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Processo nº 417/2007
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
  
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Nos presentes autos, emergentes de uma acção de reivindicação intentada por 
 Herança de A., representada pelo então cabeça de casal B., contra C., Lda., foi, 
 em 15 de Junho de 2005, proferida a Decisão Sumária n.º 232/2005, por este 
 Tribunal Constitucional não poder conhecer do recurso que aquela interpusera do 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2005.
 Notificada desta decisão, Herança de A. veio, “ao abrigo e para os fins do 
 disposto nos artigos 269.° e 325.° e seguintes do CPC, chamar a intervir nesta 
 acção todos os demais herdeiros da referida herança, para integração do 
 litisconsórcio necessário em que se fundamentou a decidida absolvição da 
 instância da Ré C., Lda., que pôs termo ao processo”.
 Tal pretensão foi indeferida por despacho proferido pelo Tribunal Judicial da 
 Comarca de Mesão Frio em 16 de Dezembro de 2005, com a seguinte fundamentação, 
 na parte que ora releva:
 
  
 
 (…) a Herança Indivisa de A., tem personalidade judiciária, como património 
 autónomo, conferida pelo art.° 6.° do CPC, mas é destituída de personalidade 
 jurídica. Assim, só poderia estar em juízo representada, nos termos do disposto 
 no art.° 22.° do CPC, ou pelo cabeça de casal, nos casos previstos nos art.°s 
 
 2087.° e 2088.° e 2089.° do CC, ou por todos os herdeiros, nos demais casos 
 
 (cfr. art.° 2091.°). 
 Carece assim, a Herança Indivisa, de capacidade judiciária para, de per si, 
 formular pretensões em juízo. 
 Por outro lado, o incidente de intervenção principal visa permitir a 
 participação na lide de um terceiro que é titular de uma situação subjectiva 
 própria, mas paralela à alegada pelo autor ou pelo réu. 
 Tal intervenção pode ser suscitada por uma das partes na acção, ao abrigo do 
 disposto no art. 325° do C.P.C. 
 Nos termos do referido normativo, a intervenção principal provocada é admissível 
 quando qualquer das partes pretenda fazer intervir na causa um terceiro como seu 
 associado ou como associado da parte contrária, ou seja, quando qualquer das 
 partes pretenda chamar um litisconsorte voluntário ou necessário (cfr. Teixeira 
 de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lisboa, 1997, pág. 182). 
 Ora, no caso decidendo, não se verifica, dada a decisão proferida, a presença de 
 uma das partes na relação material controvertida, pelo que não estamos perante 
 um simples chamar outros interessados a intervir na demanda. 
 Vejamos, por decisão proferida nestes autos, transitada em julgado decidiu-se 
 que a legitimidade activa para intentar a acção de reivindicação cabia a todos 
 os herdeiros de A., nos termos do disposto nos art.°s 2091.º do Código Civil e 
 
 28.° do CPC. 
 E, a herança, não é parte, na presente demanda, pois sendo a legitimidade um 
 pressuposto processual, que consiste na susceptibilidade de ser parte, e estando 
 decidido, que in casu, essa susceptibilidade cabe a todos os herdeiros, carece 
 desde logo também a herança indivisa de legitimidade para formular tal 
 pretensão, pois não é parte nos presentes autos. 
 Todavia, tal pretensão poderia ser exercida por um dos herdeiros, que ainda 
 permanecesse na lide, visando assim chamar os demais para suprir uma situação de 
 litisconsórcio necessário, garantindo assim a legitimidade plural do lado 
 activo, como acontece no caso da acção, sob pena de legitimidade ad causum dever 
 ser intentada por uma pluralidade de interessados, e algum deles recusa o 
 accionamento, e o outro ou outros accionam e chamam o ou os recusantes para a 
 intervenção principal (vd. Salvador da Costa, in Incidentes de Instância, 2.ª 
 edição, pág. 103). 
 Mas na verdade, actualmente, atento o óbito do cabeça de casal, também 
 co‑herdeiro, B., cujos sucessores não foram habilitados, constata-se que nenhum 
 dos herdeiros está presente na lide, pretendendo assim, a herança, que não é 
 parte, nem tem de per si, capacidade judiciária, provocar nos autos, um 
 chamamento, a fim de assumirem a qualidade de Autores, todos os titulares da 
 relação material controvertida, ou seja, todos os herdeiros que representam a 
 Herança de A., que são afinal partes legítimas nesta causa. 
 Ora, este não é escopo do incidente da intervenção provocada previsto no art.° 
 
 325.° do CPC, pois esta figura pressupõe que esteja na lide pelo menos um dos 
 titulares da relação material controvertida, que não é como vimos, o caso dos 
 autos. 
 A intervenção litisconsorcial provocada pressupõe que entre a parte que suscita 
 o incidente e o terceiro chamado a intervir existe um interesse litisconsorcial 
 desencadeando consequentemente uma situação de litisconsórcio necessário ou 
 voluntário sucessivo. 
 Havendo interesse litisconsorcial entre uma das partes e o terceiro 
 interveniente quanto ao objecto da acção, ou seja, sendo ambos contitulares da 
 relação material controvertida, pode o A chamar o(s) outro(s) autores. 
 E é essa relação e esse interesse que faltam à A, Herança no caso sub judice. 
 Efectivamente o interesse e relação litisconsorcial necessária verifica-se, in 
 casu, em relação aos herdeiros da herança, mas não se verifica entre 
 Herança/herdeiros, como se viu. 
 Por todo o exposto, não se encontrando reunidos os pressupostos de 
 admissibilidade da intervenção principal provocada previstos no art.° 325.° do 
 CPC, uma vez que se pretende a intervenção nos autos de todos os titulares da 
 relação jurídica controvertida, já que nos autos não se encontra agora, nenhum 
 desses titulares, indeferem-se os requeridos chamamentos de todos os herdeiros 
 da referida herança. 
 Consequentemente, indefere-se a pretensão de renovação da Instância Extinta 
 formulada pela Herança Indivisa de A. ao abrigo do disposto no art.° 269.° n.° 2 
 do CPC, uma vez que este depende da admissibilidade da intervenção provocada, 
 nos termos do art.° 325.° do CPC.
 
  
 
  
 Notificada deste despacho, a requerente veio pedir a aclaração do mesmo, tendo, 
 em 9 de Fevereiro de 2006, sido proferido despacho a indeferir o pedido de 
 aclaração formulado, afirmando-se na respectiva fundamentação, entre o mais, que 
 
 “não é pelo simples facto de ser considerada parte ilegítima, como aí é já 
 explanado, que a parte pode lançar mão da figura de renovação da instância, como 
 pretende fazer crer a reclamante, pelo que neste tocante carece de fundamento o 
 requerido.”
 Inconformada, Herança de A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do 
 Porto, concluindo nas alegações de recurso que apresentou, no que ora releva:
 
  
 
        (…)
 
 (6)   É, de resto, inconstitucional, por violar o princípio da igualdade, 
 consignado no artigo 13°, n° 1, da CRP, bem como o direito de tutela 
 jurisdicional efectiva, consignado no artigo 20°, n° 1, da CRP, a aplicação do 
 n° 2 do artigo 269° do CPC interpretado no sentido de, no caso, a Autora não 
 poder fazer uso da faculdade nesse normativo prevenida. 
 
 (7)   Com efeito, não ocorre, no caso, qualquer razão que justifique o não 
 reconhecimento à Autora, enquanto herança indivisa, da plenitude desse seu 
 estatuto processual, como Autora, o qual, aliás, durante cerca de 15 anos, foi 
 mais do que consolidado, nos presentes autos. 
 
 (8)   Nada justifica, efectivamente, que a Autora seja sujeita a um tratamento 
 diferente daquele que se contém no n° 2 do artigo 269° do CPC, aplicável à 
 generalidade dos autores, em qualquer acção, em que o réu tenha sido absolvido 
 da instância, por decisão que, pondo termo ao processo, declarou a ilegitimidade 
 da Autora, por não estarem em juízo todas as pessoas de quem dependia a 
 legitimidade activa. 
 
 (9)   Além de que, desse modo, também fica ofendido o direito consagrado no 
 citado artigo 20º, n° 1, da CRP, nenhuma razão existindo para não reconhecer à 
 Autora o direito de continuar a promover – como vem fazendo, neste processo, 
 desde há cerca de 15 anos, incessantemente – a defesa dos interesses da herança 
 indivisa, e, bem assim, naturalmente, os interesses de todos os herdeiros, 
 quanto à pretensão, que constitui o objecto da acção, do reconhecimento do 
 direito de propriedade da de cujus, sobre os imóveis reivindicados contra a Ré, 
 com o efeito de tais imóveis deverem ser considerados parte integrante do 
 património hereditário e, ainda, consequentemente, dever a Ré entregar tais 
 imóveis à administração da Herança Indivisa. 
 
 (10) De notar, aliás, que no douto saneador/sentença o Tribunal “a quo” teceu 
 considerações sobre o seu afirmado receio de poder haver conluio entre a Autora, 
 representada pelo cabeça-de-casal, e a Ré, com possibilidade de prejuízo para os 
 herdeiros. 
 
 (11) Ora, salvo o devido respeito, essas afirmadas preocupações do Tribunal “a 
 quo” compreendem-se agora com alguma dificuldade, quando o mesmo Tribunal 
 interpreta o n° 2 do artigo 269° do CPC em termos que inibem a Autora de 
 produzir o resultado que o Tribunal “a quo” afirmou dever estar produzido nos 
 autos, a saber, o da presença de todos os herdeiros, para além da da Herança 
 Indivisa representada pelo cabeça-de-casal. 
 
 (12) Na verdade, sempre com todo o respeito, o direito à tutela jurisdicional 
 efectiva dos interesses de todos os herdeiros, que tanto preocupou o Tribunal “a 
 quo”, objectivamente, esbarra agora, inesperadamente, na própria douta decisão 
 recorrida. 
 
 (13) Além de que não pode deixar de se reconhecer um direito à tutela 
 jurisdicional efectiva na titularidade da própria Autora, enquanto herança 
 indivisa, património autónomo, dotado de personalidade judiciária, susceptível 
 de ser parte, representada pelo cabeça-de-casal e pelos mandatários forenses 
 pelo mesmo cabeça-de-casal, nessa qualidade, constituídos, nos termos do 
 disposto no artigo 5°, n° 1, e na alínea a) do artigo 6°, ambos do CPC. 
 
 (14) Na verdade, o cabeça-de-casal da Herança Autora, órgão de administração do 
 património hereditário autónomo, detém, pelo menos, o indiscutível direito de, 
 nos presentes autos, agir no sentido de os imóveis reivindicados contra a Ré 
 serem efectivamente entregues, pela Ré, à administração da Herança, como 
 necessária decorrência do reconhecimento jurisdicional de que fazem parte do 
 acervo hereditário. 
 
 (15) O que implica, também necessariamente, que se reconheça à Autora o direito 
 de promover a renovação da presente instância, através do chamamento de todos os 
 herdeiros, como dispõe o n° 2 do artigo 269° do CPC, numa leitura conforme com a 
 garantia consignada no n° 1 do artigo 20º da CRP.
 
  
 
  
 Por acórdão de 14 de Setembro de 2006, a Relação do Porto decidiu negar 
 provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida, podendo, entre o mais, 
 ler-se na respectiva fundamentação:
 
  
 
 (…)
 Sustenta ainda a Agravante que a interpretação e aplicação do art. 269° n° 2 do 
 CPC no sentido de a autora não poder fazer uso da faculdade contida nessa norma, 
 viola o princípio da igualdade e o direito de tutela jurisdicional efectiva, 
 consignados nos arts. 13° n° 1 e 20° n° 1 da Constituição. 
 Não tem razão, como parece evidente. 
 Desde logo, a faculdade prevista no n° 2 do art. 269° depende da verificação do 
 condicionalismo previsto no n° 1 da mesma disposição, ou seja, a situação de 
 ilegitimidade tem de resultar do facto de não estar em juízo determinada pessoa; 
 a intervenção desta pessoa deve ser feita nos termos do art. 325°. 
 Já vimos que, no caso, não se verifica aquela situação de ilegitimidade, nem a 
 intervenção dos herdeiros pode operar nestes termos. 
 Assim, o fundamento do indeferimento assenta no disposto no n° 1 do art. 269°; 
 não no n° 2 deste preceito. 
 Daí que se nos afigure que a questão agora suscitada não é pertinente. 
 De qualquer modo, importa considerar que a decisão proferida não coarcta o 
 direito dos herdeiros, os verdadeiros interessados no litígio, de instaurarem a 
 competente acção, para fazerem valer os seus interesses. 
 A autora não é titular do direito que vem exercitar; não pode beneficiar de 
 tutela jurisdicional efectiva de um direito que não é seu (cfr. art. 2° do CPC). 
 
 
 Por outro lado, a inviabilidade da pretensão da autora decorre da sua 
 ilegitimidade, já reconhecida por decisão transitada em julgado. E deriva do 
 disposto no art. 2091° do CC, cujo regime não foi posto em causa pela 
 Recorrente. 
 Ora, se a autora é parte ilegítima, não sendo titular de interesse relevante 
 
 (não tendo interesse directo em demandar – art. 26° n°s 1 e 3 do CPC), nada 
 justificava que beneficiasse do regime especial previsto no art. 269°, que visa 
 situações diferentes, como seja a de assegurar a legitimidade de parte com 
 interesse na causa. 
 Daí que a interpretação e aplicação da norma, nos termos apontados, não viole 
 também o princípio da igualdade que, no seu sentido positivo, implica 
 justamente, no essencial, o tratamento igual de situações iguais e o tratamento 
 desigual de situações desiguais. 
 Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso.
 
  
 Inconformada, Herança de A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 reiterando, no essencial, as conclusões que tirara nas alegações de recurso 
 apresentadas perante o Tribunal da Relação do Porto.
 Por acórdão de 1 de Março de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu negar 
 provimento ao agravo e confirmar o acórdão recorrido, tendo por base a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
 (…)
 A Herança de A. foi julgada parte ilegítima na acção, decidindo-se que a 
 legitimidade activa para exercer o respectivo direito cabia aos herdeiros. 
 Não se decidiu que a legitimidade cabia à A. e aos herdeiros, em litisconsórcio 
 necessário activo, mas antes que ela não cabia à A. e sim aos herdeiros. 
 A A. poderia requerer a renovação da instância, provocando a intervenção dos 
 herdeiros da A., caso se tivesse decidido que era necessária para assegurar a 
 legitimidade activa a intervenção da Herança e dos respectivos herdeiros (art°. 
 
 28° do CPC). 
 Só pode regularizar a instância com o chamamento de novos sujeitos quem continua 
 a ser sujeito processual. 
 Quem foi julgado parte ilegítima, independentemente de estar ou não acompanhado 
 de outros sujeitos, não pode requerer a renovação da instância, porque já foi 
 decidido que não faz parte dela. Não pode pedir a intervenção de outros para a 
 ela se associar, pois não pode continuar na acção, pelo que não haveria uma 
 associação, mas antes uma substituição, não prevista no art°. 269° do CPC. 
 Só é possível lançar mão da faculdade prevista no art° 269° n° 2 do CPC para 
 assegurar a própria legitimidade, de quem requer, o que não é o caso da A. 
 Concordamos com a interpretação do referido preceito legal feita pelo Tribunal 
 da Relação, não merecendo censura a decisão recorrida. 
 Esta interpretação não viola o princípio da igualdade, pois qualquer sujeito que 
 seja declarado parte ilegítima, independentemente de estar ou não acompanhado de 
 outras pessoas, também não pode provocar a intervenção de novos sujeitos, a quem 
 seja reconhecida legitimidade para prosseguir com a acção. 
 Não há qualquer discriminação da Herança de A.. 
 Também não há violação do princípio do acesso ao direito e à tutela 
 jurisdicional efectiva, o que permitiu à A., na mesma acção, litigar pela 2ª vez 
 até este STJ. 
 O acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva não implica que seja dada 
 razão à A. e sejam acolhidas as suas pretensões.
 
  
 
 É deste acórdão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao 
 abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 
 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), indicando a recorrente no inerente 
 requerimento de interposição:
 
  
 II
 Normas cuja inconstitucionalidade se submete à apreciação do Tribunal. Normas e 
 princípios constitucionais ofendidos.
 
  
 As questões de constitucionalidade têm por objecto a aplicação, pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça, confirmando as decisões das instâncias, do n° 2 do artigo 
 
 269° do CPC, interpretado no sentido de, no caso, a Autora, ora recorrente, não 
 poder fazer uso da faculdade nesse normativo prevenida. 
 Aplicado, nas específicas circunstâncias do caso, com o referido sentido, de 
 modo a produzir o efeito jurídico de a Herança Indivisa Autora não poder estar 
 em juízo, nem mesmo acompanhada de todos os herdeiros, o n° 2 do artigo 269° do 
 CPC ofende, designadamente, o n° 1 do artigo 13° e o n° 1 do artigo 20°, ambos 
 da CRP, violando, aliás, clamorosamente, o fim do processo civil e todos os seus 
 princípios estruturantes, assentes no citado artigo 20°, n°1, por força de um 
 raciocínio judiciário estritamente formal – ele próprio, aliás, salvo o devido 
 respeito, incompreensível – cuja bondade substancial de modo algum parece poder 
 surpreender-se, sendo que por via dele se faz tábua rasa de mais de 15 anos de 
 pendência processual, relativamente a um pleito cujas particulares 
 características o Supremo Tribunal de Justiça e as instâncias, pura e 
 simplesmente, ignoraram, de resto, à revelia dos propósitos da reforma do 
 processo civil de 1995, contra a nova cultura judiciária que há anos urge e que, 
 sempre com o devido respeito, tanto tarda a radicar-se entre nós.
 
  
 Admitido o recurso, foi determinada a produção de alegações, que a recorrente 
 concluiu dizendo, entre o mais:
 
  
 
 (      (…)
 
 (9)   Nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado do acórdão do Supremo 
 Tribunal, que confirmou o acórdão da Relação, sobre a questão da ilegitimidade 
 da autora, esta pretendeu exercer a faculdade a que se refere o n° 2, 1ª parte, 
 do artigo 269° do Código de Processo Civil, por referência ao disposto na 2ª 
 parte do n° 1 dessa disposição processual, tendo requerido o chamamento de todos 
 os herdeiros, a fim de obter a renovação da instância, a que se refere a 2ª 
 parte do n° 2 do citado artigo 269°. 
 
 (10) Porém, a 1ª instância entendeu que a autora não beneficiava dessa faculdade 
 e indeferiu o requerido, decisão que veio a ser confirmada, pela Relação do 
 Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo-se discutido a questão da 
 inconstitucionalidade do n° 2, 1ª parte, do artigo 269º do CPC, em conexão com o 
 disposto na 2ª parte do n° 1, suscitada pela autora, enquanto aplicado aquele 
 normativo com o sentido de, no caso concreto, a autora não poder beneficiar da 
 faculdade aí prevenida, o que a autora entende ofender o princípio da igualdade, 
 bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 13º, 
 n° 1, e 20°, n° 1, ambos da Constituição. 
 
 (11) Entende a autora que a sua específica natureza, de herança indivisa, a sua 
 concreta posição processual, o estatuto da sua representação pelo 
 cabeça-de-casal, aliás, herdeiro, bem como a causa de pedir, o pedido e o 
 objecto da acção, não legitimam, em relação a si própria, um tratamento 
 processual diferenciado, em relação a qualquer parte declarada ilegítima por não 
 estarem em juízo determinadas pessoas, em termos tais que, apesar das 
 especificidades do presente caso concreto, se lhe não reconheça a faculdade 
 prevenida no n° 2, 1ª parte, do citado artigo 269° do CPC. 
 
 (12) Não legitima aquele não reconhecimento o facto de se ter decidido que a sua 
 legitimidade, para estar em juízo, representada pelo cabeça-de-casal, só 
 existiria se estivesse acompanhada de todos os demais herdeiros. 
 
 (13) Ainda que a decisão sobre a questão da legitimidade da autora tenha 
 exigido, como exigiu, a intervenção de todos os herdeiros em litisconsórcio 
 necessário, a autora tem interesse em agir e legitimidade para intervir na 
 acção, porquanto, desde logo, vista a causa de pedir e o pedido, constata-se, 
 afinal, além do mais, que o cabeça-de-casal detém o direito de demandar a ré, 
 nos precisos termos em que o fez, e de contra a ré deduzir o pedido que, em nome 
 da herança, deduziu, relativo à entrega dos prédios à herança. 
 
 (14) Na verdade, ao invés do que parece pretender-se no douto Acórdão recorrido, 
 a decisão sobre a questão da legitimidade da autora declarou que só asseguraria 
 a legitimidade desta a intervenção de todos os herdeiros, mas não declarou que a 
 autora não pode estar em juízo, nem mesmo com a intervenção de todos os 
 herdeiros. 
 
 (15) Essa decisão, que é definitiva, tem de ser entendida no quadro da realidade 
 objectiva dos autos, tendo em conta aquilo que na acção está, efectivamente, em 
 causa e os direitos e os interesses concretos que estão nela em discussão: e, 
 face à causa de pedir e ao pedido, vê-se bem que a intervenção de todos os 
 herdeiros na acção não é susceptível de inutilizar a intervenção da autora, 
 representada pelo cabeça-de-casal, nem a torna juridicamente impossível, nem 
 sequer inconveniente. 
 
 (16) Antes, no caso, dados os próprios termos, objectivamente considerados, da 
 decisão sobre a ilegitimidade da autora, ocorrem, substancialmente, os 
 pressupostos da coligação de autores – os herdeiros em conjunto e o 
 cabeça-de-casal por si –, previstos no artigo 30º, n° 1, do CPC, atento o 
 disposto no nº 2 do artigo 2078° do CC, que admite o direito de o 
 cabeça-de-casal pedir contra a ré a entrega dos bens à herança, sem que existam 
 os obstáculos à coligação prevenidos no artigo 31° do CPC; 
 
 (17) E sem que a referida decisão permita afastar a aplicabilidade do disposto 
 nos artigos 2078º, nº 2, e 2088º, do CC, ou altere a causa de pedir e o pedido, 
 mantendo-se, pois, o direito de o cabeça-de-casal, representando a herança 
 indivisa, pedir contra a ré a entrega dos bens em causa. 
 
 (18) Em tais circunstâncias, nenhuma razão relevante existe para considerar que 
 a autora, no caso, está numa situação processual substancialmente diferente 
 daquela que corresponde à de qualquer parte declarada ilegítima por não estarem 
 em juízo determinadas pessoas, para os fins do disposto no normativo 
 questionado, em termos tais que, como se decidiu no douto acórdão recorrido, ela 
 não possa exercer a faculdade prevista no n° 2, 1ª parte, do artigo 269° do CPC. 
 
 
 
 (19) É, de facto, incompatível com o princípio da igualdade a aplicação do 
 referido normativo processual operada, no caso, pelo Tribunal a quo, com o 
 sentido segundo o qual a autora – herança indivisa, representada pelo 
 cabeça-de-casal, numa acção em que pediu, contra um terceiro, a entrega de bens, 
 alegadamente integrantes do acervo hereditário, por se tratar de bens de que a 
 autora da herança (e não a herança autora) era proprietária, à data do óbito, 
 depois de ter sido declarado que a sua legitimidade só ficava assegurada se 
 interviessem na acção todos os herdeiros – não pode requerer o chamamento de 
 todos os herdeiros, a fim de assegurar a sua legitimidade, para discutir e pedir 
 a entrega dos bens à herança, e obter a renovação da instância. 
 
 (20) Sucede, aliás, que, na douta decisão recorrida, o Supremo Tribunal, não só 
 não considerou a referida realidade do caso, nem a objectividade dos termos da 
 decisão sobre a ilegitimidade – aos quais erroneamente se refere, afirmando 
 contra os seus termos –, como, na fundamentação da mesma decisão recorrida, o 
 Tribunal a quo entendeu que o nº 2 do artigo 269º do CPC só conferiria à autora 
 a faculdade de requerer a intervenção de todos os herdeiros se tivesse sido 
 decidido “que a legitimidade cabia à A. e aos herdeiros, em litisconsórcio 
 necessário activo” (sublinhado nosso). 
 
 (21) Adoptou, assim, o Supremo Tribunal uma interpretação do nº 1, 2ª parte, do 
 artigo 269°, do CPC, implícita na aplicação do n° 2, 1ª parte, segundo a qual, 
 havendo litisconsórcio necessário, que não abranja o autor declarado parte 
 ilegítima, o autor, em caso algum, pode prevalecer-se da faculdade prevenida 
 nesse normativo, a menos que se decida que a legitimidade “cabe ao autor em 
 conjunto com as demais pessoas que devem estar em juízo”. 
 
 (22) Ora, salvo o devido respeito, uma tal interpretação, no caso, não só não 
 encontra apoio na decisão sobre a questão da legitimidade, na qual expressamente 
 se afirmou que, “para assegurar a legitimidade” do cabeça-de-casal, 
 desacompanhado dos restantes herdeiros, “necessário se tornava a intervenção de 
 todos os herdeiros”, 
 
 (23) como nega, sem justificação atendível, a faculdade prevenida no normativo 
 citado ao autor declarado parte ilegítima, em caso de litisconsórcio necessário 
 activo, se o autor, como sucede no caso concreto, embora não sendo sujeito 
 interno desse litisconsórcio, ainda assim, tiver um interesse autónomo em agir, 
 bem como legitimidade para estar em juízo, com aquele conjunto de sujeitos. 
 
 (24) E o certo é que, insiste-se, no caso, esse interesse directo do 
 cabeça‑de‑casal, mede-se pela relação material controvertida, tal como está 
 configurada na acção, cujos sujeitos são, afinal, a própria herança indivisa e a 
 demandada, o que confere indiscutível legitimidade à demandante, representada 
 pelo cabeça-de-casal, nos termos do disposto no artigo 26°, nºs 1 e 2, do CPC. 
 
 (25) Legitimidade essa, todavia, que, no caso concreto, mercê do decidido 
 
 (definitivamente, embora mal, no entender da recorrente), está dependente da 
 intervenção de todos os herdeiros, com o fundamento de que o cabeça-de-casal não 
 podia reivindicar os bens para a herança desacompanhado de todos os herdeiros, 
 por se ter entendido que “a acção de reivindicação nos termos do artigo 1311°” 
 
 (do CC) não está dentro das atribuições do cabeça-de-casal. 
 
 (26) Mas, insiste-se, ainda, se a acção de reivindicação não está dentro das 
 atribuições do cabeça-de-casal, a respeito do que se decidiu ser necessária a 
 intervenção de todos os herdeiros, já o cabeça-de-casal pode pedir a entrega dos 
 bens que, alegadamente, eram do de cujos, como efectivamente se pede nesta 
 accão, a qual, afinal, continua a ser a mesma acção em que se declarou a 
 necessidade do litisconsórcio dos herdeiros. 
 
 (27) A remissão, feita no n° 1 do artigo 269° do CPC, para os artigos 325° e 
 seguintes, não afasta esse entendimento, antes o reforça, visto que se, nos 
 termos do n° 1 do artigo 325º, “qualquer das partes pode chamar a juízo o 
 interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como 
 associado da parte contrária”, verifica-se que não é exigido que a parte 
 declarada ilegítima, por deverem estar em juízo determinadas pessoas, em 
 litisconsórcio necessário, seja ela mesma sujeito interno do litisconsórcio. 
 
 (28) De notar, de resto, que, se a acção tivesse sido movida, originariamente, 
 por todos os herdeiros, nos precisos termos em que a presente acção o foi, os 
 herdeiros poderiam requerer a intervenção do cabeça-de-casal, como seu 
 associado, nos termos do n° 1 do artigo 325º do CPC, visto que o mesmo tem 
 interesse e direito a nela intervir, tratando-se, como se trata, de um pedido de 
 entrega de prédios do acervo hereditário à herança indivisa, que o 
 cabeça-de-casal administra e representa. 
 
 (29) Por último, deve notar-se que o cabeça-de-casal – B. – também era herdeiro, 
 tendo falecido na pendência da acção, como se vê dos autos, por isso o 
 requerimento de chamamento abrangendo, naturalmente, os herdeiros de B., o que 
 também não será despiciendo, no conjunto das especificidades da acção, 
 caracterizadoras da concreta situação processual da autora, a sublinhar o óbvio 
 interesse da mesma autora no chamamento dos herdeiros, para renovação da 
 instância, depois de, há cerca de 3 longos lustres, ter intentado a acção 
 representada pelo referido herdeiro investido no cargo de cabeça-de-casal. 
 
 (30) Efectivamente, se não se quiser transformar a discussão num mero jogo de 
 palavras, num semântico exercício esotérico, completamente contrário aos valores 
 civilizacionais do Estado social de direito, ter-se-á de entender a substância 
 do que está em causa, ter em conta os fins da justiça, o princípio da 
 prevalência da substância sobre a forma e os direitos fundamentais, e considerar 
 que o decidido, quanto à ilegitimidade da autora, não pode, para os fins da 
 aplicação do n° 2 do artigo 269º do CPC, conduzir a uma interpretação desse 
 normativo que o torne inaplicável à situação processual da autora. 
 
 (31) Assim, no caso, ter-se-á de entender que a intervenção de todos os 
 herdeiros, em litisconsórcio necessário activo, não é incompatível com a 
 concomitante presença em juízo da herança indivisa, representada pelo 
 cabeça-de-casal, bem pelo contrário, visto que a procedência do pedido de 
 entrega dos bens à herança, tal como está formulado, é, também, aliás, 
 manifestamente, do interesse do cabeça-de-casal, que há-de ser, de resto, em 
 caso de procedência, quem receberá os bens e quem os administrará, assumindo 
 agora o cargo, como é evidente, quem para ele vier a ser designado. 
 
 (32) Na verdade, o n° 2, 1ª parte, em conexão necessária com o nº 1, 2ª parte, 
 do artigo 269° do CPC, não comporta um sentido interpretativo diferente desse, 
 sob pena de violação do princípio da igualdade e do direito de tutela 
 jurisdicional efectiva. 
 
 (33) Sendo que um tal normativo, aplicado com o sentido acolhido no douto 
 acórdão recorrido, onde se rejeita à autora, ora recorrente, o exercício da 
 referida faculdade, sem que a autora esteja numa situação processual que torne 
 justo, adequado e proporcionado, um tratamento diferenciado, em relação a outras 
 partes declaradas ilegítimas por não estarem em juízo certas pessoas, mas 
 mantendo essas mesmas partes, de algum modo, ainda que com autonomia, interesse 
 directo no resultado da demanda, contraria os mais salutares princípios 
 estruturantes do moderno Estado de Direito, é, designadamente, incompatível com 
 os princípios da justiça material, aberta, democrática, próxima dos cidadãos e 
 socialmente responsável, claramente emergentes do artigo 2° da Constituição, não 
 respeita os princípios da clareza, da segurança e da certeza jurídicas, e ofende 
 o princípio da igualdade e o direito à tutela jurisdicional efectiva, 
 consignados no nº 1 do artigo 13º e no n° 1 do artigo 20º, ambos da 
 Constituição.
 
  
 A recorrida C., Lda., contra-alegou, considerando, a final:
 
  
 
 (…) nos termos em que a Recorrente coloca a questão, o que esta verdadeiramente 
 vem dizer é que o acórdão recorrido em si é que causa uma situação de 
 desigualdade. 
 Entenda-se: ao verberar contra a interpretação que foi feita do art. 269° do 
 CPC, e uma vez que, segundo ela, os tribunais superiores “interpretaram mal” o 
 decidido quanto à ilegitimidade da A., não está a dizer mais do que isto – a 
 interpretação da lei e das circunstâncias dos autos feita pelo tribunal a quo é 
 violadora do princípio da igualdade na medida em que afasta a Recorrente de uma 
 possibilidade que a lei prevê; não é o sentido normativo do art. 269º, se 
 interpretado como no acórdão recorrido, que viola o princípio da igualdade e o 
 direito à tutela jurisdicional efectiva, mas sim a concreta decisão recorrida; 
 E como todos sabemos – até porque o Tribunal Constitucional já o fez constar 
 nestes mesmos autos –, as decisões judicias, em si mesmas, não são objecto de 
 sindicância pelo Tribunal Constitucional – só normas, por mais lata que seja a 
 noção de norma para este efeito, e não decisões, podem ser submetidas ao crivo 
 do Tribunal Constitucional. 
 E o que a Recorrente pretende, embora sem sucesso, é dar uma “roupagem 
 normativa” à alegação de inconstitucionalidade para tentar escamotear o facto de 
 ser a decisão em si mesma que é atacada.
 
  
 Notificada para responder, querendo, à questão prévia suscitada pela recorrida 
 nas suas contra-alegações, a recorrente veio dizer o seguinte:
 
  
 
 1. O “recurso de amparo”, como todos sabemos – incluindo, obviamente, a 
 recorrida –, não existe na nossa ordem jurídica. 
 
 2. Só por isso, vir a recorrida afirmar que o “recurso de amparo” é 
 inadmissível, é afirmar uma verdade de La Palisse e invocar, ela sim, num 
 Tribunal Português, uma figura processual inexistente em Portugal. 
 
 3. A recorrida cria uma falácia: de uma figura inexistente, parte para a 
 conclusão da inadmissibilidade dessa figura, num caso concreto: como poderia 
 admitir-se aquilo que não existe? É essa a falácia da recorrente. 
 
 4. Só que essa falácia pode prosseguir: como rejeitar aquilo que não existe? 
 
 5. Lamenta-se, com efeito, que a recorrida tenha sido tão precipitada. 
 
 6. Como a recorrida bem saberá, o “recurso de amparo” existe nos direitos 
 espanhol e alemão, como recurso especial para defesa de direitos fundamentais, 
 contra decisões violadoras desses direitos. 
 
 7. Só que a recorrida não pode ignorar que o presente recurso é um recurso de 
 constitucionalidade, não um “recurso de amparo”. 
 
 8. A recorrida consegue ver um “recurso de amparo” onde apenas existe um recurso 
 de constitucionalidade, tendo por objecto um certo normativo legal, tal como foi 
 interpretado e aplicado no caso concreto. 
 
 9. A recorrida fechou os olhos à cristalina evidência de que a interpretação 
 normativa cuja constitucionalidade está questionada foi acolhida decisoriamente 
 no contexto do presente caso concreto. 
 
 10. Naturalmente, o caso concreto não pode ser ignorado, antes tem de ser tido 
 em conta na apreciação da existência ou não da inconstitucionalidade do 
 normativo interpretado e aplicado nos autos. 
 
 11. Faz, pois, a recorrida de conta que não vê aquilo que está bem visível, a 
 saber, que o objecto do presente recurso de constitucionalidade não é uma 
 decisão jurisdicional, mas sim uma norma jurídica, tal como foi interpretada e 
 aplicada, para decidir, neste caso concreto, e não noutro caso concreto. 
 
 12. E o certo é que bastava que a recorrida tivesse tido a paciência de, com 
 serenidade, ler todas as conclusões da alegação de recurso, na íntegra, e, já 
 agora, os termos da declaração de inconstitucionalidade do n° 2, 1” parte, do 
 artigo 269° do CPC, que a recorrente formula, a págs. 30 da alegação.
 
  
 
  
 Cumpre decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
 3. Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que 
 admitiu o recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), nem sendo exacto que, após a 
 apresentação de alegações, fique precludida a possibilidade de não se conhecer 
 do objecto do recurso, verifica-se que o Tribunal Constitucional não pode 
 conhecer do objecto do presente recurso.
 Com efeito, no nosso sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, os 
 recursos têm inquestionavelmente um objecto e dimensão normativos, incidindo 
 necessariamente sobre a apreciação da (in)constitucionalidade de norma(s) 
 identificada(s) e especificada(s), em termos tempestivos e processualmente 
 adequados, pelo recorrente – não assumindo nunca a configuração de um 
 
 (inexistente) recurso de amparo, destinado a propiciar uma global reapreciação 
 do mérito da causa por este Tribunal, na perspectiva de uma pretensa violação de 
 direitos fundamentais, constitucionalmente tutelados, pelas decisões 
 jurisdicionais proferidas acerca da composição do litígio.
 Como se depreende das transcrições supra e não é posto em causa pela visão 
 exposta pela recorrente na resposta de fls. 1544 e 1555, ao invocar, perante o 
 tribunal a quo, a desconformidade com a Constituição, a recorrente não chega a 
 colocar qualquer questão de (in)constitucionalidade de norma ou interpretação 
 normativa susceptível de servir de base ao recurso de fiscalização concreta que 
 interpôs, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 A “interpretação normativa” que foi impugnada pela recorrente durante o processo 
 
 – “a norma do n.º 2 do artigo 269.º do CPC, interpretada no sentido de que, numa 
 acção de reivindicação de imóveis, intentada por Herança Indivisa, representada 
 pelo cabeça-de-casal, transitada em julgado decisão, pondo termo ao processo, 
 absolvendo o Réu, por não estarem em juízo todos os herdeiros, a Autora deixa de 
 ter capacidade judiciária e, bem assim, de legitimidade para exercer a 
 faculdade, a que se refere esse normativo, de, no prazo de trinta dias, requerer 
 o chamamento de todos os herdeiros, para os fins vertidos no segundo segmento 
 dessa disposição legal, isto é, de renovação da instância” (fl. 1441) – foi-o 
 imputando o vício de inconstitucionalidade à conclusão a que chegou o Tribunal 
 de que na situação dos autos não é admissível a renovação da instância requerida 
 ao abrigo do disposto nos artigos 269.º e 325.º e segs. do Código de Processo 
 Civil. Quer isto dizer que o critério normativo que conduziu o tribunal a quo a 
 indeferir a renovação da instância requerida - critério esse que há-de ser 
 identificado e enunciado sem necessidade de referência às circunstâncias únicas 
 e irrepetíveis do caso concreto -, não foi, ele mesmo, acusado de 
 desconformidade constitucional, antes era tido por desconforme com a 
 Constituição esse resultado decisório.
 Tal modo de identificação da “interpretação normativa” acusada de 
 inconstitucionalidade não é, ao contrário do que defende a recorrente, 
 suficiente para se poder considerar suscitada uma inconstitucionalidade 
 normativa “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”, como exige 
 o artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, que implicaria imputar 
 a esse tribunal uma interpretação de certa norma que implicasse contradição com 
 a Lei Fundamental, de modo a obter do tribunal recorrido um juízo de 
 conformidade ou desconformidade dessa norma com a Constituição. 
 Trata-se de uma exigência razoável e proporcionada tendo em conta o objecto 
 estritamente normativo do recurso de constitucionalidade em fiscalização 
 concreta, não podendo, nesta sede, os recorrentes pretender que o Tribunal 
 Constitucional repondere a solução dada ao litígio jurídico concreto.
 Resta acrescentar que não pode vir agora, em sede de alegações de recurso para o 
 Tribunal Constitucional, a recorrente considerar que 
 
  
 
 (…) o sentido interpretativo objectivamente acolhido pelo Supremo Tribunal, a 
 aplicar, para decidir, o 1° segmento da norma do n° 2 do artigo 269’ do CPC, é o 
 de que, no caso, a herança autora, tendo sido, como foi, declarada parte 
 ilegítima, por não estarem, em litisconsórcio necessário, todos os herdeiros do 
 lado activo de uma acção em que a herança, representada pelo cabeça-de-casal, 
 pede, contra a possuidora dos imóveis, que os mesmos lhe sejam entregues, por 
 integrarem o acervo hereditário, é o de que, numa tal situação, a autora não 
 beneficia da faculdade de requerer a renovação da instância, chamando à acção 
 todos os herdeiros, porque a referida norma apenas conferiria à autora tal 
 faculdade se tivesse sido decidido que a legitimidade activa dependia de estarem 
 em juízo todos os herdeiros e, ainda, a autora. 
 Ora, uma tal interpretação, não só não encontra apoio na letra da norma, como é 
 incompatível com a unidade do sistema jurídico e o fim dessa norma, como, 
 aplicada com um tal sentido, a norma é inconstitucional, visto que a concreta 
 situação em que a autora está, na acção, não se distingue, relevantemente, da 
 situação prevista em abstracto, em que podem estar outras partes, declaradas 
 ilegítimas por não estarem em juízo determinadas pessoas.
 
  
 Verdadeiramente, do que a recorrente discorda é do entendimento que vingou nas 
 decisões proferidas nos autos segundo o qual “não se verifica, dada a decisão 
 proferida, a presença de uma das partes na relação material controvertida, pelo 
 que não estamos perante um simples chamar outros interessados a intervir na 
 demanda” (fl. 1267), o que não tem que ver com a “interpretação normativa” do 
 artigo 269.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que impugna em sede de 
 requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade - peça processual 
 que fixa o respectivo objecto -, “de modo a produzir o efeito jurídico de a 
 Herança Indivisa Autora não poder estar em juízo, nem mesmo acompanhada de todos 
 os herdeiros” (fl. 1486). [Itálico aditado].
 Não tendo a recorrente colocado ao Tribunal qualquer questão de 
 
 (in)constitucionalidade normativa, não pode tomar-se conhecimento do recurso.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento 
 do objecto do recurso, e condenar a recorrente em custas, fixando a taxa de 
 justiça em  12  (doze) unidades de conta.
 
  
 
  
 Lisboa, 2 de Julho de 2008
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão