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Processo n.º 259/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório 
 
 
 
  
 
 1. A. requereu perante os serviços de segurança social de Coimbra a concessão de 
 apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos 
 com o processo em vista à propositura de uma acção de reivindicacão precedida de 
 providência cautelar.
 
  
 Tomando por base o rendimento anual líquido do requerente e de sua mãe, com quem 
 vive em comunhão de mesa e de habitação, resultante de pensões de reforma que 
 cada um deles aufere nos montantes mensais de € 273,11 e € 292,14, 
 respectivamente, a que se considerou corresponder um rendimento relevante, para 
 efeitos de protecção jurídica, superior a metade e menor do que duas vezes o 
 valor do salário mínimo nacional, os serviços de segurança social notificaram o 
 requerente, em sede de audiência do interessado, de uma proposta de decisão no 
 sentido de lhe ser deferido o pedido de apoio judiciário na modalidade pagamento 
 faseado.
 
  
 Tendo o requerente manifestado a sua discordância, no uso da faculdade prevista 
 no artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo, o pedido veio a ser 
 indeferido por decisão de 23 de Outubro de 2007.
 
  
 O requerente impugnou essa decisão perante o 5ª juízo cível de Coimbra, que 
 decidiu conceder ao impugnante o apoio judiciário na requerida modalidade de 
 dispensa total de pagamento de custas e demais encargos do processo,  
 considerando, para tanto, inconstitucionais as normas constantes do Anexo à Lei 
 nº 34/2004, de 29 de Julho, em conjugação com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 
 
 1085-A/2004, de 31 de Agosto, por violação do direito de acesso à justiça 
 consagrado no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa. 
 
  
 A decisão encontra-se fundamentada, na parte que mais interessa considerar, nos 
 seguintes termos:
 
  
 De acordo com o disposto no artigo 20°, n° 1, da Constituição da República 
 Portuguesa, e em concretização do princípio da igualdade consagrado no artigo 
 
 13º da CRP, a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa 
 dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser 
 denegada por insuficiência de meios económicos (neste sentido, cfr. Ac. do STJ 
 de 21/10/1993, CJSTJ 1993, Tomo III, pág. 76). 
 A legislação ordinária que concretiza e regulamenta o acesso ao direito e à 
 tutela jurisdicional, constitucionalmente consagrado, aplicável no caso, 
 consubstancia-se actualmente, na Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, cujos 
 objectivos constam do seu artigo 1°, n° 1, que estabelece que “O sistema de 
 acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja 
 dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por 
 insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos 
 seus direitos. 
 Com vista à concretização de tais objectivos, foram desenvolvidos no aludido 
 diploma acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de protecção 
 jurídica. 
 A protecção jurídica reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio 
 judiciário, sendo certo que têm direito a tal protecção os cidadãos nacionais e 
 da União Europeia que demonstrem não dispor de meios económicos bastantes para 
 suportar os honorários dos profissionais forenses, devidos por efeito da 
 prestação dos seus serviços, e para custear, total ou parcialmente, os encargos 
 normais de uma causa judicial (artigos 6° e 7° da aludida Lei). 
 Na definição apresentada pelo legislador, no seu art. 8º, «Encontra-se em 
 situação de insuficiência económica aquele que, tendo em conta factores de 
 natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições 
 objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo» (nº 1); «A prova 
 e a apreciação da insuficiência económica devem ser feitas de acordo com os 
 critérios estabelecidos e publicados em anexo à presente lei» (n°5). 
 O novo diploma (Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho) eliminou as presunções de 
 insuficiência económica estabelecidas em anteriores regimes, procedendo a 
 alterações profundas no regime de acesso ao direito e aos tribunais com o fito 
 de introduzir um maior rigor na concessão da protecção jurídica. 
 A concessão do benefício passou agora a depender da apreciação da situação de 
 insuficiência económica do requerente, efectuada de acordo com critérios 
 objectivos previstos no referido diploma. Procurou-se restringir a disparidade 
 de resultados na avaliação dos requerimentos e garantir que o benefício seja 
 concedido a todos os que dele carecem, mas só aos que realmente precisam e na 
 medida da sua necessidade. 
 Em anexo a este diploma, e sob a epígrafe «apreciação de insuficiência 
 económica», estatui o legislador: 
 a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional 
 não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os 
 custos de um processo; 
 b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do 
 valor do salário mínimo nacional considera-se que tem condições objectivas para 
 suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de 
 consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio 
 judiciário 
 c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o 
 valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os 
 custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar 
 pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do 
 apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do 
 n.° 1 do artigo 16.° da presente lei; 
 d) Não se encontra em situação de insuficiência económica o requerente cujo 
 agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica 
 superior a duas vezes o valor do salário mínimo nacional. 
 
 2-… 
 
 3 - Para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado 
 familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção 
 jurídica. 
 A portaria nº 1085-A/2004, de 31 de Agosto, com as alterações resultantes de 
 declaração de rectificação n° 91/2004 e da portaria n° 288/2005 de 21 de Março, 
 procedeu à concretização dos critérios de prova e de apreciação da insuficiência 
 económica, enumerando, por um lado, os documentos que devem acompanhar o 
 requerimento de protecção jurídica e concretizando a fórmula de cálculo do valor 
 do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica a que se refere o 
 critério de avaliação da insuficiência económica do requerente previsto na lei. 
 Prevê tal portaria a possibilidade de ser concretamente apreciada a situação 
 económica dos requerentes de protecção jurídica, nos termos previstos no n.° 2 
 do artigo 20.º da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho - hipótese em que os serviços 
 de segurança social enviam para uma comissão especial a decisão do caso. 
 Por outro lado, estabelece rígidas fórmulas matemáticas para decisão da 
 atendibilidade da pretensão. 
 Considerando que o regime jurídico do apoio judiciário se funda no 
 princípio-base de aplicação a pessoas que não tenham possibilidades económicas 
 para suportar os custos de um processo judicial e/ou os honorários e despesas de 
 um advogado, suportando o Estado tais custos, cabe ao requerente demonstrar a 
 ausência de disponibilidades económicas. 
 No que diz respeito às provas em geral, a sua função consiste na demonstração da 
 realidade dos factos, sendo que, regra geral, àquele que invocar um direito cabe 
 fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, competindo a prova 
 dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele 
 contra quem a invocação é feita (cfr. artigos 341º e 342° do CC). 
 Entrando no caso em apreço, a questão suscitada subsume-se ao seguinte: 
 a) - a atendibilidade do rendimento auferido pela mãe do interdito requerente, 
 em cujo agregado vive em comunhão de mesa e habitação. 
 O mérito da impugnação deve ser aferido pelos factos relativos à situação 
 económico-financeira. E aos encargos prováveis da demanda, se for caso disso, 
 tendo em conta o disposto no art. 8° da lei e seu anexo bem como o disposto na 
 portaria n° 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na redacção da portaria n° 288/2005. 
 Tendo em conta as fórmulas legais de determinação da insuficiência económica, 
 fica à partida reduzida a margem de apreciação dos órgãos decisores, incluindo o 
 tribunal de recurso. 
 Compulsados os autos, e nomeadamente a prova documental deles constante, temos 
 por demonstrados, apenas, os seguintes factos: 
 
 - O requerente nasceu em 21-12-1958, sendo filho de B. (já falecido) e de C.. 
 
 - O mesmo encontra-se reformado por invalidez, tendo sido por sentença de 
 
 30-10-1995 declarado interdito nos autos n° 168/94 do Tribunal de Soure e aí 
 considerado que padece de “oligofrenia (atraso mental) de grau moderado a grave 
 
 (causa adquirida) que o impede de executar os cuidados pessoais e de higiene 
 diária” 
 
 - O requerente aufere € 273,111 mensais de reforma. 
 
 - Vive em comunhão de habitação e mesa com a mãe, com setenta e sete anos, esta 
 já reformada, auferindo € 292,14. 
 Com fundamento nos factos acima exarados, teremos de concluir que os critérios e 
 fórmulas decorrentes dos diplomas enunciados produzem resultados potencialmente 
 miserabilistas, considerando os valores de referência, sendo certo que mais uma 
 vez, se penaliza quem tem a sua situação fiscal contributiva, laboral ou 
 assistencial regularizada, não sendo o concreto juízo de (in)suficiência 
 efectivamente consentâneo com o actual custo de vida, em geral e bem assim o 
 valor das custas judiciais e honorários praticados. 
 Mas mais. O Tribunal Constitucional, no acórdão 654/2006 de 28-11-2006, 
 sublinhou-se em situação análoga: (...) a norma que constituía o art.° 7°, n° 1, 
 da Lei n.°30-E/20 de Dezembro e que era preenchida em face do caso concreto, 
 passou a ser uma norma preenchida legislativamente. O que era antes uma norma 
 aberta à ponderação do caso concreto passou a ser uma norma fechada, ponderando 
 estritos aspectos económico-financeiros, como resulta clara da adopção de uma 
 fórmula matemática. Sendo pressuposta da concessão do beneficio do apoio 
 judiciário uma situação de insuficiência económica, ao tabelarem-se os critérios 
 de apreciação dessa situação, inclusive com recurso a uma fórmula matemática 
 como resulta dos artigos 6° a 10º da Portaria n.° 1085-A/2004, de 31 de Agosto, 
 
 é manifesto que se procedeu a uma delimitação do direito de acesso ao Direito e 
 aos tribunais. Tal delimitação não foi feita na norma que consagra o direito; 
 foi feita ao nível da sua concretização. O conceito de economia comum pressupõe 
 uma comunhão de vida, com base num lar em sentido familiar, moral, e social, uma 
 convivência conjunta com especial “affectio” ou ligação entre as pessoas 
 coenvolvidas, com sujeição a uma economia doméstica comum, contribuindo todos ou 
 só alguns para os gastos comuns. A questão é que a aplicação do anexo à Lei n.° 
 
 34/2004 que remete a apreciação da insuficiência económica para o rendimento 
 relevante do agregado familiar e da fórmula matemática previstas nos artigos 6º 
 a 10° da Portaria n.° 1085-A/04, conduzem, no caso concreto, a um resultado que 
 não se mostra conforme o direito fundamental de acesso ao Direito e aos 
 tribunais, quer por que implica uma restrição intolerável de tal direito — 
 violação da princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa 
 que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa ‘justa 
 medida’ impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas, desproporcionadas, 
 excessivas, em relação aos fins tidos em vista — quer por que se traduz numa 
 violação do princípio da igualdade — que obriga à diferenciação, como forma de 
 compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos 
 poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica ou 
 cultural (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada, 3 edição, pág. 127). 
 No caso concreto, e à semelhança do referido caso, o único rendimento relevante 
 que deve ser considerado é o de € 273,11 que o requerente obtém de uma pensão de 
 incapacidade. Dificilmente se concebe que o requerente usufrua da magra e 
 miserável pensão de reforma auferida por sua mãe, pessoa de idade avançada, ela 
 própria com a inerente e provável despesa medico-medicamentosa. 
 Considerando a alínea a) do Anexo que dispõe que o requerente cujo rendimento 
 relevante para efeitos de protecção jurídica seja igual ou menor do que um 
 quinto do salário mínimo nacional, não tem condições objectivas para suportar 
 qualquer quantia relacionada com os custos de um processo e considerando que 
 
 único rendimento que deve ser considerado relevante é o da pensão, considerando 
 o seu valor, impõe-se conceder provimento ao recurso e em consequência conceder 
 ao requerente o beneficio do apoio judiciário nas modalidades peticionadas: 
 dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com processo. 
 No mesmo aresto do Tribunal Constitucional concluiu-se ser inconstitucional, por 
 violação do n° 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, o Anexo 
 
 à Lei n°34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6° a 10° da Portaria 
 no 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante 
 para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente 
 determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o 
 requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento. 
 Perfilhamos inteiramente tal declaração: o resultado da aplicação de tais normas 
 choca claramente a referida norma constitucional, pelo que do mesmo modo se 
 declara que o Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 
 
 6° a 10° da Portaria n° 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o 
 rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário 
 seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, 
 independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento é 
 violador da referida regra constitucional. 
 
  
 Desta decisão, interpôs o Ministério Público recurso para Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea a), da Lei do 
 Tribunal Constitucional, vindo a apresentar, no seguimento do processo, as 
 seguintes alegações:
 
  
 
 1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.
 O presente recurso obrigatório vem interposto pelo Ministério Público da 
 decisão, proferida nos Juízos Cíveis de Coimbra, nos autos de impugnação da 
 decisão negatória de concessão do apoio judiciário peticionado por A..
 A situação dos autos é inteiramente coincidente com os casos que originaram a 
 firme e reiterada jurisprudência, firmada na sequência da prolação por este 
 Tribunal Constitucional do Acórdão nº 654/06: na verdade, na hipótese dos autos, 
 a rejeição do pedido de apoio judiciário, na modalidade pretendida, radicou no 
 facto de a Segurança Social ter tomado em consideração, na valoração da situação 
 económica do requerente, não apenas a pensão de incapacidade por este auferida 
 
 (no valor de € 273,11), mas também a da reforma de sua mãe, no valor de € 
 
 294,12, sem que se demonstrasse que esta era interessada pessoalmente no litígio 
 que originava a necessidade de propor a acção para que se pedia o apoio 
 judiciário.
 Vale, deste modo, por inteiro a fundamentação constante de tal aresto, para que 
 inteiramente se remete.
 
 2. Conclusão
 Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
 
 1ª Pelos fundamentos expressos no Acórdão nº 654/06, é inconstitucional, por 
 violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma 
 extraída do Anexo à Lei nº 34/04, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6º a 
 
 10º da Portaria nº 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o 
 rendimento relevante para efeitos de concessão de beneficio do apoio judiciário 
 seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, 
 independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento.
 
 2ª Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado 
 pela decisão recorrida.
 
  
 Não houve contra-alegações 
 
  
 Cabe apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – Fundamentação
 
  
 
 2. Através da decisão ora recorrida, o 5º juízo cível do tribunal judicial de 
 Coimbra, no âmbito de uma impugnação judicial da decisão dos serviços de 
 segurança social que indeferiu ao requerente o pedido de apoio judiciário, 
 recusou a aplicação das normas constantes do Anexo à Lei nº 34/2004, de 29 de 
 Julho, em conjugação com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/2004, de 31 
 de Agosto, por violação do disposto no artigo 20º, nº 1, da Constituição da 
 República  Portuguesa. 
 
  
 De acordo com a factualidade dada como assente, o requerente do apoio judiciário 
 nasceu em 21 de Dezembro de 1958, encontra-se reformado por invalidez e foi 
 declarado interdito por sentença de 30 de Outubro de 1995 do Tribunal Judicial 
 de Soure, por sofrer de anomalia psíquica que o torna incapaz de satisfazer por 
 si os cuidados pessoais e de higiene diária. Aufere € 273,111 mensais de reforma 
 e vive em comunhão de habitação e mesa com a mãe, de setenta e sete anos de 
 idade, que está também reformada com uma pensão mensal de € 292,14. 
 
  
 Os serviços de segurança social, tomando em linha de conta os proventos 
 globalmente auferidos pelo requerente e a sua ascendente, com quem vive em 
 economia comum, considerou como verificado, relativamente ao agregado familiar, 
 um rendimento relevante, para efeitos de protecção jurídica, superior a metade e 
 igual ou menor do que duas vezes o salário mínimo nacional, e entendeu assim 
 como aplicável ao caso a situação prevista na alínea c) do n.º 1 do Anexo à Lei 
 n.º 34/2004, de 29 de Julho, que permite atribuir o benefício de apoio 
 judiciário mas apenas na modalidade de pagamento faseado.
 
  
 A impugnação judicial do acto administrativo de indeferimento do pedido de apoio 
 judiciário na modalidade que fora requerida culminou com a decisão judicial de 
 recusa de aplicação de normas, que está agora sob apreço.
 
  
 Em recurso obrigatório, o Exmo Magistrado do Ministério Público, nas suas 
 alegações, considerou transponível para o caso a doutrina do acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 654/06, tendo em linha de conta que para o cálculo do 
 rendimento relevante, para o efeito de concessão do benefício do apoio 
 judiciário, se atendeu ao rendimento global do agregado familiar, incluindo o 
 que era auferido pela mãe do requerente, independentemente de saber se este 
 poderia fruir ou dispor de tal rendimento.
 
  
 
 3. Nos termos do artigo 6º, n.º 1, da Portaria n.º 1085-A/2004, o rendimento 
 relevante para efeitos de protecção jurídica, é o montante que resulta da 
 diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado familiar e o 
 valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica. Conforme 
 explicita o artigo 7º, o valor do rendimento líquido completo do agregado 
 familiar resulta da soma do valor da receita líquida do agregado familiar com o 
 montante da renda financeira implícita calculada com base nos activos 
 patrimoniais do agregado familiar (n.º 1), entendendo-se por receita líquida o 
 rendimento depois da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições 
 obrigatórias dos empregados para regimes de segurança social e das contribuições 
 dos empregadores para a segurança social (n.º 2). Por sua vez, o valor da 
 dedução relevante para efeitos de protecção jurídica resulta da soma do valor da 
 dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar com o montante 
 da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar, e é  calculado de 
 acordo com o estabelecido no artigo 8º. E, finalmente, o cálculo do valor do 
 rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, à luz de todas as 
 especificações constantes dos artigos precedentes, é efectuada através da 
 fórmula descrita no artigo 9º
 
  
 
 É ainda por referência ao rendimento relevante (em que como se viu intervém o 
 rendimento das pessoas que compõem o agregado familiar) que se aprecia a 
 insuficiência económica do requerente de apoio judiciário, para efeitos da 
 concessão de protecção jurídica, atendendo-se aos parâmetros definidos no Anexo 
 
 à Lei n.º 34/2004. Sendo ainda certo, conforme resulta do n.º 3 desse Anexo, que 
 para efeitos dessa Lei «considera-se que pertencem ao mesmo agregado familiar as 
 pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica».
 
  
 Tem-se, por conseguinte, como certo, face ao estipulado na lei, que, para efeito 
 de averiguar a situação de insuficiência económica determinante da concessão de 
 apoio judiciário, em qualquer das suas modalidades,  haverá que ter em conta os 
 rendimentos das pessoas que integram o agregado familiar, entendendo-se como tal 
 as pessoas que vivam em economia comum, independentemente de serem igualmente 
 interessadas no litígio jurisdicional para que o requerente pretende o apoio 
 judiciário.
 
  
 O que o acórdão do Tribunal Constitucional nº 654/06 teve presente, num caso em 
 que o requerente do apoio judiciário vivia com um ascendente do segundo grau que 
 lhe prestava alimentos, é que o mencionado regime legal, deixando de efectuar, 
 em regra, qualquer ponderação em concreto da situação de insuficiência 
 económica, e passando a considerar, para esse efeito, o rendimento do agregado 
 familiar com base na aplicação de uma mera fórmula matemática, poderá 
 representar a denegação do direito de acesso aos tribunais quando se verifique 
 que o requerente poderá não dispor dos rendimentos de terceiros que compõem o 
 agregado familiar e que estes poderão não estar sequer obrigados a contribuir 
 para as despesas judiciais que o requerente pretenda realizar. 
 
  
 Por isso mesmo, o citado aresto decidiu «julgar inconstitucional, por violação 
 do n.º 1 do artigo 20º da Constituição da República, o Anexo à Lei nº 34/04, 
 conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria n.º 1085-A/2004, na parte em que 
 impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício de apoio 
 judiciário seja necessariamente  determinado a partir do rendimento do agregado 
 familiar, independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal 
 rendimento».
 O mesmo juízo foi reiterado nas decisões sumárias n.ºs 206/2007, 530/2007, 
 
 603/2007, 625/2007 e 1/2008 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt)
 Entretanto, em situação similar, também o recente acórdão n.º 273/08, tirado na 
 
 3ª secção, decidiu julgar inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 20º 
 da CRP, o mesmo conjunto normativo, na parte em que impõe que o rendimento 
 relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja 
 necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, 
 incluindo os rendimentos auferidos por uma sua filha maior, independentemente de 
 o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento.
 E não se vê motivo para deixar de aplicar a mesma doutrina no caso dos autos. 
 
  
 Nos termos das mencionadas normas do Anexo e dos artigos 6º a 10º da Portaria 
 n.º 1085-A/2004, a insuficiência económica para efeito de concessão de apoio 
 judiciário, é apreciada por referência ao rendimento do agregado familiar, 
 entendendo-se como pertencendo ao mesmo agregado familiar as pessoas que vivam 
 em economia comum com o requerente da protecção jurídica.
 
  
 O conceito de economia comum tem um sentido amplo que permite abranger quer os 
 que se encontrem vinculados pelo matrimónio, quer os unidos de facto, quer 
 quaisquer pessoas ligadas ou não por parentesco ou relação afectiva, desde que 
 vivam em comunhão de interesses e de meios e contribuam com os seus proventos, o 
 seu trabalho ou a cooperação mútua para a manutenção da habitação comum e o 
 sustento dos residentes (veja-se a definição constante da Lei n.º 6/2001, de 11 
 de Maio, que visou instituir medidas de protecção das pessoas que vivam em 
 economia comum).
 
  
 Todavia, só em relação a pessoas casadas entre si, por se encontrarem sujeitas 
 ao cumprimento dos deveres conjugais, e, designadamente, ao dever de assistência 
 a que se refere o artigo 1675.º do Código Civil, é que é possível sustentar a 
 existência de uma obrigação de comparticipar na satisfação de despesas judiciais 
 a que o outro interessado se encontre obrigado para intervir na defesa dos seus 
 direitos ou interesses legítimos (neste sentido, o acórdão n.º 272/2008, que 
 decidiu não julgar inconstitucionais as mencionadas normas da Lei n.º 34/2004 e 
 da Portaria n.º 1085-A/2004, quando interpretadas no sentido de permitirem a 
 consideração de rendimentos pertencentes ao agregado familiar de um requerente 
 de apoio judiciário, quando auferidos por cônjuge, na constância de casamento 
 sujeito ao regime de comunhão de adquiridos, quando o pedido de apoio judiciário 
 vise dedução de oposição à execução movida contra um dos cônjuges, no âmbito da 
 qual possam vir a ser penhorados bens comuns do casal).
 
  
 Quaisquer outras pessoas que vivam em economia comum, ainda que se encontrem 
 numa situação factual de entreajuda e partilha de recursos,  não estão 
 juridicamente adstritas ao dever de comparticipar com os seus próprios 
 rendimentos na satisfação de encargos judiciais relativos a um processo judicial 
 que apenas a um outro interessa. Para além de poder haver interesses 
 conflituantes entre os membros da economia comum, designadamente quanto ao 
 objecto do processo, e de o requerente de protecção jurídica poder querer 
 exercer o direito de reserva sobre a defesa dos seus direitos e interesses 
 legalmente protegidos.
 
  
 E - como se ponderou no acórdão n.º 654/06 - mesmo quando haja um dever de 
 prestar alimentos por qualquer das pessoas a que se refere o artigo 2009º do 
 Código Civil, ele não compreende a obrigação de pagamento de despesas relativas 
 a taxa de justiça e honorários forenses a que o beneficiário possa encontrar-se 
 sujeito.
 
  
 Afigura-se claro, nestes termos, que a aplicação conjugada do Anexo à lei n.º 
 
 34/204 e dos artigos 6º a 10º da Portaria n.º 1085-A/2004, não garante o acesso 
 ao direito e aos tribunais, consentindo a possibilidade de ser denegado este 
 acesso por insuficiência de meios económicos, na medida em que o rendimento 
 relevante para efeitos de concessão de apoio judiciário é determinado a partir 
 do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente fruir o 
 rendimento do terceiro que integra a economia comum.
 
  
 
  No case vertente, o requerente do apoio judiciário encontra-se sujeito a um 
 regime de interdição, tendo como único rendimento uma reduzida pensão de 
 reforma; e embora viva em economia comum com a sua mãe, nada permite concluir 
 que possa dispor do rendimento que a esta pertence, que já de si é de montante 
 inferior ao salário mínimo nacional e que é suposto ser aplicado na satisfação 
 das suas próprias necessidades essenciais.
 
  
 Tendo sido considerado para o cálculo do rendimento relevante o rendimento 
 global do agregado familiar, incluindo o auferido por quem com o requerente vive 
 em economia comum, independentemente de este poder dispor de tal rendimento, é 
 de entender que a aplicação, no caso, das normas do Anexo à Lei nº 34/04 e dos 
 artigos 6º a 10º da Portaria n.º 1085-A/2004, é susceptível de pôr em causa o 
 direito de acesso à justiça, tal como se concluiu na decisão sob recurso.
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Termos em que se decide:
 
  
 a) Julgar inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 20º da Constituição 
 da República Portuguesa, o Anexo à Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com 
 os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que 
 impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio 
 judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado 
 familiar, independentemente de o requerente poder fruir tal rendimento; 
 
  
 b) Confirmar o juízo de inconstitucionalidade formulado na decisão recorrida
 
  
 
  
 Lisboa, 2 de Julho de 2008
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão