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Processo n.º 765/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 
        Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
 
 
                         1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao 
 abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 20 de Outubro de 2008, que 
 decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não julgar 
 inconstitucional a norma do artigo 75.º, n.º 8, do Estatuto Disciplinar dos 
 Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (EDFAACRL), 
 aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que estabelece que da 
 aplicação de quaisquer penas que não sejam da exclusiva competência de um 
 membro do Governo cabe recurso hierárquico necessário, e, consequentemente, 
 negou provimento ao recurso por ela interposto, confirmando o acórdão recorrido, 
 na parte impugnada.
 
  
 
                         1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do Tribunal 
 Central Administrativo Norte (TCAN), de 17 de Julho de 2008, que negou 
 provimento ao recurso jurisdicional por ela interposto da sentença do Tribunal 
 Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, de 18 de Outubro de 2007, que, na acção 
 administrativa especial por ela instaurada contra o Ministério da Educação em 
 que impugnava o despacho do Director Regional de Educação do Norte, de 31 de 
 Março de 2005, que lhe aplicara a pena disciplinar de 60 dias de suspensão, 
 julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado, por dele 
 caber recurso hierárquico necessário, por força do disposto no n.º 8 do artigo 
 
 75.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração 
 Central, Regional e Local (EDFAACRL), aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 24/84, de 16 
 de Janeiro, que dispõe: «Da aplicação de quaisquer penas que não sejam da 
 exclusiva competência de um membro do Governo cabe recurso hierárquico 
 necessário».
 
             De acordo com o requerimento de interposição de recurso, «a decisão 
 recorrida aplicou norma arguida de inconstitucionalidade (n.º 8 do artigo 75.º 
 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, 
 Regional e Local) e interpretou, aplicando o n.º 1 do artigo 51.º do CPTA, em 
 desconformidade com o preceituado no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da 
 República Portuguesa», tendo a questão de inconstitucionalidade sido 
 
 «suscitada durante todo o processo: petição inicial, alegações de recurso 
 jurisdicional e resposta ao parecer do Ministério Público», e reputando 
 violados os «artigos 3.º, n.º 3, 8.º, n.ºs 1 e 2, 17.º, 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 
 
 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa» e os «princípios da 
 dignidade da pessoa humana, do Estado de Direito democrático, da protecção da 
 confiança dos cidadãos no Estado, da subordinação das leis à Constituição, da 
 garantia da tutela jurisdicional efectiva, da justiça e da prevalência da 
 matéria sobre a forma».
 
             A questão de constitucionalidade que constitui objecto do presente 
 recurso – a constitucionalidade do «recurso hierárquico necessário» como 
 condição de acesso à justiça administrativa – já foi objecto de anteriores 
 decisões deste Tribunal, o que permite qualificar tal questão como «questão 
 simples» e possibilita a prolação de decisão sumária, ao abrigo do disposto 
 no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
  
 
             2. O acórdão recorrido assentou na seguinte fundamentação jurídica:
 
  
 
             «No caso dos autos, a única questão suscitada neste recurso 
 jurisdicional (…) resume‑se em averiguar se, com a reforma do contencioso 
 administrativo, em vigor desde 1 de Janeiro de 2004, se mantém em vigor o 
 artigo 75.º, n.º 8, do Decreto‑Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro – Estatuto 
 Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e 
 Local (doravante ED) –, onde se prevê a necessidade de interposição de recurso 
 hierárquico necessário da aplicação de pena disciplinar que não seja da 
 exclusiva competência de um membro do Governo e, no caso concreto dos autos, se 
 da decisão punitiva do Director Regional de Educação do Norte, que sancionou a 
 recorrente com a pena de suspensão, graduada em 60 dias, cabia recurso 
 hierárquico necessário para o Secretário de Estado da Administração Educativa.
 
             Preceitua o artigo 75.º do ED, com a epígrafe ‘Recurso 
 hierárquico’, que: ‘(…) 8. Da aplicação de quaisquer penas que não sejam da 
 exclusiva competência de um membro do Governo cabe recurso hierárquico 
 necessário’.
 
             Porque a questão que nos vem colocada já se mostra decidida pelo 
 acórdão do STA [Supremo Tribunal Administrativo], de 28 de Dezembro de 2006, in 
 Proc. 01061/06, recurso [excepcional de revista], nos termos do artigo 150.º do 
 CPTA [Código de Processo nos Tribunais Administrativos], com o qual concordamos 
 inteiramente e que não contendem com quaisquer princípios jurídicos, seja de 
 
 índole constitucional ou de direito internacional, como os invocados pela 
 recorrente, entendemos por suficiente e adequado remeter para a jurisprudência 
 aí sufragada, que, de forma fundamentada, justifica a coexistência da norma 
 legal questionada com as normas emergentes da reforma do contencioso 
 administrativo, sem que se possa, de alguma maneira, justificadamente, 
 questionar a necessidade de interposição de recurso hierárquico necessário, 
 
 ‘como preliminar indispensável de acesso ao recurso contencioso’, nas palavras 
 do Prof. Freitas do Amaral, in Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, vol. 
 I, pág. 20, ou, nas palavras do Prof. Marcello Caetano, Manual, 10.ª ed., pág. 
 
 1265, ‘o recurso hierárquico é necessário para se transformar o acto do 
 subalterno noutro contenciosamente recorrível’.
 
             Na verdade, o acto sujeito a recurso hierárquico necessário é 
 apenas potencialmente lesivo dos direitos e interesses do particular e, uma 
 vez que esse recurso tem efeito suspensivo, o princípio da tutela jurisdicional 
 efectiva não reclama a interposição do recurso contencioso antes da exaustão dos 
 meios graciosos.
 
             Consta, assim, do referido aresto do STA:
 
  
 
             ‘(…) a questão relevante que aqui importa clarificar é a de saber se 
 se mantêm em vigor as disposições legais especiais que, na vigência da revogada 
 LPTA, expressamente previam uma impugnação administrativa necessária como 
 condição de abertura da via contenciosa de determinados actos administrativos, 
 como é o caso do n.º 8 do artigo 75.º do ED, ou se tais disposições se 
 consideram revogadas face aos artigos 51.º e 59.º, n.ºs 4 e 5, do CPTA e ao 
 artigo 268.º, n.º 4, da CRP, como pretende a recorrente.
 
             Com efeito, não tem sido pacífica, pelo menos, desde a redacção do 
 n.º 4 do artigo 268.º da CRP, introduzida pela Lei [Constitucional] n.º 1/89, de 
 
 8 de Julho (2.ª revisão constitucional, que eliminou a referência à 
 definitividade e executoriedade do acto administrativo, constante do n.º 3 do 
 artigo 268.º, na redacção inicial, como condição da sua recorribilidade 
 contenciosa, passando a referir a garantia de recurso contencioso à lesividade 
 do acto), a questão da compatibilidade, com este preceito constitucional, das 
 disposições que prevêem impugnações administrativas necessárias.
 
             Como é sabido, na vigência da LPTA, foi suscitada por alguma 
 doutrina a questão da inconstitucionalidade superveniente do artigo 25.º deste 
 diploma, face ao n.º 4 do artigo 268.º da CRP, na versão de 1989, já que aquele 
 preceito da LPTA dispunha que “só é admissível recurso dos actos definitivos e 
 executórios”, sendo que o citado preceito constitucional, na apontada redacção, 
 deslocou a garantia de recurso contencioso da definitividade e executoriedade 
 do acto, para a sua lesividade, como referimos (a favor da compatibilidade 
 constitucional de tais normas, se pronunciaram, por exemplo, Vieira de Andrade, 
 
 “Em Defesa do Recurso Hierárquico”, CJA, n.º 0, p. 13 e segs., e Mário Aroso de 
 Almeida, “As implicações de direito substantivo da reforma do contencioso 
 administrativo”, CJA, n.º 34, p. 71 e segs., e contra, Vasco Pereira da Silva, 
 Em Busca do Acto Administrativo Perdido, pp. 667 e 674, e Ventos de Mudança…, 
 
 […], pp. 11 e 66/89, e Paulo Otero, “As garantas impugnatórias dos particulares 
 no CPA”, Scientia Ivridica, vol. XII (n.º 235/237), p. 58 e segs.).
 
             Essa questão foi abundantemente apreciada por este STA, 
 designadamente pelo Pleno da 1.ª Secção, e levada até ao Tribunal 
 Constitucional, tendo, uniformemente, vindo a ser resolvida pela jurisprudência 
 de ambos os Tribunais no sentido da não inconstitucionalidade do artigo 25.º da 
 LPTA, no entendimento, em síntese, de que a consagração, na lei, de um meio de 
 impugnação administrativa necessária não contende, de per si, com a garantia 
 de recurso contencioso acolhida no n.º 4 do artigo 268.º da CRP, o que só 
 aconteceria se o direito de acesso ao tribunal, consagrado no artigo 20.º da 
 CRP, fosse, por essa via, suprimido ou restringido intoleravelmente, caso que 
 não acontece com a impugnação necessária, já que o administrado pode sempre vir 
 a impugnar judicialmente o acto que põe fim ao procedimento. A lesão do direito 
 invocada, a existir, seria, por isso, meramente potencial (cf. acórdãos do Pleno 
 do STA, de 3 de Fevereiro de 1996, rec. n.º 41 608, de 7 de Maio de 1996, rec. 
 n.º 32 592, de 9 de Novembro de 1999, rec. n.º 45 085, de 18 de Fevereiro de 
 
 2000, rec. n.º 30 307, de 29 de Junho de 2001, rec. n.º 46 058, e de 18 de Abril 
 de 2002, rec. n.º 46 058, bem como da Secção, de 21 de Maio de 1992, rec. n.º 30 
 
 391, de 16 de Fevereiro de 1994, rec. n.º 32 904, de 7 de Março de 1996, rec. 
 n.º 39 216, de 14 de Novembro de 1996, rec. n.º 32 132, de 25 de Junho de 1998, 
 rec. n.º 43 603, de 12 de Maio de 1999, rec. n.º 44 684, de 2 de Março de 2000, 
 rec. n.º 45 569, de 3 de Maio de 2001, rec. n.º 46 888, de 5 de Dezembro de 
 
 2002, rec. n.º 194/02, entre outros, e Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 
 
 86/84, n.º 39/88, [Acórdãos do Tribunal Constitucional], vol. 11.º, p. 233, 
 BMJ, n.º 374, p. 147, n.º 28/92, DR, II Série, n.º 69, de 22 de Março de 1985, 
 p. 3160, n.º 9/95, n.º 603/95, DR, II, de [14 de Março de 1996], p. 3484, n.º 
 
 24/96, n.º 115/96, n.º 499/96, de 20 de Março de 1996, proc. n.º 383/93, n.º 
 
 1002/96, n.º 32/98, n.º 676/98, n.º 425/99, n.º 431/99, n.º 124/2000, proc. n.º 
 
 231/99, n.º 40/2001 e n.º 283/2001, entre outros).
 
             Posteriormente, com a nova redacção do n.º 4 do artigo 268.º da CRP, 
 introduzida pela Lei [Constitucional] n.º 1/97, de 20 de Setembro, que veio 
 incluir, expressamente, no direito à tutela jurisdicional efectiva, a 
 impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem direitos e interesses 
 legalmente protegidos dos administrados, reacendeu‑se a polémica da 
 compatibilidade com o citado preceito constitucional, agora na versão de 1997, 
 das impugnações administrativas necessárias (cf. Vasco Pereira da Silva, “De 
 necessário a útil: a metamorfose do recurso hierárquico no novo contencioso 
 administrativo”, CJA, n.º 47, p. 21 e segs., e Mário Aroso de Almeida, O Novo 
 Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição, Almedina, p. 139, 
 e Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), p. 269).
 
             Mas quer este STA, quer o Tribunal Constitucional, se pronunciaram 
 já, em vários arestos, pela compatibilidade do artigo 25.º da LPTA, e, 
 consequentemente, das normas que impõem uma prévia impugnação administrativa 
 necessária para abrir a via contenciosa, com o citado preceito constitucional, 
 na versão de 1997, que é a actual, reiterando a jurisprudência anterior, por 
 considerarem que não é infirmada pelas alterações introduzidas no citado n.º 4 
 do artigo 268.º da CRP com a revisão constitucional de 1997.
 
             Refere‑se, por exemplo, a este propósito, no Acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 425/99:
 
  
 
             “(…) Após a Lei Constitucional n.º 1/97, neste artigo 268.º, n.º 4, 
 passou a referir‑se o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, incluindo, 
 nomeadamente, a impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem os 
 administrados, independentemente da sua forma.
 
             Tal norma contém, pois, uma garantia de protecção jurisdicional de 
 natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Dela decorre, 
 designadamente, a «inconstitucionalidade de normas erguidas como impedimento 
 legal a uma protecção adequada de direitos e interesses legalmente protegidos 
 dos particulares», bem como um dever de configuração adequada dos instrumentos 
 de tutela judicial já existentes (assim, J. J. Gomes Canotilho, Direito 
 Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p. 457).
 
             Todavia, não se vê que da consagração dessa garantia de protecção 
 jurisdicional, dirigida à protecção dos particulares através dos tribunais, 
 deste direito de impugnação dos actos administrativos lesivos, haja que decorrer 
 a impossibilidade do condicionamento, pelo legislador, de tal recurso 
 contencioso a um recurso hierárquico dos actos administrativos proferidos por 
 
 órgãos subalternos da Administração, ou, o que é o mesmo, que dela decorra uma 
 obrigatória impugnabilidade jurisdicional imediata desses actos, 
 independentemente da sua reapreciação por órgãos superiores. Do artigo 268.º, 
 n.º 4, da Constituição não resulta, na verdade, como se diz no acórdão 
 recorrido, «a ideia de que todo o acto que não aquiesça às pretensões de um 
 cidadão é imediatamente recorrível para os tribunais».
 
             Desde logo, um acto administrativo da autoria de um subalterno, como 
 acto precário, susceptível de ser alterado por órgãos superiores, não reveste 
 também carácter lesivo, como última palavra da Administração sobre a matéria, 
 que não possa ser corrigida pela própria Administração. A reacção contra a 
 potencial lesão resultante desse acto, igualmente precária, não tem, pois, que 
 poder efectivar‑se imediatamente através do recurso aos tribunais, podendo tal 
 reacção ser condicionada à reapreciação pela própria Administração.
 
             Por outro lado, da obrigatoriedade de um prévio recurso hierárquico 
 não resulta a inviabilização, ou sequer, a inadequação da tutela de direitos e 
 interesses dos particulares. Apenas se impõe a necessidade de impugnação 
 hierárquica prévia dos actos de órgãos subalternos, ficando, em qualquer caso, 
 assegurado o posterior recurso contencioso.
 
             (…)
 
             A tutela jurisdicional efectiva dos administrados não resulta, nem 
 inviabilizada, nem sequer restringida pela previsão de tal via hierárquica 
 necessária, como meio de, em primeira linha, tentar obter a satisfação do 
 interesse do administrado pela revisão do acto administrativo praticado pelo 
 
 órgão subalterno da Administração, previamente ao sempre assegurado recurso 
 jurisdicional. Trata‑se apenas de condicionamento legítimo do direito de 
 recurso contencioso, ficando sempre ressalvada a garantia de tutela judicial em 
 todos os casos concretos (…)” [no mesmo sentido se pronunciaram os Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional n.º 283/2001 e n.º 235/2003].
 
  
 
             Igualmente o STA tem reafirmado que só há inconstitucionalidade se 
 o percurso imposto por lei para alcançar a via contenciosa suprimir ou 
 restringir intoleravelmente o direito de acesso ao tribunal ou, por qualquer 
 forma, prejudicar de forma desproporcionada (ou arbitrária) a tutela judicial 
 efectiva dos cidadãos, o que não acontece, em princípio, com as impugnações 
 administrativas necessárias, maxime, o recurso hierárquico necessário (cf. 
 acórdão do Pleno, de 6 de Fevereiro de 2003, rec. n.º 1865/02, e acórdãos da 
 Secção, de 9 de Abril de 2003, rec. n.º 350/03, e de 2 de Outubro de 2003, rec. 
 n.º 1005/03, entre outros).
 
             Com efeito, além de se encontrar assegurada a via contenciosa, a 
 impugnação administrativa quando necessária gera, em princípio, a suspensão 
 automática dos efeitos do acto impugnado, como decorre dos artigos 163.º, n.º 1, 
 e 170.º do CPA, além de que é um meio de reacção mais fácil e barato, 
 proporcionando ainda vantagens de ordem prática, já que o recurso hierárquico 
 necessário obriga a que o superior hierárquico, supostamente mais habilitado, 
 se pronuncie sobre o caso, evitando, eventualmente, a impugnação judicial, e, 
 portanto, as despesas inerentes, além de proporcionar mais tempo para a 
 preparação da impugnação judicial e do eventual pedido de suspensão de 
 eficácia do acto, no caso da decisão ser desfavorável (cf. neste sentido, 
 Vieira de Andrade, obra e local citados).
 
             Mas se assim era antes da entrada em vigor do CPTA, em 1 de Janeiro 
 de 2004, não há razão para deixar de o ser, após a entrada em vigor deste 
 diploma legal, uma vez que o mesmo se limitou a concretizar a referida norma 
 constitucional (citado n.º 4 do artigo 268.º da CRP, na versão de 1997), a qual, 
 entretanto, não sofreu qualquer alteração, pelo que a jurisprudência referida 
 mantém hoje inteira actualidade. E, assim sendo, pelas razões já referidas, 
 continua a não existir qualquer incompatibilidade, com o citado preceito 
 constitucional, das normas que hoje especialmente prevejam impugnações 
 administrativas necessárias.
 
             Pelo que, concordando com essa jurisprudência e transpondo‑a para a 
 situação sub judice, forçoso é concluir pela compatibilidade do n.º 8 do artigo 
 
 75.º do ED com o citado preceito constitucional.
 
             Com efeito, a exigência, contida no n.º 8 do artigo 75.º do ED, de 
 interposição de recurso hierárquico necessário dos despachos que apliquem 
 quaisquer penas disciplinares que não sejam da exclusiva competência de um 
 membro do Governo, não suprime nem restringe intoleravelmente o direito de 
 acesso aos tribunais (artigo 20.º da CRP), nem viola o direito à tutela judicial 
 efectiva (artigo 268.º, n.º 4, da CRP), pois o administrado pode sempre 
 impugnar contenciosamente, nos termos gerais, eventual decisão desfavorável da 
 impugnação administrativa, não sendo também afectada a sua utilidade, na medida 
 em que, nos termos do n.º 6 do mesmo preceito legal, a interposição daquele 
 recurso hierárquico suspende os efeitos do acto punitivo, pelo que estamos 
 perante um condicionamento legítimo.
 
             Consequentemente, o citado preceito do ED não padece de 
 inconstitucionalidade material superveniente, por violação do n.º 4 do artigo 
 
 268.º da CRP.
 
 *
 
             Resta, pois, apreciar se o n.º 8 do artigo 75.º do ED foi revogado 
 pelos artigos 51.º, n.º 1, e 59.º, n.ºs 4 e 5, do CPTA, como também pretende a 
 recorrente.
 
             É verdade que os defensores da inconstitucionalidade das normas que 
 prevêem impugnações administrativas necessárias vêem, nos referidos preceitos 
 do CPTA, uma vontade legislativa de afastar definitivamente a impugnação 
 administrativa necessária, de a proibir, vontade que pretendem corresponder 
 também à vontade do legislador constitucional.
 
             Só que, como vimos, não foi essa a vontade do legislador 
 constitucional, e também não resulta do CPTA, designadamente dos citados 
 preceitos legais, que tenha sido essa a intenção do legislador ordinário, nem se 
 compreende sequer a necessidade de absoluta proibição da impugnação 
 administrativa necessária, se, como se referiu, tal condicionamento não põe, em 
 princípio, em causa a tutela jurisdicional efectiva.
 
             O que se passou foi que o legislador do CPTA, concretizando agora, 
 na lei ordinária, o alargamento, pretendido pelo legislador constitucional, da 
 garantia de recurso contencioso a quaisquer actos administrativos lesivos dos 
 direitos e interesses dos administrados, veio inverter a regra, até então 
 existente, do recurso hierárquico necessário, para a regra do recurso 
 hierárquico facultativo, permitindo que o administrado possa agora optar entre 
 só impugnar o acto contenciosamente, só impugnar o acto administrativamente, 
 ou impugnar um e outro, como decorre dos artigos 51.º, n.º 1, e 59.º, n.ºs 4 e 
 
 5, citados pela recorrente.
 
             Dispõem estes preceitos, que:
 
  
 
             Artigo 51.º:
 
             1. Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são 
 impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente 
 aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses 
 legalmente protegidos.
 
             (…)
 
  
 
             Artigo 59.º:
 
             (…)
 
             4. A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o 
 prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu 
 curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa 
 ou com o decurso do respectivo prazo legal.
 
             5. A suspensão do prazo previsto no número anterior não impede o 
 interessado de proceder à impugnação contenciosa do acto na pendência da 
 impugnação administrativa, bem como de requerer a adopção de providências 
 cautelares.
 
  
 
             É verdade que quem sustentava a inconstitucionalidade das normas 
 que previam impugnações administrativas necessárias já antes do CPTA, continua 
 hoje a fazê‑lo após o CPTA, defendendo que a impugnação dita necessária é hoje 
 um condicionamento desnecessário, porque afinal, face aos citados preceitos do 
 CPTA, a impugnação administrativa tem sempre carácter facultativo e suspende o 
 prazo de impugnação contenciosa do acto, sem prejuízo de o administrado poder 
 impugnar contenciosamente o acto na pendência da impugnação administrativa ou 
 decorrido o prazo legal para a sua decisão, o que significa que a impugnação 
 necessária perdeu qualquer utilidade, já que a sua única razão de ser era 
 permitir o recurso contencioso (cf. Vasco Pereira da Silva, “De necessário a 
 
 útil…”, CJA, n.º 47, p. 21 e segs., maxime pp. 23 e 25).
 
             Efectivamente, hoje, face aos referidos preceitos do CPTA e 
 contrariamente ao que acontecia face ao revogado artigo 25.º da LPTA, a regra 
 
 é o carácter facultativo da impugnação administrativa, seja reclamação, seja 
 recurso hierárquico. Houve, pois, neste aspecto, uma mudança de paradigma.
 
             Mas o estabelecimento desta regra não põe em causa as disposições 
 legais especiais que previam impugnações administrativas necessárias, pois tais 
 normas não foram expressamente, nem inequivocamente, revogadas pelo CPTA, ou 
 por qualquer outro diploma legal (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil).
 
             Mesmo quem defende que tais normas não se encontram em vigor não 
 afirma a sua revogação pelo CPTA, antes faz decorrer essa revogação ou antes 
 caducidade, por falta de objecto, de uma pretensa consagração constitucional da 
 proibição da impugnação administrativa necessária contida no n.º 4 do artigo 
 
 268.º da CRP, ou seja, em última instância, da inconstitucionalidade material 
 superveniente das referidas normas.
 
             Ora, já vimos que tal argumentação não tem condições de 
 procedência.
 
             Portanto, rejeitado o argumento da inconstitucionalidade das 
 impugnações administrativas necessárias, e não se mostrando revogadas as 
 normas que especialmente as prevêem, nem desprovidas de utilidade, há que 
 concluir hoje, face ao CPTA, que tais normas se mantêm em vigor (cf., neste 
 sentido, Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais 
 Administrativos, 2.ª edição, Almedina, p. 139, e também Vieira de Andrade, A 
 Justiça Administrativa (Lições), 4.ª edição, Almedina, p. 269 e seg.).
 
             Sendo certo que quando o legislador, na vigência da LPTA, previa 
 especialmente o recurso hierárquico necessário, sendo ele então a regra, era 
 porque nesse caso havia outras razões que justificavam tal exigência, que não, 
 ou não só, a razão que é apontada, de ser esta a via de se permitir o recurso 
 contencioso, pois há que presumir que o legislador consagrou as soluções mais 
 acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º do 
 Código Civil), designadamente essa seria a única via de suspender 
 automaticamente a produção de efeitos imediatos na esfera jurídica do 
 administrado, de um acto praticado por um subalterno, mesmo em matéria da sua 
 competência exclusiva (e continua a ser, já que a impugnação facultativa não 
 suspende os efeitos do acto, mas apenas o prazo da impugnação contenciosa, daí 
 a necessidade de se prever, no n.º 5 do artigo 59.º do CPTA, a possibilidade de 
 o administrado impugnar contenciosamente o acto e requerer providências na 
 pendência da impugnação administrativa, de outro modo, estar‑se‑ia, aqui sim, a 
 violar a tutela judicial efectiva).
 
             Portanto, a questão de saber se a impugnação necessária deixou de o 
 ser, só pelo facto de se permitir hoje, como regra, a impugnação contenciosa 
 imediata dos actos administrativos, deve ser respondida negativamente. A regra 
 
 é, de facto, essa, mas pode haver excepções, já que o legislador do CPTA não as 
 exclui.
 
             E uma dessas excepções é a prevista no n.º 8 do artigo 75.º do ED, 
 que se encontrava em vigor à data em que foi proferido o despacho do DREL, cuja 
 suspensão aqui se pretende.
 
             Face a tudo o anteriormente exposto, há que concluir que o n.º 8 do 
 artigo 75.º do ED, ao impor a interposição de um recurso hierárquico 
 necessário, não padece de inconstitucionalidade material superveniente face ao 
 n.º 4 do artigo 268.º da CRP/97, nem se encontra revogado pelo CPTA, ou por 
 qualquer outro diploma, pelo que se mantém em vigor.’»
 
  
 
             3. Como é sabido, não compete ao Tribunal Constitucional 
 pronunciar‑se sobre a correcção da interpretação do direito ordinário efectuada 
 pelas instâncias, devendo, antes, aceitar a interpretação normativa por elas 
 efectuada como um dado da questão de constitucionalidade que lhe cumpre 
 decidir. Assim, está fora do âmbito do presente recurso a apreciação da questão 
 de saber se a norma do artigo 75.º, n.º 8, do EDFAACRL foi revogada pelo CPTA, 
 como sustenta a recorrente, ou se este Código em nada afectou a subsistência e 
 validade de normas legais especiais (como a do referido artigo 75.º, n.º 8) que 
 continuam a prever o recurso hierárquico necessário, como decidiu o acórdão 
 recorrido.
 
             O objecto do presente recurso cinge‑se, assim, à questão da 
 inconstitucionalidade da norma do citado artigo 75.º, n.º 8, que a decisão 
 recorrida considerou ainda vigente, e que determina que «Da aplicação de 
 quaisquer penas que não sejam da exclusiva competência de um membro do Governo 
 cabe recurso hierárquico necessário».
 
             Como o acórdão recorrido refere, a questão da constitucionalidade da 
 figura do recurso hierárquico necessário já foi por diversas vezes apreciada por 
 este Tribunal, que sempre a decidiu no sentido da sua não 
 inconstitucionalidade, mesmo após a redacção dada ao n.º 4 do artigo 268.º da 
 CRP pela revisão constitucional de 1997.
 
             No Acórdão n.º 425/99, esse entendimento foi sustentado com a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
             «4. A questão posta no presente recurso não é nova e, concretamente 
 quanto a um acto administrativo proferido por um órgão subalterno da 
 Administração, numa via hierárquica necessária, o Tribunal Constitucional 
 entendeu que a mesma norma do artigo 25.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 267/85, de 
 
 16 de Julho, a LPTA, não é inconstitucional.
 
             Fê‑lo no Acórdão n.º 603/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 32.º, pág. 411 e segs..
 
             É a posição exposta neste aresto que há que reiterar no presente 
 recurso de constitucionalidade.
 
             Tal posição não é, na verdade, infirmada pelas alterações 
 introduzidas no texto do artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, com a revisão 
 constitucional de 1997.
 
  
 
             5. Após a Lei Constitucional n.º 1/97, neste artigo 268.º, n.º 4, 
 passou a referir‑se o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, incluindo, 
 nomeadamente, a impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem os 
 administrados, independentemente da sua forma.
 
             Tal norma contém, pois, uma garantia de protecção jurisdicional de 
 natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Dela decorre, 
 designadamente, a ‘inconstitucionalidade de normas erguidas como impedimento 
 legal a uma protecção adequada de direitos e interesses legalmente protegidos 
 dos particulares’, bem como um dever de configuração adequada dos instrumentos 
 de tutela judicial já existentes (assim, J. J. Gomes Canotilho, Direito 
 Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, pág. 457).
 
             Todavia, não se vê que da consagração desta garantia de protecção 
 jurisdicional, dirigida à protecção dos particulares através dos tribunais, e 
 deste direito de impugnação dos actos administrativos lesivos, haja que decorrer 
 a impossibilidade do condicionamento, pelo legislador, de tal recurso 
 contencioso a um recurso hierárquico dos actos administrativos proferidos por 
 
 órgãos subalternos da Administração – ou, o que é o mesmo, que dela decorra uma 
 obrigatória impugnabilidade jurisdicional imediata desses actos, 
 independentemente da sua reapreciação por órgãos superiores.
 
             Do artigo 268.º, n.º 4, da Constituição não resulta, na verdade, 
 como se diz no Acórdão recorrido, ‘a ideia de que todo o acto que não aquiesça 
 
 às pretensões de um cidadão é imediatamente recorrível para os tribunais’.
 
             Desde logo, um acto administrativo da autoria de um subalterno, como 
 acto precário, susceptível de ser alterado por órgãos superiores, não reveste 
 também carácter lesivo como última palavra da Administração sobre a matéria, 
 que não possa ser corrigido pela própria Administração. A reacção contra a 
 potencial lesão resultante desse acto, igualmente precária, não tem, pois, que 
 poder efectivar‑se imediatamente através do recurso aos tribunais, podendo tal 
 reacção ser condicionada à reapreciação pela própria Administração.
 
             Por outro lado, da obrigatoriedade de um prévio recurso hierárquico 
 não resulta a inviabilização, ou, sequer, a inadequação da tutela de direitos e 
 interesses dos particulares. Apenas se impõe a necessidade de impugnação 
 hierárquica prévia para actos de órgãos subalternos, ficando em qualquer caso 
 assegurado o posterior recurso contencioso.
 
             Já, aliás, com a 2.ª revisão constitucional se pretendeu, na 
 definição dos actos administrativos, um afastamento dos conceitos de 
 definitividade e de executoriedade, anteriormente utilizados, prevendo‑se a 
 garantia de recurso contencioso contra quaisquer actos, agora formulada como 
 garantia de ‘tutela jurisdicional efectiva’. Todavia, como se salienta na 
 doutrina, ‘a garantia constitucional não obsta a que a lei imponha, entre outras 
 condições de procedibilidade, a necessidade de impugnação administrativa 
 prévia de certos actos administrativos praticados por órgãos subalternos (actos 
 não definitivos), nem a que exija uma necessidade concreta de protecção judicial 
 do particular, por vezes inexistente em casos de actos já constituídos mas ainda 
 não eficazes – será esse (...) o sentido e o alcance actual do artigo 25.º da 
 LPTA, ao exigir que os actos sejam “definitivos e executórios”’ [J. C. Vieira de 
 Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), Coimbra, 1999, pág. 96].
 
             A tutela jurisdicional efectiva dos administrados não resulta, nem 
 inviabilizada, nem, sequer, restringida pela previsão de tal via hierárquica 
 necessária como meio de, em primeira linha, tentar obter a satisfação do 
 interesse do administrado pela revisão do acto administrativo praticado pelo 
 
 órgão subalterno da Administração, previamente ao, sempre assegurado, recurso 
 jurisdicional. Trata‑se, apenas, de um condicionamento legítimo do direito de 
 recurso contencioso, ficando sempre ressalvada a garantia da tutela judicial em 
 todos os casos concretos (veja‑se a ob. cit., págs. 181 e segs.).
 
  
 
             6. No caso concreto, sendo o acto recorrido uma decisão susceptível 
 de recurso hierárquico (cujo necessário esgotamento está justamente em causa), 
 como se salientou no citado Acórdão n.º 603/95, ‘não causou ela lesão efectiva 
 do direito que o funcionário invoca, pois, se tal direito existir, sempre ele 
 poderá vir a ser reconhecido pelo órgão a que na Administração cabe a última e 
 definitiva palavra sobre a matéria. A lesão do direito invocada, a existir, é, 
 por isso, meramente potencial.’ (isto, sendo certo que, a subsistir tal lesão, 
 não ficará inviabilizada a protecção jurisdicional contra ela).
 
             Remetendo para os fundamentos invocados neste Acórdão n.º 603/95, 
 ter‑se‑á, pois, de negar provimento ao presente recurso, não se reconhecendo 
 violação do n.º 4 do artigo 268.º, na redacção posterior a 1997, pelo preceito 
 questionado do artigo 25.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais 
 Administrativos.
 
             E, da mesma forma, não pode dizer-se que resulte desta norma 
 qualquer violação dos artigos 17.º e 18.º da Constituição (desde logo porque, 
 como vimos, a garantia do artigo 268.º, n.º 4, não é posta em causa, mas apenas 
 condicionada em obediência a interesses legítimos de unidade e eficácia da 
 acção administrativa).»
 
  
 
             Este juízo de não inconstitucionalidade de preceitos que consagravam 
 figuras de impugnação administrativa necessária (quer horizontalmente, quer 
 verticalmente) à abertura da via contenciosa foi reiterado, designadamente, nos 
 Acórdãos n.ºs 468/99 (reportado ao artigo 155.º do Código de Processo 
 Tributário), 548/99, 329/2000, 283/2001, 235/2003 e 188/2004 (os cinco 
 reportados ao artigo 25.º, n.º 1, da LPTA), 99/2001 (reportado ao artigo 56.º 
 da LPTA) e 185/2001 (tirado em Plenário e reportado aos artigos 140.º e 141.º do 
 Estatuto do Militar da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto‑Lei 
 n.º 465/83, de 31 de Dezembro, na sua redacção original, enquanto impunham, como 
 condição necessária de interposição de recurso hierárquico para o Ministro da 
 Administração Interna dos actos praticados pelo Comandante‑Geral da Guarda 
 Nacional Republicana, a reclamação prévia para o autor do acto), e nas Decisões 
 Sumárias n.ºs 280/2005 (reportada ao artigo 75.º, n.º 4, do EDFAACRL, 
 interpretado no sentido de que existe recurso hierárquico necessário para a 
 Câmara Municipal das deliberações proferidas em processo disciplinar pelo 
 conselho de administração dos serviços municipalizados) e 42/2006 (reportada ao 
 artigo 25.º da LPTA) [o texto integral dos Acórdãos e Decisões Sumárias citados 
 está disponível em www.tribunalconstitucional.pt].
 
             Na esteira desta reiterada jurisprudência, há que concluir que a 
 norma do artigo 75.º, n.º 8, do EDFAACRL, condicionando o recurso à via 
 contenciosa à prévia interposição de um recurso hierárquico que tem efeito 
 suspensivo do acto sancionatório impugnado, não só não viola os artigos 20.º, 
 n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, dado que continua assegurado o acesso aos 
 tribunais para obtenção de tutela jurisdicional efectiva contra actos lesivos de 
 direitos ou interesses legalmente protegidos, através da oportuna impugnação 
 judicial do acto que decida o recurso hierárquico (e que, por isso, representará 
 a última palavra da Administração), como não se mostra incompatível com os 
 princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de Direito democrático, da 
 protecção da confiança dos cidadãos no Estado, da subordinação das leis à 
 Constituição, da justiça e da prevalência da matéria sobre a forma.”
 
  
 
                         1.2. A reclamação da recorrente assenta nos seguintes 
 fundamentos:
 
  
 
             “1. Recorreu para o Tribunal Constitucional nos termos e com os 
 fundamentos que constam do seu requerimento, aqui dados por integralmente 
 reproduzidos para todos os efeitos legais.
 
             2. Pela douta Decisão Sumária, de que ora reclama, foi decidido:
 
             «a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 75.º, n.º 8, do 
 Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, 
 Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que 
 estabelece que da aplicação de quaisquer penas que não seja da exclusiva 
 competência de um membro do Governo cabe recurso hierárquico necessário; e, 
 consequentemente,
 
             b) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido, na 
 parte impugnada.
 
             Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 7 (sete) 
 unidades de conta.»
 
             3. Esta decisão, que confirma a decisão sob recurso constitucional, 
 louva‑se no teor dos Acórdãos n.ºs 425/99, 468/99, 548/99, 329/2000, 283/2001, 
 
 235/2003 e 188/2004 e das Decisões Sumárias n.ºs 280/2005 e 42/2006 do Tribunal 
 Constitucional, reportando‑se, tais Acórdãos e Decisões Sumárias, ao seguinte:
 
             – Artigos 25.º (2) e 56.º (5) da LPTA, esta expressamente revogada 
 pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela 
 Lei n.º 4‑A/2003, de 19 de Fevereiro;
 
             – Artigo 155.º (1) do Código de Processo Tributário, este 
 expressamente revogado pelo Decreto‑Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro; e
 
             – Artigos 140.º e 141.º (1) do Estatuto do Militar da Guarda 
 Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 465/83, de 31 de Dezembro – 
 
 «… na sua redacção original ...», antes, por isso, das normas constitucionais 
 invocadas e das alterações introduzidas pelos Decretos‑Lei n.ºs 298/94, de 24 
 de Novembro, 297/98, de 28 de Setembro, 188/99, de 2 de Junho, 504/99, de 20 de 
 Novembro, 15/2002, de 29 de Janeiro, 119/2004, de 21 de Maio, 159/2005, de 20 de 
 Setembro, e 216/2006, de 30 de Outubro.
 
             4. Como resulta da sua análise, nenhuma destas doutas Decisões se 
 refere, em concreto ou substância, à matéria sub judice ou a matéria recente, de 
 aplicação dos princípios invocados pela recorrente em conformidade com a 
 Constituição da República Portuguesa, relativamente ao direito material, 
 procedimental e/ou processual sancionatório (disciplinar) e processual 
 administrativo (em matéria sancionatória) ou com estes estabelece, material e 
 sucessivamente, uma qualquer relação compreensível, designadamente de 
 conformidade, da letra da lei e da sua interpretação e aplicação judicial, com 
 as normas constitucionais invocadas,
 
             5. E a decisão jurisdicional, confirmada pela douta Decisão Sumária, 
 com o devido respeito, também não aprecia, substancial e constitucionalmente, 
 toda a matéria exposta nos recursos jurisdicionais, quando à conformidade e à 
 interpretação concreta das respectivas normas legais com o que, 
 correlativamente, está preceituado na Constituição da República Portuguesa.
 
             6. Assim, a douta Decisão Sumária não atende, nem podia atender, 
 materialmente, às, concretamente, invocadas inconstitucionalidades.
 
             7. Isto, pela falta ou impossibilidade de aceder às precedentes 
 alegações dos recursos jurisdicionais – que o douto Acórdão confirmado também 
 não explana nem revela – mas cujo conteúdo, dando‑se por integralmente 
 reproduzido, aqui se invoca e convoca para todos os efeitos legais.
 
             8. Aliás, sobre tal desiderato, que sendo relativo a matéria 
 sancionatória, tem de conformar‑se em procedimento e/ou processo instrumental 
 compatível com os direitos fundamentais dos cidadãos em relação a ela, não é 
 feita qualquer substantiva interpretação de conformidade com a Constituição da 
 República Portuguesa, nem a douta Decisão atende ou poderia atender às, 
 sucessivamente necessárias, alegações – porque estas não se podem antecipar – a 
 produzir junto desse Venerando Tribunal,
 
             9. Tão‑pouco, tal Decisão, atende à sucessão de leis – e ao 
 aperfeiçoamento do direito – no tempo, quanto à sua estrita significação 
 constitucional, material ou substantiva e instrumental, designadamente, quanto 
 ao conteúdo das alterações ulteriores às normas apreciadas e invocadas naqueles 
 doutos Acórdãos e Decisões, como pressupostos lógicos e como manifestas 
 consequências da alteração do artigo 268.º da Constituição da República 
 Portuguesa, pelas Leis Constitucionais n.º 1/89, de 8 de Julho, e n.º 1/97, de 
 
 20 de Setembro,
 
             10. Bem como, também, em consequência dos compromissos 
 internacionais assumidos por Portugal – acolhidos ou recebidos na Constituição 
 da República Portuguesa – sobre a garantia de tutela jurisdicional efectiva em 
 matéria de direito sancionatório, material e instrumental, mormente 
 disciplinar;
 
             11. Como, também com o devido respeito, tal Decisão, não interpreta, 
 material, substantiva ou criticamente, sequer, o sentido histórico e literal do 
 n.º 1 do artigo 51.º do CPTA, em vigor desde o dia 1 de Janeiro de 2004, no 
 contexto do aludido aperfeiçoamento do direito – tantas vezes invocado nos 
 preâmbulos dos diplomas ou nas leis preambulares e nas discussões parlamentares 
 sobre a matéria – e da unidade do ordenamento jurídico‑constitucional, como 
 consequência, directa e necessária, da sucessão das invocadas normas e 
 princípios constitucionais e dos compromissos internacionais a que Portugal está 
 adstrito, designadamente, por, entre outros, ter subscrito a Convenção Europeia 
 dos Direitos do Homem;
 
             12. Nem, em concreto, aprecia – ou podia apreciar – a invocada 
 violação material, decorrente da interpretação, nas decisões jurisdicionais em 
 crise no recurso constitucional, dos princípios e das normas constitucionais 
 invocadas pela reclamante.
 
             13. Por outro lado, como resulta do requerimento de recurso e da 
 ulterior junção de documentos, a ora reclamante obteve a concessão do apoio 
 judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça, sem que, na 
 supra referida condenação em custas, esteja salvaguardado que, como é habitual, 
 tal condenação, é «sem prejuízo do apoio judiciário concedido».
 
             Nestes termos e nos melhores de direito, sempre douto suprimento de 
 Vossas Excelências, requer se dignem ordenar o prosseguimento da lide, 
 conhecendo do objecto do recurso e seguindo‑se os demais termos do processo até 
 final, com todas as consequências legais, designadamente, sem prejuízo do apoio 
 judiciário obtido pela reclamante, como é de Justiça.”
 
  
 
                         1.3. O recorrido (Ministério da Educação) não apresentou 
 resposta.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Se bem se entende a reclamação da recorrente, o que 
 esta contesta é a possibilidade de, no caso, ter sido proferida decisão 
 sumária, quer por falta de identidade da presente situação com as situações 
 sobre que versaram as anteriores decisões do Tribunal Constitucional, quer por 
 só após a apresentação das suas alegações neste Tribunal ser possível apreender 
 a questão de constitucionalidade que se pretendia ver apreciada.
 
                         Porém, como é sabido, o objecto do recurso de 
 constitucionalidade é definido no respectivo requerimento de interposição, sendo 
 inadmissível a sua ampliação nas posteriores alegações, ao que acresce que, 
 tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da LTC (como é o presente caso), exige‑se identidade entre o critério normativo 
 identificado no requerimento de interposição de recurso quer com o critério 
 normativo arguido de inconstitucional perante o tribunal recorrido, quer com o 
 critério normativo por este tribunal aplicado, na decisão recorrida, como ratio 
 decidendi. Assim sendo, quando foi proferida a decisão sumária ora reclamada a 
 questão de constitucionalidade que constituía objecto do recurso já estava 
 definitivamente demarcada.
 
                         Por outro lado, como se explicou no Acórdão n.º 131/2004 
 
 (proferido em reclamação de decisão sumária na qual a reclamante também 
 questionava a verificação dos requisitos estabelecidos no artigo 78.º‑A, n.º 1, 
 da LTC para a emissão de uma decisão sumária, sustentando serem dois os 
 fundamentos possíveis de uma tal decisão – a existência de uma decisão anterior 
 do Tribunal sobre a mesma questão ou ser a questão manifestamente infundada – e 
 que, no caso, a decisão anterior em que se baseou a decisão sumária não terá 
 julgado a mesma questão por os parâmetros de constitucionalidade agora indicados 
 serem mais amplos):
 
  
 
             “Em primeiro lugar não é exacto que o artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC 
 só permita a decisão sumária nas situações apontadas pela recorrente.
 
             Com efeito, o preceito da LTC, ao conferir ao relator os poderes 
 para emitir decisão sumária por a questão ser simples, não condiciona esta 
 qualificação ao facto de haver decisão anterior sobre a mesma questão; tal é, 
 desde logo, contrariado pela circunstância de aquele condicionamento ser 
 antecedido pela expressão «designadamente», o que não pode deixar de significar 
 a possibilidade de qualificar a questão como simples por uma multiplicidade de 
 razões, mesmo que ela não tenha sido exactamente a mesma que foi objecto de 
 decisão anterior.
 
             Bastará para tal qualificação que na fundamentação da decisão 
 anterior, muito embora sobre questão não inteiramente coincidente com a dirimida 
 em posterior recurso, se tenham formulado juízos que imponham uma determinada 
 solução de direito neste recurso, merecendo a questão, por essa via, a 
 qualificação de simples.”
 
  
 
                         Tem sido reiteradamente afirmada esta orientação, no 
 sentido de a admissibilidade de prolação de decisão sumária não se cingir a 
 situações em que exista anterior decisão do Tribunal Constitucional sobre norma 
 reportada ao mesmo preceito legal e com ponderação de todos os argumentos ou 
 razões expendidos no novo processo, antes “abrange outras situações em que a 
 fundamentação desenvolvida em anterior acórdão permita considerar a questão 
 como já «tratada» pelo Tribunal, mesmo que não ocorra integral coincidência dos 
 preceitos em causa e dos argumentos esgrimidos num e noutro processo” (Acórdão 
 n.º 650/2004; cf. ainda os Acórdãos n.ºs 616/2005, 2/2006, 233/2007, 530/2007 e 
 
 5/2008).
 
                         No presente caso, a questão de constitucionalidade que 
 se suscitava era a da admissibilidade da figura do recurso hierárquico 
 necessário, a qual, como se evidenciou na decisão sumária ora reclamada, já foi 
 objecto de diversas decisões deste Tribunal, sempre no sentido da não 
 inconstitucionalidade, sendo irrelevante, por acessório relativamente ao cerne 
 da questão, a diversidade de preceitos legais a propósito dos quais a questão 
 foi suscitada. A questão de constitucionalidade permanece substancialmente 
 idêntica mesmo que, com o CPTA, a regra geral tenha deixado de ser o carácter 
 necessário dos recursos hierárquicos, para passar a ser a regra do carácter 
 facultativo, pois tal não impediu – questão cuja decisão coube às instâncias, 
 sem possibilidade de crítica por parte do Tribunal Constitucional – que se 
 considerassem subsistentes (apesar da alteração da regra) os preceitos legais 
 especiais que continuaram a prever impugnações administrativas necessárias, 
 como é justamente o caso da norma do artigo 75.º, n.º 8, do EDFAACRL.
 
                         Na anterior jurisprudência constitucional citada – 
 designadamente no Acórdão n.º 425/99 – já foi tida em conta a alteração de 
 redacção do n.º 4 do artigo 268.º da CRP operada pela revisão constitucional de 
 
 1997, não tendo sobrevindo qualquer outra alteração constitucional que 
 impusesse ou justificasse a reponderação da questão. E, por outro lado, entre 
 essa jurisprudência contam‑se casos em que a impugnação administrativa 
 necessária respeita a actos de natureza sancionatória, como, por exemplo, o 
 Acórdão n.º 185/2001, tirado em Plenário, ou a Decisão Sumária n.º 280/2005, 
 reportada a outro número (o n.º 4) do mesmo artigo 75.º do EDFAACRL.
 
                         Conclui‑se, assim, pela admissibilidade, no caso, da 
 prolação de decisão sumária, cujo sentido decisório se confirma, pelos 
 fundamentos nela explanados.
 
  
 
                         3. Termos em que acordam em indeferir a presente 
 reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada, que negou provimento ao 
 recurso por não julgar inconstitucional a norma do artigo 75.º, n.º 8, do 
 Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, 
 Regional e Local, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que 
 estabelece que da aplicação de quaisquer penas que não sejam da exclusiva 
 competência de um membro do Governo cabe recurso hierárquico necessário.
 
                         Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 25 de Novembro de 2008.
 Mário José de Araújo Torres
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos