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Processo nº 878/2006
 
 2ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
 1.  Nos presentes autos foi proferida a seguinte Decisão Sumária:
 
  
 
 1.  Nos presentes autos, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu o seguinte 
 acórdão, datado de 25 de Maio de 2006:
 
  
 A. intentou a presente acção, com processo ordinário, contra B.. e mulher, C., 
 D., E. e F., pedindo a declaração de nulidade da escritura de justificação 
 lavrada em 11/10/2000, no Cartório Notarial de Machico, com o fundamento de que 
 os imóveis nela identificados são sua pertença, sendo falsa a Declaração do réu 
 B., nessa mesma escritura feita, de que os adquirira ao autor e à sua falecida 
 mulher.
 Na 1ª instância a acção foi julgada improcedente, tendo a respectiva decisão 
 sido confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Setembro 
 de 2005.
 Inconformado, recorreu o A. para este Supremo Tribunal.
 O relator, considerando simples as questões suscitadas no recurso, proferiu a 
 decisão de fls. 501 a 508, nos termos dos artigos 705º e 726º do C.P. Civil, 
 negando a revista.
 Reclamou o A. ao abrigo do disposto nos artigos 700º, nº 3 e 726º, daquele 
 diploma, para a conferência, alegando, essencialmente, o seguinte:
 
 –  O relator não poderá substituir‑se ao tribunal de recurso para catalogar uma 
 questão de “simples”, não revelando as razões dessa catalogação.
 
 –  O autor demonstrou que o prédio justificado jamais poderia ter sido adquirido 
 pelos réus, visto que tal prédio não existira jamais. Os réus só poderiam ter 
 justificado um prédio urbano e outro prédio rústico, que não qualquer prédio 
 misto.
 
 –  O autor ilidiu a presunção que emerge do artigo 7º do Cod. Reg. Predial, o 
 que não foi analisado.
 
 –  O autor demonstrou que a posse dos réus não foi exercida em nome próprio, nem 
 exclusiva, mas sim precária.
 
 –  O facto de a Relação ter decidido que, neste caso, cabe ao autor o ónus da 
 prova do seu direito, constitui uma “decisão surpresa”.
 
 –  A resposta ao quesito 16º é conclusiva.
 
 –  A alusão feita pelo relator à impugnação do autor sobre a motivação da 
 matéria de facto é simplista.
 
 –  Não é correcta a afirmação feita na decisão reclamada de que a parte rústica 
 do imóvel foi adquirida ao autor em 1961.
 Responderam os réus pugnando pelo indeferimento da reclamação.
 Decidindo.
 Prescreve o artigo 705º do C.P. Civil que quando o relator entender que a 
 questão a decidir é simples, designadamente por já ter sido jurisdicionalmente 
 apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente 
 infundado, profere decisão sumária.
 Decorre do teor deste preceito que o entendimento sobre a simplicidade da 
 questão a decidir é fruto do juízo pessoal do relator sobre essa mesma questão.
 A alusão à reiteração e uniformidade das decisões jurisdicionais é meramente 
 exemplificativa.
 E, como a reclamante reconhece, as partes não são prejudicadas com uma decisão 
 sumária do relator porque dela podem reclamar para a conferência (artigo 700º, 
 nº 3, do C.P. Civil).
 Ao elenco dos factos provados, acrescenta‑se um outro descrito no acórdão da 
 Relação que se reporta à inscrição, na Conservatória do Registo Predial da 
 Madeira, do prédio misto em causa, identificado sob o item 1), a favor dos réus 
 B. e mulher, C., mediante a ap. 03/001211.
 Na decisão reclamada são abordadas as questões objecto da reclamação.
 
 É certo que, naquela decisão, por mero lapso, se escreveu que a parte rústica 
 foi adquirida ao recorrente em 1961 quando o que consta do elenco dos factos 
 provados é que, naquela data, foi o ora reclamante quem a adquiriu.
 Porém, esse lapso em nada belisca o discurso jurídico, aí feito, sobre a prova 
 de que os recorridos são os proprietários do imóvel em causa pois também está 
 provado que todo esse imóvel, em finais dos anos sessenta, princípios dos anos 
 setenta, o réu B., por contrato verbal, o adquiriu ao autor A. e mulher.
 Assim, pelas razões expostas na Decisão de fls. 501 a 508, que aqui se dá por 
 integralmente reproduzida, indefere‑se a reclamação, mantendo‑se, portanto, a 
 negação da revista.
 
  
 O recorrente requereu a aclaração do acórdão de 25 de Maio de 2006, aclaração 
 indeferida por acórdão de 6 de Julho de 2006.
 O recorrente arguiu nulidades, arguição indeferida por acórdão de 21 de Setembro 
 de 2006.
 
  
 
 2.  A. interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
 
  
 A., nos autos cíveis de revista em que é recorrido B., vem interpor recurso de 
 constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70°, 1, 
 alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, na 
 redacção dada pela Lei n° 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei n° 13-A/98, de 26 
 de Fevereiro), e com os fundamentos seguintes: 
 Pretende o recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade da norma contida no 
 artigo 705° do Código de Processo Civil, na dimensão normativa que subjaz à 
 decisão do Supremo, proferida em 25 de Maio de 2006. 
 Segundo se diz nesse acórdão, louvando-se para tanto no teor do citado artigo, 
 
 “(...) o entendimento sobre a simplicidade da questão a decidir é fruto do juízo 
 pessoa! do relator sobre essa mesma questão” (vd. pág. 2 do cit. acórdão). 
 Mesmo porque, diz-se ainda, a alusão à reiteração e uniformidade das decisões 
 jurisdicionais é meramente exemplificativa. 
 Após o que conclui: “E, como a reclamante reconhece, as partes não são 
 prejudicadas com uma decisão sumária do relator porque dela podem reclamar para 
 a conferência (...)”. 
 Quer dizer, apesar de se encontrar preceituado, na referida disposição, que em 
 determinadas circunstâncias igualmente previstas que fazem com que a questão a 
 decidir possa ser considerada “simples”, o relator pode proferir decisão 
 sumária, vem-se dizer no douto acórdão de 25.05.2006 que o entendimento para que 
 tal suceda é fruto, apenas, do juízo pessoal do relator, que as razões pelas 
 quais o relator pode julgar dessa forma, ou fica habilitado a julgar o recurso 
 de forma sumária são ajuizadas pelo próprio, pertencem ao próprio, não se 
 mostrando por isso necessário que o mesmo as fundamente ou justifique, o que o 
 mesmo é que dizer que não se justifica que o relator justifique o porquê da 
 decisão sumária que tomou. 
 Em suma, não vê o douto acórdão necessidade por parte do relator em 
 fundamentar/justificar o porquê da decisão sumária, o porquê de ter considerado 
 a questão a decidir como “simples”, uma vez que as partes podem sempre reclamar 
 para a conferência... 
 Foi este o eixo central da interpretação efectuada pelo Supremo sobre a 
 disposição contida no artigo 705°, na decisão proferida ao abrigo do disposto no 
 artigo 700°, n° 3, por remissão do artigo 726° do mesmo diploma. 
 Proferido o acórdão, o autor veio pedir a sua aclaração, por se lhe afigurar que 
 a interpretação que se havia feito do artigo 705° era inconstitucional, visto 
 afrontar e violar, segundo notou então, como agora, o estatuído nos artigos 2°, 
 
 200 e 205°, n° 1 da Lei Fundamental. 
 Conforme referiu àquela altura (continuando a perfilhar a mesma opinião), 
 sustentar que o entendimento sobre a simplicidade da questão a decidir depende 
 apenas e tão-somente do juízo pessoal do relator, é o mesmo que dizer que o 
 Julgador não tem de fundamentar as decisões que emite e profere, é no fundo 
 dizer que as partes e, neste caso particular o autor, não têm direito a que o 
 litígio seja julgado mediante um processo justo e equitativo, que não têm 
 direito a uma tutela judicial efectiva, é no fundo privar ou coarctar o direito 
 de defesa dos cidadãos perante os órgãos judiciais, a quem cabe o papel de 
 administrar justiça em nome do povo. 
 Ora, se as partes devem ter acesso à percepção completa do teor das decisões 
 judiciais, por forma a que elas fiquem convenientemente habilitadas a impugnar 
 os vícios que as mesmas eventualmente contenham, é óbvio que o legislador terá 
 sempre de respeitar essa dimensão garantística atribuída aos intervenientes 
 processuais, que não é outra coisa senão o direito de acesso ao direito e aos 
 tribunais, além da obrigação, de cariz ou direito constitucional, que impende 
 sobre os juízes de fundamentarem as decisões que proferem. 
 Se os juízes têm a obrigação de fundamentar as decisões que proferem, como forma 
 de garantir que as partes fiquem habilitadas a recorrer das mesmas, a verdade é 
 que tal garantia não pode ser restringida, por via interpretativa, naqueles 
 aspectos que justamente existem para assegurar o exercício de tal direito 
 constitucionalmente garantido. 
 Sustentar que não se torna necessário fundamentar o porquê da decisão sumária, 
 nas condições constantes do artigo 705° do Código de Processo Civil, uma 
 fundamentação/justificação que pertence ao foro íntimo do relator, ao imo da sua 
 consciência até porque, bem vistas as coisas, as partes nunca são prejudicadas 
 com uma decisão do Juiz singular, porque podem sempre reclamar para a 
 conferência (ut pág. 2 do douto acórdão), é, não haja dúvidas, atentar contra o 
 direito de acesso ao direito e aos tribunais. 
 Ou seja, parece que, para o Exmo. Decisor, não importa que a decisão sumária 
 seja mal fundada, que seja injusta, ou até mesmo ilegal — isso não importa. As 
 partes nunca ficam ou nunca podem ficar prejudicadas com isso. 
 Porquê? Porque podem sempre reclamar para a conferência! 
 Ou seja, porque as partes não são prejudicadas pela decisão sumária do relator, 
 porque sempre podem reclamar para a conferência, o Supremo acabou por criar uma 
 nova norma, com violação do princípio da legalidade, qual seja a de que não é 
 necessário que o relator justifique por que razão julgou de forma sumária o 
 recurso, o que o mesmo é dizer, porque razão chegou à conclusão de que a 
 questão, para ele, é simples, quando a “simplicidade” da questão tem de assentar 
 e radicar em alguma das razões enunciadas no inciso normativo em apreço. 
 Afigura-se que a questão da inconstitucionalidade concreta da norma foi 
 suscitada durante o processo, no sentido, funcional que tem sido atribuída à 
 expressão. 
 Com efeito, quando o autor solicitou que sobre o despacho recaísse um acórdão, é 
 manifesto que a essa altura dos factos não se descortinava qualquer 
 inconstitucionalidade. Apenas não se conhecia, por falta de fundamentação, as 
 razões que estavam por detrás e que haviam aconselhado a prolação da decisão 
 sumária. 
 Além disso, a decisão sumária é sempre provisória, na medida em que a parte que 
 se considere prejudicada pode reclamar para a conferência. 
 Nem se pode pôr a questão em termos de que uma decisão é inconstitucional quando 
 não se encontra devidamente fundamentada, ou quando não contém qualquer 
 motivação. 
 O Tribunal Constitucional apenas aprecia a inconstitucionalidade de normas, e 
 não de decisões judiciais. 
 Em suma, não se podia colocar então qualquer questão de constitucionalidade, 
 quando apenas estava em crise a decisão, não a norma que lhe estava subjacente. 
 E dessa decisão provisória não se pode nunca levar recurso. 
 Daí que, efectivamente, a questão da inconstitucionalidade apenas surge quando 
 no douto acórdão do Supremo se diz que o entendimento sobre se uma questão é 
 simples, ou não, é uma decisão que apenas diz respeito e incumbe ao relator, é 
 um juízo pessoal do relator, querendo-se com isso dizer e significar que as 
 partes não têm o direito de ser esclarecidas dos motivos que estiveram na base 
 da decisão sumária. 
 Foi justamente depois da decisão proferida pela conferência que surgiu, pela vez 
 primeira, a questão da inconstitucionalidade, uma questão que foi de imediato 
 colocada ao Órgão Jurisdicional, através de um pedido de aclaração. 
 Que foi indeferido, por se entender não ser o pedido de aclaração o momento 
 azado para se colocar uma questão de inconstitucionalidade. 
 Julga ao invés o ora recorrente que a dita questão não podia ser 
 colocada/levantada antes, visto que apenas nesse momento é que foi confrontado 
 com a decisão, que não deixa de ser, para todos os efeitos, uma 
 decisão-surpresa, uma decisão que nenhum sujeito processual podia prever pudesse 
 ser proferida. 
 Dir-se-á, por último, que o recurso sobe nos próprios autos e tem efeito 
 suspensivo.
 
  
 Cumpre apreciar. 
 
  
 
 3.  Sendo o presente recurso interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea 
 b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é 
 necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que a questão 
 de constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
 O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De 
 acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se 
 pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente 
 identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma 
 constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que 
 sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma 
 questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a 
 afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem 
 indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a 
 inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo.
 Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão 
 de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão 
 recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se 
 considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade 
 normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade 
 ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre 
 muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
 O recorrente submete à apreciação do Tribunal Constitucional uma dada dimensão 
 normativa do artigo 705º do Código de Processo Civil, segundo a qual pode ser 
 proferida uma decisão sumária pelo relator, ao abrigo dos artigos 705º e 726º do 
 Código de Processo Civil, sem fundamento.
 Em primeiro lugar, sublinhar‑se‑á que em momento algum o Supremo Tribunal de 
 Justiça assumiu que a decisão proferida carece de fundamento. O que o Supremo 
 Tribunal de Justiça afirmou foi o entendimento segundo o qual cabe ao relator 
 apreciar e decidir sobre o carácter simples da questão em análise para efeito de 
 prolação da decisão sumária.
 Deste modo, a dimensão normativa impugnada não se reporta à ratio decidendi do 
 acórdão recorrido, pelo que qualquer juízo que o Tribunal Constitucional viesse 
 a proferir sobre a questão suscitada não teria a virtualidade de alterar a 
 decisão recorrida, sendo portanto inútil.
 Por outro lado, o recorrente apenas suscitou a questão de constitucionalidade no 
 requerimento de aclaração do acórdão recorrido, afirmando não ter tido 
 oportunidade processual para o fazer em momento anterior.
 Ora, quando o recorrente foi confrontado com a decisão singular que, na sua 
 perspectiva, carecia de fundamento, dispunha objectivamente de todos os 
 elementos para concluir que havia então sido aplicada uma dimensão normativa 
 segundo a qual podem ser proferidas decisões sem fundamento. Impendia, assim, 
 sobre si o ónus da suscitação, na reclamação para a conferência, da questão de 
 constitucionalidade normativa relativa à falta de fundamento da decisão 
 singular.
 O recorrente tenta demonstrar o contrário, dizendo que no momento da decisão 
 singular só podia concluir pela inconstitucionalidade da decisão e não de uma 
 norma.
 Porém, precisamente porque é necessário interpretar juridicamente as decisões 
 judiciais, nomeadamente para apreender as normas que lhes subjazem como 
 fundamento, é que nos recursos de constitucionalidade vigora a obrigatoriedade 
 de constituição de mandatário judicial. Nos presentes autos, o recorrente 
 encontra‑se representado por advogado. Desse modo, não se afigura procedente 
 exigir que seja a conferência a explicitar a norma que subjaz a uma decisão 
 alegadamente não fundamentada. O advogado deve dispor das condições técnicas 
 para alcançar uma conclusão.
 Se, nos presentes autos, a questão de constitucionalidade não foi suscitada 
 antes da prolação da decisão recorrida, tal deveu‑se à estratégia processual do 
 mandatário do recorrente e não a uma qualquer decisão objectivamente 
 imprevisível.
 
  
 
 5.  Não se tomará, pois, conhecimento do objecto do presente recurso.
 
  
 
 6.  Em face do exposto, decide‑se não tomar conhecimento do objecto do presente 
 recurso.
 
  
 O recorrente vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo 78º‑A, 
 nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
 
  
 
  
 A., nos autos de recurso de constitucionalidade à margem identificados, vem nos 
 termos do preceituado no n° 3 do artigo 78°-A da lei de organização, 
 funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, reclamar para a 
 Conferência, o que faz pela forma seguinte: 
 
 1. Escreve-se na pág. 5 (in fine), da douta decisão sumária o seguinte: “O 
 recorrente submete à apreciação do Tribunal Constitucional uma dada dimensão 
 normativa do artigo 705° do Código de Processo Civil, segundo a qual pode ser 
 proferida uma decisão sumária pelo relator, ao abrigo dos artigos 705° e 726° do 
 Código de Processo Civil, sem fundamento” (os sublinhados não constam do 
 original). 
 Ora, o recorrente não disse isso. Nem foi essa a dimensão normativa que 
 fundamentou o recurso de constitucionalidade. 
 Não é o facto de a decisão “não ter fundamento” que está em causa. O problema 
 reside no facto de o Relator não ter fundamentado a decisão que deu, não ter 
 justificado o motivo ou as razões que o levavam a considerar a questão como 
 SIMPLES. 
 Nem o modesto mandatário do recorrente iria fundamentar um recurso desta 
 importância, pelo facto de o relator ter proferido uma decisão SEM FUNDAMENTO! 
 Depois, também não parece que se possa argumentar pela forma como faz a Ex.a 
 Senhora Conselheira Relatora, na pág. 6, ao cimo, referindo que o Supremo nunca 
 havia assumido que a decisão proferida carecia de fundamento. 
 
 É verdade! Mas também não é isso que está em causa, nem o recorrente alguma vez 
 o disse. 
 A questão não é essa. 
 Nem o Supremo disse ou assumiu que a decisão havia sido proferida sem 
 fundamento, nem a conclusão a que o recorrente chegou para concluir pela 
 interpretação inconstitucional da disposição contida no artigo 705°, assentou em 
 tal premissa. 
 Em suma: se a conclusão tirada pela Exma. Conselheira, no sentido de que a 
 dimensão normativa impugnada não se reporta à ratio decidendi do acórdão 
 recorrido pelo facto de o Supremo nunca ter assumido que a decisão proferida 
 carecia de fundamento, dir-se-á que a conclusão não se contém na premissa 
 apontada, mostrando-se, desse modo, desajustada (o que se refere sem qualquer 
 perda de respeito pela mesma Ilustre subscritora da decisão sumária). 
 A dimensão normativa que está em causa, não tem absolutamente nada a ver com o 
 facto de o Supremo não ter assumido que a decisão não tinha fundamento. 
 Vejamos melhor. 
 
 2. O que o Supremo disse foi que o Relator poderia decidir sumariamente o 
 recurso, ao abrigo do disposto no artigo 705° do CPC, sem ter que justificar 
 porque motivo é que considerava a questão como simples, visto tratar-se de uma 
 decisão pessoal e que só ao mesmo dizia respeito. 
 O Supremo, como se disse no requerimento de interposição do recurso e hic et 
 nunc se reedita, acabou por criar uma nova norma, com violação do princípio da 
 legalidade, uma norma que dispensa o Relator de fundamentar a decisão sumária, 
 posto o entendimento (dir-se-á anterior) da lei não é outro senão o de que o 
 Relator apenas profere decisão sumária quando entende que a questão a decidir é 
 simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo 
 uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado. 
 Só depois de entender que a questão é simples, nos termos atrás colectados, é 
 que o Relator pode decidir sumariamente o recurso, isto é, sem o submeter à 
 apreciação da Conferência. 
 Esta é sem dúvida a dimensão normativa que importa reter e ter em conta, uma 
 decisão que se reporta à ratio decidendi do acórdão recorrido e que por isso 
 alicerçou a interposição do recurso de constitucionalidade concreta da norma. 
 Vejamos agora a questão da oportunidade do recurso. 
 
 3. Diz-se na douta decisão sob reclamação que quando o recorrente tomou 
 conhecimento da decisão prolatada pelo Juiz monocrático, e que no seu critério, 
 carecia de fundamento, o mesmo dispunha desde logo de todos os elementos com 
 vista a poder concluir “(...) que havia então sido aplicada uma dimensão 
 normativa segundo a qual podem ser proferidas decisões sem fundamento”.
 Mas lá está! 
 A questão não é de FALTA DE FUNDAMENTO! 
 Em parte alguma do discurso prático-argumentativo do recorrente se vislumbra ou 
 descortina semelhante semantismo. 
 A questão – repitamo-la de novo, por ser decisiva – não é de falta de 
 fundamento, mas sim de falta de MOTIVAÇÃO, de falta de FUNDAMENTAÇÃO e de 
 JUSTIFICAÇÃO. 
 Em que elementos se louvara o Relator para entender que a questão é SIMPLES? 
 Porque razão entendeu que a questão era SIMPLES? Não o disse, o despacho não o 
 revela. 
 Que elementos é que o levaram a catalogar a questão como simples? 
 
 É justamente essa fundamentação que deve existir em todos os procedimentos de 
 decisão complexos, mas que não existiu no caso vertente. 
 Mas vejamos ainda o seguinte. 
 
 4. Refere-se a páginas tantas na douta decisão sob análise que ao tempo da 
 decisão sumária, o recorrente já poderia ter concluído pela aplicação de uma 
 dimensão normativa segundo a qual podem ser proferidas decisões sem fundamento. 
 E podendo concluí-lo, acrescenta-se, deveria ter suscitado logo na reclamação 
 para a Conferência, da questão de constitucionalidade normativa relativa à falta 
 de fundamento da decisão singular (vd. pág. 6.). 
 Será efectivamente assim? 
 O problema da falta de fundamento de uma decisão não parece que possa alicerçar 
 uma questão de constitucionalidade, até porque o Tribunal Constitucional apenas 
 conhece da constitucionalidade de normas ou de dimensões/interpretações de 
 normas, não de decisões. 
 E a decisão não atentaria contra a Constituição pelo facto de o Juiz singular 
 não ter justificado o porquê de haver considerado a questão como simples.
 A interpretação violadora dos preceitos constitucionais indicados não reside no 
 facto de o relator não ter justificado a decisão que deu. 
 A interpretação atentatória dos princípios constitucionais reside, isso sim, no 
 facto de se dizer que o Relator NÃO TEM DE JUSTIFICAR O FACTO DE ENTENDER QUE 
 UMA QUESTÃO É SIMPLES, POIS QUE SE TRATA DE UMA DECISÃO PESSOAL QUE SÓ A ELE DIZ 
 RESPEITO. 
 Esta é que é a dimensão normativa que fundamentou e fundamenta o presente 
 recurso. 
 Nunca se ouviu dizer que uma decisão não-fundamentada, ou que não se encontra 
 fundamentada, possa ser tida como inconstitucional. Não! Se a decisão não 
 estiver fundamentada, ela é NULA, nos termos do preceituado na alínea b) do n° 1 
 do artigo 668° do Código de Processo Civil. 
 Imagine-se o que seria se, perante qualquer decisão que não se mostrasse 
 fundamentada, pudessem as partes, com base nisso, invocar a sua 
 inconstitucionalidade? E com isso recorrer para o Tribunal Constitucional? 
 E mesmo em instância de reclamação para a Conferência, não obstante não se ter 
 referido à questão ora em debate, em termos de inconstitucionalidade, a verdade 
 
 é que, segundo julga o representante e mandatário judicial do autor, a questão 
 foi devidamente referenciada, constituindo o ponto n° 1 da reclamação 
 apresentada em 15 de Março de 2006. 
 A questão foi então colocada em termos de falta de fundamentação, representando 
 um vício da decisão, que não em termos de constitucionalidade. 
 Tendo sido no douto acórdão proferido pelo Supremo, em 25 de Maio de 2006, que 
 se efectuou a leitura inconstitucional da norma ínsita no artigo 705° do Código 
 de Processo Civil. 
 Portanto, julga-se que, ao contrário de quanto se refere na douta decisão de que 
 ora se reclama para a Conferência, o facto da constitucionalidade não ter sido 
 suscitada antes da prolação da decisão recorrida, não pode ser analisada em 
 termos de qualquer estratégia processual do mandatário do recorrente, mas sim 
 porque apenas nesse momento, porque apenas nessa decisão é que veio ao de cima, 
 
 é que se revelou em toda a sua força, a interpretação inconstitucional do 
 ajuizado inciso normativo. 
 A decisão prolatada pelo Relator não era inconstitucional pelo facto de ele não 
 a ter motivado/fundamentado — a decisão era nula, como se referiu ut supra. 
 A nulidade da sentença traduz um vício da decisão de tal modo importante que a 
 pode reduzir a cinzas. É um facto. 
 Mas não traduz qualquer inconstitucionalidade. 
 
 É por isso que se julga que a questão de constitucionalidade (e não a questão 
 outra da nulidade) foi apresentada a tempo e no tempo certo. 
 Nestes termos e nos mais de direito, a reclamação deve ser, pois, atendida e, em 
 consequência, ser igualmente admitido o recurso, como é de 
 JUSTIÇA 
 
  
 O recorrido pronunciou‑se do seguinte modo:
 
  
 B., Recorrido nos autos à margem referenciados em que é Recorrente, A., 
 notificado da reclamação para a conferência, vem dizer o seguinte: 
 
 –  O ora Recorrido adere a toda a fundamentação constante da douta decisão 
 sumária proferida nos presentes autos. 
 
 –  A argumentação do ora Recorrente em nada ilude tudo quanto foi então 
 apreciado e decidido. 
 
 –  O que o Supremo “disse” ou “não disse”, não tem que ser explicitado pelo 
 Recorrente, porquanto o acórdão proferido se encontra escrito e ao mesmo o 
 Tribunal Constitucional tem acesso, tendo-o interpretado e aplicado 
 convenientemente; 
 
 –  O mesmo se diga em relação à terceira questão colocada ao Tribunal. Quer se 
 alegue que o que está em causa é a falta de fundamento ou falta de motivação, o 
 certo é que o Recorrente, quando foi dela notificado, tomou conhecimento, quer 
 da alegada “falta de fundamento”, quer ainda da suposta “falta de 
 fundamentação”, que, digamos, não se verificam de facto. 
 
 –  Assim sendo, já poderia ter colocado a questão da constitucionalidade à 
 apreciação do Supremo Tribunal de Justiça, o que não sucedeu de modo algum! 
 
 –  Pressuposto da apreciação do recurso de constitucionalidade é que o Tribunal 
 em causa “aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo”, de acordo com o disposto no artigo 71.° 1 b) da Lei do Tribunal 
 Constitucional, o que não sucede no caso em apreço. 
 
 –  Na verdade, está o Recorrente a recorrer da constitucionalidade de uma 
 decisão – a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, e não do facto de este ter 
 aplicado uma norma, cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o 
 processo. 
 Pelo que, 
 Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser julgada improcedente a reclamação 
 para a conferência, por insusceptibilidade de recurso para o Tribunal 
 Constitucional. 
 
  
 
  
 Cumpre apreciar. 
 
  
 
  
 
 2.  Na Decisão Sumária sob reclamação referiu‑se, como fundamento alternativo 
 que o recorrente, ao impugnar a falta de fundamento da decisão sumária do 
 relator do tribunal a quo não se referiu à ratio decidendi da decisão então 
 recorrida, já que esta jamais assumiu a falta de fundamento da decisão sumária.
 O reclamante vem agora dizer que não impugnou a falta de fundamento da decisão 
 sumária proferida mas sim a falta de fundamento da decisão que considerou a 
 questão a decidir como simples.
 Em primeiro lugar, cabe sublinhar que a argumentação que o reclamante então 
 apresentou (no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade 
 transcrito na Decisão Sumária agora reclamada), não é clara. Com efeito, o 
 reclamante estabelece expressamente uma conexão entre a falta de fundamentação 
 da natureza simples da questão a decidir com a falta de fundamentação das 
 decisões que o julgador profere, conexão que permite concluir pela impugnação da 
 decisão sumária na sua globalidade. Tal falta de clareza é evidenciada pelo 
 entendimento, que transparece agora na presente reclamação, segundo o qual a 
 decisão sumária se encontra devidamente fundamentada só não existindo 
 fundamentação para o entendimento da questão a decidir como simples.
 Mas diga‑se ainda que se o reclamante considera (como parece decorrer da 
 presente reclamação) que a decisão sumária proferida pelo relator no tribunal a 
 quo foi fundamentada, nesse caso, por imperativo de clareza, deveria demonstrar 
 porque é que a questão decidida com o respectivo fundamento não é simples, já 
 que a simplicidade da questão estará necessariamente indiciada (e, porventura, 
 demonstrada) pela fundamentação da própria decisão. Dito de outro modo: se a 
 decisão sumária proferida pelo relator no tribunal a quo foi fundamentada, ao 
 recorrente não basta afirmar que a questão não é simples sem mais, pois estará 
 então a suscitar uma questão sem fundamento. 
 Por outro lado, se o reclamante entende que a questão deveria ser decidida por 
 uma composição colectiva, então a questão de constitucionalidade que agora se 
 suscita não tem utilidade, uma vez que já se verificou, na sequência da 
 reclamação, a apreciação por uma composição colectiva.
 
 É, pois, manifesto que quanto a esta questão o reclamante adoptou uma estratégia 
 pouco definida, pretendendo agora um rigor (traduzido na distinção entre a falta 
 de fundamentos da natureza simples da questão a decidir numa decisão que se 
 encontra fundamentada e a fundamentação da própria decisão) na interpretação dos 
 argumentos apresentados no requerimento de interposição do recurso que essa 
 própria argumentação não permitia.
 Improcede, portanto, a argumentação do reclamante.
 
  
 
  
 
 3.  O reclamante reitera, por outra via, o entendimento segundo o qual não 
 dispunha de todos os elementos necessários para suscitar a questão de 
 constitucionalidade na reclamação da decisão sumária proferida pelo juiz a quo.
 Quanto a este ponto da reclamação, remete‑se para o que se disse na Decisão 
 Sumária agora impugnada, já que o reclamante não apresenta qualquer argumento 
 novo.
 Apenas se acrescenta, explicitando o que se disse na Decisão Sumária, que é 
 verdade que a falta de fundamentação de uma decisão originou a respectiva 
 nulidade. Porém, se a estratégia processual da parte abrange a possível 
 interposição de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade 
 normativa, então, em face de uma decisão não fundamentada (no caso seria, na 
 perspectiva do reclamante, a decisão singular proferida) é confrontada com a 
 aplicação implícita, mas facilmente identificável por um mandatário judicial, da 
 norma que poderia ser inconstitucional. Note‑se que a invocação da nulidade 
 consubstanciaria um argumento no plano infraconstitucional. Tal argumento 
 nenhuma conexão tem com a possibilidade que a parte já detém de invocar as 
 inconstitucionalidades normativas que entender.
 Improcede, portanto, também quanto a este ponto, a presente reclamação.
 
  
 
  
 
 4.  Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente 
 reclamação.
 
  
 
  
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em  20  UCs. 
 Lisboa, 12 de Dezembro de 2006
 Maria Fernanda Palma
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos