, v. Paula 
 Meira Lourenço, A função punitiva da responsabilidade civil, Coimbra, Coimbra 
 Ed., 2006, pp. 278 e ss., e Mafalda Miranda Barbosa, “Reflexões em torno da 
 responsabilidade civil: teleologia e teleonomologia em debate”, Boletim da 
 Faculdade de Direito, Coimbra, vol. , 2005, pp. 511-600 (565 e ss., contra o 
 reconhecimento de uma função punitiva).
 
 7.A decisão proferida no Acórdão n.º 275/2002 foi objecto de análise sobretudo 
 no plano da comparação entre a posição do cônjuge e de quem vive em “união de 
 facto” com outrem, à luz das normas e princípios constitucionais sobre a família 
 e o casamento. É certo que, como se disse, se aceitou então a relevância, para a 
 noção constitucional de família, também da “família não fundada no casamento”, 
 rejeitando a redução da família à que assenta no matrimónio (contra tal redução 
 
 à família “matrimonializada”, v. também J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa anotada, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Ed., 
 
 2006, art. 36.º, anot. II, p. 561), e que se afirmou “um dever de não 
 desproteger, sem uma justificação razoável”.
 Nos presentes autos, pode reiterar-se este entendimento, que só por si está, 
 porém, longe de implicar qualquer equiparação geral do regime da família fundada 
 no casamento e da família não assente no matrimónio (v. também J. J. Gomes 
 Canotilho/Vital Moreira, ob. e loc. cits.). Antes tem mesmo sido defendido entre 
 nós que uma tal equiparação geral esbarraria também com obstáculos 
 jurídico‑constitucionais (v. F. Pereira Coelho/G. de Oliveira, Curso…, cit., p. 
 
 106, F. Pereira Coelho, “Casamento e divórcio no ensino de Manuel de Andrade”, 
 in Ciclo de conferências em homenagem póstuma ao Prof. Manuel de Andrade, 
 Coimbra, Almedina, 2002, pp. 55-72, 67 e s., falando de violação do direito de 
 não casar; e N. Salter Cid, ob. cit., pp. 540 e s.), ou que seria contrariada 
 pela própria ideia de igualdade perante a lei (António Arnaut, Ética e Direito, 
 Coimbra, Livraria Mateus, 1999, p. 26).
 
 8.Mais do que uma comparação “transversal” entre a posição do cônjuge e de quem 
 vive em “união de facto” com outrem, a “revisitação” efectuada à decisão do 
 Tribunal Constitucional que o recorrente invoca, e que o acórdão recorrido se 
 preocupou em “desqualificar” como precedente, impõe, porém, que se recorde e 
 aprofunde a referência, contida já no Acórdão n.º 275/2002, especificamente à 
 ratio da delimitação, pelo n.º 2 do artigo 496.º, dos titulares de um direito a 
 uma “indemnização” (compensação ou “satisfação”) por danos não patrimoniais por 
 morte da vítima, e em particular no que toca ao problema da exclusão daqueles 
 que de facto, tendo em conta as circunstâncias do caso, eram mais próximos 
 desta.
 O problema é – contrariamente ao que se poderia pensar – bastante anterior ao 
 reconhecimento legislativo de efeitos jurídicos da “união de facto”, entre nós e 
 lá fora. Adriano Vaz Serra tratou-o assim já em 1959, nos trabalhos 
 preparatórios do Código Civil (“Reparação do dano não patrimonial”, Boletim do 
 Ministério da Justiça, n.º 83, pp. 69-111, esp. 96-98), depois de perguntar a 
 quem deve ser reconhecido o direito à compensação em causa (e baseando-se em 
 doutrina alemã e suíça da primeira metade do século XX):
 
 «Não parece que deva ser reconhecido aos herdeiros como tais, os quais podem ser 
 estranhos à família, caso em que não terão, em regra, dor moral suficiente para 
 justificar uma compensação.
 Tal direito deve ser reservado para os familiares da vítima, que são as pessoas 
 nas quais é de presumir a existência de sentimentos de afeição bastante fortes. 
 Mas, por um lado, esses sentimentos podem ser ainda mais fortes da parte de 
 pessoas estranhas à família juridicamente entendida; e, por outro lado, o facto 
 de ser membro da família não implica necessariamente a existência de uma afeição 
 suficiente.
 Pareceria assim, que por família, para este efeito, deveriam entender-se aquelas 
 pessoas que, segundo as circunstâncias materiais do caso concreto, desempenham 
 de facto as funções de família [citando, neste sentido, A. von Tuhr]. Essas 
 pessoas seriam as que, pelas especiais relações com a vítima, é de presumir 
 sofrerem mais, na sua afeição, com a morte dela. O critério não seria, pois, 
 jurídico, mas de facto.
 No entanto, poderia também entender-se que só às pessoas ligadas juridicamente 
 por laços de família (Cônjuge, parentes e afins) deveria reconhecer-se o direito 
 
 à satisfação de danos não patrimoniais. As outras não tinham o direito de contar 
 com a continuação da situação de facto em que se encontravam com o falecido e 
 não poderiam, portanto, alegar danos, patrimoniais ou não, resultantes da morte 
 dele.
 Assim, a concubina ou a noiva não poderiam reclamar a referida satisfação, nem o 
 poderiam fazer outras pessoas colocadas de facto na situação de familiares.
 Dadas as razões que podem ser invocadas num sentido e no outro, talvez seja 
 preferível usar uma fórmula que permita à jurisprudência decidir como lhe 
 parecer melhor, ou, reconhecendo, em princípio, o direito de satisfação aos 
 parentes, permitir que se atribua tal direito a pessoas estranhas à família mas 
 ligadas à vítima de modo a constituírem de facto família dela.
 
 (…)
 Se não se limitasse assim o direito à satisfação do dano não patrimonial, 
 poderia ele ser invocado por vezes por um número considerável de pessoas, com o 
 resultado de o responsável ter que pagar quantia avultadíssima ou com o de a 
 cada um dos prejudicados se dar uma importância tão diminuta que seria 
 praticamente nula.»
 Vaz Serra referia ainda, em nota, que, “quanto à concubina”, poderia intervir, 
 para excluir o direito à compensação, a consideração da “atitude tomada a 
 respeito da união livre” (p. 98, n. 58, e pp. 91-92). Mas concluía propondo 
 
 (também como alternativa) que no caso de morte de uma pessoa, quando as 
 circunstâncias de facto o impusessem, poderia “reconhecer-se direito de 
 satisfação a outros parentes, a afins ou estranhos à família, desde que tais 
 pessoas estivessem ligadas à vítima de maneira a constituírem de facto família 
 dela” – ob. cit., p. 107, e Adriano Vaz Serra, Direito das obrigações (com 
 excepção dos contratos em especial) – Anteprojecto, Lisboa, 1960, artigo 759º, 
 n.º 3, p. 624 (itálico aditado).
 O projecto de Código Civil (artigo 498.º, n.º 2) veio, porém, a fixar-se na 
 alternativa de reconhecimento da “indemnização por danos não patrimoniais” por 
 morte “em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e 
 aos filhos ou outros descendentes, na falta destes, aos pais ou outros 
 ascendentes, e, por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem”, numa 
 solução em que (segundo Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, 
 vol. I, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Ed., 1987, art. 496.º, anot. 5, p. 501), as 
 
 “excelências da equidade tiveram de ser sacrificadas às incontestáveis vantagens 
 do direito estrito”.
 Considerando que a morte de uma pessoa é um evento lesivo susceptível de causar 
 danos não patrimoniais a um círculo alargado de pessoas, a delimitação dos 
 possíveis titulares da compensação por danos não patrimoniais (próprios) em caso 
 de morte da vítima obedeceu, fundamentalmente, já a uma razão de certeza, 
 evitando-se a multiplicação indeterminada de pretensões indemnizatórias em 
 consequência da morte, já à conveniência em evitar que o lesante por mera culpa 
 se visse assoberbado por pretensões indemnizatórias deduzidas por um número 
 alargado, ou mesmo ilimitado, de pessoas, com as quais não poderia contar. Por 
 estas razões, no n.º 2 do artigo 496º o legislador limitou o leque de pessoas 
 cujos danos não patrimoniais, causados directamente pela morte da vítima, são 
 atendíveis, e dividiu mesmo tais pessoas em dois grupos, segundo uma presunção 
 assente na proximidade familiar (primeiro, o cônjuge não separado judicialmente 
 de pessoas e bens e os filhos ou outros descendentes; “na falta destes”, os pais 
 ou outros ascendentes; e, “por último”, os irmãos ou sobrinhos que os 
 representem).
 Disse-se no Acórdão n.º 275/2002 que tais justificações se revelavam 
 desajustadas à dimensão normativa em questão nesse caso, por o beneficiário da 
 indemnização se encontrar então perfeitamente delimitado e ser apenas um, e por 
 não merecer “certamente tutela o eventual interesse do homicida doloso em se 
 eximir à compensação de todos os danos que provocou com o homicídio”.
 Há que apurar se é igualmente assim no presente caso.
 
 9.Revertendo então ao caso dos autos – em que (recorde-se) o que está em causa é 
 a constitucionalidade da exclusão da “indemnização por danos não patrimoniais” 
 sofridos pela pessoa que vivia em união de facto com a vítima mortal de acidente 
 de viação resultante de culpa exclusiva de outrem –, pode igualmente proceder-se 
 a um confronto com os parâmetros constitucionais relevantes em dois momentos, e 
 desdobrando a análise segundo o invocado pelo recorrente – que é, recorde-se 
 também, a “violação do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP; 
 do direito a constituir família independentemente de qualquer vínculo formal 
 estabelecido no art.º 36.º, n.º 1 da nossa Lei Fundamental e da concepção 
 constitucional de família vertida no art.º 67.º, n.º 1 da Constituição”.
 Assim, quem não acompanhasse a decisão proferida no Acórdão n.º 275/2002 (tirado 
 com dois votos de vencido) dificilmente chegará a uma solução de 
 inconstitucionalidade no presente caso, considerando que se não está perante um 
 crime doloso, mas perante um acidente de viação (com violação de regras de 
 circulação e de deveres de cuidado) provocado por negligência, isto é, não só 
 perante diferentes graus de culpa, mas perante ilícitos também de diverso tipo e 
 gravidade, como se notou na decisão recorrida; e considerando, ainda, que, sob a 
 perspectiva (se não da normal previsibilidade, pelo menos) da frequência dos 
 ilícitos e dos eventos lesivos em questão, se estava, no caso então decidido, 
 perante um evento (homicídio doloso) muito pouco frequente, o que, infelizmente, 
 já se não pode seguramente dizer do que deu origem ao acidente de viação 
 ocorrido no caso dos autos.
 Não existem, com efeito, na dimensão normativa em apreciação no presente 
 recurso, outras particularidades que, para quem não acompanhasse o juízo de 
 inconstitucionalidade a que se chegou no Acórdão n.º 275/2002, possam conduzir a 
 uma conclusão de desconformidade com a Constituição da República, por violação 
 dos princípios da igualdade ou de outros princípios ou normas constitucionais.
 
 10.Mas mesmo quem tenha subscrito o julgamento de inconstitucionalidade do 
 Acórdão n.º 275/2002 não é necessariamente conduzido, pelo seus fundamentos, a 
 uma solução de incompatibilidade com a Constituição da solução normativa em 
 apreciação no presente recurso de constitucionalidade.
 Quanto ao princípio da igualdade, já se notou que ele não constituiu o 
 fundamento decisivo para a decisão tomada maioritariamente no Acórdão n.º 
 
 275/2002. E recorde‑se, a propósito, o que se disse no citado Acórdão n.º 
 
 195/2003:
 
 «Ora, como este Tribunal tem reconhecido, existem diferenças importantes, que o 
 legislador pode considerar relevantes, entre a situação de duas pessoas casadas, 
 e que, portanto, voluntariamente optaram por alterar o estatuto jurídico da 
 relação entre elas – mediante um “contrato celebrado entre duas pessoas de sexo 
 diferente que pretendem constituir familía mediante uma plena comunhão de vida, 
 nos termos das disposições deste Código”, como se lê no artigo 1577º do Código 
 Civil –, e a situação de duas pessoas que (embora convivendo há mais de dois 
 anos “em condições análogas às dos cônjuges”) optaram, diversamente, por manter 
 no plano de facto a relação entre ambas, sem juridicamente assumirem e 
 adquirirem as obrigações e os direitos correlativos ao casamento.»
 E, posteriormente, no também citado Acórdão n.º 159/2005:
 
 «Assim, na óptica do princípio da igualdade, a situação de duas pessoas que 
 declaram a intenção de conceder relevância jurídica à sua união e a submeter a 
 um determinado regime (um específico vínculo jurídico, com direitos e deveres e 
 um processo especial de dissolução) não tem de ser equiparada à de quem, 
 intencionalmente, opta por o não fazer. O legislador constitucional não pode ter 
 pretendido retirar todo o espaço à prossecução, pelo legislador 
 infra-constitucional, cujo programa é sufragado democraticamente, de objectivos 
 políticos de incentivo ao matrimónio enquanto instituição social, mediante a 
 formulação de um regime jurídico próprio – por exemplo, distinguindo entre a 
 posição sucessória do convivente em união de facto (reduzida ao referido direito 
 a exigir alimentos da herança) e a do cônjuge.»
 O regime da indemnização por danos não patrimoniais em caso de morte da vítima 
 
 é, justamente, um desses pontos submetidos a um regime jurídico distinto, tal 
 como distintas são, também, as relações entre a vítima e quem pede a 
 indemnização.
 Não existe, pois, violação do princípio da igualdade na norma em apreciação.
 
 11.Como resulta do que se disse, e também se afirmou no citado Acórdão n.º 
 
 159/2005, 
 
 «Superada a objecção que se pudesse pretender extrair do princípio da igualdade, 
 e admitida a presente diferenciação à luz da política legislativa que o 
 legislador democrático entenda dever prosseguir, não ficam, porém, dissipados 
 todos os argumentos conducentes a uma conclusão de inconstitucionalidade. Aliás, 
 o acórdão recorrido [dir-se-á, agora, o Acórdão n.º 275/2002] baseou o seu 
 julgamento de inconstitucionalidade, decisivamente, na invocação do princípio da 
 proporcionalidade (conjugado com o reconhecimento constitucional da “família não 
 fundada no casamento”) […].»
 Sobre o confronto com o princípio da proporcionalidade conjugado com o 
 reconhecimento constitucional da “família não fundada no casamento” importa 
 novamente recordar que, como também já se notou (e se disse igualmente no 
 Acórdão n.º 159/2005), 
 
 «[…]o que está em causa no confronto de uma solução normativa com o princípio da 
 proporcionalidade não é simplesmente a gravidade ou a dimensão das desvantagens 
 ou inconvenientes que pode acarretar para os visados (com, por exemplo, a 
 necessidade da prova da carência de alimentos, ou, mesmo, a exclusão total de 
 certos direitos). O recorte de um regime jurídico – como o da destruição do 
 vínculo matrimonial ou o dos seus efeitos sucessórios – pela hipótese do 
 casamento, deixando de fora situações que as partes não pretenderam 
 intencionalmente submeter a ele, tem necessariamente como consequência a 
 exclusão dos respectivos efeitos jurídicos. O que importa apurar é se tal 
 recorte é aceitável – se segue um critério constitucionalmente aceitável – tendo 
 em conta o fim prosseguido e as alternativas disponíveis – sem deixar de 
 considerar a ampla margem de avaliação de custos e benefícios e como de escolha 
 dessas alternativas, que, à luz dos objectivos de política legislativa que ele 
 próprio define dentro do quadro constitucional, tem de ser reconhecida ao 
 legislador (e que este Tribunal reconheceu, por exemplo, no Acórdão n.º 
 
 187/2001, publicado no Diário da República, II série, de 26 de Junho de 2001).»
 Mas lembre-se, também, o que este Tribunal tem afirmado sobre o alcance do 
 princípio da proporcionalidade como parâmetro de controlo jurisdicional da 
 actividade legislativa. Afirmou-se, assim, seguindo anterior jurisprudência, no 
 citado Acórdão n.º 187/2001:
 
 «Não pode contestar-se que o princípio da proporcionalidade, mesmo  que 
 originariamente relevante sobretudo no domínio do controlo da actividade 
 administrativa, se aplica igualmente ao legislador. Dir-se-á mesmo – como o 
 comprova a própria jurisprudência deste Tribunal – que o princípio da 
 proporcionalidade cobra no controlo da actividade do legislador um dos seus 
 significados mais importantes. Isto não tolhe, porém, que as exigências 
 decorrentes do princípio se configurem de forma diversa para a actividade 
 administrativa e legislativa – que, portanto, o princípio, e a sua prática 
 aplicação jurisdicional, tenham um alcance diverso para o Estado‑Administrador e 
 para o Estado-Legislador. 
 Assim, enquanto a administração está vinculada à prossecução de finalidades 
 estabelecidas, o legislador pode determinar, dentro do quadro constitucional, a 
 finalidade visada com uma determinada medida. Por outro lado, é sabido que a 
 determinação da relação entre uma determinada medida, ou as suas alternativas, e 
 o grau de consecução de um determinado objectivo envolve, por vezes, avaliações 
 complexas, no próprio plano empírico (social e económico). É de tal avaliação 
 complexa que pode, porém, depender a resposta à questão de saber se uma medida é 
 adequada a determinada finalidade. E também a ponderação suposta pela 
 exigibilidade ou necessidade pode não dispensar essa avaliação.
 Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador – diversamente da 
 administração –, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as 
 suas finalidades, uma “prerrogativa de avaliação”, como que um “crédito de 
 confiança”, na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas 
 entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela 
 resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução 
 dos objectivos visados com a medida (que, como se disse, dentro dos quadros 
 constitucionais, ele próprio também pode definir). Tal prerrogativa da 
 competência do legislador na definição dos objectivos e nessa avaliação (com o 
 referido “crédito de confiança” – falando de um “Vertrauensvorsprung”, v. Bodo 
 Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte. Staatsrecht II, 14.ª ed., Heidelberg, 
 
 1998, n.ºs 282 e 287) afigura-se importante sobretudo em casos duvidosos, ou em 
 que a relação medida-objectivo é social ou economicamente complexa, e a 
 objectividade dos juízos que se podem fazer (ou suas hipotéticas alternativas) 
 difícil de estabelecer.
 Significa isto, pois, que, em casos destes, em princípio o Tribunal não deve 
 substituir uma sua avaliação da relação, social e economicamente complexa, entre 
 o teor e os efeitos das medidas, à que é efectuada pelo legislador, e que as 
 controvérsias geradoras de dúvida sobre tal relação não devem, salvo erro 
 manifesto de apreciação – como é, designadamente (mas não só), o caso de as 
 medidas não serem sequer compatíveis com a finalidade prosseguida –, ser 
 resolvidas contra a posição do legislador.
 Contra isto não vale, evidentemente, o argumento de que, perante o caso 
 concreto, e à luz do princípio da proporcionalidade, ou existe violação – e a 
 decisão deve ser de inconstitucionalidade – ou não existe – e a norma é 
 constitucionalmente conforme. Tal objecção, segundo a qual apenas poderia 
 existir “uma resposta certa” do legislador, conduz a eliminar a liberdade de 
 conformação legislativa, por lhe escapar o essencial: a própria averiguação 
 jurisdicional da existência de uma inconstitucionalidade, por violação do 
 princípio da proporcionalidade por uma determinada norma, depende justamente de 
 se poder detectar um erro manifesto de apreciação da relação entre a medida e 
 seus efeitos, pois aquém desse erro deve deixar-se na competência do legislador 
 a avaliação de tal relação, social e economicamente complexa.»
 As considerações que precedem afiguram-se relevantes no caso dos autos: o 
 legislador goza de uma considerável margem de discricionariedade na delimitação, 
 no artigo 496.º, n.º 2, do círculo das pessoas que podem pedir indemnização por 
 morte da vítima. 
 E a apreciação da conformidade com o princípio da proporcionalidade, nos termos 
 referidos, não deve, também, deixar de tomar em conta – sobretudo em 
 fiscalização concreta e incidental da constitucionalidade – as particularidades 
 da dimensão normativa ora em apreciação, e o diverso recorte do caso a que foi 
 aplicada (pelo que é de acompanhar o Acórdão recorrido, quando salienta a 
 
 “faceta de casuísmo” que, para a referida apreciação, teve de impregnar também o 
 Acórdão n.º 275/2002).
 E há, ainda, que recordar que, como este Tribunal tem repetidamente afirmado, 
 não está em causa, no controlo da constitucionalidade a que procede, a 
 qualificação do “melhor direito” (e a “desqualificação” do “pior direito”) em si 
 mesmo, isto é, o juízo sobre qual seria a solução mais conveniente ou que melhor 
 concilia todos os interesses em presença. Tal é missão do legislador. Ao 
 Tribunal Constitucional compete apenas um controlo de constitucionalidade, ou 
 seja, ajuizar sobre a questão de saber se uma solução ou dimensão normativa 
 viola normas ou princípios constitucionais: não, neste sentido, avaliar o 
 
 “melhor direito”, mas apenas dizer o “não direito”, porque incompatível com a 
 Constituição da República (cf. os seus artigos 3.º, n.º 3, 204.º, 223.º, n.º 1, 
 e 277.º, n.º 1).
 
 12.Ora, entende-se que o confronto, que levou no citado aresto de 2002 a afirmar 
 a “violação do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio da 
 proporcionalidade” , entre a justificação da delimitação operada no artigo 
 
 496.º, n.º 2, e a dimensão normativa em análise no presente recurso conduz a 
 resultados diversos dos alcançados naquele aresto. Falta, pois, identidade 
 substancial, neste aspecto constitucionalmente relevante, entre as normas ou 
 dimensões normativas em apreciação nos dois casos (podendo, também aqui, 
 concordar‑se com a decisão recorrida quando não qualifica o Acórdão n.º 275/2002 
 como “precedente” a seguir pelo tribunal a quo  no caso dos autos).
 Não é, com efeito, possível detectar no presente caso qualquer falta grosseira 
 ou evidente de adequação entre a dimensão normativa ora em apreço e as 
 finalidades dessa delimitação, resultante do artigo 496.º, n.º 2 (note-se, 
 aliás, e como se referiu, que o legislador goza, neste âmbito, de uma 
 considerável margem de discricionariedade para ponderar os vários interesses 
 envolvidos, e sem que se possa retirar da Constituição um certo e único regime 
 constitucionalmente admissível, e que, na dúvida, sobre tal inadequação sempre 
 seria de decidir no sentido da inexistência de inconstitucionalidade).
 
 É o que facilmente se conclui, desde logo, para a justificação consistente na 
 necessidade de limitar as pretensões indemnizatórias, por razões de certeza, que 
 se pode revelar procedente para lesões que se verificam com uma frequência 
 diária, e sem qualquer relação prévia entre lesante e lesado (diversamente do 
 que acontecia com a lesão provocada pelo homicídio no caso do Acórdão n.º 
 
 275/2002). Sem tal limitação, os prejuízos não patrimoniais resultantes da morte 
 poderiam ser invocados frequentemente, e “por vezes por um número considerável 
 de pessoas, com o resultado de o responsável ter que pagar quantia avultadíssima 
 ou com o de a cada um dos prejudicados se dar uma importância tão diminuta que 
 seria praticamente nula” (nas palavras citadas de Vaz Serra). 
 O que é reforçado pela consideração da expectativa do lesante de se não ver 
 assoberbado com um número não definido de pretensões indemnizatórias. Na 
 verdade, afirmou-se, no caso decidido pelo Acórdão n.º 275/2002, que “não merece 
 certamente tutela o eventual interesse do homicida doloso em se eximir à 
 compensação de todos os danos que provocou com o homicídio”. Tal posição do 
 lesante, se não merecia protecção, dada a “gravidade extrema do ilícito” e o 
 dolo do lesante, no caso do Acórdão n.º 275/2002, não tem de ser considerada 
 irrelevante – sob pena de erro grosseiro de avaliação do legislador – num caso 
 como o dos autos, em que está em causa a infracção de regras legais de 
 circulação rodoviária e de deveres de cuidado, com negligência do lesante, da 
 qual veio a resultar o acidente que provocou a morte. Não pode, com efeito, 
 excluir-se que o legislador atenda à conveniência em que os lesantes civis por 
 mera culpa se não vejam assoberbados por pretensões indemnizatórias deduzidas 
 por um número ilimitado de pessoas, dada a frequência estatística de situações 
 como a dos autos.
 E neste sentido pode, pois, também concordar-se com a decisão recorrida quando 
 salienta que a solução encontrada no Acórdão n.º 275/2002, “diferente da, aqui, 
 defendida, tem, confessadamente, a marca da gravidade extrema do ilícito”, ou 
 com quem considera questionável a extensão dessa solução “às situações, mais 
 frequentes, em que a pretensão indemnizatória se insere no quadro da 
 responsabilidade civil por negligência ou pelo risco” (como A. A. Geraldes, ob. 
 cit., p. 27). E isto, repete-se, quer para quem não subscrevesse o juízo de 
 inconstitucionalidade a que se chegou no Acórdão n.º 275/2002, quer para quem 
 adoptasse a posição que nele fez vencimento.
 
 13.Conclui-se, pois, que a norma do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, na 
 parte em que exclui o direito a indemnização por danos não patrimoniais da 
 pessoa que vivia em união de facto com a vítima mortal de acidente de viação 
 resultante de culpa exclusiva de outrem, não viola nem o princípio da igualdade 
 nem o artigo 36.º, n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio da 
 proporcionalidade, parâmetros constitucionais invocados pelo recorrente (já que 
 nada mais se pode retirar, no sentido da inconstitucionalidade, da invocação da 
 
 “concepção constitucional de família vertida no art.º 67.º, n.º 1 da 
 Constituição”, que não tenha já sido considerado na fundamentação que antecede).
 Não se descortinando outros fundamentos para um juízo de inconstitucionalidade, 
 há que negar provimento ao presente recurso.
 III. Decisão
 Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)           Não julgar inconstitucional a norma do artigo 496.º, n.º 2, do 
 Código Civil, na parte em que exclui o direito a indemnização por danos não 
 patrimoniais da pessoa que vivia em união de facto com a vítima mortal de 
 acidente de viação resultante de culpa exclusiva de outrem;
 b)           Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão 
 recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita;
 c)            Condenar o recorrente em custas, com 20 (vinte) unidades de conta 
 de taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 6 de Fevereiro de 2007
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
 Maria Fernanda Palma (vencida, nos termos de declaração de voto junta)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
                                  Votei vencido, não especificamente por 
 considerar constitucionalmente intolerável qualquer diferenciação de tratamento 
 entre casados e unidos de facto, mas antes por entender que a estatuição do n.º 
 
 2 do artigo 496.º do Código Civil, ao restringir às classes de familiares nele 
 previstas, escalonados em três grupos, é susceptível de não respeitar o direito 
 
 à reparação dos “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a 
 tutela do direito”, que, a meu ver, constitui uma imposição do princípio do 
 Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP).
 
                                  Afigura‑se‑me que o artigo 36.º, n.º 1, da CRP 
 não constitui suporte adequado ou suficiente para o reconhecimento 
 constitucional da união de facto e, muito menos, para a imposição ao legislador 
 ordinário da obrigação de atribuir à união de facto efeitos idênticos ao 
 casamento, seguindo, neste ponto, a posição de Francisco Pereira Coelho e 
 Guilherme de Oliveira (Curso de Direito da Família, vol. I, 3.ª edição, 2003, 
 pp. 103‑105 e 161‑166). Ao invés, sendo o estabelecimento de uma união de facto 
 uma manifestação ou forma de exercício do direito ao desenvolvimento da 
 personalidade, que a revisão constitucional de 1997 reconheceu de modo explícito 
 no n.º 1 do artigo 26.º, “a legislação que proibisse a união de facto, que a 
 penalizasse, impondo sanções aos membros de relação e coarctando de modo 
 intolerável o direito de as pessoas viverem em união de facto, seria pois 
 manifestamente inconstitucional” por violação deste artigo 26.º, n.º 1 (e não do 
 artigo 36.º, n.º 1).
 
                                  Mas, para além desta vertente “negativa” (isto 
 
 é: aquilo que a Constituição diz que a lei não pode fazer), cabe à liberdade de 
 conformação do legislador a eventual extensão à união de facto de direitos e 
 deveres tradicionalmente ligados à relação matrimonial. Na vertente “positiva” 
 
 (isto é: aquilo que a Constituição impõe que o legislador faça), a aferição da 
 conformidade constitucional das soluções legislativas deve fazer‑se com apelo ao 
 concreto direito constitucional em causa (direito à habitação, direito à saúde, 
 direito à segurança social, direito à protecção da maternidade e da paternidade, 
 etc.), conjugado com o princípio da proporcionalidade, e não com suporte no 
 artigo 36.º, n.º 1, da CRP.
 
                                  No que especificamente concerne ao direito à 
 reparação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela 
 do direito, a inconstitucionalidade da solução consagrada no n.º 2 do artigo 
 
 469.º do Código Civil não se resume à exclusão desse direito quanto aos unidos 
 de facto, mas, mais amplamente, à não previsão de uma “válvula de segurança” que 
 permita aos tribunais o reconhecimento desse direito a pessoas que 
 comprovadamente tenham sofrido um dano dessa intensidade mas que não figurem 
 nos três grupos de familiares contemplados nessa norma (1.º – cônjuge não 
 separado judicialmente de pessoas e bens e filhos ou outros descendentes; 2.º – 
 na falta destes, pais ou outros ascendentes; 3.º – na falta de membros dos dois 
 anteriores grupos, os irmãos ou os sobrinhos que os representem).
 
                                  A injustiça dessa solução legal foi logo 
 reconhecida, no âmbito dos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, por 
 Adriano Paes da Silva Vaz Serra (“Reparação do dano não patrimonial”, Boletim do 
 Ministério da Justiça, n.º 83, pp. 69‑109, em especial pp. 106‑109), quando, a 
 propósito do direito à reparação pela dor sofrida com a morte de alguém (iure 
 proprio, e não iure hereditate, este ligado à transmissão do direito à reparação 
 do sofrimento ou angústia sofridos pela própria vítima), interrogava e 
 respondia:
 
  
 
                  “A quem deve ser reconhecido?
 
                  Não parece que deva ser atribuído aos herdeiros como tais, os 
 quais podem ser estranhos à família, caso em que não terão, em regra, dor moral 
 suficiente para justificar uma compensação. Tal direito deve ser reservado para 
 os familiares da vítima, que são as pessoas nas quais é de presumir a existência 
 de sentimentos de afeição bastante fortes. Mas, por um lado, esses sentimentos 
 podem ser ainda mais fortes da parte de pessoas estranhas à família 
 juridicamente entendida; e, por outro lado, o facto de ser membro da família 
 não implica necessariamente a existência de uma afeição suficiente.
 
                  Pareceria, assim, que por família, para este efeito, deveriam 
 entender‑se aquelas pessoas que, segundo as circunstâncias materiais do caso 
 concreto, desempenham de facto as funções de família.
 
                  Essas pessoas seriam as que, pelas especiais relações com a 
 vítima, é de presumir sofrerem mais, na sua afeição, com a morte dela. O 
 critério não seria, pois, jurídico, mas de facto.
 
                  No entanto, poderia também entender‑se que só às pessoas 
 ligadas juridicamente por laços de família (cônjuge, parentes e afins) deveria 
 reconhecer‑se o direito à satisfação de danos não patrimoniais. As outras não 
 tinham o direito de contar com a continuação da situação de facto em que se 
 encontravam com o falecido e não poderiam, portanto, alegar danos, patrimoniais 
 ou não, resultantes da morte dele.
 Assim, a concubina ou a noiva não poderiam reclamar a referida satisfação, nem 
 o poderiam fazer outras pessoas colocadas de facto na situação de familiares.
 Dadas as razões que podem ser invocadas num sentido e no outro, talvez seja 
 preferível usar uma fórmula que permita à jurisprudência decidir como lhe 
 parecer melhor, ou, reconhecendo, em princípio, o direito de satisfação aos 
 parentes, permitir que se atribua tal direito a pessoas estranhas à família mas 
 ligadas à vítima de modo a constituírem de facto família dela.
 Os parentes (legais ou de facto, conforme a orientação que se adoptar) ou afins 
 com direito à satisfação do dano não patrimonial seriam, não quaisquer 
 parentes, mas os próximos parentes, entendendo‑se como tais aqueles que, pela 
 proximidade do parentesco, é de presumir tivessem pelo falecido uma afeição tal 
 que justifique a satisfação.
 Poderia pensar‑se que deveriam indicar‑se precisamente quais são esses parentes. 
 
 À semelhança do nosso Código actual (artigo 2384.°), poderiam ser os 
 descendentes e os ascendentes, além do cônjuge.
 Mas pode haver outros parentes, a quem parece razoável conceder a satisfação, v. 
 g., um irmão ou irmã que vivesse com a vítima. Talvez, por conseguinte, seja 
 preferível não indicar, com carácter exaustivo, os parentes a quem pode ser 
 reconhecido o direito à satisfação de prejuízos não patrimoniais. Bastará aludir 
 aos próximos parentes, dependendo depois das circunstâncias de cada caso o saber 
 se se encontravam em situação que faça presumir a dor. Todavia, poderia 
 porventura indicar‑se certa ordem entre os parentes, a qual o juiz poderia 
 alterar, no caso concreto, se as circunstâncias o impusessem.
 Se não se limitasse assim o direito à satisfação do dano não patrimonial, 
 poderia ele ser invocado por vezes por um número considerável de pessoas, com o 
 resultado de o responsável ter que pagar quantia total avultadíssima ou com o de 
 a cada um dos prejudicados se dar uma importância tão diminuta que seria 
 praticamente nula.”
 
  
 
                                  E depois de aludir aos termos em que o direito 
 deveria ser consagrado relativamente aos cônjuges (viúva e viúvo), filhos 
 
 (menores ou menores, nascidos fora ou dentro do casamento), pais (incluindo os 
 
 “naturais”), avós e netos (mesmo que existam pais ou filhos, pois “não se trata 
 aqui de transmissão de indemnização de dano, mas de dar uma compensação pela 
 dor pessoalmente sofrida; ora, os avós ou os netos podem ter uma dor bastante 
 forte, não obstante a existência de pais ou de filhos”, pelo que “se as 
 circunstâncias o justificarem, deve poder o juiz alterar a ordem de precedência 
 ou lei sucessória”), acrescenta: 
 
  
 
 “O que se diz desta hipótese pode dizer‑se de outras, em que existam vários 
 parentes: todos eles, desde que nas suas pessoas se verifiquem os pressupostos 
 do direito de satisfação, devem poder exigir esta, pois esse direito, baseado na 
 dor pessoal sofrida, não depende de não existirem outras pessoas em condições 
 análogas.
 O tribunal, porém, a fim de que os parentes mais próximos (e que são aqueles que 
 presumivelmente terão sofrido maior dor) não sejam prejudicados injustamente com 
 a concorrência dos outros, parece dever dar, em princípio, preferência aos 
 parentes mais próximos e proporcionar as satisfações à dor de cada um, além de 
 excluir aqueles em relação aos quais não se verifiquem os sentimentos de afeição 
 bastantes.”
 
  
 
                                  Em sintonia com estas considerações, propôs, 
 como formulação legal alternativa, a seguinte:
 
  
 
                  “No caso de morte de uma pessoa, podem as pessoas de família 
 dela exigir a satisfação do dano não patrimonial a elas causado. Essas pessoas 
 são, em conjunto, o cônjuge e os descendentes, observando‑se, quanto a estes: a 
 precedência da lei sucessória; na falta de cônjuge ou de descendentes, os 
 descendentes ou o cônjuge, respectivamente; na falta de cônjuge e de 
 descendentes, os ascendentes; na falta de cônjuge, descendentes e ascendentes, 
 os irmãos e os descendentes destes, segundo a ordem da lei sucessória. O direito 
 de satisfação destas pessoas supõe a existência de laços afectivos que o 
 justifiquem, e as regras de precedência podem ser alteradas quando as 
 circunstâncias de facto o impuserem. Quando estas circunstâncias o impuserem, 
 pode reconhecer‑se direito de satisfação a outros parentes, a afins ou estranhos 
 
 à família, desde que tais pessoas estivessem ligadas à vítima de maneira a 
 constituírem de facto família dela. (…)” (sublinhado acrescentado).
 
  
 
                                  Como é sabido, não foi esta a solução que veio 
 a ser acolhida na versão final do Código Civil, por se haver entendido que as 
 
 “excelências da equidade” deviam ser “sacrificadas às incontestáveis vantagens 
 do direito estrito” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. 
 I, 4.ª edição, p. 501).
 
                                  Afigura‑se, porém, que a prevenção de uma 
 incontrolável responsabilidade do causador do dano (“poder‑se‑ia mesmo dizer, no 
 limite, que a morte de uma pessoa vem prejudicar a Humanidade” – António 
 Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral, Tomo III 
 
 – Pessoas, Coimbra, 2004, p. 138) pode operar‑se por outros mecanismos 
 
 (estabelecimento de limites máximos legais, previsão do recurso à equidade, 
 etc.) que não pela negação da justa reparação de danos não patrimoniais 
 merecedores da tutela do direito e comprovadamente sofridos por quem reclama tal 
 reparação.
 
                                  Trata‑se de solução que, apesar da orientação 
 contrária que parece ser preconizada no n.º 19 da Resolução (75)7 do Comité de 
 Ministros do Conselho da Europa (cf. Nuno de Salter Cid, A comunhão de vida à 
 margem do casamento: entre o facto e o direito, Coimbra, 2005, pp. 542‑543, nota 
 
 83), é legal ou jurisdicionalmente reconhecida em diversas ordens jurídica 
 próxima da nossa. Em Espanha, face ao artigo 113.º do Código Penal, inserido no 
 título relativo à responsabilidade civil derivada da criminal (que estatui: “La 
 indemnización de perjuicios materiales y morales comprenderá no sólo los que se 
 hubieren causado al agraviado, sino también los que se hubieren irrogado a sus 
 familiares o a terceros” – sublinhado acrescentado), tem sido sustentada a 
 legitimidade, para efeitos de reparação de danos não patrimoniais derivados da 
 morte, de pessoas que, não estando ligadas à vítima por vínculos familiares ou 
 parafamiliares, a ela estejam ligados por laços de especial afeição (cf. Laura 
 Gázquez Serrano, La indemnización por causa de morte, Dykinson, Madrid, 2000, 
 pp. 86‑87). O mesmo se passando em Itália, como assinala Giuseppe Cricenti (Il 
 danno non patrimoniale, Cedam, Milão, 1999, pp. 276‑277), com diversas 
 referências jurisprudenciais.
 
                                  Na verdade, embora seja normal que os 
 familiares mais próximos da vítima sejam os que maior sofrimento sintam com a 
 sua perda, não se pode excluir que em vários casos assim não seja, quer dentre o 
 grupo de familiares em sentido jurídico, quer mesmo fora deles, sejam ou não de 
 qualificar como familiares “de facto”. Um exemplo dessa realidade, embora a 
 propósito da legitimidade para constituição como assistente em processo penal, 
 pode ver‑se no Acórdão n.º 690/98 deste Tribunal, que julgou inconstitucional, 
 por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 1, conjugado com o artigo 67.º, n.º 
 
 1, da CRP, a norma constante do artigo 68.º, n.º 1, alínea c), do CPP, quando 
 interpretada no sentido de não admitir a constituição como assistentes, em 
 processo penal, aos ascendentes do ofendido falecido, quando lhe haja sobrevivo 
 cônjuge separado de facto, embora não separado judicialmente de pessoas e bens, 
 e não tenha descendentes. Como aí se constatou, apesar da preferência legal, era 
 muito mais forte a ligação afectiva, e consequentemente maior o sofrimento com a 
 perda da vítima, entre o pai e o filho do que entre este e o seu cônjuge, de 
 quem estava separado de facto.
 
                                  Em suma, o carácter taxativo da enumeração das 
 pessoas com direito a reparação por danos não patrimoniais derivados da morte 
 de outrem (agravada pelo estabelecimento de classes de precedência), constante 
 do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, sem previsão da possibilidade de o 
 tribunal, em casos especiais, uma vez efectivamente comprovada a existência 
 desses danos, com gravidade merecedora da tutela do direito, reconhecer o 
 direito a reparação a terceiros, surge, a meu ver, como constitucionalmente 
 insolvente.
 
  
 
                                  Mário José de Araújo Torres
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Tendo sido a primitiva relatora nos presentes autos, voto vencida o Acórdão 
 considerando o seguinte:
 O Tribunal Constitucional já procedeu à apreciação da questão de  
 constitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso de 
 constitucionalidade.
 No Acórdão nº 275/2002, de 19 de Junho (D.R., II Série, de 24 de Julho de 2002) 
 o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional a norma do artigo 
 
 496º, nº 2, do Código Civil, na parte em que, em caso de morte da vítima de um 
 crime doloso, exclui a atribuição de um direito de indemnização por danos não 
 patrimoniais pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em 
 situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos 
 cônjuges.
 A questão objecto do presente recurso é substancialmente idêntica à então 
 decidida. Com efeito, é agora submetida à apreciação do Tribunal Constitucional 
 a norma do artigo 496º, nº 2, do Código Civil, na parte em que nega o direito 
 indemnizatório à pessoa que vivia em união de facto, estável e duradoura, com a 
 vítima de acidente de viação exclusivamente resultante de culpa de outrem. Os 
 fundamentos do Acórdão nº 275/2002 são, a meu ver, e diferentemente do que é 
 considerado no presente Acórdão, transponíveis para os presentes autos. 
 Ao contrário do que parece ser afirmado no acórdão recorrido (fls. 771), “a 
 marca da gravidade extrema do ilícito” que originou a morte da vítima no caso 
 subjacente ao Acórdão nº 275/2002 (tratou‑se de um homicídio doloso) não exclui 
 a identidade substancial entre a questão de constitucionalidade normativa então 
 apreciada e a que constitui objecto dos presentes autos. Nesse aresto o Tribunal 
 Constitucional não configurou o direito indemnizatório da pessoa que vivia em 
 união de facto com a vítima como sanção do ilícito penal doloso cometido pelo 
 obrigado à indemnização, não sendo tal circunstância ratio decidendi daquele 
 Acórdão. Também as expectativas do responsável exclusivo de um acidente de 
 viação mortal de não vir a ser confrontado com o dever de indemnizar a pessoa 
 que vivia em condições análogas às dos cônjuges com a vítima de acidente por si 
 provocado não merecem tutela, quando confrontadas com o interesse do membro 
 sobrevivente da união de facto ao ressarcimento dos danos não patrimoniais por 
 si efectivamente sofridos.
 Discordo da linha de argumentação expendida no Acórdão do Tribunal 
 Constitucional quanto à não verificação de semelhança para efeitos de reparação 
 por danos morais entre a situação dos cônjuges e a das pessoas em união de facto 
 estável, já que entendo que, nesse plano – o da dor pelo falecimento do parceiro 
 
 íntimo – não relevam as diferenças legais e jurídicas entre a situação do 
 casamento e a de união de facto. Verifica‑se, sim, uma essencial analogia da 
 relação, na sua base (sexual), e na sua finalidade social (relação familiar). 
 Finalmente, parece‑me injustificada a diferenciação entre a relevância da 
 posição do unido de facto sobrevivo quando o outro elemento da relação foi 
 vítima de um crime doloso e quando se trate de crime negligente (no caso de 
 acidente de viação). Trata‑se, em ambos os casos, de factos ilícitos e fatais 
 para a vítima.
 A lógica civilística da protecção da entidade seguradora não tem qualquer apoio 
 em valores constitucionalmente relevantes, nem a diferença entre a união de 
 facto e o casamento se reflecte, minimamente, no que está em causa – a 
 responsabilidade do agente por danos morais relativamente às pessoas em união de 
 facto estável e duradoura com a vítima. Não há qualquer círculo de risco e 
 expectativas do agente de crime negligente que possam fundamentar uma solução 
 diferente para o cônjuge sobrevivo e para quem vive, comprovadamente, em 
 situação análoga.
 Discordo, por estas razões, do presente Acórdão, mantendo a convicção de que 
 nada distingue, na sua essência jurídica, este caso da situação do cônjuge de 
 vítima de crime negligente.
 
                                      Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 [1] Código Civil.
 
 [2] Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.
 
 [3] Diário da República, I-A, n.º 146, de 27.06.92.
 
 [4] P. Lima e A. Varela, em Código Civil anotado, I, 4.ª edição.
 
 [5] Registada nos pertinentes números do Diário da Assembleia da República.
 
 [6] Esta preocupação foi, com efeito, a primitiva bandeira dos proponentes da 
 abertura constitucional à união de facto.
 
 [7] Constituição da República Portuguesa.
 
 [8] DL n.º 496/77, de 25-11.
 
 [9] Designação que daremos aos ”cônjuges de facto”.
 
 [10] Lei n.º 46/85, de 20-9.
 
 [11] Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15-10.
 
 [12] Que pôs fim à breve vida da Lei n.º 135/99, de 28-8.
 
 [13] Pssoa que com (o falecido arrendatário) vivia em união de facto há mais de 
 dois anos, quando o arrendatário não seja casado ou esteja separado 
 judicialmente de pessoas e bens.
 
 [14] Cfr. art.º 4.º.
 
 [15] Cfr. o art.º 4.º da recente Lei n.º 7/01, citada no texto, onde se atribui 
 ao companheiro sobrevivo um direito real de habitação periódica.