 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 797/2006
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
   Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
                  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que figura 
 como recorrente o arguido A. e como recorridos o Ministério Público e B., o 
 arguido formulou um pedido de aclaração (fls. 88 e ss.) do acórdão proferido em 
 
 16 de Maio de 2005 (fls. 74 e ss.), pedido rejeitado por acórdão de 14 de 
 Novembro de 2005 (fls. 97 e ss.).
 
                  O arguido invocou a nulidade do acórdão por “excesso de 
 pronúncia”, tendo a Relação, no acórdão de 6 de Fevereiro de 2006 (fls. 110 e 
 ss.) declarado a nulidade do acórdão de 16 de Maio de 2005, sanando o vício e 
 julgando improcedente o recurso apreciado.
 
                  O arguido requereu então pedido de aclaração (fls. 129 e ss.), 
 pedido rejeitado por acórdão de 27 de Abril de 2006 (fls. 144 e ss.).
 
                  O arguido invocou nova nulidade (fls. 151 e 152).
 
                  O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 19 de Junho 
 de 2006, considerou o seguinte:
 
  
 O recorrente A. veio, através do requerimento fls 151 e 152, arguir a nulidade 
 do acórdão desta Relação, proferido em 6/02/06, para além de invocar a 
 inconstitucionalidade da interpretação que, segundo refere, foi perfilhada no 
 mesmo acórdão «do artigo 399° do CPP..., por violação do artigo 32°. n° 1. da 
 CRP». 
 Notificado, o Exm° Procurador-Geral Adjunto nada disse. 
 Foram colhidos os vistos legais. 
 Dispõe o art° 425° do Cód. Proc. Penal: 
 
 1 - Concluída a deliberação e votação, é elaborado o acórdão pelo relator ou se 
 este tiver ficado vencido, pelo primeiro adjunto que tiver feito vencimento. 
 
 (...) 
 
 4 - É correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o 
 disposto nos artigos 379° e 380°, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado 
 contra o vencido, ou sem o necessário vencimento». 
 Por sua vez, dispõe o n° 2 do art° 716° do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi 
 art° 4° do CPP: 
 
 (.. ) 
 
 2 - A rectificação, aclaração ou reforma do acórdão, bem como a arguição de 
 nulidade, são decididos em conferência. 
 
 ( ..).
 E, por último, o artigo 670° do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi art° 716°, n° 
 
 1 do mesmo código e art° 4° do CPP, regula o processamento subsequente à 
 arguição de nulidades, ao pedido de aclaração ou à reforma do acórdão. 
 Ou seja, decorre destes preceitos legais que os sujeitos processuais podem pedir 
 a rectificação de erros materiais, a aclaração de obscuridades ou ambiguidades, 
 ou arguir nulidades relativamente ao acórdão proferido pela 2ª instância que 
 conheça do recurso interposto de uma decisão judicial, sem prejuízo, é claro, da 
 interposição de recurso, se o mesmo for admissível à face do que dispõe o artigo 
 
 400º do CPP. 
 Pois bem, em 15/05/05 esta Relação profere o acórdão que conhece do recurso 
 interposto pelo recorrente. Deste acórdão, o recorrente pediu a respectiva 
 aclaração e arguiu a existência de nulidades através dos requerimentos de 
 
 31/05/05 e 29/11/05, respectivamente. 
 Acresce que do acórdão de 15/05/05 não é admissível recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça. 
 Ou seja, o recorrente já esgotou todos os mecanismos previstos na lei para 
 reagir contra o acórdão de 15/05/05. 
 Efectivamente, a lei não prevê a possibilidade de arguição de nulidades do 
 acórdão que teve precisamente como único objecto conhecer da arguição de 
 nulidades da decisão que apreciou o recurso interposto pelo recorrente. 
 Por último, é manifesto que não tem esta Relação, neste momento, que conhecer da 
 invocada inconstitucionalidade. A respectiva invocação devia ter sido efectuada 
 em sede própria, ou seja na motivação do recurso. 
 Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em não conhecer do requerido. 
 Custas pelo recorrente.
 
  
 
  
 
                  2. O arguido interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão 
 de 19 de Junho de 2006 nos seguintes termos:
 
  
 A., com os sinais dos autos, não se conformando com o douto acórdão de fls. 
 exarado em 19 de Junho, do mesmo vem INTERPOR RECURSO PARA O TRIBUNAL 
 CONSTITUCIONAL, 
 O que faz nos seguintes termos: 
 
 1 - O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70°, n.º 1, al. b) da Lei nº 
 
 28/82, de 15 de Setembro. 
 
 2 - Pretende-se ver apreciada a inconstituciona1dade das normas ínsitas nos 
 artigos 425° do CPP e 716°, n° 1 e 2 e 670°, ambos do CPC, quando interpretadas 
 no sentido com que o foram na decisão recorrida, isto é, que a Relação não pode 
 conhecer da nulidade arguida, através do requerimento de fls. 151 e 152, 
 porquanto “...a lei não prevê a possibilidade de arguição de nulidades do 
 acórdão que teve, precisamente como único objecto conhecer da arguição de 
 nulidades da decisão que apreciou o recurso interposto pelo recorrente…”, 
 quando, como ocorreu no caso presente, a nulidade arguida ocorreu na sequência e 
 por causa de pedido de esclarecimento, oportunamente, impetrado. 
 
 3 - Tal norma, com a interpretação com que foi aplicada, viola o artigo 32, n.° 
 
 1 da CRP
 
 4 - A questão da inconstitucionalidade não foi suscitada anteriormente, pois só 
 aquando da notificação da decisão recorrida se foi confrontado com a sua 
 fundamentação e a imprevisibilidade desta. 
 O recurso sobe imediatamente, nos autos, e com efeito suspensivo. 
 Termos em que requer a V. Exª se digne admitir o mesmo, seguindo‑se o demais de 
 lei.
 
  
 
                                  Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente 
 apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
 
  
 
 1 – Na génese do presente recurso está a proibição da presença do signatário a 
 actos de instrução, actos definidos na lei como públicos proibição expressamente 
 determinada, na sequência de se ter arguido a nulidade das diligências de 
 instrução se ocorressem sem publicidade, conforme a Sra Juiz de 1ª Instância 
 tinha alvitrado. 
 
 2 – Uma testemunha que se recusou a prestar depoimento sem ser em acto público 
 foi objecto de participação criminal por desobediência (cfr. fls. 410 do 
 original). 
 
 3 – O Tribunal da Relação, numa primeira tomada de posição não conheceu o 
 problema efectivamente colocado, mas sobre um outro que não tinha sido colocado 
 
 à sua consideração. 
 
 4 – Numa 2ª fase, emendou a mão, mas considerou que o recorrente, apesar de ter 
 razão na questão de fundo, não tinha razão por questões formais, por ter 
 levantado o problema antes de a situação concreta se verificar. 
 
 5 – A não presença do mandatário ás diligências de instrução deveu-se, pura e 
 simplesmente, ao facto de a mesma ter sido expressamente proibida (cfr. fls. 347 
 do original). 
 
 6 – Ao acórdão que julgou improcedente o seu recurso, reagiu o recorrente 
 pedindo esclarecimentos sobre o modo como, diferentemente do que fizera, poderia 
 reagir às decisões da 1ª lnstância de fls. 332 e 344 a 347( do original), sobre 
 o que tornava fls. 347 (do original) despacho de mero expediente e sobre a norma 
 que impunha que as ordenadas restrições à publicidade só pudessem ser atacadas 
 no início de cada diligência concreta. 
 
 7 – Tal requerimento não teve qualquer satisfação, o que provocou um outro a 
 arguir a nulidade do acórdão de 6 de Fevereiro, já que ficou a saber que o 
 Tribunal da Relação considerava a decisão de fls. 344 a 347 (do original), 
 maxime, nesta última parte, simultaneamente, um despacho de expediente e um 
 despacho susceptível de recurso e ficara sem saber as razões de ter sido 
 considerado fora de tempo a sua reacção. 
 
 8 – A impossibilidade de reagir contra uma decisão viciada – o acórdão é 
 contraditório na sua fundamentação por considerar a mesma decisão de duas formas 
 opostas e afirma que a forma de reacção tinha de ser de determinada forma, sem 
 que consiga justificá-la – viola o direito ao recurso, constitucionalmente 
 consagrado. 
 
 9 – Assim, a interpretação que a decisão recorrida faz dos normativos em que diz 
 sustentar-se, viola o artigo 32°, n.º 1 da CRP, o que deve ser declarado com as 
 consequências legais.
 
  
 
                                  O Ministério Público, nas contra-alegações, 
 concluiu o seguinte:
 
  
 
 1 – Não é legítimo inferir, nem do princípio das garantias de defesa, nem do 
 direito de acesso à justiça, que a parte ou sujeito processual disponha 
 necessariamente da possibilidade de reiterar sucessivos incidentes 
 pós‑decisórios, face ao acórdão da Relação que haja dirimido anterior pedido de 
 esclarecimento ou nulidade da sentença. 
 
 2 – Na verdade, o direito a exercitar tais pretensões esgota-se com a dedução do 
 pedido de aclaração ou nulidade, face a certo aresto, não sendo possível à parte 
 reiterar sucessivos incidentes da mesma natureza perante o acórdão que tenha 
 apreciado os incidentes inicialmente deduzidos. 
 
 3 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.
 
  
 
  
 
                  Cumpre apreciar.
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
                  3. Nos presentes autos, o recorrente requereu a aclaração do 
 acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães. Na sequência do indeferimento de 
 tal requerimento arguiu o recorrente nulidades. O Tribunal da Relação de 
 Guimarães considerou procedente a arguição de nulidades e proferiu novo acórdão 
 a sanar o vício de omissão de pronúncia.
 
                  O recorrente requereu a aclaração do novo acórdão, aclaração 
 que foi indeferida.
 
                  Arguiu então o recorrente a nulidade do novo acórdão.
 
                  O Tribunal da Relação de Guimarães considerou que o arguido não 
 podia arguir a nulidade do acórdão que havia suprido a nulidade do anterior 
 aresto.
 
                  Sublinhar-se-á, preliminarmente, que nos presentes autos de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade não está em causa a apreciação da 
 nulidade invocada. Apenas constitui objecto do presente recurso de 
 constitucionalidade a norma constante dos artigos 425.º do Código de Processo 
 Penal, e 716.º, n.ºs 1 e 2, e 670.º do Código de Processo Civil, quando 
 interpretada no sentido de não ser admissível a arguição de nulidade do acórdão 
 que sanou a nulidade de outro aresto.
 
  
 
                  4. As garantias de defesa constitucionalmente consagradas 
 abrangem a possibilidade de impugnar a decisão proferida pelas instâncias, 
 arguindo vícios geradores da sua invalidade. É manifesto que o direito a arguir 
 nulidades das decisões tem limites, não podendo abrir-se a via da utilização 
 abusiva dos mecanismos processuais. Apesar disso, o núcleo constitucionalmente 
 assegurado nesta matéria consubstancia-se no reconhecimento de uma possibilidade 
 de arguição de nulidades das decisões.
 
                  Nos presentes autos, o acórdão que sanou a nulidade do acórdão 
 anterior surge como uma nova decisão relativamente à qual têm de ser 
 reconhecidas as mesmas possibilidades de impugnação que foram reconhecidas no 
 contexto do acórdão anulado.
 
                  Repete-se que as presentes considerações não se traduzem numa 
 avaliação da pertinência dos fundamentos do vício arguido, avaliação que não 
 compete ao Tribunal Constitucional realizar.
 
                  Neste recurso apenas se confronta com os princípios 
 constitucionais a norma que impede a arguição de nulidades de uma decisão 
 judicial.
 
                  Ora, tal norma é efectivamente inconstitucional, dado não 
 assegurar o núcleo fundamental do poder de reacção contra as decisões dos 
 tribunais, assegurado pelas garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º 
 
 1, da Constituição.
 
  
 
                  5. O presente recurso é, portanto, procedente.
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
                  6. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar 
 inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma 
 constante dos artigos 425.º do Código de Processo Penal, 716.º, n.ºs 1 e 2, e 
 
 670.º do Código de Processo Civil, interpretados no sentido de impedir a 
 arguição de nulidades de uma decisão judicial que conhece o objecto do recurso, 
 revogando, consequentemente, a decisão recorrida que deverá ser reformulada de 
 acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.
 
  
 Lisboa, 15 de Fevereiro de 2007
 
  
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos