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Processo nº 233/2008
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  A. e mulher B. vêm reclamar para este Tribunal Constitucional, ao abrigo das 
 disposições conjugadas dos artigos 78.º-B, n.º 2 e 78.º-A, n.º 3, ambas da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), do despacho da 
 Juiz Conselheira Relatora neste Tribunal, de 7 de Maio de 2008, que ordenou a 
 devolução do requerimento apenso por linha aos seus autores, com a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 Dado que os requerentes A. e mulher B. não tiveram intervenção no recurso de 
 constitucionalidade como recorrentes ou recorridos, carecem de legitimidade para 
 deduzir reclamação (artigo 688.º do Código de Processo Civil, aplicável por 
 força do artigo 69.º da Lei do Tribunal Constitucional). 
 
  
 Na reclamação ora em apreço expendem os requerentes as seguintes razões:
 
  
 
 1. Os Reclamantes foram e são os únicos e exclusivos denunciados neste 
 processo-crime, única e exclusivamente por alegada prática de crime de natureza 
 particular, iniciado em 15 de Março de 2001, autuado com o n.° 212/01, com a 
 queixa dirigida única e exclusivamente contra os ora Reclamantes, por C. e seu 
 pai D., os quais quando ouvidos, respectivamente em 8 (cfr. fls. 108) e 9 de 
 Junho de 2001 (cfr. fls. 110) confirmaram directamente e por forma expressa e 
 inequívoca, terem apresentado queixa crime contra os denunciados (ora 
 Reclamantes) B. e A.. 
 
 2. Os factos/as questões alegado(a)s na contestação que os ora Reclamantes 
 deduziram na acção de investigação oficiosa de paternidade n.° 50243/00 do 2.° 
 Juízo do Tribunal Judicial de Anadia foram integralmente narrados pelos ora 
 Reclamantes, motivo pelo qual a queixa-crime foi deduzida pelos queixosos única 
 e exclusivamente contra os ora Reclamantes facto este que os próprios queixosos, 
 quando ouvidos confirmaram aliás directamente, por forma expressa e sem margem 
 para dúvidas. 
 
 3. Sendo que tais questões por terem sido julgadas úteis e necessárias ao 
 apuramento da verdade material foram levadas à base instrutória e quesitadas na 
 referida acção de investigação de paternidade. 
 
 4. A Decisão Sumária foi notificada aos ora Reclamantes e o respectivo teor 
 consubstanciou para os ora Reclamantes uma surpresa absoluta (art.° 3.° do 
 Código do Processo Civil).
 
 5. Dispõe o artigo 72.°, n.º 1 alíneas a) e b), da lei do Tribunal 
 Constitucional, que “podem recorrer para o Tribunal Constitucional “, “o 
 Ministério Público, e as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo 
 em que a decisão foi proferida tenham legitimidade para dela interpor recurso”. 
 
 6. Dispõe ainda, o artigo 72.°, n.° 3 da mesma Lei, que “o recurso é obrigatório 
 para o Ministério Público, quando a norma cuja aplicação haja sido recusada, por 
 inconstitucionalidade ou ilegalidade, conste de convenção internacional, acto 
 legislativo ou decreto regulamentar, ou quando se verifiquem os casos previstos 
 nas alíneas g) h) e i) do n.° 1 do artigo 70.º”. 
 
 7. Por isso, não fora a desmesurada preocupação com o exercício 
 inquisitório/persecutório em detrimento da defesa da legalidade, seria de 
 esperar que o Ministério Público tivesse interposto recurso, tanto mais que, 
 como os autos dão abundante notícia, foi recusada a aplicação das normas 
 constantes dos artigos 1.º, 2.°, 20.°, 32.° e 208.° da CRP, 6.°, n.° 1 e 2 e 
 
 114.°, n°s 1. 2, 3, alíneas a) e b) da LOFTJ -  Lei 3/99 de 13 de Janeiro, 6.° 
 da CEDH, 54.º, 58.° e 81.° do Estatuto da Ordem dos Advogados, 92.° da LOT 
 
 180.°, n.° 2 alíneas a) e b), 31.° n.°s 1 e 2 b) e c) e 135.° do C. Penal, por 
 alegada ilegalidade, que porventura se consubstanciaria em alegada mas não 
 demonstrada pretensão de desaforamento... 
 
 8. Aliás na “Compilação de Normas e Princípios das Nações Unidas em matéria de 
 Prevenção do Crime e Justiça Penal”, edição da Procuradoria Geral da República 
 Portuguesa, Lisboa, 1995, de conhecimento obrigatório para o Ministério Público, 
 pode ler-se que: “o 8.° Congresso das nações Unidas para a Prevenção do Crime e 
 Tratamento de Delinquentes, estabeleceu que os advogados gozam de imunidade 
 civil e penal por todas as declarações pertinentes feitas de boa-fé, por escrito 
 ou em alegações orais no âmbito das suas intervenções profissionais.” 
 
 9. Sendo que os Reclamantes já vêm a invocar a inconstitucionalidade da 
 perseguição criminal e civil do seu referido patrono oficioso nestes autos desde 
 
 8 de Maio de 2002 (cfr. folhas 288-310).
 
 10. O Dr. E., é Advogado, regularmente inscrito na Ordem dos Advogados 
 Portugueses, sendo titular da cédula profissional n.° … desde 22 de Janeiro de 
 
 …., passada pelo Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados, foi 
 nomeado patrono oficioso aos ora Reclamantes para lhes prestar assistência 
 judiciária e, no exercício dos seus deveres profissionais redigiu na contestação 
 da referida acção todos e cada um dos factos que os Reclamantes lhe narraram e 
 só esses, cuja autoria é assim aqui integralmente reassumida. 
 
 11. Como salienta ANTÓNIO ARNAUT, in “INICIAÇÃO À ADVOCACIA”, 6.ª edição, 2002, 
 Coimbra Editora, pg. 110: “A liberdade de crítica do advogado, o direito de 
 falar sem peias, é condição essencial da dignidade da advocacia.” 
 
 12. Agindo assim como agiu, ao redigir a referida contestação nos precisos 
 termos em que os Reclamantes lhe narraram os factos, o patrono oficioso dos ora 
 Reclamantes agiu única e exclusivamente no exercício da sua actividade 
 profissional de Advogado e por causa dela, e assim única e exclusivamente como 
 participante na realização da justiça. 
 
 13. Assim, o Dr. E., agiu ao mesmo nível do Ministério Público e dos Magistrados 
 Judiciais. 
 
 14. Aliás, “só um país de cidadãos tem uma sociedade civil digna desse nome, 
 cujos mandatários junto da justiça, os advogados, se sentam num lugar digno e 
 com direitos decentes”, e por isso a Lei n.° 24/92 de 6 de Agosto e a Revisão da 
 Constituição da República Portuguesa, aprovada pela Lei n.º 1/97, retirou os 
 Advogados dos “lugares de subalternância” e de “figurações rebaixadas “, onde se 
 encontravam no domínio da Lei 38/2007 de 23 de Dezembro, operando o salto da 
 fronteira: da mera colaboração, imperiosamente exterior ao poder e actividade 
 judiciárias, passou-se para o interior da função judicial por via da 
 participação na administração da justiça, e com a Lei 1/97, os Deputados com 
 poderes constituintes “meteram ombros” nas quase fechadas portas da cidadela 
 judiciária, erigindo em normas fundamentais, o direito ao patrocínio (e o 
 direito de se fazer assistir por Advogado perante qualquer autoridade) e, não se 
 bastando com isso, consagraram que “o patrocínio forense é elemento essencial à 
 Administração da Justiça” (arts. 20.° e 208.° da CRP). 
 
 15. E, a revisão do Código do Processo Civil teve como objectivo confesso, entre 
 outros, o de assegurar um efectivo direito de acesso à justiça. Este desiderato 
 só é alcançável se o processo, de natureza instrumental, não constituir 
 obstáculo a uma decisão que atinja a justiça material. Para isso é necessário 
 que as regras sobre a forma se ajustem à questão em litígio. Só assim será 
 possível obter uma sentença justa, por que só assim é possível que a actividade 
 das partes e do juiz revelem a realidade substantiva que lhe está subjacente. 
 
 16. Ora, in casu, tendo-se finado o processo-crime, por prescrição, os autos 
 estão a prosseguir apenas como processo civil, e por isso importa realçar que as 
 
 únicas partes da banda dos Autores são C. e D., que a folhas 1-8, ao definiram o 
 objecto do processo formularam o pedido e a causa de pedir, manifestaram 
 interesse em demandar e, quando ouvidos a folhas 108 e 110, confirmaram que só 
 tinham interesse em demandar como Réus única e exclusivamente os ora Reclamantes 
 A. e mulher B., sendo assim os ora Reclamantes os únicos interessados em 
 contradizer. 
 
 17. A intervenção processual acessória como terceiro, do patrono oficioso dos 
 ora Reclamantes ocorreu, não por iniciativa dos autores, mas por imposição 
 incidental ilícita do Ministério Público – à revelia e mesmo contra da vontade 
 essencial expressa dos autores –, que deliberadamente não respeitou as garantias 
 do Estado de direito português (art.° 201.º do C. Penal) nos termos já ditos e 
 demonstrados, na precedente reclamação mandada desentranhar e restituir e que se 
 anexa e, consequentemente, por não ter respeitado a obrigatoriedade do dever de 
 sigilo profissional a cargo do patrono oficioso (cfr. art.° 114.°, n.°s 1, 2 e 3 
 a) da Lei 3/99 e 87.° do E.O.A.) não curou de requerer à Ordem dos Advogados a 
 respectiva dispensa, optando pela vindicta premeditada, imediata, pura e simples 
 da imposição da respectiva intervenção no processo como parte associada aos 
 
 únicos RR. ora Reclamantes. Sendo que o sigilo profissional do patrono oficioso 
 constitui um direito dos ora Reclamantes e de que estes nunca renunciaram nem 
 renunciam! 
 
 18. E diz-se iniciativa ilícita do Ministério Público, porque não sendo 
 aplicáveis in casu as regras dos processos de jurisdição voluntária, regem as 
 regras do direito positivo português que se orienta pelo sistema da 
 disponibilidade objectiva das partes (art.° 664.°, 2.ª parte) e, por 
 conseguinte, pela constituição dual do objecto do processo do processo pela 
 causa de pedir e pelo pedido formulados de folhas 1 a 7 destes autos. 
 
 19. É questão de interesse e ordem pública que a todos diz respeito, maxime aos 
 ora Reclamantes, que a justiça seja efectivamente realizada responsabilizando os 
 autores efectivos dos actos, in casu os ora Reclamantes, e não já os que possam 
 convir por mera subjectivamente ao Ministério Público em exercício ilícito de 
 arbitrariedade imaginativa ou de mera diversão pessoal, em violação e atropelo 
 flagrante das regras elementares do processo leal e justo e do Estado de direito 
 democrático português, a que lhe cabe obedecer e fazer obedecer. 
 
 20. Consequentemente, e sempre com o devido respeito, os Reclamantes continuam a 
 reivindicar legitimidade processual, quer para os termos da precedente 
 reclamação mandada desentranhar, quer desta Reclamação, uma vez que lhes foi 
 imposta solidariedade processual, que a decisão reclamada aliás não questionou 
 sequer. 
 
 21. A absolvição dos ora Reclamantes que foram efectivamente os autores 
 materiais e morais dos factos narrados na dita contestação seguida da condenação 
 do seu patrono oficioso que apenas se limitou a escrever tais factos no 
 exercício do seu dever profissional, para compensação do Ministério Público que 
 apenas quis vingar o seu desagrado pessoal incompreensível, e porque não quis 
 atender ao estatuto de participante na administração da justiça do patrono 
 oficioso, que legitimamente se recusou a violar o dever de sigilo profissional e 
 que o Ministério Público não curou sequer que lhe fosse dispensado, afecta 
 inequivocamente a posição ética, social e processual dos Reclamantes, que 
 legitimamente se recusam a serem cúmplices, sequer por omissão, da condenação de 
 quem limitou a trazer para juízo os factos relatados pelos Reclamantes e apenas 
 esses, no exercício legítimo da Advocacia, por causa dela e no estrito 
 cumprimento dos seus deveres profissionais. 
 
 22. A menos que a decisão condenatória condenasse do mesmo modo o patrono 
 oficioso dos Autores, o Ministério Público e o próprio Juiz pelos factos e 
 juízos de valor que neste mesmo processo emitiram, aliás com inusitada 
 abundância. 
 
 23. Não podem restar dúvidas de que os ora Reclamantes detêm legitimidade para 
 os termos desta fase processual, tanto mais que eles foram como resulta do n.° l 
 desta peça, os únicos e principais alvos do processo crime, tendo sido o seu 
 patrono oficioso envolvido no mesmo, de modo acessório ilícito e ilegítimo.
 
 24. Recorda-se que nos termos do artigo 74.°, n.°s 2 e 3, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, que o recurso interposto por um interessado aproveita aos 
 restantes interessados. 
 
 25. Finalmente e sempre com o devido respeito, defendem os Reclamantes que não 
 existe fundamento para sustentar a alegação formulada no Despacho ora reclamado, 
 proferido em 07 de Maio de 2008, pela Ex.ma Senhora Doutora Juíza Conselheira 
 Relatora, onde decidiu pela falta de legitimidade dos ora Reclamantes para 
 deduzirem Reclamação, por alegadamente não terem tido intervenção no recurso de 
 constitucionalidade como recorrentes ou recorridos, porque no recurso aí aludido 
 se pede a declaração do juízo de inconstitucionalidade dos artigos 48.°, 49.° e 
 
 50.° do Código de Processo Penal, que, obviamente e no caso concreto, 
 aproveitaria sempre aos ora Reclamantes, uma vez que estava em causa a 
 legitimidade do Ministério Público para promover o processo crime, dada a 
 natureza particular do crime dos autos, antes dos queixosos terem sido admitidos 
 nos autos como assistentes.
 
  
 Sobre a reclamação pronunciaram-se os recorridos D. e C., vindo “apenas 
 reafirmar o acerto da douta decisão reclamada, devendo esta ser mantida nos seus 
 pressupostos e decisão final.”
 
  
 
  
 
  
 Cumpre decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 2.  Pode adiantar-se já que a presente reclamação não pode ser deferida.
 Com efeito, a invocada circunstância de o juízo de inconstitucionalidade de uma 
 das normas que constituíam objecto do recurso “aproveitar(ia) sempre aos ora 
 reclamantes, uma vez que estava em causa a legitimidade do Ministério Público 
 para promover o processo crime, dada a natureza particular do crime dos autos, 
 antes dos queixosos terem sido admitidos nos autos como assistentes” não é 
 suficiente para que se lhes deva reconhecer legitimidade para impugnar perante a 
 conferência, a que se refere o n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal 
 Constitucional, a decisão sumária que não conheceu do recurso. Só teriam 
 legitimidade para reclamar se tivessem interposto recurso para este Tribunal 
 
 (reitere-se a remissão para o disposto no artigo 688.º do Código de Processo 
 Civil, ex vi artigo 69.º da Lei do Tribunal Constitucional). Não o tendo feito, 
 não podem reclamar daquela decisão.
 Uma intervenção dos ora reclamantes sem prévia interposição do recurso 
 configurar-se-ia como uma adesão ao recurso, o que, no âmbito do recurso de 
 constitucionalidade, é afastado pelo n.º 4 do artigo 74.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 Há, assim, que indeferir a presente reclamação e confirmar o despacho reclamado.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Nestes termos, acordam em indeferir a presente reclamação e em condenar os 
 reclamantes em custas, que se fixam em  20  (vinte) unidades de conta de taxa de 
 justiça.
 
  
 
  
 Lisboa, 2 de  Julho de 2008
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão