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Processo n.º 1019/2008
 Plenário
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
               (Conselheira Carlos Fernandes Cadilha) 
 
 
 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  A. intentou contra o Instituto de Solidariedade e Segurança Social uma acção 
 ordinária pedindo que fosse declarado que é titular das prestações por morte de 
 um beneficiário do Centro Nacional de Pensões com quem vivia em união de facto. 
 
  
 A acção foi julgada improcedente por sentença de primeira instância, em 
 aplicação do disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, 
 e 3.º do Decreto‑Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, com fundamento em que 
 não ficou provada por parte da autora a impossibilidade de obter alimentos dos 
 seus descendentes ou da herança aberta por óbito do beneficiário com quem vivia 
 em união de facto. 
 
  
 A decisão foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, e, em 
 recurso de revista, pelo Supremo Tribunal de Justiça, que, quanto à questão de 
 constitucionalidade suscitada em relação às referidas normas, se louvou na 
 orientação do Tribunal Constitucional firmada no Acórdão n.º 159/2005. 
 
  
 A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional e, nas respectivas 
 alegações, concluiu no sentido de serem julgadas inconstitucionais as normas do 
 artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, e 3.º do 
 Decreto‑Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, quando interpretadas no sentido 
 de que o requerente das prestações por morte da segurança social ligado ao 
 beneficiário falecido pela relação familiar de união de facto, deve, como 
 pressuposto do direito às correspondentes prestações, alegar e provar, não só a 
 necessidade de alimentos, como a impossibilidade de os obter das pessoas 
 enumeradas no elenco do artigo 2009.º do Código Civil, por violação dos 
 princípio da proporcionalidade, conjugado com o princípio do Estado de direito, 
 com o direito à protecção da família e às prestações da segurança social, e do 
 princípio constitucional da igualdade. 
 
  
 O Instituto de Solidariedade e Segurança Social contra-alegou, pronunciando-se 
 no sentido da improcedência do recurso. 
 
  
 
  
 
 2.  Após determinação que o julgamento se fizesse com intervenção do Plenário, 
 nos termos do disposto no artigo 79.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (Lei 
 n.º 28/82), foram os autos redistribuídos por vencimento do primitivo relator. 
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
  
 
 3. É mais uma vez colocada ao Tribunal a questão de saber se será 
 inconstitucional a disciplina constante do nº 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei nº 
 
 322/90, de 18 de Outubro, e do artigo 3º do Decreto-Regulamentar n.º 1/94, de 18 
 de Janeiro. 
 O Decreto-Lei n.º 322/90, que define as condições de protecção dos “familiares” 
 dos beneficiários do regime geral de segurança social por eventualidade da 
 morte, concede, precisamente no seu artigo 8.º, direito à pensão de 
 sobrevivência ao companheiro do beneficiário falecido, que com ele vivesse, em 
 união de facto, há mais de dois anos. No entanto – e de acordo com um regime que 
 
 é substancialmente homólogo ao que vale, também, para os companheiros sobrevivos 
 dos funcionários ou agentes da Administração Pública ou da Administração Local 
 ou Regional (artigos 40.º e 41.º do “Estatuto das Pensões de Sobrevivência”, 
 Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, na redacção do Decreto-Lei nº 191-B/79, 
 de 25 de Junho) – o acesso à pensão de sobrevivência depende de o companheiro do 
 beneficiário falecido demonstrar que tem direito de obter alimentos da herança 
 deste, por ter necessidade deles e não os poder obter das pessoas referidas no 
 artigo 2009.º, nº 1, alíneas a) a d) do Código Civil (cônjuge ou ex-cônjuge, 
 descendentes, ascendentes ou irmãos). Nos termos do artigo 3º do Decreto 
 Regulamentar nº 1/94, este direito a alimentos da herança do falecido – que é, 
 portanto, condição da atribuição da pensão de sobrevivência ao seu companheiro 
 de facto – deve ser reconhecido por sentença judicial. 
 Diversa é, no sistema normativo instituído pelo Decreto-Lei nº 322/90, a 
 situação do cônjuge do beneficiário falecido, que, para aceder à pensão de 
 sobrevivência, deve apenas provar a sua condição de cônjuge, sem qualquer 
 requisito adicional relativo à demonstração de carência ou de condições de 
 recursos económicos. Tal situação parece, aliás, coadunar-se com a própria 
 natureza que detém, no sistema de segurança social, a pensão de sobrevivência, 
 enquanto forma de tutela própria do sub-sistema previdencial. 
 
             Com efeito, o termo sobrevivência não é aqui denotativo de especiais 
 condições de carência, que pressupusessem que a correspondente pensão só fosse 
 atribuída naqueles casos em que se mostrasse necessária para a assistência a 
 familiares (do beneficiário falecido) destituídos de quaisquer recursos de 
 existência. De acordo com o artigo 4.º do Decreto-Lei nº 322/90, a finalidade 
 destas prestações sociais é apenas a de “compensar os familiares do beneficiário 
 da perda de rendimentos de trabalho determinado pela morte deste.” A lei 
 presume, portanto, que o beneficiário falecido contribuía, através dos proventos 
 resultantes do seu trabalho, para a economia do seu agregado familiar; e 
 pretende que a prestação da pensão – possibilitada pela lógica contributiva do 
 princípio previdencial – venha a compensar a diminuição de rendimentos daqueles 
 familiares que, sobrevivendo ao beneficiário, de algum modo dele economicamente 
 dependiam. Por isso mesmo, entende-se normalmente que a prestação desta pensão 
 tem natureza substitutiva da prestação de alimentos. O elenco dos familiares 
 sobrevivos que a ela têm direito, tanto no regime geral de segurança social 
 quanto no regime próprio do “funcionalismo público”, são justamente aqueles que 
 viviam, ou que a lei presume que viviam, a “cargo” do trabalhador falecido: 
 cônjuges, ex-cônjuges, descendentes, ascendentes. Em relação aos ex-cônjuges (ou 
 aos cônjuges separados judicialmente de pessoas e bens), tal como em relação aos 
 ascendentes e descendentes maiores de 18 anos, exige a lei que se faça prova da 
 existência de elos de dependência económica. Mas já não assim quanto ao cônjuge 
 ou aos descendentes com menores de 18 anos: nestes casos, parte-se do princípio 
 segundo o qual a morte do beneficiário terá, para os familiares em causa, 
 acarretado necessariamente uma perda de rendimentos que a pensão de 
 sobrevivência visa compensar.        
 
             Do mesmo modo se não passam as coisas relativamente ao companheiro 
 sobrevivo do beneficiário falecido, nos casos de união de facto. Aí, e como já 
 se viu, requer o legislador, como condição da atribuição da pensão, que se 
 reconheça em sentença judicial que o “unido de facto” detém direito a receber 
 alimentos da herança do falecido, por deles necessitar e por não os poder obter 
 das pessoas referidas no artigo 2009.º, nº 1, alíneas a) a d) do Código Civil. 
 Saber se este requisito adicional (imposto pelo legislador para as situações de 
 união de facto, e ausente do regime de atribuição das pensões ao cônjuge 
 sobrevivo) merece, ou não censura constitucional, eis a questão colocada pelo 
 presente recurso. Sobre ela tem o Tribunal proferido jurisprudência divergente. 
 
             
 
  
 
 4. No Acórdão nº 195/2003, em que estava em causa justamente a norma do artigo 
 
 8.º do Decreto-Lei nº 322/90, o Tribunal julgou, por maioria, que não era 
 inconstitucional o regime que “faz[ia] depender a atribuição da pensão de 
 sobrevivência por morte do beneficiário da segurança social, a quem com ele 
 convivia em união de facto, de todos os requisitos previstos no nº 1 do artigo 
 
 2020.º do Código Civil.” Fê-lo, fundamentalmente, por ter entendido que, sendo à 
 partida diferentes as situações de união de facto e de casamento, o legislador 
 ordinário não estaria, no caso, impedido constitucionalmente de atribuir a cada 
 uma dessas situações diferentes regimes jurídicos, não se mostrando também 
 desproporcionais as consequências decorrentes desses diferentes regimes, e 
 aplicáveis a cada um dos grupos de pessoas em questão. 
 Mas já no Acórdão nº 88/04, em que estava em causa o regime substancialmente 
 homólogo aplicável apenas ao funcionalismo público (artigos 40.ºe 41.º do 
 Estatuto de Pensões de Sobrevivência do Funcionalismo Público), entendeu o 
 Tribunal, também por maioria, que era inconstitucional “por violação do 
 princípio da proporcionalidade, tal como resulta das disposições conjugadas dos 
 artigos 2.º, 18.º, nº2, 36.º, nº 1, e 63.º, nºs 1 e 3, todos da Constituição da 
 República Portuguesa, a norma que se extrai dos artigos 40.º, nº1 e 41.º, nº 2, 
 do Estatuto…., quando interpretada no sentido de que a atribuição de pensão de 
 sobrevivência por morte do beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, a quem 
 com ele convivia em união de facto, depende também da prova do direito do 
 companheiro sobrevivo a receber alimentos da herança do companheiro falecido, 
 direito esse a ser invocado e reclamado na herança do falecido, com o prévio 
 reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos termos das alíneas a) a d) 
 do art. 2009.º do Código Civil.” O Tribunal manteve aqui o entendimento segundo 
 o qual da distinção constitucional entre o “direito a constituir família” e o 
 
 “direito a contrair casamento”, decorrente do nº 1 do artigo 36.º da CRP, bem 
 como da protecção devida à família “como elemento fundamental da sociedade” 
 
 (artigo 67.º, nº1), se não poderia retirar qualquer injunção geral, dirigida ao 
 legislador ordinário, de “proteger a união de facto estável e duradoura em 
 termos rigorosamente idênticos aos da família baseada no casamento” (§ 10.3 da 
 fundamentação). Acrescentou, no entanto e fundamentalmente, que, não sendo o 
 parâmetro da igualdade o único aplicável à resposta a dar à questão de 
 constitucionalidade, deveria ela ser resolvida em termos negativos, desde logo 
 por violação do princípio da proporcionalidade, em conjugação com o direito de 
 cada um à segurança social decorrente dos nºs 1 e 3 do artigo 63.º da CRP. 
 Recordou-se então que o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio 
 decorrente da ideia mais vasta de Estado de direito (artigo 2.º da CRP), podia 
 operar como limite negativo das acções do legislador para além dos casos 
 previstos na parte final do nº 2 do artigo 18º, não sendo portanto só aplicável 
 a leis restritivas de direitos, liberdades e garantias; e que, surgindo o 
 direito à pensão de sobrevivência, reconhecido por lei, como corolário ao 
 direito à segurança social previsto no artigo 63.º, da Constituição – mais do 
 que como consequência da necessidade de protecção da família, nos termos do seu 
 artigo 67.º -, as exigências previstas pelo regime jurídico ordinário para a 
 concessão da atribuição da pensão ao companheiro sobrevivo, unido de facto, do 
 beneficiário falecido seriam de tal modo gravosas que não passariam nenhum dos 
 
 “testes” ínsitos no princípio da proibição do excesso – nem o “teste” da 
 adequação, nem o da necessidade, nem o da proporcionalidade em sentido estrito. 
 Entendimento contrário veio a ser adoptado pelo Acórdão nº 159/2005, tirado em 
 Secção e incidente sobre as mesmas normas constantes dos artigos 40º e 41º do 
 Estatuto das Pensões de Sobrevivência do Funcionalismo Público, e corroborado 
 posteriormente em Plenário no Acórdão nº 614/2005. Nestas duas últimas decisões, 
 subscritas sempre por maioria, o Tribunal reiterou basicamente os argumentos que 
 havia já aduzido no Acórdão nº 195/2003, a propósito das normas constantes do 
 artigo 8º do Decreto-Lei nº 32/90, relativo ao regime geral da segurança social. 
 
 
 Fazendo-se eco de todas estas divergências jurisprudenciais, vem agora o 
 recorrente sustentar de novo, e ainda a propósito das mesmas normas reportadas 
 ao regime geral da segurança social, a tese da inconstitucionalidade. Sustenta 
 para tanto que as normas sob juízo lesam o princípio da proporcionalidade, 
 enquanto princípio decorrente do princípio do Estado de direito; os direitos à 
 segurança social e à protecção da família inscritos, respectivamente, nos 
 artigos 63.º e 67.º da Constituição; e, finalmente, os princípio da igualdade e 
 da proibição de discriminação, contidos no artigo 13.º da CRP. 
 
  
 
 5. O princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, enquanto 
 princípio vinculativo das acções dos poderes públicos, tem referência expressa 
 no texto constitucional apenas em dois lugares: na parte final do nº 2 do artigo 
 
 18.º da Constituição, a propósito dos limites que devem ser observados pelas 
 leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, e no nº 2 do artigo 266.º, 
 a propósito dos princípios fundamentais que regem a actuação da Administração 
 Pública. No entanto, e como o tem afirmado o Tribunal (vejam-se, quanto a este 
 ponto e por exemplo, os Acórdãos nºs 205/2000 e 491/2002, disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), o princípio decorre antes do mais das próprias 
 exigências do Estado de direito a que se refere o artigo 2º da Constituição, por 
 ser consequência dos valores de segurança nele inscritos. 
 Tendo assim a proibição do excesso uma sede material que se revela bem mais 
 vasta do que aquela que é coberta pelas suas referências textuais explícitas, 
 natural é que ela possa ser invocada como parâmetro constitucional em outras 
 situações, que não apenas as referentes, nomeadamente, às leis restritivas de 
 direitos, liberdades e garantias. É que o princípio vale, não apenas como limite 
 constitucional das acções do legislador, mas como limite das actuações de todos 
 os poderes públicos; e, quanto à função legislativa, não vinculará apenas aquela 
 que se cifrar em instituição de restrições aos direitos, liberdades e garantias. 
 Como os direitos fundamentais desempenham, no nosso ordenamento jurídico, também 
 uma importante função “valorativa” ou objectiva, por certo que o princípio 
 poderá ser invocado como instrumento de ponderação sempre que estiverem em causa 
 
 “valores” jusfundamentais que entre si, objectivamente, conflituem. Ponto é, no 
 entanto, que se tenha demonstrado previamente que, ainda nessas situações, o 
 legislador, não agindo no âmbito da sua liberdade de conformação política, se 
 encontrava constitucionalmente vinculado a decidir de um certo modo, e não de 
 outro, o “conflito” entre os bens ou valores em colisão. 
 
  
 Sustenta o recorrente que tal vinculação ocorre, no caso em juízo, por se 
 reportar desde logo a proibição do excesso, enquanto princípio inscrito no 
 artigo 2.º, à lesão do direito fundamental à segurança social, consagrado nos 
 nºs 1 e 3 do artigo 63.ºda CRP.
 Não se nega que o direito à segurança social, embora inscrito sistematicamente 
 no grupo dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, apresente 
 dimensões imperativas que, impondo deveres certos ao legislador ordinário, 
 sejam, por parte deste, indisponíveis. As afirmações contidas no artigo 63.º não 
 se confundem com a mera enunciação de indicações genéricas destinadas a guiar, 
 sem força imediatamente vinculativa, as acções legislativas; mais do que isso, 
 nelas se contêm elementos essenciais do sistema que a conformação legislativa 
 não pode deixar de respeitar. Tais elementos configuram portanto o “núcleo 
 essencial” do direito que não é modificável por acção do legislador. É assim que 
 este último deve, desde logo, instituir um sistema público de segurança social 
 que, para além de deter as características estruturais (nomeadamente, 
 universalidade e descentralização) que são enunciadas nos nºs 1 e 2, integre 
 subsistemas previdenciais e assistenciais destinados a cumprir as finalidades 
 identificadas no nº 3. Para além disso – e como se disse, por exemplo, no 
 Acórdão nº 509/02 – o subsistema assistencial a que se reporta o nº 3 deve 
 pressupor a solidariedade inteira da comunidade, de modo a que esta não tolere 
 que no seu seio haja pessoas privadas do um mínimo vital, ou de um mínimo 
 necessário para uma existência condigna. No âmbito deste dever do legislador, de 
 não vanificar a tutela predisposta pela Constituição quanto ao núcleo essencial 
 do direito à segurança social, poderá contar-se ainda a proibição de atribuição 
 de benefícios que venham a revelar-se insignificantes ou irrisórios, por serem 
 demasiado gravosas as condições impostas pela lei ao seu acesso. Mas, fora 
 destes elementos, o legislador democrático dispõe de um poder próprio de 
 conformação para estabelecer a forma, a medida e o grau em que concretiza as 
 imposições constitucionais fixadas no artigo 63.º (assim, José Carlos Vieira de 
 Andrade, “O ‘direito ao mínimo de existência condigna’ como direito fundamental 
 a prestações estaduais positivas – uma decisão singular do Tribunal 
 Constitucional”, em Jurisprudência Constitucional, nº 1, p. 23). 
 Ao exigir que, nos casos de união de facto, o companheiro sobrevivo do 
 beneficiário falecido só possa aceder à pensão de sobrevivência se cumprir os 
 requisitos exigidos pelo nº 1 do artigo 2020º do Código Civil (demonstrando que 
 tem direito a receber alimentos da herança do falecido, por ter necessidade 
 deles e por os não poder obter das pessoas mencionadas nas alíneas a) a d) do 
 artigo 2009º do mesmo Código), o nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 322/90 não 
 está a contrariar nenhum daqueles elementos imperativos que, contidos no artigo 
 
 63.º da Constituição, integram o “núcleo essencial”, imodificável pelo 
 legislador, do direito de cada um à segurança social. A medida legislativa não é 
 contrária aos princípios estruturais do sistema; faz parte, como já se viu, do 
 sub-sistema previdencial; e, atenta a função que a pensão de sobrevivência 
 cumpre no âmbito desse mesmo sub-sistema – a de compensar o “familiar” 
 sobrevivente, “a cargo” do beneficiário falecido , da perda de rendimentos que a 
 morte deste último lhe terá trazido – as condições fixadas para a ela aceder não 
 se mostram de tal modo gravosas que tornem irrisória ou insignificante o 
 benefício concedido. A tudo isto acresce o facto de, como se disse no Acórdão nº 
 
 134/2007, se não tratar este do “único acesso possível pelo companheiro 
 sobrevivo ao sistema de protecção da segurança social: ainda que negado o acesso 
 
 à pensão de sobrevivência, este conservará sempre o “seu” direito à segurança 
 social, direito esse que poderá efectivar sempre e em última instância através 
 do acesso a prestações pelo regime não contributivo [da segurança social”].  
 Assim sendo, o legislador agiu aqui – e no que às imposições constitucionais do 
 artigo 63.º diz respeito – no âmbito da sua liberdade conformadora. 
 
  
 
 6. Tal liberdade conformadora não é coarctada pelo facto de a Constituição, no 
 artigo 67.º, colocar a família sob protecção da sociedade e do Estado.
 
 É certo que a família que, nos termos do preceito constitucional, merece a 
 protecção do Estado, não é só aquela que se funda no matrimónio; é também aquela 
 outra que pressupõe uma comunidade auto-regulada de afectos, vivida estável e 
 duradouramente à margem da pluralidade de direitos e deveres que, nos termos da 
 lei civil, unem os cônjuges por força da celebração do casamento. O direito a 
 escolher viver em tal comunidade de afectos, modelada por vontade própria à 
 margem dos efeitos civis do casamento, tem por certo assento constitucional – 
 seja através da disjunção que o nº 1 do artigo 36.º da CRP estabelece entre o 
 
 “direito de constituir família” e o “direito de contrair casamento”, seja 
 através da cláusula de liberdade geral de actuação que vai inscrita no direito 
 ao desenvolvimento da personalidade, contido no nº 1 do artigo 26.º. E, tendo 
 tal direito (o de escolher viver em união de facto) assento constitucional, não 
 se vê como pode o mandato constitucional de protecção da família não incluir, 
 ainda, um dever de tutela das uniões estáveis e duradouras, análogas às dos 
 cônjuges, mas que se fundem, apenas, na dedicação recíproca dos seus membros. 
 Quer isto dizer que do artigo 67.º da Constituição – e, também, do nº 1 do seu 
 artigo 36.º, ou do nº 1 do seu artigo 26.º – decorrerá um dever do legislador de 
 não coarctar ou obstaculizar, de forma desrazoável, a liberdade de formação de 
 uniões de facto. Por isso mesmo, em determinadas circunstâncias, as diferenças 
 entre os regimes normativos aplicáveis aos cônjuges e os aplicáveis, apenas, aos 
 unidos de facto poderão merecer censura constitucional, se se demonstrar que 
 tais diferenças são, em si mesmas, produtoras de coacções, não justificadas, da 
 
 “liberdade de não casar”, ou se se demonstrar que elas ofendem outras normas ou 
 princípios constitucionais. Foi exactamente isso que o Tribunal concluiu nos 
 casos dos Acórdãos nºs 359/91 e 286/99, em que se formularam juízos de 
 inconstitucionalidade por violação da proibição de discriminação entre filhos 
 nascidos do casamento e filhos nascidos fora do casamento (artigo 36.º, nº 4 da 
 CRP); ou no caso do Acórdão nº 275/2002, em que se julgou inconstitucional, por 
 violação do artigo 36.º, nº 1 da Constituição, conjugado com o princípio da 
 proporcionalidade, a norma do nº 2 do artigo 496.º do Código Civil, na parte em 
 que, em caso de morte da vítima de crime doloso, excluía a atribuição de um 
 direito de “indemnização por danos não patrimoniais” pessoalmente sofridos pela 
 pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e 
 duradoura, em condições análogas às dos cônjuges. 
 Porém, e fora destas circunstâncias – em que se demonstra que a diferença de 
 regimes entre casamento e união de facto é produtora de uma desrazoável 
 restrição da liberdade de escolha de uma vida em comum more uxorio, ou é 
 autonomamente ofensiva de outros princípios constitucionais – a verdade é que, 
 do mandato de protecção da família, contido no artigo 67.º da CRP, se não pode 
 extrair um dever dos poderes públicos de dispensar igual amparo a todo o género 
 de unidades familiares, indiferenciadamente e sem matizes. Também neste campo 
 mantém, portanto, o legislador uma amplíssima margem de conformação, que apenas 
 tem como limite externo o princípio da igualdade e a proibição de discriminação 
 fixados no artigo 13º da Constituição. 
 
             
 
             7. Ora, como o Tribunal já disse (nos Acórdãos nºs 195/2003, 
 
 159/2005 e 614/2005, atrás referidos, e também, quanto a regime normativo 
 diverso do agora em juízo, no Acórdão nº 134/2007), a diferença estabelecida 
 pelo direito da segurança social entre o regime de acesso à pensão de 
 sobrevivência por parte do cônjuge sobrevivo de beneficiário falecido e o regime 
 de acesso à mesma pensão por parte do unido de facto não lesa, por si só, nem as 
 exigências  decorrentes do princípio geral da  igualdade (nº 1 do artigo 13.º da 
 CRP), nem as exigências decorrentes da proibição de discriminação, contidas no 
 nº 2 do mesmo artigo. 
 
             A diferença não lesa, por si só, as exigências decorrentes do 
 princípio geral da igualdade. Como já se viu (supra, ponto 3), a previsão, por 
 lei, deste tipo de prestação social prossegue, no sub-sistema contributivo e 
 previdencial de segurança, uma finalidade bem precisa: a de compensar aqueles 
 familiares que vivendo, real ou presumidamente, “a cargo” do beneficiário 
 falecido, acabam por sofrer com a sua morte acentuadas e inevitáveis perdas de 
 rendimentos. Em relação aos cônjuges (tal como em relação aos descendentes 
 menores de 18 anos) a lei presumiu, sem mais, que eram reais e efectivos os elos 
 de dependência económica que pressupunham a necessidade de compensação. Fê-lo 
 tendo em conta os deveres dos cônjuges previstos pela lei civil, entre os quais 
 se contam os deveres de assistência (artigo 1675.º do Código Civil) e o dever de 
 contribuir para os encargos familiares (artigo 1676.º) Em relação à união de 
 facto o legislador não podia naturalmente partir da mesma presunção; por isso, 
 exigiu um requisito adicional, tendente à obtenção da prova da existência do elo 
 de dependência económica que, no desenho do sistema normativo que concebeu, é 
 pressuposto da concessão da prestação social. 
 Por tudo quanto já se disse, é fácil concluir que não é este o único desenho 
 constitucionalmente possível: outra concepção de sistema poderá vir a ser 
 adoptada, dado o âmbito da liberdade que, neste domínio, é conferida pela 
 Constituição ao legislador ordinário. Contudo – e este é o ponto essencial a 
 salientar – no contexto do sistema hoje vigente a diferença instituída pela lei 
 
 (entre casados e unidos de facto) não é arbitrária: tem a justificá-la um 
 fundamento racionalmente inteligível e constitucionalmente legítimo; e baseia-se 
 num critério que se afigura relevante para a prossecução das finalidades 
 prosseguidas pelo sistema normativo em juízo, com ele se articulando, também, em 
 termos racionais e inteligíveis. Tanto basta para que a medida legislativa passe 
 o “teste” geral da igualdade, exigido no nº 1 do artigo 13.º.
 Por outro lado, a medida não é discriminatória. As consequências que dela 
 decorrem implicam, é certo, diferenças de tratamento entre os cônjuges e os 
 unidos de facto que não deixam de colocar estes últimos em situação relativa de 
 desvantagem face aos primeiros. No entanto, uma tal desvantagem relativa não 
 pode ser configurada como discriminação que, nos termos do nº 2 do artigo 13.º, 
 seja constitucionalmente proibida. Para além de, como acabámos de ver, ser a 
 diferença entre os dois regimes ainda explicável por razões inteligíveis, 
 congruentes com os fins do sistema que o legislador ordinário legitimamente 
 escolheu, a verdade é que ela se não funda naquele tipo de características 
 pessoais ou de critérios subjectivos que, pela sua estreita relação com a 
 dignidade das pessoas, a Constituição entendeu ser à partida insusceptível de 
 justificar, em qualquer caso, a existência de regimes jurídicos distintos. A 
 tudo isto acresce o que já se disse no Acórdão nº 195/2003: “(…) no presente 
 caso, não se está perante uma exclusão de plano, e em abstracto, do direito do 
 convivente, por contraposição ao direito do cônjuge, e antes a norma em questão 
 
 (…) o artigo 8.º, nº 1, do Decreto-Lei nº 322/90, de 18 de Outubro, visou 
 justamente, pelo contrário, conceder também protecção, pela extensão de 
 prestações na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de 
 segurança social, ‘às pessoas que se encontrem na situação prevista no nº 1 do 
 artigo 2020.º do Código Civil’ [o que] representa, ainda, a prova, justamente, 
 da necessidade de protecção da pessoa em causa, por não a poder obter dos seus 
 familiares directos.”.    
 
  
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Assim, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide: 
 a)             Não julgar inconstitucional as normas do nº 1 do artigo 8.º do 
 Decreto-Lei nº 322/90 e do artigo 3.º do Decreto-Regulamentar nº1/94, de 18 de 
 Janeiro, quando interpretadas no sentido segundo o qual o direito à atribuição 
 da pensão de sobrevivência por morte do beneficiário, a quem com ele convivia em 
 união de facto, depende de o interessado estar nas condições do artigo 2020.º do 
 Código Civil, isto é, ter direito a obter alimentos da herança, por não os poder 
 obter das pessoas referidas no artigo 2009.º, nº 1, alíneas a) a d) do mesmo 
 Código.
 b)             Consequentemente, negar provimento ao recurso. 
 
  
 
  
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa da justiça em 25 unidades de conta, 
 sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido. 
 
  
 
  
 Lisboa, 15 de Dezembro de 2009
 
          Maria Lúcia Amaral
 
          José Borges Soeiro
 
           João Cura Mariano
 
            Maria João Antunes
 
             Benjamim Rodrigues
 
              Carlos Pamplona de Oliveira
 
                                       Vítor Gomes (Vencido. Julgaria 
 inconstitucional a norma em causa, pelas razões do acórdão n.º 88/2004, que 
 considero aplicáveis).
 
                                              Carlos Fernandes Cadilha (vencido 
 pelos fundamentos constantes do acórdão n.º 88/2004)
 
                                               Ana Maria Guerra Martins (Vencida, 
 no essencial, pelos fundamentos constantes do acórdão n.º 88/2004).
 
                                                  Gil Galvão (Vencido, no 
 essencial, pelas razões constantes do acórdão N.º 88/2004, de que fui relator)
 
                                                 Joaquim de Sousa Ribeiro 
 
 (vencido, pelas razões constantes da declaração anexa)
 
                  Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 O ponto de partida para a apreciação da questão de constitucionalidade suscitada 
 nos presentes autos deve ser o da determinação do estatuto constitucional da 
 união de facto. 
 Em tal matéria, é total a minha concordância com o acórdão, quando sustenta que 
 
 «tendo tal direito (o de escolher viver em união de facto) assento 
 constitucional, não se vê como pode o mandato constitucional de protecção da 
 família não incluir, ainda, um dever de tutela das uniões estáveis e duradouras, 
 análogas às dos cônjuges, mas que se fundem, apenas, na dedicação recíproca dos 
 seus membros.»
 O reconhecimento constitucional da união de facto traduz-se, pois, numa garantia 
 de instituto, que coenvolve a garantia de um mínimo de protecção, através do 
 direito ordinário, da família assim constituída e dos membros que a integram.
 De forma que a questão de constitucionalidade posta pode ser equacionada como a 
 de saber se as condições exigidas pelos artigos 8.º do Decreto-Lei n.º 332/90, 
 de 18 de Outubro, e 3.º do Decreto-Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, 
 traduzem ou não um défice de tutela do membro sobrevivo da união de facto 
 constitucionalmente desconforme.
 A resposta a uma tal questão deve assumir como referencial normativo da 
 ponderação o regime em vigor para os que constituíram família através do 
 casamento. Não, evidentemente, porque a união de facto postule um grau de tutela 
 idêntico ao de que goza o casamento. Trata-se de uma situação familiar distinta 
 da que tem origem matrimonial, em que os sujeitos em relação se colocam por 
 opção livre (desde que esteja em causa uma união heterossexual), pelo que o 
 legislador ordinário está legitimado a consagrar tratamentos diferenciados das 
 duas situações. Mas o regime do casamento releva como termo comparativo, para 
 ajuizar se o legislador, ao estabelecer um diferencial de disciplinas jurídicas, 
 se conteve dentro da medida da diferença, em respeito pelos princípios da 
 igualdade e da proporcionalidade.
 
 É por isso que nada adianta, em termos de percurso argumentativamente 
 fundamentador, vir lembrar, como faz o acórdão, que o legislador, ao estabelecer 
 que o companheiro sobrevivo do beneficiário só pode aceder à pensão de 
 sobrevivência se demonstrar que tem direito a receber alimentos da herança do 
 falecido, por ter necessidade deles e por não os poder obter das pessoas 
 mencionadas nas alíneas a) a d) do artigo 2009.º do Código Civil, «não está a 
 contrariar nenhum daqueles elementos imperativos que, contidos no artigo 63.º da 
 Constituição, integram o “núcleo essencial”, imodificável pelo legislador, do 
 direito de cada um à segurança social». A questão não é essa. O que importa 
 saber é se, tendo o legislador consagrado o direito do cônjuge sobrevivo à 
 pensão de sobrevivência, sem requisitos adicionais atinentes a uma situação de 
 carência, os pode estabelecer, com o alcance acima referido, quando está em 
 causa uma união de facto. O juízo a emitir é, por natureza, um juízo 
 comparativo, em termos relativos.
 Para esse juízo, há que sublinhar, em primeiro lugar, que o direito a uma pensão 
 de sobrevivência se integra destacadamente na “zona de protecção” da união de 
 facto, na área de incidência privilegiada das medidas de tutela. A pensão de 
 sobrevivência é um direito em face de terceiros, coloca-se no domínio das 
 relações externas, digamos assim, e não no do relacionamento entre os unidos de 
 facto. Aqui, no plano das “relações internas”, atendendo à opção feita pelos 
 próprios de não se vincularem a formas de conduta convivial, é que se justifica, 
 
 à partida, o retraimento em tutelar através do reconhecimento de direitos de um, 
 já que tal se vem necessariamente a traduzir na imposição de deveres ao outro. 
 Ao invés, a tutela directa de qualquer dos membros da união de facto, através da 
 concessão de direitos perante sujeitos exteriores à relação, em nada contende 
 com a natureza livre desta. Pelo contrário, uma excessiva e injustificada 
 restrição desses direitos é que pode actuar como uma “constrição” no sentido de 
 uma, de outro modo indesejada, união matrimonial.
 O direito à pensão de alimentos, pelas suas específicas fonte, natureza e 
 finalidade, é, à partida, um fortíssimo candidato positivo a integrar essa 
 potencial zona de protecção da união de facto.
 A teleologia própria da pensão de sobrevivência vem apontada no artigo 4.º do 
 Decreto-Lei n.º 322/90, como sendo a de “compensar os familiares do beneficiário 
 da perda de rendimentos de trabalho determinada pela morte deste”. 
 Esta finalidade é traduzida no acórdão como sendo a de compensar os familiares 
 em situação de “dependência económica” do falecido, por viverem “a cargo” deste. 
 Indevidamente, a meu ver. O legislador, ao traçar aquele objectivo, basta-se com 
 a ideia de que a perda de rendimentos de trabalho auferidos pelo falecido tem 
 uma incidência patrimonial negativa na esfera do sobrevivo, afecta a 
 consistência dos meios anteriormente disponíveis pela comunidade familiar, no 
 seu conjunto. 
 Ora, recaindo sobre o legislador ordinário “o dever de não desproteger, sem 
 justificação razoável, a família que se não fundar no casamento”, como o 
 Tribunal afirmou no Acórdão n.º 275/2002, uma pronúncia no sentido da não 
 cobertura da união de facto por essa finalidade (e o correspondente regime) 
 postula a satisfação de um ónus argumentativo, com indicação de fundamentos 
 sólidos contrários a uma similitude de disciplinas jurídicas.
 Procurando cumprir esses ónus, o Acórdão aponta, como elemento diferenciador das 
 duas situações, os deveres dos cônjuges de assistência e de contribuição para os 
 encargos familiares, deveres inexistentes na esfera da união de facto. Como tal, 
 deixaria de ter cabimento, nesta esfera, a presunção de partilha de recursos, 
 pressuposto indispensável para que se possa imputar à morte de um a presumida 
 perda de rendimentos do outro, que justifica a pensão de sobrevivência.
 Ainda que recorrente, o argumento não convence. A não vinculação jurídica dos 
 parceiros de uma união de facto a formas de comportamento recíproco é um dado, 
 um elemento essencial da configuração do instituto, sempre presente em todas as 
 suas dimensões operativas. Ela não pode, pois, ser invocada para, sem mais e de 
 plano, afastar instrumentos de tutela da situação conjugal, com base na 
 inexistência de um estatuto vinculativo. Tal importaria a denegação, pura e 
 simples, de qualquer protecção, não obstante ela ser intencionada por um 
 legislador constituinte perfeitamente consciente daquela diferença específica da 
 união de facto.  
 O que releva é que, embora não estando sujeitos a deveres nesse sentido, os 
 unidos de facto adoptaram espontaneamente um modo de relacionamento que os faz 
 cair numa situação “análoga à dos cônjuges”. Analogia que não se verifica apenas 
 no plano sexual, mas se estende a todas aquelas esferas (ai compreendida a 
 patrimonial) que são denotadas quando a relação, tanto a conjugal como a de 
 união de facto, é qualificada como de “vida em comum”. A união de facto não é 
 uma pura e imaterializada “comunidade de afecto”. Ela corporiza-se em laços 
 reais entretecidos por uma constante e duradoura entreajuda e comunhão de 
 interesses, sem as quais não há união. O ser esta de facto não a diferencia, no 
 plano da realidade relacional, de uma união juridicamente vinculada, pelo 
 casamento. Daí que, estando em vigor à data da morte do beneficiário uma relação 
 com um conteúdo material análogo ao da relação conjugal, nada justifica afastar, 
 para a união de facto, a presunção de perda de rendimentos afirmada, quanto ao 
 casamento. Para este efeito, não importa o que era devido, mas sim o que era 
 efectivamente praticado. E não pode, com base na inexigibilidade, ao parceiro em 
 união, de prestações contributivas (que, presuntivamente, estavam a ser por ele 
 efectivamente realizadas), afirmar-se, sem mais, idêntica inexigibilidade (ou 
 uma exigibilidade em condições muito restritivas) perante terceiros. Tal 
 operaria uma indevida transposição de planos, sem ter em conta a especificidade 
 de cada um.
 Mas, se dúvidas houvesse quanto à não justificação da denegação ao membro 
 sobrevivo de uma união de facto de pensão de sobrevivência, em condições 
 análogas à sua concessão ao cônjuge, elas seriam desfeitas pela consideração da 
 génese e da natureza desse direito.
 Trata-se de um direito integrado no subsistema contributivo da segurança social, 
 o que significa que ele decorre, em parte não despicienda, de deduções aos 
 rendimentos de trabalho do titular inscrito. A pensão de sobrevivência é uma 
 contrapartida de prestações efectuadas pelo beneficiário, é ainda, sob as vestes 
 de um seguro social, uma componente do crédito adquirido pelo trabalhador com o 
 cumprimento da actividade laboral a que esteve vinculado.
 Ora, a esta posição creditória é de reconhecer a força jurídica do direito de 
 propriedade privada, nos termos amplos em que este direito é concebido, em sede 
 constitucional. A pensão de sobrevivência constitui uma situação de conteúdo 
 patrimonial coberta pela garantia constitucional da propriedade privada, como é 
 consensualmente admitido na doutrina e na jurisprudência germânicas – cfr., por 
 todos, OTTO DEPENHAUER, anotação ao art. 14.º da GG, in MANGOLDT/KLEIN/STARCK, 
 Das Bonner Grundgesetz. Kommentar, München, 1999, 1668 s., e PAPIER, anotação ao 
 art. 14.º da GG, in MAUNZ/DÜRIG, Grundgesetz. Kommentar, München, 2002, 86 s. 
 Não se descortina justificação para que um direito desta natureza seja 
 fortemente restringido, com base unicamente na forma pela qual o sujeito titular 
 dos rendimentos à custa dos quais ele se formou constituiu família. Na verdade, 
 a tese que fez vencimento conduz a que prestações contributivas idênticas possam 
 ter, para este efeito, contrapartidas muito distintas, com fundamento numa 
 conduta do trabalhador em nada relacionada com o domínio laboral, conduta não só 
 legítima como reconhecida digna de tutela enquanto modo de criação de uma 
 família. E não pode olvidar-se que a atribuição de uma pensão ao companheiro do 
 trabalhador cuja actividade gerou a sua aquisição é ainda uma forma de 
 retribuição dessa actividade, representa ainda um benefício de que ele próprio 
 goza, desde logo pela desoneração de eventuais iniciativas aforradoras (com o 
 concomitante decréscimo de rendimento disponível), com vista a assegurar, por 
 vias privadas, a sobrevivência do parceiro da união de facto.
 
 É certo que não estamos perante a denegação, pura e simples, da pensão de 
 sobrevivência, mas do seu condicionamento à verificação de pressupostos 
 específicos, não exigidos quando o sobrevivo é o cônjuge. Simplesmente, esses 
 pressupostos são tão apertados que se traduzem numa muito significativa 
 restrição de exercício, que contende com o princípio da proporcionalidade. Mais 
 ainda. Ela importa uma verdadeira mutação de natureza, transformando uma posição 
 que, para o cônjuge, representa um firme direito jurídico-público, perante o 
 Instituto de Solidariedade e Segurança Social, numa pretensão de cunho 
 assistencialista, de carácter subsidiário, dependente da prévia invocação e 
 prova de uma situação de necessidade, de satisfação inviável por um património 
 privado – pretensão a exercitar, aliás, por forma pouco condizente com a 
 preservação da coesão da família que, enquanto instituto, e independentemente da 
 sua forma de criação, é objecto directo da tutela constitucional (artigo 67.º da 
 CRP).
 
 É, decisivamente, na medida em que contraria a natureza própria do específico 
 direito em causa que o regime objecto de recurso não se pode abonar numa 
 justificação constitucionalmente validante da disparidade de tratamento da união 
 de facto, que nele se exprime. Pronunciei-me, nessa convicção, pela sua 
 inconstitucionalidade.
 Joaquim de Sousa Ribeiro