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Processo n.º 74/08
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 
               Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 Relatório
 No âmbito dos autos de reclamação e graduação de créditos que correm por apenso 
 ao processo de falência, pendente no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de 
 Barcelos sob o n.º 2427/03.7 TBBCL-D, foi proferida sentença de verificação e 
 graduação de créditos, a qual, por referência ao produto da liquidação do bem 
 imóvel aí apreendido, graduou os créditos reclamados pelos trabalhadores da 
 falida antes do crédito garantido por hipotecas voluntárias reclamado pela “A., 
 S.A.”. 
 Para tanto, o tribunal aplicou a norma constante do artigo 377.º, n.º 1, alínea 
 b), do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, na 
 interpretação segundo a qual a referida norma é aplicável aos contratos de 
 trabalho vigentes à data da sua entrada em vigor e que os créditos laborais 
 deles emergentes são garantidos por privilégio imobiliário especial sobre os 
 bens imóveis do empregador nos quais os trabalhadores prestaram a sua 
 actividade, com preferência à hipoteca voluntária constituída sobre esses bens 
 em data anterior à da entrada em vigor da referida norma.
 
                                    
 O referido credor bancário interpôs recurso de apelação desta decisão, mas o 
 Tribunal da Relação de Guimarães viria a julgá-lo totalmente improcedente, 
 mantendo assim a sentença recorrida.
 
  
 O Tribunal da Relação de Guimarães fundamentou a respectiva decisão pela 
 seguinte forma, na parte que ora releva:
 
 “(...)
 i) Os créditos laborais preferem aos demais (ainda que garantidos com hipoteca) 
 por força do art. 377º do CT:
 A questão colocada prende-se essencialmente com saber qual a lei aplicável aos 
 créditos dos trabalhadores no que respeita aos privilégios concedidos, e qual a 
 respectiva preferência no confronto com a garantia hipotecária do apelante.
 Sustenta a apelante que encontrando-se o seu crédito garantido por hipoteca, 
 dispondo a lei para o futuro – artigo 12, nº 1 do CC –, o privilégio imobiliário 
 especial previsto no novo Código do Trabalho só prefere às hipotecas registadas 
 após a sua entrada em vigor, ocorrida a 01/12/2003. 
 A Lei 17/86, de 14/6 no seu artigo 12.º, nº 1, consagra para os créditos 
 emergentes do contrato individual de trabalho por ela regulados, privilégio 
 mobiliário e imobiliários gerais. 
 No nº 3 do citado artigo dispõe-se sobre a graduação dos créditos, referindo 
 quanto aos imobiliários que se graduam antes dos créditos referidos no art. 
 
 748.º, do C.C., e antes dos créditos de contribuições devidas à Segurança 
 Social. 
 A Lei 96/01, de 20.8, estabeleceu no seu art. 4.º, que os créditos emergentes de 
 contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei 17/86, de 14.6, 
 também gozavam de privilégio mobiliário e imobiliário gerais, exceptuando-se, 
 tão somente, os créditos de carácter excepcional, nomeadamente as gratificações 
 extraordinárias e a participação nos lucros das empresas. 
 Este quadro sofreu alterações como o novo C.T. aprovado pela Lei nº 99/2003, de 
 
 27/08.
 O art. 377 do C.T. regula a matéria nos seguintes termos: 
 Privilégios creditórios: 
 
 1 – Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou 
 cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios 
 creditórios: 
 a) Privilégio mobiliário geral; 
 b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais 
 o trabalhador preste a sua actividade. 
 
 2 – A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte: 
 a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos 
 referidos no nº 1 do artigo 747º do Código Civil;
 b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos 
 referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições 
 devidas à segurança social.
 Foi este o normativo aplicado aos créditos dos trabalhadores, graduando-os à 
 frente do crédito da apelante garantido por hipoteca. 
 O C.T. entrou em vigor a 01/12/2003, conforme artigo 3º, nº 1 da L. 99/2003 de 
 
 27/8. 
 No anterior regime e relativamente ao privilégio imobiliário geral desenharam-se 
 duas correntes, uma no sentido da sujeição deste ao disposto no artigo 749º do 
 CC e outra no sentido da sujeição ao artigo 751º do CC.   
 A corrente que entendia ser aplicável o art. 749, claramente maioritário, muito 
 ficou a dever aos Acs. do TC nºs 362/2002 e 363/02 (DR I-A, de 16/10/02), que 
 declararam a inconstitucionalidade com forma obrigatória geral o artigo 104 do 
 CIRS (VO) e art. 11 da L.n.º 103/80, na interpretação segundo a qual os 
 privilégios imobiliários gerais aí concedidos aos créditos de IRS e da segurança 
 social preferem à hipoteca, nos termos do artigo 751º do CC.
 Importa no entanto referir que relativamente a igual privilégio concedido aos 
 trabalhadores, não se pronunciando embora, porque tal não lhe competia, sobre 
 se é de aplicar o art. 749º ou 751º do C.Civ., o mesmo tribunal por Acórdão nº 
 
 498/2003 – DR, II de 3/1/04 –, concluiu por unanimidade, pela não 
 inconstitucionalidade da norma constante da al. b) do nº 1 do artigo 12º da 
 L.S.A. (na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela 
 conferido prefere à hipoteca.
 A nova lei veio resolver esta querela.         
 Estamos agora face a um privilégio imobiliário especial, a que se aplica sem 
 margem para dúvidas a preferência do artº 751º, do C.C..      
 A questão que ora se coloca é a de saber se este privilégio prevalece sobre a 
 hipoteca voluntária constituída antes da data da entrada em vigor do CT.
 A apelante faz apelo ao artigo 12 do CC. 
 Dispõe o normativo:            
 
 1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia 
 retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos 
 factos que a lei se destina a regular.            
 
 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de 
 quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só 
 visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de 
 certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, 
 entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que 
 subsistam à data da sua entrada em vigor. 
 O nº 2 do artigo, como refere Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao 
 Discurso Legitimador, Almedina, 2000, pág. 233, distingue dois tipos de leis ou 
 de normas, “aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou 
 formal) de quaisquer factos ou sobre os efeitos de quaisquer factos (1.ª parte) 
 e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o 
 modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). As 
 primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a 
 relações jurídicas (melhor: Ss Js) constituídas antes da LN mas subsistentes ou 
 em curso à data do seu IV” – (SJ – situações jurídicas; LN – Lei nova; IV – 
 início de vigência).   
 Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, 3ª ed. rev., pág. 61 em nota ao 
 artigo 12, referem que “Se, porém, tratando-se do conteúdo do direito for 
 indiferente o facto que lhe deu origem, a nova lei já é aplicável”.
 Aos factos “passados” que deram origem às “situações jurídicas”, no caso da 2ª 
 parte do n º 2 aludido, não é atribuído valor constitutivo, sendo utilizados 
 apenas como pontos de referência para a definição do regime de direito material 
 da situação jurídica existente – Baptista Machado, mesma obra, obra, pág. 236.   
 
     Como refere o Ac. STJ de 5/5/94, 4J 437, pág. 480, seguindo a obra “ Sobre a 
 aplicação no tempo do novo Código Civil” daquele mesmo autor, “a disposição 
 legislativa «abstrairá dos factos constitutivos da situação jurídica 
 contratual, quando for dirigida à tutela dos interesses duma generalidade de 
 pessoas que se achem ou possam vir a achar ligadas por uma certa relação 
 jurídica (por exemplo uma relação jurídica de trabalho, por uma relação jurídica 
 de arrendamento, etc.) – de modo a poder dizer-se que tal disposição atinge as 
 pessoas não enquanto contratantes, mas enquanto pessoas ligadas por certo 
 vínculo contratual (enquanto patrões e operários, enquanto senhorios e 
 inquilinos, etc.)”.      Os preceitos relativos a privilégios dispõem 
 directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos 
 factos que lhes deram origem. Limitam-se a definir, de acordo com a recente 
 opção do legislador, a garantia patrimonial de determinados créditos. Caiem 
 consequentemente na alçada na 2ª parte do nº 2 do artigo 12 do CC., aplicando-se 
 aos créditos já constituídos.     
 Não ocorre sequer, no caso presente, alteração de qualquer regra relativa à 
 hipoteca. A relação entre a apelante enquanto credora e a devedora não foi 
 objecto de qualquer nova regra. O que se verifica é efeito reflexo sobre a 
 hipoteca, por força do privilégio concedido aos trabalhadores no art. 377 do CT, 
 
 “desgraduando-a” no “computo” das “garantias” (isto para quem entenda que ao 
 anterior privilégio era aplicável o artigo 749 do CC).     
 Poderia entender-se que não tendo a norma em causa regulado a relação jurídica 
 invocada pela apelante, haveria que respeitar tal relação nos termos da lei 
 anterior. Tal conclusão é contrária ao disposto no artigo 12, nº 2, 2ª parte do 
 CC.       
 O que o princípio da não retroactividade ressalva, grosso modo, são os efeitos 
 já produzidos por factos passados. Ora a hipoteca voluntário respeita ao modo de 
 realização do direito, conferindo ao crédito garantido determinada preferência 
 de pagamento no confronto com outros credores. O efeito próprio da hipoteca 
 apenas se realiza a partir do momento em que pode ser “accionada”. A menos que 
 se considere como efeito directo da hipoteca, como resultado directo e imediato 
 do registo desta, a atribuição do direito a determinada posição preferencial no 
 quadro das garantias, ou seja, do direito à cristalização, em tal data, das 
 regras atinentes às garantias e para efeitos do respectivo crédito.
 Tal é contrário à natureza da hipoteca. A simples garantia atribui ao credor um 
 direito em potência, dependendo a sua efectivação do preenchimento de certos 
 requisitos. Assim e quanto à hipoteca; 
 
 – Desde logo é necessária a existência de um crédito, o que nem sempre ocorre, 
 podendo a hipoteca constituir-se para garantia de obrigação futura (art. 686, 2 
 do CC, como o ex: das “linhas de crédito”); 
 
 – Depende da ocorrência de incumprimento (salvo cláusula de vencimento 
 antecipado em caso de venda do bem – art. 695 do CC –, ou outra causa legalmente 
 prevista); 
 
 – A venda tem que efectuar-se em processo executivo – art. 817 do CC.            
 
 
 Por outro o regime e efeitos da hipoteca são de natureza imperativa, visando-se 
 com a garantia hipotecária colocar na disposição dos contraentes um mecanismo 
 jurídico visando a atribuição de determinada preferência no pagamento, que há-de 
 valer nos termos fixados na lei e no cômputo do sistema legal de garantias 
 
 (legais e contratuais). Este sistema modela pois o conteúdo de certas relações 
 jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem. A preferência deve 
 aquilatar-se de acordo com o regime em vigor à data da sua efectivação. 
 O apelante enquanto credor hipotecário detém uma posição jurídica que subsiste 
 aquando da entrada em vigor do CT, sendo o conteúdo dessa relação afectado 
 reflexamente pela entrada em vigor do artigo 377 do CT., em virtude de os 
 efeitos da garantia constituída apenas ocorrerem no âmbito temporal de vigência 
 desta norma. 
 Sobre a aplicação imediata da lei que regula a garantia patrimonial, RC. de 
 
 11-10-2005, www.dgsi.pt,processo nº 2239/95; Ac. STJ de 29/5/80, BMJ 297, pág. 
 
 278; do S.T.J., de 5/6/1996, na Col. Jur. S.T.J. T. II, pág. 112, RL, de 
 
 28/1/1999, Col. Jur., T. I, pág. 95; RC. de 13/6/06, www.dgsi.pt,processo nº 
 
 1327/06; Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, pág. 
 
 27.
 Importa por fim verificar qual a lei aplicável na graduação posta em crise.      
 
   
 A graduação visa regular um conflito entre credores, face a urna potencial 
 insuficiência do património do devedor. A norma é chamada a regular a situação 
 quando o conflito surge, não antes. A lei aplicável é a lei em vigor no momento 
 em que ocorre o facto que determina o conflito a solucionar.
 No presente caso, deve atender-se à data da declaração da falência – Ac. RP de 
 
 30/10/06, www.dgsi.pt/jtrp, processo nº 330556102-.
 
 É nesta data que se inicia o procedimento tendente à liquidação do património em 
 benefício dos credores, encerrando-se os livros da falida (art. 148 do CPEREF), 
 são imediatamente exigíveis todas as obrigações da falida estabilizando-se o 
 passivo (art. 151 do CPEREF), os negócios realizados pelo falido, posteriormente 
 
 à declaração de falência, são inoponíveis à massa falida salvo se celebrados a 
 título oneroso com terceiros de boa fé, caso em que serão inoponíveis se 
 celebrados depois do registo da sentença. (art. 155º, nº 1, do CPEREF). 
 
 É com a declaração de falência que se abre a fase da reclamação de créditos – 
 artigos 128, nº 1, al. e) e 188 do CPEREF. 
 No entanto a estranha opção do artigo 5 da L. 96/01, relativa ao artigo 152 do 
 CPEREF, no sentido de aplicação da nova redacção, a todos os processos em que 
 não tenha havido sentença de verificação e graduação de créditos.      
 
 À data da declaração da falência estava já em vigor o actual CT, pelo que aos 
 créditos dos trabalhadores é aplicável o privilégio imobiliário especial 
 consagrado no artigo 377, 1, b) e 2 do citado diploma e a respectiva 
 preferência.
 Quanto à alegada violação do princípio da confiança e da segurança jurídica, a 
 mesma não assume foros de inconstitucionalidade como se refere no acórdão do TC 
 nº 498/2003, acima referido.       
 O sacrifício imposto a tal princípio constitui uma opção do legislador em face 
 de valores constitucionalmente consagrados com ele conflituante – o direito à 
 remuneração enquanto meio de garantir uma existência condigna, consagrado no 
 artigo 59º, n.1, al. a) da CRP –. A remuneração do trabalho dependente, 
 normalmente a única fonte de rendimento do trabalhador, tem, no dizer de João 
 Leal Amado, A Protecção do Salário, Coimbra, 1993, pag. 22, citado no acórdão 
 referido, carácter alimentar e não meramente patrimonial.
 Tal opção não constitui sacrifício excessivo do “interesse preterido”, face ao 
 direito que se pretendeu salvaguardar. Como refere o acórdão aludido, nos casos 
 de falência, é este frequentemente o único meio de dar guarida efectiva ao 
 direito consagrado no artigo 59, 1, a) da CRP.          
 
 É aceitável do ponto de vista social o sacrifício daquele princípio geral em 
 prol da garantia do direito a uma existência condigna, tanto mais que 
 normalmente estamos face a entes financeiros poderosos, cuja preterição não 
 causará problemas sociais nem afectará largas camadas da população, como a 
 solução contrária implicaria – os trabalhadores e respectivos agregados 
 familiares –. 
 Invoca a recorrente que os créditos dos trabalhadores possivelmente nem sequer 
 existiriam se o credor não tivesse financiado a entidade patronal. É certo que o 
 crédito é importante para o funcionamento da economia, dele dependendo as 
 empresas e assim os trabalhadores. Não é no entanto menos certo que a concessão 
 de crédito é o “negócio” da “banca”, nessa medida dependendo também ela dos 
 trabalhadores, pois não será demais afirmar constituir o “trabalho” o motor da 
 produção, contribuindo para os lucros das empresas, que lhes permitem o 
 pagamento dos respectivos débitos.       
 Nesta conformidade, deve entender-se, como se conclui no citado acórdão do TC., 
 que a restrição do princípio da confiança operada pela norma em análise “não 
 encontra obstáculo constitucional.»
 
  
 Inconformado com esta decisão, o credor bancário interpôs recurso de revista da 
 mesma, mas o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão datado de 18 de Dezembro 
 de 2007, viria a julgá-lo também improcedente, aderindo integralmente à 
 fundamentação da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães acabada de 
 transcrever, ao abrigo do disposto no n.º 5, do artigo 713.º, do Código de 
 Processo Civil.
 
  
 O credor bancário interpôs então recurso desta decisão do Supremo Tribunal de 
 Justiça para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do 
 n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional (LTC), suscitando a apreciação da inconstitucionalidade 
 material da norma constante da alínea b), do n.º 1, do art. 377.º, do Código do 
 Trabalho, na interpretação segundo a qual os créditos laborais garantidos por 
 privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o 
 trabalhador preste a sua actividade prevalecem sobre os créditos garantidos por 
 hipoteca voluntária constituída sobre esses bens em data anterior à da entrada 
 em vigor da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, por violação do princípio 
 constitucional da protecção da confiança, ínsito no Estado de Direito 
 Democrático, consagrado no artigo 2.º, da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 A Recorrente apresentou alegações, culminando as mesmas com a formulação das 
 seguintes conclusões:
 
 “(...)
 
 1. “O princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito 
 democrático, postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas 
 expectativas que lhe são juridicamente criadas, censurando as afectações 
 inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se 
 poderia moral ou razoavelmente contar” – Ac. TC nº 362/02, de 17/09/02.
 
 2. A norma constante da alínea b), do nº 1, do artº 377º do actual Código de 
 Trabalho, interpretada no sentido da sua aplicação às relações creditícias 
 constituídas antes da sua entrada em vigor, despreza por completo as razões que 
 subjazem ao entendimento jurisprudencial maioritário que, no domínio da Lei 
 anterior, concedia preferência ao crédito hipotecário sobre o crédito laboral.
 
 3. No caso dos autos, a graduação do crédito hipotecário acima ou abaixo do 
 crédito dos trabalhadores determinará a recuperação integral ou a total 
 irrecuperabilidade do crédito da CGD.
 
 4. Os financiamentos concedidos pela CGD foram garantidos por forma a, de acordo 
 com o direito vigente, garantir ao banco financiador a primazia sobre os demais 
 credores em sede de eventual cobrança coerciva ou falimentar.
 
 5. A opção adoptada da hipoteca sobre as instalações fabris afigurava-se, à 
 data, como a mais adequada ao caso concreto por duas ordens de razão: em 
 primeiro lugar porque tais instalações constituíam o mais significativo acervo 
 patrimonial da sociedade financiada; em segundo lugar porque a possibilidade de 
 execução hipotecária sobre as instalações em apreço garantiam ao financiador uma 
 especial e acrescida preocupação, por parte da entidade financiada, na 
 manutenção do regular e pontual cumprimento dos contratos de financiamento.
 
 6. Nunca, em circunstância alguma, teria a CGD, no actual quadro legal, 
 garantido o crédito reclamado do modo como o fez em 2000 e 2003, em face dos 
 normativos então vigentes.
 
 7. À data da concessão dos financiamentos reclamados era impossível à CGD prever 
 quer a publicação do Código de Trabalho, quer a inclusão no mesmo de um 
 privilégio imobiliário especial em benefício dos trabalhadores, com preferência 
 sobre a hipoteca.
 
 8. A vontade e o modo de contratar da CGD alicerçaram-se nos institutos 
 jurídicos vigentes e na confiança depositada no Estado no sentido da efectiva 
 protecção e materialização dos direitos reconhecidos por tais institutos.
 
 9.É absolutamente inadmissível, por excessivamente oneroso, que a prevalência do 
 credor hipotecário (que apenas por virtude de tal prevalência assim contratou) 
 caia por terra com a entrada em vigor de uma nova lei, que o desprotege por 
 completo relativamente a direitos e expectativas já legitimamente constituídos.
 
 10. A declaração de falência dos autos data de 09 de Novembro de 2004. Tivesse a 
 mesma ocorrido 13 dias antes e a prevalência da hipoteca da CGD permaneceria 
 intocável. Não poderá a recuperabilidade ou irrecuperabilidade de um crédito 
 superior a seiscentos mil euros depender de uma tômbola da sorte temporal, que 
 num lapso de tempo inferior a duas semanas decide quem detém privilégio sobre 
 quem, na distribuição dos proventos da massa falida.
 
 11. Que segurança jurídica, constitucionalmente relevante, terá o cidadão 
 perante uma interpretação normativa que lhe neutraliza a garantia real 
 proveniente da hipoteca, constituída e registada em momento bem anterior ao do 
 conhecimento e entrada em vigor de nova lei que altera por completo o quadro 
 garantístico vigente, de tal forma que o à data da contratação constituía uma 
 prática segura e prudente é hoje uma actuação de alto risco.
 
 12. A aplicação do normativo constante da alínea b), do nº 1, do artº 377º do 
 Código de Trabalho em situação em que dessa aplicação resulta a prevalência de 
 créditos laborais sobre créditos hipotecários constituídos em data anterior à da 
 entrada em vigor da nova lei, constitui uma clara violação do princípio da 
 confiança do comércio jurídico, ínsito no princípio do Estado de Direito 
 Democrático, consagrado no artº 2º da Constituição.”
 
  
 O Ministério Público pronunciou-se sobre o presente recurso e concluiu que a 
 norma constante do artigo 377.º, n.º 1, alínea b), do Código de Trabalho, ao 
 conferir aos trabalhadores um privilégio imobiliário especial que prevalece 
 sobre a hipoteca, mesmo que anteriormente constituída (reformulando o regime do 
 privilégio imobiliário geral que era outorgado aos créditos laborais desde 1986) 
 não afronta – pelos fundamentos expostos no Acórdão nº 498/03, a que adere – 
 qualquer preceito ou princípio constitucional.
 
  
 
                                                     *
 Fundamentação
 
 1. Do objecto do recurso
 A recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a 
 inconstitucionalidade material da norma constante da alínea b), do n.º 1, do 
 artigo 377.º, do Código do Trabalho, na interpretação segundo a qual os créditos 
 laborais garantidos por privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do 
 empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade prevalecem sobre os 
 créditos garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre esses bens em data 
 anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
 A questão de constitucionalidade assim configurada pela Recorrente surge com uma 
 amplitude que não transmite rigorosamente a particular interpretação normativa 
 que constituiu a verdadeira ratio decidendi da decisão recorrida, sobretudo para 
 efeito de avaliação das variáveis relevantes em matéria de aplicação da lei no 
 tempo que o presente caso convocou.
 Estando, obviamente, pressuposto um concurso de credores, mais concretamente um 
 concurso universal de credores no âmbito de um processo de falência, importa 
 precisar que a declaração de falência e a ulterior reclamação dos créditos ora 
 em confronto ocorreram já após a entrada em vigor do Código de Trabalho e que o 
 tribunal a quo erigiu o momento da declaração da falência como o momento 
 relevante para a determinação da lei aplicável à graduação desses mesmos 
 créditos.   
 Assim sendo, o objecto do presente recurso, porque ainda contido nos limites 
 daquele que foi proposto pela Recorrente, restringir-se-á à questão da 
 constitucionalidade da norma constante da alínea b), do n.º 1, do artigo 377.º, 
 do Código do Trabalho, na interpretação segundo a qual, declarada a falência do 
 empregador após a entrada em vigor do Código do Trabalho, os créditos que venham 
 a ser reclamados pelos respectivos trabalhadores são garantidos por privilégio 
 imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais os 
 trabalhadores prestem a sua actividade e prevalecem sobre os créditos 
 garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre esses bens em data 
 anterior à da entrada em vigor do referido diploma legal.
 Obviamente, não se cuidará aqui de aferir da bondade da decisão recorrida no que 
 respeita ao sentido com que a norma que constitui o fundamento jurídico da 
 decisão foi interpretada e aplicada ao caso concreto no plano do direito 
 infraconstitucional. 
 Em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, apenas compete ao 
 Tribunal Constitucional apreciar se essa interpretação normativa aplicada pelo 
 tribunal recorrido contraria qualquer norma ou princípio constitucional, 
 nomeadamente o invocado princípio constitucional da protecção da confiança, em 
 termos de merecer um julgamento de inconstitucionalidade.
 
  
 
 2. Da questão da constitucionalidade da interpretação normativa do art. 377.º, 
 n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho
 
 2.1. Dos termos da questão
 O objecto do presente recurso de constitucionalidade versa a matéria da 
 aplicação da lei no tempo no domínio dos direitos reais de garantia, tendo como 
 pano de fundo o concurso de credores e a graduação de créditos em processo de 
 falência.
 Para melhor se compreender o alcance da questão de constitucionalidade sob 
 apreciação, revela-se útil recuperar e descrever sumariamente a situação 
 concreta da vida que mereceu a aplicação da interpretação normativa ora posta em 
 crise pela Recorrente.
 Após ter sido declarada a falência de determinada sociedade comercial no dia 9 
 de Novembro de 2004, vieram a ser reclamados inter alia créditos de que são 
 titulares trabalhadores da falida e créditos emergentes de contratos de mútuo 
 bancário, sendo estes últimos garantidos por duas hipotecas voluntárias sobre 
 imóveis da falida, constituídas em Fevereiro de 2000 e Julho de 2003.
 Chegado o momento da graduação dos créditos reclamados e verificados, o tribunal 
 recorrido, por referência ao bem imóvel onerado com a referida hipoteca, graduou 
 os créditos reclamados pelos trabalhadores da falida antes do crédito 
 hipotecário reclamado pela Recorrente.
 Para tanto, o tribunal recorrido aplicou ao caso concreto a norma constante do 
 artigo 377.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 
 
 99/2003, de 27 de Agosto, com a seguinte redacção, na parte que ora releva:
 
  
 Artigo 377.º
 Privilégios creditórios
 
 1 – Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou 
 cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios 
 creditórios: 
 a) (...); 
 b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais 
 o trabalhador preste a sua actividade. 
 
  
 O tribunal recorrido aplicou a referida norma na interpretação segundo a qual, 
 declarada a falência do empregador após a entrada em vigor do Código do 
 Trabalho, os créditos que venham a ser reclamados pelos respectivos 
 trabalhadores são garantidos por privilégio imobiliário especial sobre os bens 
 imóveis do empregador nos quais os trabalhadores prestem a sua actividade e 
 prevalecem sobre os créditos garantidos por hipoteca voluntária constituída 
 sobre esses bens em data anterior à da entrada em vigor do referido diploma 
 legal.
 Com o presente recurso de constitucionalidade, a Recorrente pretende obstar à 
 pretensa aplicação retroactiva da referida norma do Código do Trabalho, porque 
 entende que a referida interpretação normativa viola o princípio constitucional 
 da protecção da confiança inerente ao conceito de Estado de Direito Democrático, 
 consagrado no artigo 2.º da C.R.P., uma vez que a recorrente tinha a expectativa 
 legítima que se mantivesse a prevalência do seu crédito sobre os créditos dos 
 trabalhadores sobre a falida, consagrada na legislação vigente aquando da 
 constituição das hipotecas que garantiam os seus créditos.
 
  
 
 2.2. Do princípio da protecção da confiança dos cidadãos
 Desde a Revisão Constitucional de 1982 o artigo 2.º, da C.R.P., afirma 
 expressamente que “a República Portuguesa é um Estado de Direito Democrático”.
 Do princípio do Estado de Direito, a doutrina deduz os seus subprincípios 
 concretizadores e essenciais da segurança jurídica e da protecção da confiança 
 dos cidadãos (vide GOMES CANOTILHO, em “Direito constitucional e teoria da 
 Constituição”, pág. 257 e seg., da 7.ª Edição, da Almedina, e JORGE REIS NOVAIS, 
 em “Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa”, pág. 
 
 261 e seg., da ed. de 2004, da Coimbra Editora).
 
 É inestimável o valor da segurança jurídica na vida em sociedade, a qual apenas 
 
 é propiciada pelo Direito, por não estar ao alcance de qualquer outra ordem 
 normativa (vide J. BAPTISTA MACHADO, em “Introdução ao Direito e ao Discurso 
 Legitimador”, pág. 57-59, da 3.ª Reimpressão (1989), da Almedina). 
 Na verdade, “o homem necessita de segurança para conduzir, planificar e 
 conformar autónoma e responsavelmente a sua vida” (GOMES CANOTILHO, na ob. cit., 
 p. 257). 
 E conforme sintetiza Jorge Reis Novais “(…)a protecção da confiança dos cidadãos 
 relativamente à acção dos órgãos do Estado é um elemento essencial, não apenas 
 da segurança da ordem jurídica, mas também da própria estruturação do 
 relacionamento entre Estado e cidadãos em Estado de Direito. Sem a 
 possibilidade, juridicamente garantida, de poder calcular e prever os possíveis 
 desenvolvimentos da actuação dos poderes públicos susceptíveis de repercutirem 
 na sua esfera jurídica, o indivíduo converter-se-ia, em última análise com 
 violação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, em mero objecto 
 do acontecer estatal.” (na ob. cit., pp. 261-262).
 Não oferece dúvidas que a alteração frequente das leis pode perturbar a 
 confiança das pessoas, sobretudo quando as suas situações jurídicas sejam 
 objectivamente lesadas pela entrada em vigor de uma nova lei que pretenda dispor 
 sobre elas de forma retroactiva.
 Todavia, a protecção da confiança dos particulares não pode conduzir à 
 impossibilidade de qualquer alteração das leis em vigor, isto é, a segurança 
 jurídica não pode caracterizar-se simplesmente pela imutabilidade e 
 cristalização do direito legislado.
 Para além da função estabilizadora já enunciada, o Direito cumpre igualmente 
 
 “uma função dinamizadora e modeladora, capaz de ajustar a ordem estabelecida à 
 evolução social e de promover mesmo esta evolução num determinado sentido” 
 
 (BAPTISTA MACHADO, na ob. cit., p. 223).
 Efectivamente, o legislador do Estado de Direito Democrático está igualmente 
 vinculado à prossecução do interesse público ditado pela Constituição e, 
 consequentemente, tem de dispor de uma ampla margem de conformação da ordem 
 jurídica ordinária para prosseguir fins constitucionalmente legítimos em 
 cumprimento do mandato democrático recebido dos eleitores (JORGE REIS NOVAIS, 
 ob. cit., pp. 263-264).
 Assim sendo, por um lado, o legislador ordinário não pode estar espartilhado por 
 uma absoluta proibição de retroactividade de normas jurídicas; por outro lado, o 
 legislador está obrigado a não desrespeitar arbitrariamente a confiança dos 
 cidadãos quando decide modificar os regimes jurídicos.
 Mas nem sempre é fácil delimitar o alcance prático da protecção da confiança nas 
 situações de sucessão de leis no tempo fora dos casos em que existe uma norma da 
 Constituição a estabelecer uma proibição expressa de retroactividade, como 
 sucede no caso das leis penais (artigo 29.º, n.º 1 a 4, da C.R.P.), das leis 
 restritivas de direitos liberdades e garantias dos cidadãos (artigo 18.º, n.º 3, 
 da C.R.P.) e das leis fiscais (artigo 103.º, n.º 3, na redacção da LC 1/97).
 De entre as várias hipóteses de retroactividade, as situações de 
 retrospectividade (ou retroactividade inautêntica) – em que a norma jurídica 
 incide sobre situações ou relações jurídicas já existentes embora a nova 
 disciplina pretenda ter efeitos para o futuro – são das mais frequentes e as que 
 colocam problemas mais difíceis de delimitação da margem de conformação que deve 
 ser reconhecida ao legislador ordinário.
 
 “É que do Código Civil ao Código Comercial, do Código do Trabalho ao Direito da 
 Família, não há praticamente quaisquer hipóteses de alteração legislativa sem 
 que, com isso, de alguma forma se afectem situações ou posições constituídas no 
 passado e que permanecem à entrada em vigor da nova lei. Vedar a possibilidade 
 de o legislador alterar a legislação em vigor ou obrigá-lo a considerar, excluir 
 ou tratar diferenciadamente todas as situações provindas do passado seria 
 fragmentar de uma forma praticamente inadmissível a ordem jurídica ordinária, 
 incluindo à luz do princípio da igualdade, e degradar inconstitucionalmente a 
 própria posição do legislador democrático” (JORGE REIS NOVAIS, na ob. cit., pp. 
 
 266-267). 
 Tem cabido à Justiça Constitucional o papel de “sumo guardião da segurança 
 jurídica do ordenamento” (CARLOS BLANCO DE MORAIS, em “Segurança jurídica e 
 Justiça Constitucional”, na “Revista da Faculdade de Direito da Universidade de 
 Lisboa”, 2000, pág. 625).
 Entre nós, o Tribunal Constitucional, aliás na esteira da extinta Comissão 
 Constitucional, cedo firmou e nunca deixou de reiterar o entendimento de que 
 apesar de a Constituição não proibir, com carácter geral, as leis retroactivas, 
 deve entender-se, por apelo ao princípio da protecção da confiança inerente à 
 própria ideia de Estado de direito, que a lei fundamental exclui a 
 retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os 
 direitos e expectativas legítimos dos cidadãos (v.g. os acórdãos n.º 11/83, em 
 
 “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 1.º, p. 25; n.º 3/84, em “Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional”, vol. 2.º, p. 207; n.º 141/85, no B.M.J. n.º 360 
 suplemento, pág. 567; n.º 50/88, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 
 
 11.º, pág. 571; n.º 287/90, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 17.º, 
 pág. 159; n.º 29/2000, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 46.º, pág. 
 
 245; e n.º 158/2008, no Diário da República, II Série, n.º 75, de 16-04-2008, 
 pág. 17.465).
 Densificando em que se traduz esta inadmissibilidade, arbitrariedade ou 
 onerosidade excessiva, o Tribunal Constitucional teve a oportunidade de dizer 
 que “a ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, pelos 
 dois seguintes critérios: 
 a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, 
 quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os 
 destinatários das normas delas constantes não possam contar; e, ainda 
 b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses 
 constitucionalmente protegidos que devam considera-se prevalecentes (deve 
 recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, 
 a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do art. 18.º da 
 Constituição, desde a 1.ª Revisão).
 Pelo primeiro critério, a afectação das expectativas será extraordinariamente 
 onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se 
 excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária” 
 
 (cfr. acórdão n.º 287/90, publicado em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 
 
 17.º vol., pág. 159 e seg.).
 Este critério tem vindo a ser adoptado pelo Tribunal Constitucional e dele 
 resulta que a violação do princípio da confiança por normas retrospectivas só 
 ocorre quando estas afectam uma expectativa particular legítima, sólida e 
 relevante na manutenção duma determinada situação jurídica, e quando num 
 exercício de ponderação de interesses, o interesse público perseguido pela 
 introdução dessas normas não prevalece sobre essa expectativa.
 
  
 
 2.3. Da evolução recente da protecção legal aos créditos laborais 
 O tribunal recorrido aplicou o artigo 377.º, n.º 1, b), do Código de Trabalho, 
 na interpretação segundo a qual, declarada a falência do empregador após a 
 entrada em vigor do Código do Trabalho, os créditos que venham a ser reclamados 
 pelos respectivos trabalhadores são garantidos por privilégio imobiliário 
 especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais os trabalhadores prestem 
 a sua actividade e prevalecem sobre os créditos garantidos por hipoteca 
 voluntária constituída sobre esses bens em data anterior à da entrada em vigor 
 do referido diploma legal.
 Este critério de aplicação da lei no tempo confere à norma em causa um alcance 
 retrospectivo, uma vez que embora se considere que a mesma só dispõe para o 
 futuro (apenas vale em concurso de créditos abertos com declarações de falência 
 posteriores à entrada em vigor da norma) tem incidência reflexa sobre situações 
 ou relações jurídicas já existentes, nomeadamente créditos garantidos por 
 hipotecas já constituídas em data anterior à entrada em vigor do novo preceito, 
 que venham a ser reclamados no processo de falência.
 Para sabermos, em primeiro lugar, se os titulares de créditos garantidos por 
 hipoteca voluntária constituída antes da entrada em vigor do Código de Trabalho 
 de 2003, tinham uma expectativa legítima, sólida e relevante de que os seus 
 créditos em caso de falência do devedor prevaleceriam sobre os créditos dos 
 trabalhadores deste, há que fazer um breve excurso pela história legislativa 
 recente que permita identificar as diferenças eventualmente existentes em 
 matéria de garantias creditícias entre a lei nova e a lei vigente à data da 
 constituição das hipotecas em causa neste processo, quando aplicadas aos 
 créditos reclamados, por referência ao bem imóvel apreendido e liquidado no 
 processo de insolvência.
 O Código do Trabalho foi aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
 Antes da entrada em vigor do Código do Trabalho, ocorrida em 1 de Dezembro de 
 
 2003, os créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação, gozavam 
 de privilégio imobiliário geral (artigo 12.º, n.º 1, alínea b), da Lei  n.º 
 
 17/86, de 14 de Junho, e artigo 4.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 96/2001, de 20 
 de Agosto), sendo que esta figura surgia como anómala à luz do regime dos 
 privilégios creditórios previstos no Código Civil, para o qual todos os 
 privilégios imobiliários eram sempre especiais (artigo 735.º, n.º 3).
 E esta anomalia fazia-se sentir sobretudo pela incerteza que se gerou no 
 concurso desses créditos com outros munidos de garantias de índole diversa.
 Assim, até à entrada em vigor das alterações introduzidas no artigo 751.º, do 
 Código Civil, pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março – ocorrida em 15 de 
 Setembro de 2003 -, quando os referidos créditos laborais concorressem com 
 créditos de terceiros garantidos por hipoteca voluntária, a doutrina e 
 jurisprudência adoptavam, em alternativa, duas posições substancialmente 
 diferentes a respeito da graduação de créditos:
 
 - ora submetiam esse concurso ao regime previsto no artigo 749.º, do Código 
 Civil, na redacção originária, graduando o crédito laboral depois do crédito 
 garantido por hipoteca que fosse oponível ao exequente (vide ALMEIDA COSTA, em 
 
 “Direito das obrigações”, pág. 825, da 5.ª ed., da Almedina, A. MONTEIRO 
 FERNANDES, em “Direito do trabalho”, pág. 425, da 11.ª ed., da Almedina, LUÍS 
 GONÇALVES, em “Privilégios creditórios: Evolução histórica. Regime. Sua 
 Inserção no tráfico creditício”, na “Revista da Faculdade de Direito da 
 Universidade de Coimbra”, LXVII, 1991, págs. 37-41, JOÃO LEAL AMADO, em “A 
 protecção do salário”, pág. 151-155, da Separata do Volume XXXIX do Suplemento 
 ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1993, CATARINA 
 SERRA, em “A crise da empresa, os trabalhadores e a falência”, na R.D.E.S., Ano 
 XLII, nº 3 e 4, pág. 434-439, MIGUEL LUCAS PIRES, em “Os privilégios creditórios 
 dos créditos laborais”, em “Questões Laborais”, 2002, p. 173, e os acórdãos do 
 S.T.J. de 12/10/1988, no B.M.J. n.º 380, pág. 462; de 31/10/1990, no B.M.J. n.º 
 
 400, pág. 640; e de 27/5/2003, acessível no site www.dgsi.pt).
 
 - ora submetiam esse concurso ao regime previsto no artigo 751.º do Código 
 Civil, na redacção originária, graduando o crédito laboral antes do crédito 
 garantido por hipoteca, ainda que esta garantia fosse anterior – sobretudo por 
 causa da também anómala prevalência legal expressa dos créditos laborais 
 garantidos por privilégio imobiliário geral sobre os créditos respeitantes a 
 despesas de justiça garantidos por privilégio imobiliário especial (vide, neste 
 sentido, SOVERAL MARTINS, em “Legislação anotada sobre salários em atraso”, pág. 
 
 30, da ed. de 1980, da Centelha, MENEZES CORDEIRO, em “Manual de direito do 
 trabalho”, pág. 741-742, da ed. de 1991, da Almedina, PEDRO ROMANO MARTINEZ, em 
 
 “Direito do trabalho”, pág. 569, da ed. de 2002, da Almedina, e os acórdãos do 
 S.T.J. de 29/5/1980, no B.M.J. n.º 297, pág. 287; de 17/11/1981, no B.M.J. n.º 
 
 311, pág. 358; de 22/1/1985, no B.M.J. n.º 346, pág. 306; de 22/10/1997, no 
 B.M.J. n.º 397, pág. 298; do S.T.J. de 18/11/1999, no B.M.J. n.º 491, pág. 233).
 No seio desta incerteza, a jurisprudência constitucional viria a declarar 
 inconstitucionais, com força obrigatória geral, determinadas normas que também 
 concediam privilégios imobiliários gerais em matéria de contribuições para a 
 segurança social e de imposto sobre o rendimento, quando interpretadas no 
 sentido de tais privilégios preferirem à hipoteca, nos termos do artigo 751.º do 
 Código Civil, por violação do princípio constitucional da confiança (vide os 
 acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 362/2002 e n.º 363/2002, públicos no 
 Diário da República, Série I-A, de 16-10-1982).
 Desta forma, a justiça constitucional acabou por interpelar indirectamente o 
 legislador ordinário a intervir e a interpretar autenticamente a norma constante 
 do artigo 751.º, do Código Civil, no sentido de resolver a incerteza que se 
 gerara no âmbito do concurso de credores e de esclarecer expressamente que aí se 
 pretende regular tão-só o concurso entre privilégio imobiliário especial e 
 direitos de terceiro.
 Assim, após a entrada em vigor das alterações introduzidas no artigo 751.º, do 
 Código Civil, pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, o concurso entre um crédito 
 garantido por privilégio imobiliário geral e um crédito de terceiro garantido 
 por hipoteca voluntária passou, sem razões aparentes para mais divergências, a 
 ser sujeito ao regime previsto no artigo 749.º, do Código Civil, ficando o 
 crédito assim privilegiado graduado depois do crédito hipotecário que fosse 
 oponível ao exequente.
 A jurisprudência dos tribunais comuns registaria a intervenção legislativa no 
 regime jurídico dos privilégios creditórios inerente ao Decreto-Lei n.º 38/2003 
 e não mais deixaria de a reflectir até aos nossos dias sempre que se decide pela 
 aplicação do artigo 12.º, n.º 1, al. b), da Lei 17/86, nomeadamente quando a 
 declaração de insolvência do empregador antecede a entrada em vigor do Código do 
 Trabalho (vide os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, todos acessíveis no 
 site www.dgsi.pt, datados de 22/6/2004, 13/1/2005, 22/6/2005, 25/10/2005, 
 
 21/9/2006, 22/3/2007 e 1/4/2008).
 Todavia, a verdade é que o mesmo legislador ordinário aparentava não pretender 
 esta solução para a graduação dos créditos laborais com direitos de terceiros 
 munidos de garantia de índole diversa, razão pela qual, menos de três meses 
 depois da aludida alteração do Código Civil, viria a adoptar solução diversa a 
 seu respeito.
 Aliás, importa verificar que, numa intervenção intercalar, o próprio Tribunal 
 Constitucional teve oportunidade de se debruçar sobre esta questão e, por 
 acórdão tirado em 22 de Outubro de 2003, após encontrar diferenças relevantes 
 entre os créditos laborais e os créditos do Estado e da Segurança Social, não 
 julgou inconstitucional a norma constante da alínea b), do n.º 1, do artigo 
 
 12.º, da Lei 17/86, de 14 de Junho, na interpretação segundo a qual o privilégio 
 imobiliário geral nele conferido aos créditos emergentes de contrato individual 
 de trabalho prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil 
 
 (acórdão n.º 498/2003, publicado no Diário da República, Série II, de 3-1-2004, 
 cuja orientação foi posteriormente confirmada nos acórdãos n,º 672/2004 e 257/08 
 acessíveis no site www.tribunalconstitucional.pt). O Tribunal Constitucional 
 surpreendeu atributos no direito à retribuição do trabalho – nomeadamente a 
 respectiva conexão com os imóveis onerados com o privilégio imobiliário geral e 
 a respectiva natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias – que o 
 diferenciavam dos demais créditos garantidos por privilégio imobiliário geral e 
 que não inviabilizavam, antes pelo contrário, a prevalência desse específico 
 privilégio imobiliário geral sobre a hipoteca anteriormente constituída, nos 
 termos do artigo 751.º do Código Civil.
 Em conformidade com este pensamento, com a aprovação e entrada em vigor do 
 Código do Trabalho, os créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua 
 violação ou cessação, passaram a gozar de privilégio imobiliário especial sobre 
 os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade 
 
 (este privilégio já tinha constado do Anteprojecto elaborado por Pessoa Jorge 
 para a LCT, não tendo sido, contudo acolhido na versão final deste diploma) o 
 que, em abstracto, e não obstante a redução dos bens imóveis do empregador sobre 
 os quais recai a garantia, não deixa de traduzir um reforço inquestionável da 
 tutela dos créditos dos trabalhadores (vide MIGUEL LUCAS PIRES, em “Dos 
 privilégios creditórios: regime jurídico e sua influência no concurso de 
 credores”, pág. 288-290, e JOANA VASCONCELOS, em “Sobre a garantia dos créditos 
 laborais no Código do Trabalho”, em “Estudos de direito do trabalho em homenagem 
 ao Prof. Manuel Afonso Olea”, pág. 326-328, da ed. de 2004). 
 Na verdade, o privilégio imobiliário geral traduz um reforço da garantia geral 
 das obrigações constituída pelo património do devedor mas apenas se constitui 
 integralmente no momento da penhora ou acto equivalente, isto é, não permite 
 atingir senão os bens existentes, nessa data, no património do devedor (artigo 
 
 735.º, n.º 2, do Código Civil). Por seu turno, o privilégio imobiliário especial 
 constitui-se no momento da formação do crédito e é oponível a terceiro que 
 tenha, sobre a mesma coisa, qualquer direito real de garantia anterior ou 
 posterior ao privilégio (artigo 751.º, do Código Civil).
 Diversamente do que pudesse sugerir, o privilégio imobiliário geral, quando 
 considerado na pureza conceptual do legislador ordinário de 1966, não garante 
 melhor o direito de credor que o privilégio imobiliário especial.
 Assim, com a solução adoptada pelo Código do Trabalho, quando os créditos 
 laborais concorram, por referência a bens imóveis do empregador onde os 
 trabalhadores prestavam a sua actividade, com créditos de terceiros garantidos 
 por hipoteca voluntária constituída sobre os mesmos bens, esse concurso é 
 submetido ao regime previsto no artigo 377.º, n.º 1, alínea b), do referido 
 diploma legal e nos artigos 686.º, n.º 1, e 751.º, do Código Civil, o que 
 equivale a dizer que o crédito laboral fica graduado antes do crédito garantido 
 por hipoteca, ainda que esta garantia seja anterior.
 
  
 
 2.4. Da expectativa dos credores hipotecários
 Facilmente se alcança, em abstracto, que as diferenças de regime jurídico 
 existentes entre privilégio imobiliário geral e privilégio imobiliário especial 
 não são nada despiciendas no plano da graduação de créditos e, sobretudo, que as 
 mesmas não são irrelevantes para o credor beneficiário de hipoteca voluntária 
 sobre o bem imóvel onde os trabalhadores da falida prestavam a sua actividade.
 Será que se pode dizer que o credor hipotecário, cuja hipoteca foi constituída 
 em data anterior à entrada em vigor do Código de Trabalho, tinha uma 
 expectativa legítima, sólida e relevante, de que, em caso de falência do 
 devedor, o seu crédito, por força da hipoteca, prevaleceria sobre os dos 
 trabalhadores da falida, no caso da hipoteca recair sobre o imóvel onde aqueles 
 laboravam ?
 Previamente é necessário realçar que o Código do Trabalho não trouxe qualquer 
 alteração directa do regime jurídico do instituto da hipoteca previsto no Código 
 Civil, mas antes, e apenas, uma alteração do próprio regime jurídico das 
 garantias dos créditos laborais vindas do Decreto-Lei n.º 17/86, com as 
 consequentes e necessárias repercussões nas restantes garantias reais já 
 existentes, incluindo a hipoteca voluntária.
 Ao conferir-se aos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação 
 ou cessação, pertencentes ao trabalhador, um privilégio imobiliário especial 
 sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador prestava a sua 
 actividade e ao determinar-se que esses créditos são graduados antes dos 
 créditos referidos no artigo 748.º, do C.C., e dos créditos de contribuições 
 devidas à segurança social (artigo 377.º, n.º 1, b), e n.º 2, b), do Código do 
 Trabalho), alteraram-se as regras de graduação dos diferentes créditos num 
 concurso de credores.
 Na verdade, as garantias especiais reais de satisfação dos direitos de crédito 
 foram criadas em benefício dos credores para acautelar situações de 
 insuficiência patrimonial do devedor e só se exercitam plenamente quando 
 sobrevenha um concurso de credores em processo executivo ou de falência. O 
 valor de cada garantia real é assim estruturalmente relativo na medida em que o 
 mesmo dependerá sempre do valor das outras garantias com as quais concorra. 
 Neste contexto, a alteração do regime jurídico de qualquer garantia real poderá 
 influenciar o regime jurídico das demais garantias reais.
 Dito isto, poderá um credor hipotecário pretender que não só o regime da sua 
 garantia, como também o regime de todas as outras garantias, permaneça imutável 
 até aquela ser exercitada ?
 Em primeiro lugar, há que ter presente que as normas que regem as graduações de 
 créditos dizem sobretudo respeito ao modo de realização de direitos e não à 
 substância dos mesmos, sendo naquela matéria mais ténue a relevância dos 
 interesses e expectativas particulares (vide, neste sentido, BAPTISTA MACHADO, 
 em “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, pág. 256, da ed. de 1968, 
 da Almedina).
 Em segundo lugar, se com a constituição duma hipoteca voluntária sobre um 
 determinado imóvel se assiste a um reforço da garantia geral das obrigações que 
 representa todo o património do devedor, uma vez que há um bem que fica 
 destinado preferencialmente ao pagamento do crédito garantido, essa preferência 
 não é absoluta, podendo a hipoteca ser preterida em caso de concurso com outras 
 garantias reais, como é o caso, no nosso direito positivo, dos privilégios 
 creditórios especiais e do direito de retenção (artigos 751.º e 759.º, nº 2, 
 ambos do Código Civil). Ora, no momento da constituição da hipoteca não é 
 possível saber da existência de outros créditos dotados de garantias com valor 
 superior, os quais até se poderão constituir posteriormente, pelo que o alcance 
 da expectativa legitima que um credor hipotecário poderá ter é a de que irá 
 usufruir duma preferência na satisfação do seu crédito através do bem 
 hipotecado, não podendo essa expectativa já abranger qual o grau ou valor 
 relativo dessa preferência.
 Em terceiro lugar, entre a constituição da hipoteca e a produção de ocorrência 
 incerta do seu efeito principal (a satisfação do direito de crédito garantido 
 através do bem hipotecado) decorre um período de tempo mais ou menos prolongado 
 no qual não é expectável que as intervenções legislativas ocorridas nesse 
 domínio, em tempo em que se desconhece se esse efeito vai ter lugar, 
 nomeadamente através da atribuição de novos privilégios creditórios a 
 determinado tipo de créditos, por razões de interesse público, não possam 
 reforçar a posição de créditos já constituídos ou a constituir. Se é legítimo 
 que as regras de um concurso não se alterem após o anúncio da sua realização, 
 não há razão para não se considerarem as alterações ocorridas antes de se saber 
 da necessidade de realização do concurso.
 Daí que não seja possível dizer-se que os credores cujos créditos se encontravam 
 garantidos por hipotecas constituídas em data anterior à entrada em vigor do 
 Código de Trabalho, tinham uma expectativa legítima, sólida e relevante de que, 
 em caso de falência do devedor, os seus créditos, por força das hipotecas que os 
 garantem, prevaleceriam sobre os dos trabalhadores da falida, no caso das 
 hipotecas recaírem sobre o imóvel onde aqueles laboravam.
 No caso concreto acresce, relativamente à hipoteca constituída em 2000, que 
 nesse momento eram conhecidas as divergências existentes na doutrina e na 
 jurisprudência relativamente à sua graduação em concurso com créditos laborais, 
 pelo que tais dúvidas sempre retirariam solidez a qualquer expectativa.
 
  
 
 2.5. Do interesse público na protecção dos créditos salariais
 Mas, mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se entendesse que a recorrente 
 era titular de uma expectativa atendível de que o seu crédito preferia sobre os 
 créditos dos trabalhadores da devedora, em caso de falência desta, tal 
 expectativa deveria ceder perante a sua ponderação com o interesse que motivou a 
 valorização da garantia legalmente atribuída aos créditos laborais.
 O regime previsto no art. 377.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, 
 destinou-se nitidamente a melhorar a graduação concedida aos créditos laborais 
 no confronto com outros direitos reais de garantia.
 Ora, os salários devem gozar expressamente de garantias especiais segundo a 
 Constituição pelo que o legislador ordinário está constitucionalmente 
 credenciado para limitar ou restringir os direitos patrimoniais dos demais 
 credores para assegurar aquele desiderato (artigo 59.º, n.º 3 da C.R.P.).
 Aliás, com o objectivo de reforçar a ténue tutela do salário inicialmente 
 prevista no art. 737.º, n.º 1, al. d), do Código Civil de 1966, tem sido o que 
 tem acontecido sucessivamente com as intervenções legislativas consubstanciadas 
 na aprovação do regime constante do art. 12.º da Lei 17/86 e das suas ulteriores 
 alterações, entre as quais se conta o próprio regime previsto no art. 377.º do 
 Código do Trabalho.
 Esta última intervenção do legislador procurou sobretudo evitar que, numa 
 situação de falência da entidade empregadora, os créditos laborais não 
 obtivessem pagamento pelos bens da falida, face a uma preferência dos créditos 
 garantidos por hipoteca, os quais, muito frequentemente, pelo seu valor 
 elevado, exaurem a massa falida, colocando a sobrevivência condigna dos 
 trabalhadores e seus agregados familiares em risco.
 
 “A protecção especial de que beneficiam os créditos salariais advém – como 
 refere NUNES DE CARVALHO – da consideração de que a retribuição do trabalhador, 
 para além de representar a contrapartida do trabalho por este realizado, 
 constitui o suporte da sua existência e, bem assim, da subsistência dos que 
 integram a respectiva família. Fala-se, para designar esta vertente da 
 retribuição, como a dimensão social ou alimentar do salário” (em “Reflexos 
 laborais do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e de 
 Falência”, na R.D.E.S., Ano XXXVII (X da 2ª Série), nº 1 – 2 – 3,  pág. 67). 
 Ou como se disse em recente acórdão deste Tribunal “a retribuição da prestação 
 laboral, quer na sua causa, que na sua destinação típica, está intimamente 
 ligada à pessoa do trabalhador. Ela é a contrapartida da disponibilização da sua 
 energia laborativa, posta ao serviço da entidade patronal. Ela é também, por 
 outro lado, o único ou principal meio de subsistência do trabalhador, que se 
 encontra numa situação de dependência da retribuição auferida na execução do 
 contrato para satisfazer as suas necessidades vivenciais.
 
 É esta dimensão pessoal e existencial que qualifica diferenciadamente os 
 créditos laborais, justificando a tutela constitucional reforçada de que gozam, 
 para além da conferida, em geral, às posições patrimoniais activas.” (acórdão 
 n.º 257/08, acessível no site www.tribunalconstitucional.pt).
 Esta especial consideração pelos créditos laborais afasta qualquer juízo de 
 arbitrariedade sobre a aplicação retrospectiva da norma constante da alínea b), 
 do n.º 1, do artigo 377.º, do Código Trabalho, com a consequência dos créditos 
 laborais garantidos por privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel do 
 empregador onde o trabalhador preste a sua actividade prevalecerem sobre os 
 créditos garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre esses bens em data 
 anterior à da entrada em vigor do referido diploma legal, desde que a data do 
 evento que determinou o concurso entre os dois tipos de créditos – a falência do 
 devedor-empregador – seja superveniente.
 Justifica-se seguramente, face ao peso do interesse social almejado perante as 
 frágeis expectativas dos credores hipotecários, que se procure uma rápida 
 unidade e homogeneidade do ordenamento jurídico perante a nova solução 
 legislativa introduzida, evitando-se um protelamento indefinido da sua vigência 
 efectiva, com o consequente agravamento dos males a que essa intervenção 
 legislativa se propôs dar remédio.
 E, no cumprimento deste pensamento revela-se perfeitamente razoável fixar o 
 momento definidor da lei aplicável na data da declaração de falência, 
 salvaguardando-se os concursos de credores já iniciados.
 Nestes termos, à luz do princípio constitucional da protecção da confiança, não 
 se pode censurar a aplicação retrospectiva da interpretação normativa da alínea 
 b), do n.º 1, do artigo 377.º, do Código do Trabalho, levada a cabo pelo 
 tribunal a quo, pelo que deve ser julgado improcedente o recurso interposto.
 
  
 
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 Decisão
 Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso interposto para o 
 Tribunal Constitucional pela “A., S.A.”, relativamente ao acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça datado de 18 de Dezembro de 2007 proferido nestes autos.
 
  
 
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 Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, 
 ponderados os critérios enunciados no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 
 
 303/98, de 7 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
 
  
 
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 Lisboa, 19 de Junho de 2008
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos