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Proc. nº 390/95
 
 1ª Secção
 Rel. Cons. Monteiro Diniz
 
  
 
  
 
  
 Acordam no Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I - Questão
 
  
 
                            1 - A Comissão Nacional de Objecção de Consciência, 
 por deliberação de 28 de Setembro de 1994, indeferiu liminarmente a declaração 
 de objecção de consciência apresentada por A., em virtude de nela não se conter 
 a 'declaração expressa da disponibilidade do declarante para cumprir o serviço 
 cívico alternativo', como é exigido pelo artigo 18º, nº 3, alínea d) da Lei nº 
 
 7/92, de 12 de Maio.
 
  
 
                            Contra o assim deliberado interpôs o declarante 
 recurso para o Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, suscitando a 
 inconstitucionalidade daquela norma, por violação do disposto nos artigos 41º, 
 nº 6 e 276º, nºs 4 e 5 da Constituição, havendo este Tribunal, por sentença de 8 
 de Março de 1995, negado provimento ao recurso.
 
  
 
                            O recorrente levou então os autos ao Supremo Tribunal 
 Administrativo, que, por acórdão de 1 de Junho de 1995, lhe recusou provimento, 
 confirmando a decisão impugnada.
 
  
 
                            Para tanto, e no essencial, ateve-se à seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
                         'O argumento fundamental é o de que a obrigação que 
 pende sobre o objector de consciência no sentido de prestar serviço cívico de 
 duração e penosidade equivalentes à do serviço militar armado é directamente 
 imposta pelo artigo 276º, nº 4 da C.R.P. constituindo assim, a nível 
 constitucional, o sinalagma do direito à objecção de consciência garantido pelo 
 artigo 41º, nº 6, do mesmo texto.
 
                         Trata-se portanto de um ónus ou de uma limitação de um 
 direito que tem assento na própria lei fundamental não sendo, por isso, possível 
 colocar sequer o problema da inconstitucionalidade dessa restrição explicitada 
 pelo legislador ordinário no referido artigo 18º, nº 3, alínea d) da Lei nº 
 
 7/92.
 
                         Só seria de modo diferente se, porventura, a C.R.P. 
 concedesse aos cidadãos um direito à não prestação do serviço militar armado e, 
 concomitantemente, um direito à não prestação do serviço cívico alternativo o 
 que, como vimos, não sucede'.
 
  
 
  
 
 *///*
 
  
 
                            2 - Inconformado com o sentido decisório deste aresto 
 o recorrente submeteu o processo à fiscalização de constitucionalidade do 
 Tribunal Constitucional, sob a invocação do disposto nos artigos 280º, nº 1, 
 alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de 
 Novembro.
 
  
 
                            E, nas alegações depois oferecidas, concluiu assim:
 
  
 
                         'I - A restrição feita na alínea d) nº 3 do artigo 18º 
 da Lei nº 7/92, de 12 de Maio, é contrária ao disposto nos artigos 18º, nº 2, 
 
 41º, nº 6 e 276º, nº 4, todos da CRP.
 
                         II - Tais violações constituem fundamento de 
 inconstitucionalidade do preceituado no referido segmento da citada alínea d) 
 do nº 3 do artigo 18º da Lei nº 7/92, de 12 de Maio, face ao disposto nos 
 artigos 3º, nº 3 e 277º, nº 1 da C.R.P., estando vedada aos Tribunais a sua 
 aplicação por força do estipulado no artigo 206º da LF e do artigo 4º, nº 3, do 
 Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril.
 
                         III - O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 
 que ora se recorre (bem como o Aresto do Tribunal Administrativo de Coimbra) 
 violam os preceitos citados na conclusão II.
 
                         IV - Estamos, pois, perante vício de violação da Lei, 
 gerador de anulabilidade a aplicação em acto administrativo de norma legal, 
 considerada inconstitucional'.
 
  
 
  
 
  
 
                Por seu turno, a Comissão Nacional de Objecção de Consciência 
 louvando-se nas posições assumidas perante a jurisdição administrativa, 
 pronunciou-se no sentido do improvimento do recurso.
 
  
 
                Os autos correram os vistos de lei, havendo o senhor Presidente 
 do Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 79º-A, nº 1, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, determinado que o julgamento do presente processo se faça com 
 intervenção do plenário.
 
  
 
                Cumpre agora apreciar e decidir.
 
  
 
 *///*
 
  
 
  
 II - A fundamentação
 
  
 
                1 - A Constituição de 1976, logo na sua versão originária, no 
 artigo 41º, relativo à liberdade de consciência, religião e culto, reconhecia no 
 nº 5, 'o direito à objecção de consciência, ficando os objectores obrigados à 
 prestação de serviço não armado com duração idêntica à do serviço militar 
 obrigatório'.
 
  
 
                E no artigo 276º, reportado à defesa da Pátria e serviço militar, 
 depois de se assinalar que a 'defesa da Pátria é dever fundamental de todos os 
 portugueses' (nº 1) e que, 'o serviço militar é obrigatório nos termos e pelo 
 período que a lei prescrever' (nº 2) dispunha-se que 'os que forem considerados 
 inaptos para o serviço militar armado e os objectores de consciência prestarão 
 serviço militar não armado ou serviço cívico adequado à sua situação' (nº 3), 
 completando-se que 'o serviço cívico pode ser estabelecido em substituição ou 
 complemento do serviço militar e tornado obrigatório por lei para os cidadãos 
 não sujeitos a deveres militares' (nº 4).
 
  
 
                A Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, veio introduzir 
 algumas alterações no texto constitucional  em matéria de objecção de 
 consciência, em termos de, pela redacção dada ao artigo 276º, nº 4, os 
 objectores de consciência prestarem 'serviço cívico de duração e penosidade 
 equivalentes à do serviço militar armado', sendo eliminada a regra que 
 estabelecia uma 'duração idêntica' entre a prestação de serviço não armado e o 
 serviço militar obrigatório.
 
  
 
                Por outro lado, o artigo 41º, nº 6, passou a garantir de forma 
 genérica 'o direito à objecção de consciência, nos termos da lei'.
 
  
 
                A Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho não trouxe qualquer 
 inovação significativa, precisando-se porém que a defesa da Pátria 'é direito 
 e dever fundamental de todos os portugueses' (artigo 276º, nº 1), com o que se 
 afirmou não poder ser negada a ninguém a participação nas tarefas de defesa, 
 sendo assim ilícitas discriminações quanto ao exercício deste direito.
 
  
 
                Na sua versão actual, nos dispositivos que importa considerar, o 
 texto constitucional dispõe assim:
 
  
 
  
 Artigo 41º
 
 (Liberdade de consciência, de religião e de culto)
 
  
 
 1 - A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável.
 
 2 - Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou 
 deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa.
 
 ................................................... .....
 
 6 - É garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei.
 
  
 
  
 
  
 Artigo 276º
 
 (Defesa da Pátria, serviço militar e serviço cívico)
 
  
 
 1 - A defesa da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses.
 
 2 - O serviço militar é obrigatório, nos termos e pelo período que a lei 
 prescrever.
 
 3 - Os que forem considerados inaptos para o serviço militar armado prestarão 
 serviço militar não armado ou serviço cívico adequado à sua situação.
 
 4 - Os objectores de consciência prestarão serviço cívico de duração e 
 penosidade equivalentes à do serviço militar armado.
 
 5 - O serviço cívico pode ser estabelecido em substituição ou complemento do 
 serviço militar e tornado obrigatório por lei para os cidadãos não sujeitos a 
 deveres militares.
 
 ................................................... .....
 
  
 
  
 
  
 
                Apesar de o direito à objecção de consciência ter alcançado 
 consagração constitucional logo em 1976, só com a Lei nº 6/85, de 4 de Maio, 
 depois alterada pela Lei nº 101/88, de 25 de Agosto, o legislador ordinário fez 
 publicar normação relativa ao 'objector de consciência perante o serviço 
 militar obrigatório'.
 
  
 
                Todavia, o sistema então instituído, nomeadamente a opção pela 
 via judicial para o reconhecimento do estatuto do objector de consciência, bem 
 cedo se veio a revelar desadequado, ineficaz e gerador de manifesto bloqueio na 
 concretização do direito à objecção de consciência.
 
  
 
                Procurando ultrapassar as insuficiências deste quadro normativo, 
 a Assembleia da República veio a aprovar a Lei nº 7/92, de 12 de Maio, que, para 
 além de revogar a legislação anterior sobre objecção de consciência, introduziu 
 no novo ordenamento  significativas alterações, nomeadamente a adopção da via 
 administrativa como forma de aquisição do respectivo estatuto e o alargamento 
 do conceito de objector de consciência a motivações de ordem humanística ou 
 filosófica.
 
  
 
  
 
 *///*
 
                2 - A Lei nº 7/92, acha-se dividida em sete capítulos 
 distribuídos pelas seguintes matérias: Capítulo I (Disposições Gerais); Capítulo 
 II (Serviço Cívico); Capítulo III (Situação jurídica do objector de 
 consciência); Capítulo IV (Processo); Capítulo V (Órgãos específicos da 
 objecção de consciência); Capítulo VI (Regime disciplinar e penal) e Capítulo 
 VII (Disposições finais e transitórias).
 
  
 
                Em conformidade com esta lei o direito à objecção de consciência 
 perante o serviço militar 'comporta a isenção do serviço militar, quer em tempo 
 de paz, quer em tempo de guerra, e implica, necessariamente, para os respectivos 
 titulares o dever de prestar um serviço cívico adequado à sua situação' (artigo 
 
 1º, nº 2).
 
  
 
                Consideram-se objectores de consciência 'os cidadãos convictos de 
 que, por motivos de ordem religiosa, moral, humanística ou filosófica, lhes não 
 
 é legítimo usar de meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante, 
 ainda que para fins de defesa nacional colectiva ou pessoal' (artigo 2º).
 
  
 
                E por serviço cívico adequado à situação de objector de 
 consciência entende-se aquele que, 'sendo exclusivamente de natureza civil, não 
 esteja vinculado ou subordinado a instituições militares ou militarizadas, que 
 constitua uma participação útil em tarefas necessárias à colectividade e 
 possibilite uma adequada aplicação das habilitações e interesses vocacionais dos 
 objectores' (artigo 4º, nº 1).
 
  
 
                O serviço cívico a prestar pelos objectores de consciência 'tem 
 duração e penosidade equivalentes à do serviço militar obrigatório', 
 compreendendo um período de formação, com a duração de três meses, e um período 
 de serviço efectivo, com duração igual à do serviço militar obrigatório (artigo 
 
 5º, nºs 1 e 2).
 
  
 
                O estatuto do objector de consciência adquire-se por decisão 
 administrativa, proferida nos termos do presente diploma, a partir da declaração 
 do interessado (artigo 10º).
 
  
 
                Os objectores de consciência gozam de todos os direitos e estão 
 sujeitos a todos os deveres consignados na Constituição e na lei para os 
 cidadãos em geral que não sejam incompatíveis com a situação de objector de 
 consciência (artigo 11º).
 
  
 
                E, nos mesmos termos e prazos previstos para os cidadãos que 
 prestam o serviço militar, os objectores de consciência podem ser convocados 
 extraordinariamente para prestar novamente serviço cívico adequado à sua 
 situação, se assim for decidido pelas entidades competentes, em caso de guerra, 
 estado de sítio ou de emergência (artigo 12º, nº 1).
 
  
 
                E no artigo 18º, que rege sobre os princípios gerais do processo 
 de aquisição do estatuto de objector de consciência, na parte que aqui importa 
 reter, dispõe-se assim:
 
  
 Artigo 18º
 
 (Princípios gerais)
 
  
 
  
 
    1 - O processo de aquisição do estatuto de objector de consciência tem 
 natureza administrativa e inicia-se com a apresentação pelo interessado de uma 
 declaração de objecção de consciência.
 
    2 - A declaração pode ser apresentada por qualquer cidadão maior ou 
 emancipado.
 
    3 - A declaração de objecção de consciência deve conter:
 
 ................................................... 
 
         d)   A declaração expressa da disponibilidade do declarante para cumprir 
 o serviço cívico alternativo.
 
            ................................................... 
 
  
 
  
 
  
 
                Compete à Comissão Nacional de Objecção de Consciência o 
 reconhecimento do estatuto do objector de consciência (artigo 19º).
 
  
 
                A declaração de objecção de consciência só pode ser indeferida, 
 com a consequente denegação do estatuto de objector, por irregularidades formais 
 não supridas após notificação adrede efectuada ou com base na falsidade de 
 elementos constantes da declaração ou na existência de qualquer das 
 inabilidades previstas na presente lei (artigos 21º, nº 2 e 23º, nº 1).
 
  
 
                Da deliberação da Comissão Nacional de Objecção de Consciência 
 cabe recurso para o competente tribunal administrativo do círculo (artigo 27º, 
 nº 1).
 
  
 
                Sustenta o recorrente que 'a declaração expressa da 
 disponibilidade para cumprir o serviço cívico alternativo' que se deve conter na 
 declaração de objecção de consciência [artigo 18º, nº 3, alínea d)] se traduz em 
 
 'restrição' não consentida pelo texto constitucional.
 
  
 
                Será efectivamente assim?
 
  
 
  
 
 *///*
 
                3 - No âmbito dos direitos, liberdades e garantias pessoais 
 assegura a Constituição que a liberdade de consciência, de religião e de culto é 
 inviolável, reconhecendo a faculdade de escolher os próprios padrões de 
 valoração ética ou moral, bem como a de adoptar ou não adoptar uma qualquer 
 religião e de com tal e por tal não ser prejudicado relativamente aos demais.
 
  
 
                Neste contexto, o direito à objecção de consciência, garantido no 
 mesmo preceito que consagra a liberdade de consciência, apresenta-se como o 
 direito de não cumprir obrigações ou não praticar actos por motivos de 
 consciência.
 
  
 
                É um direito que se apresenta como corolário da liberdade de 
 consciência, sendo que esta se analisa no direito que cada um tem de agir 
 conformemente ao juízo da sua própria consciência, imune, portanto, a qualquer 
 coacção do Estado ou da sociedade - imunidade esta que arranca do facto de o 
 juízo de consciência pertencer ao âmbito de intimidade da pessoa.
 
  
 
                A objecção de consciência traduz-se, assim, na resistência que a 
 consciência individual opõe a uma lei geral, em virtude de as próprias 
 convicções pessoais impedirem o sujeito de a cumprir.
 
  
 
                O direito à objecção de consciência abrange outros domínios para 
 além do das obrigações decorrentes do serviço militar obrigatório, competindo à 
 lei delimitar o seu âmbito e concretizar o modo do seu exercício, devendo, no 
 entanto, o legislador limitar as restrições que lhe impuser ao necessário para a 
 salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e, 
 em qualquer caso, não podendo diminuir a extensão e o alcance do conteúdo 
 essencial do respectivo preceito constitucional (artigo 18º, nºs 2 e 3 da 
 Constituição).
 
  
 
                Todavia, no específico âmbito da objecção de consciência perante 
 o serviço militar obrigatório, a Constituição, ela própria, define um quadro 
 normativo no qual, dialecticamente, se situam o direito à objecção de 
 consciência e o dever de prestação do serviço militar enquanto obrigação 
 inerente à defesa da Pátria.
 
  
 
                Com efeito, ao definir os direitos e deveres dos cidadãos em 
 matéria de defesa nacional, a Constituição consagra a defesa da Pátria como um 
 direito e dever fundamental de todos os cidadãos e o dever do serviço militar, 
 dever instrumental em relação à defesa da Pátria, como um dever a cumprir 
 pelos cidadãos capazes de prestação de obrigações militares.
 
  
 
                Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, p. 965, 'o dever de 
 defesa da Pátria e os demais deveres conexos são os mais típicos deveres 
 fundamentais dos cidadãos previstos expressamente na Constituição (...). 
 Trata-se de obrigações de prestação pública, cujo cumprimento está garantido 
 inclusive por via penal. 
 
     Os direitos e garantias ligados à defesa e aos correspondentes deveres são 
 em muitos aspectos análogos dos direitos, liberdades e garantias, pelo que 
 beneficiam do correspondente regime constitucional de protecção (arts. 17º e 
 
 18º)'.
 
  
 
                O reconhecimento geral do direito à objecção de consciência como 
 corolário da liberdade de consciência reclamava que em substituição do serviço 
 militar se admitisse uma forma de cumprimento dos deveres para com a comunidade 
 que, não envolvendo na sua prestação qualquer colisão com aquela liberdade, se 
 traduzisse numa actividade sucedânea daquele serviço para os objectores de 
 consciência.
 
  
 
                Nesta conformidade, o texto constitucional estabeleceu um 
 serviço cívico 'de duração e penosidade equivalentes à do serviço militar 
 armado' para os objectores de consciência.
 
  
 
                Este princípio de equivalência de encargos entre o serviço 
 militar e o serviço cívico justifica-se por diversas razões: evita a 
 
 'banalização' do direito à objecção de consciência, limita a excepção ao 
 princípio da inconvertibilidade do serviço militar e respeita o princípio da 
 igualdade quanto aos sacrifícios públicos impostos aos cidadãos (cfr. Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 986).
 
  
 
                A prestação do serviço militar obrigatório que em princípio se 
 apresenta como um serviço armado é encarada como a modalidade regra de 
 cumprimento do dever fundamental de todos os portugueses (que é, 
 simultaneamente, um direito fundamental) de defesa da Pátria.
 
  
 
                Porém, o serviço militar obrigatório não constitui a única forma 
 de dar satisfação a tal dever, admitindo-se no artigo 276º outras modalidades 
 alternativas: serviço militar não armado ou serviço cívico adequado à situação 
 dos que forem considerados inaptos para o serviço militar armado (nº 3); serviço 
 cívico de duração e penosidade equivalentes à do serviço militar armado para os 
 objectores de consciência (nº 4); a título facultativo, o serviço cívico pode 
 ser estabelecido em substituição ou complemento do serviço militar e tornado 
 obrigatório por lei para os cidadãos não sujeitos a deveres militares (nº 5).
 
  
 
                A prestação obrigatória de serviço cívico pelos objectores de 
 consciência não se traduz numa modalidade de cumprimento do serviço militar mas 
 antes um modo diferenciado de cumprir os deveres para com a comunidade a que 
 pertencem.
 
  
 
                Na génese deste regime, para além da consideração da liberdade de 
 consciência, prevaleceu a ideia de que 'uma sociedade democrática não pode 
 admitir que certos dos seus membros se marginalizem furtando-se de todo em todo 
 ao cumprimento do interesse geral como é o interesse da defesa da Pátria' (cfr. 
 Soveral Martins, Estatuto do Objector de Consciência, Coimbra, 1987, p. 11).
 
  
 
                O cidadão conscrito ao serviço militar, nos termos da lei 
 ordinária sobre a prestação desse serviço, imposta com generalidade e 
 abstracção ao conjunto dos seus destinatários, não deixa de sentir um certo 
 grau de constrangimento se se lhe reconhecer o direito ao estatuto de objector 
 de consciência, mas o princípio democrático em que este assenta concede-lhe, por 
 forma não arbitrária nem discricionária, a possibilidade de substituir aquele 
 serviço por um outro, de interesse público, mais adequado às suas convicções 
 pessoais. É, obviamente, inadmissível encarar o objector como pretendendo 
 apenas a exoneração de um dever jurídico, o que atentaria contra o princípio da 
 igualdade, ou submetê-lo a medidas alternativas não equivalentes, o que, por sua 
 vez, conduziria a uma inaceitável situação de privilégio (cfr. Acórdão do 
 Tribunal Constitucional nº 65/91, Diário da República, II, de 4 de Julho de 
 
 1991).
 
  
 
                O direito à objecção de consciência perante o serviço militar 
 apresenta-se assim com um alcance não absoluto, pois que, a par do 
 reconhecimento da isenção do dever de prestação do serviço militar armado, 
 fundada em razões que têm a ver com os ditames de consciência do objector, 
 acha-se este sujeito ao cumprimento de um serviço cívico sucedâneo de 'duração 
 e penosidade equivalentes' à do serviço militar, contra o qual não é já legítimo 
 deduzir objecção de consciência.
 
  
 
                A exoneração do dever de cumprimento do serviço cívico 
 envolveria ofensa ao princípio da igualdade de encargos dos cidadãos perante a 
 colectividade.
 
  
 
 *///*
 
                4 - A ponderação dos valores constitucionais que no quadro do 
 direito à objecção de consciência se contrapõem - de um lado, liberdade de 
 consciência, de outro lado, direito e dever de defesa da Pátria - impõe que a 
 sua harmonização se concretize em termos de ser preservada aquela liberdade sem 
 se omitir o dever que a defesa da Pátria implica e impõe.
 
  
 
                O direito à objecção de consciência há-de conformar-se com a 
 obrigatoriedade de prestação do serviço cívico sucedâneo do serviço militar 
 armado, situando-se neste ponto de confluência a conciliação entre a 'autonomia 
 individual e o dever fundamental de solidariedade'.
 
  
 
                Neste contexto, a exigência contida na norma do artigo 18º, nº 3, 
 alínea d) da Lei nº 7/92, não deve ser entendida como significando, restrição 
 do direito à objecção de consciência que se concretiza num plano diferente 
 daquele a que a declaração de disponibilidade se reporta: a objecção de 
 consciência é oposta ao serviço militar armado, enquanto a disponibilidade do 
 objector se reporta à prestação constitucionalmente obrigatória do serviço 
 cívico.
 
  
 
  
 
                De acordo com a doutrina analiticamente mais elaborada (cfr. 
 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 2ª ed., pp. 297 e ss.) 
 para se apreender o pleno alcance da regra do carácter restritivo das restrições 
 de direitos, liberdades e garantias, há que começar 'por distinguir o conceito 
 de restrição de outros conceitos, como os de limite ao exercício de direitos, 
 condicionamento, regulamentação, concretização legislativa, auto-ruptura da 
 Constituição, dever e suspensão'.
 
  
 
                Pode dizer-se, tendo em conta os critérios de distinção entre 
 esses vários conceitos, que num plano teórico os candidatos ao enquadramento da 
 norma sob sindicância se resumem a quatro de entre eles: restrição, 
 condicionamento, regulamentação e concretização legislativa.
 
  
 
                Mas, descendo a uma avaliação que considere as implicações 
 concretas daquela norma há-de, desde logo, afastar-se a ideia de nela se 
 introduzir uma qualquer restrição ao exercício do direito.
 
  
 
                A restrição supõe uma compressão interna do próprio direito, 
 retirando-lhe possibilidades dantes consentidas no seu âmbito e diminuindo as 
 faculdades ali previstas, seja para uma certa categoria de pessoas, seja para 
 todas as pessoas desde que verificada uma determinada situação de facto.
 
  
 
                E também ali não se concretiza uma regulamentação, já que com 
 esta se visa o preenchimento e definição do próprio conteúdo do direito.
 
  
 
                Entre a concretização legislativa e o condicionamento a fronteira 
 divisora é muito ténue. Todavia, parece seguro que na norma desaplicada se 
 consagra um mero condicionamento, estabelecendo-se requisitos de natureza 
 cautelar de que se faz depender o exercício do direito de objecção de 
 consciência.
 
  
 
                O condicionamento 'não reduz o âmbito do direito, apenas implica, 
 umas vezes, uma disciplina ou uma limitação da margem de liberdade do seu 
 exercício, outras vezes um ónus' (cfr. Jorge Miranda, ob. loc. cit.).
 
  
 
                No preceito em causa prevê-se um ónus cujo preenchimento 
 condiciona o exercício do direito. Este não sofre, em si, qualquer compressão, 
 ficando totalmente incólume, mesmo que o ónus não seja cumprido. O objector pode 
 sempre exercer o direito quando quiser, e exercê-lo em pleno, isto é, sem perda 
 de qualquer das faculdades que lhe são inerentes. Mas se quiser exercê-lo tem de 
 preencher as condições que a lei estabelece, por motivos vários, inclusive 
 organizativos. 
 
  
 
                O dever de prestar serviço cívico resulta da própria 
 Constituição, haja ou não aceitação prévia do objector. Aceitar expressamente ou 
 não, é perfeitamente irrelevante no ordenamento constitucional, pelo que o ónus 
 de fazer uma declaração de aceitação não constitui qualquer dever suplementar 
 na esfera jurídica do declarante, nem tem consequências que não pudessem 
 resultar directamente do dever constitucional de prestação de serviço cívico 
 alternativo. Isto é, se o objector não tivesse de fazer uma declaração de 
 aceitação expressa prévia à atribuição do estatuto, o simples pedido da 
 atribuição desse estatuto, por directo efeito da economia constitucional, sempre 
 equivaleria a uma aceitação implícita prévia da prestação de serviço cívico.
 
  
 
                 A lei limita-se a exigir que  se transforme em declaração 
 expressa o que, de outro modo, seria tão somente uma declaração implícita.
 
  
 
                Verdadeiramente, a declaração expressa de aceitação destina-se a 
 garantir que o estatuto de objector de consciência seja reconhecido apenas 
 
 àqueles que, repudiando, sinceramente, a prestação de serviço militar armado, no 
 entanto, reconhecem ser a defesa da Pátria um dever, que, por isso, querem 
 cumprir, embora tão-só por meios pacíficos. Dizendo de outro modo: com a 
 exigência dessa declaração, que se apresenta como inteiramente compatível com o 
 direito à objecção de consciência, nada tendo de excessiva nem desrazoável, 
 pretende-se obstar a que o estatuto de objector de consciência seja reconhecido 
 a quem é objector total, pois, tal sucedendo, violar-se-iam as exigências de 
 justiça feitas pelo princípio da igualdade de sacrifícios públicos.
 
  
 
                Dir-se-á por fim, embora perfunctoriamente, não ser probante 
 argumentar-se no sentido da inconstitucionalidade da norma posta em crise, com o 
 facto de a responsabilidade criminal gerada pelo não cumprimento do serviço 
 cívico ser mais grave do que a derivada do não acatamento do dever de 
 incorporação militar [cfr. artigos 33º da Lei nº 7/92 e 24º, nº 3 e 40º, nº 1, 
 alínea a) da Lei nº 30/87, de 7 de Julho (Lei do Serviço Militar), na redacção 
 da Lei nº 89/88, de 5 de Agosto].
 
  
 
                De facto, estas diferentes consequências constam de normas que, 
 por não integrativas do objecto do pedido, não podem aqui ser consideradas, 
 sendo assim irrelevantes, no plano juridico-constitucional a que o presente 
 recurso se acha circunscrito, as ilações que a partir daquelas se possam 
 extrair.
 
  
 
                De tudo exposto, há-de concluir-se que a norma da alínea d) do nº 
 
 3 do artigo 18º da Lei nº 7//92, de 12 de Maio, não viola qualquer norma ou 
 princípio constitucional, designadamente, os artigos 18º, nº 2, 41º, nº 6 e 
 
 276º, nº 4, da Constituição.
 
  
 
 *///*
 
  
 III - A decisão
 
  
 
                Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar, 
 no que à questão de constitucionalidade respeita, o acórdão impugnado.
 
  
 
                Lisboa, 5 de Dezembro de 1995
 
  
 
                             Antero Alves Monteiro Dinis
 Alberto Tavares da Costa
 Vítor Nunes de Almeida
 Messias Bento
 Bravo Serra
 Fernando Alves Correia
 
                            Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da 
 declaração de voto junta)
 
                            José de Sousa e Brito (vencido nos termos da 
 declaração de voto junta)
 
                            Luís Nunes de Almeida (vencido, nos termos da 
 declaração de voto junta)
 
                            Maria da Assunção Esteves (vencida, nos termos da 
 declaração de voto junta)
 
                            Armindo Ribeiro Mendes (vencido nos termos da 
 declaração de voto junta)
 
                            Guilherme da Fonseca (vencido, com os mesmos 
 fundamentos da declaração de voto do Exmº Consº José de Sousa e Brito, que 
 acompanho)
 
                            José Manuel Cardoso da Costa
 
  
 Declaração de voto
 
                1. Votei vencida por entender que o preceito que se contém no 
 artigo 18º, nº 3, alínea d), da Lei nº 7/92, de 12 de Maio, ao delimitar o 
 preceito primário de uma norma cuja estatuição é a atribuição do estatuto de 
 objector de consciência, delimita o direito à objecção de consciência 
 relativamente a outros direitos e valores constitucionais, estabelecendo uma 
 restrição a um direito fundamental ilegítima, em face do artigo 18º, nºs 1 e 2 
 da Constituição.
 
                Cheguei a uma tal conclusão, ultrapassando vários obstáculos 
 argumentativos quer no sentido da inconstitucionalidade quer no sentido da não 
 inconstitucionalidade daquela norma.
 
                Assim, comecei por concluir que os artigos 41º, nº 1, e 276º, nº 
 
 4, da Constituição, não consagram, conjugadamente, um direito ilimitado à 
 objecção de consciência - um direito à objecção total, incluindo um direito à 
 objecção ao serviço cívico. Deste modo, não entendo que seja inconstitucional a 
 imposição sem excepções, nomeadamente por razões de consciência, do serviço 
 cívico alternativo.
 
                Mas, apesar dessa primeira conclusão, foi preponderante para o 
 meu juízo de inconstitucionalidade o facto de a objecção de consciência ao 
 serviço militar ser tornada dependente, pela lei ordinária, de uma não objecção 
 de consciência ao serviço cívico, quando é certo não estar estabelecido na 
 Constituição que o não cumprimento do serviço cívico ou a objecção de 
 consciência ao serviço cívico (e muito menos a ausência de uma declaração de 
 compromisso quanto ao cumprimento do serviço cívico) sejam condições do 
 exercício do direito à objecção de consciência. Tais restrições tornam-se, 
 assim, como referi, manifestação de uma ilegítima, porque não prevista, 
 desnecessária, inadequada e excessiva limitação de um direito fundamental, 
 contrária ao artigo 18º, nºs 2 e 3, da Constituição.
 
  
 
                2. Explicitando este raciocínio, vejamos com maior pormenor os 
 argumentos a favor da inconstitucionalidade que rejeitei e, seguidamente, a 
 razão que justificou o juízo de inconstitucionalidade que, pessoalmente, 
 formulei:
 
  
 
                2.1. Em primeiro lugar, o artigo 18º, nº 3, alínea  d) da Lei nº 
 
 7/92, de 12 de Maio, não é inconstitucional por a Constituição reconhecer, 
 alegadamente, um direito à objecção ao serviço cívico e a imposição daquele 
 dever significar uma violação dos artigos 41º, nº 1, e 276º, nº 4, da 
 Constituição.
 
                O argumento de inconstitucionalidade subjacente à anterior 
 afirmação não procede, na medida em que o direito à objecção de consciência, 
 expressão da liberdade de consciência, apenas permite não cumprir imposições ou 
 violar proibições legais quando estejam em causa factores de identificação e 
 auto‑entendimento do ser humano que não colidam em absoluto com liberdades, 
 direitos e garantias fundamentais de outrem.
 
                Na realidade, a afirmação de que o Estado de direito democrático 
 pressupõe a liberdade de consciência, como fundamento e limite das suas normas, 
 tem uma pluralidade de sentidos:
 
                a) Significa, desde logo, que o Estado de direito democrático se 
 impõe a partir da adesão livre da consciência e da razão e não pela mera 
 coercibilidade das suas normas; isto significa ainda que a legitimidade jurídica 
 tem como critério a racionalidade, a consensualidade e a aceitabilidade das 
 normas;
 
                b) Para além disso, o Estado de direito democrático pressupõe a 
 realização dos seus objectivos sem uma adesão interior aos valores colectivos, 
 não visando formar a consciência no seu íntimo, mas conformar, no plano 
 puramente externo, comportamentos sociais;
 
                c) Finalmente, a preservação da liberdade de consciência, da não 
 conformação da consciência pelo Estado e pelo seu poder coactivo, é, em si 
 mesma, um valor final do Estado de direito democrático.
 
                Deste modo, o Estado de direito democrático de matriz liberal não 
 pretende uma efectiva adesão da consciência individual às suas normas, na medida 
 em que estas são 
 instrumentos de valores como a livre realização de cada indivíduo no espaço da 
 sua autonomia e não critérios éticos da acção. O direito não impõe que se cumpra 
 o serviço militar a partir de uma interiorização plena do amor à Pátria ou ao 
 bem comum, bastando‑se com a adesão exterior ao comportamento socialmente 
 exigido. Se no soldado cumpridor persistir uma alma de refractário ou pacifista, 
 o direito não pode nem deve intervir. Ao 'palácio esplêndido' (nas palavras de 
 Paul Claudel) que existe em cada um, está vedado o acesso do direito.
 
                O reconhecimento da objecção de consciência considera apenas que 
 o cumprimento de certos deveres não pode pôr em causa a convivência com o Estado 
 de cidadãos cujas convicções se opõem a tais deveres, na medida em que o valor 
 da tolerância não entre em colisão com a própria existência do Estado. A 
 preservação da liberdade de consciência num Estado instrumental do livre 
 desenvolvimento da personalidade impõe, assim, o reconhecimento da objecção de 
 consciência. Um tal reconhecimento não significa uma ilimitada protecção, pois 
 há sempre uma fronteira a partir da qual a objecção de consciência se passa a 
 referir aos direitos alheios, ao Estado de direito democrático, e em que a sua 
 tutela já não corresponde ao objectivo de protecção da dignidade e da liberdade 
 de todos e de cada um, tornando‑se absolutamente disfuncional.
 
                A objecção de consciência ao serviço cívico alternativo, enquanto 
 este seja concebido como mera expressão do cumprimento de deveres básicos de 
 solidariedade social, não é, consequentemente, digna de protecção no Estado de 
 direito democrático. Se o serviço cívico tender ao melhoramento das condições de 
 vida ou saúde alheias, não há objecção de consciência juridicamente relevante. 
 Nenhum valor de liberdade se realizará então, do mesmo modo que nenhum valor 
 digno de tutela se realiza na objecção de consciência à omissão do dever de 
 socorro (conduta incriminada pelo artigo 200º do Código Penal).
 
                Há ainda, obviamente, critérios de tolerância quanto a condutas 
 sancionadas penalmente, instrumentais do livre desenvolvimento da personalidade 
 de eventuais objectores de consciência, que podem conduzir a um tratamento não 
 repressivo. Mas essa prática, própria de um Estado de liberdade e de justiça, é 
 ditada por razões distintas da objecção de consciência, como a inimputabilidade 
 e a ausência de culpa em geral.
 
                No Estado de direito democrático, todavia, a objecção de 
 consciência a deveres que correspondem a necessidades básicas de solidariedade e 
 de igualdade de posições jurídicas é inaceitável e absurda. Uma tal amplitude da 
 objecção de consciência afrontaria o ser-com-os-outros e a meta de liberdade de 
 todos e de cada um, tão duramente afirmada no processo histórico, e dissolveria 
 em um não-Estado o Estado de liberdade e de justiça.
 
                Assim, a imposição pela Constituição do serviço cívico 
 alternativo não seria, ela própria, inconstitucional, mesmo que se admitisse a 
 perspectiva dogmática da existência de normas constitucionais inconstitucionais 
 
 (artigo 276º, nº 4) e que o Tribunal Constitucional pudesse controlar 
 inconstitucionalidades desse tipo (o que a Constituição não contempla nos 
 artigos 277º e seguintes).
 
  
 
                2.2. Em segundo lugar, a Constituição não admite, por razões de 
 igualdade de posições jurídicas, excepções (por objecção de consciência) ao 
 cumprimento do serviço cívico. Do texto constitucional resulta a 
 obrigatoriedade, pura e simples, do cumprimento do serviço cívico, como emanação 
 do dever geral de servir a Pátria, pelo menos através da conduta externa (artigo 
 
 276º, nº 4). A norma legal em causa não é, deste modo, inconstitucional por a 
 obrigatoriedade do serviço cívico não se poder impor contra a liberdade de 
 consciência. 
 
  
 
                3. Neste ponto, apenas uma razão me impediu de aderir à tese da 
 não inconstitucionalidade: a ausência de legitimidade, em termos de previsão, 
 necessidade, adequação proporcionalidade, para condicionar o estatuto de 
 objector ao serviço militar pela declaração de compromisso de cumprimento do 
 serviço cívico. E este obstáculo é, de facto, inultrapassável.
 
                Na realidade, como referi anteriormente, a própria Constituição 
 não restringe o exercício do direito à objecção de consciência ao serviço 
 militar pelo cumprimento do serviço cívico. No texto constitucional, o dever de 
 cumprir o serviço cívico surge como consequência e não como pressuposto do 
 exercício do direito à objecção de consciência ao serviço militar (artigo 276º, 
 nº 4). Aquele que cometer a infracção ao dever de cumprimento do serviço cívico 
 não deixa, por isso, de ser objector de consciência ao serviço militar.
 
                A supressão do direito à objecção de consciência só seria 
 legítima quando orientada para a protecção da liberdade dos outros e para a 
 protecção da igualdade de posições jurídicas, isto é, para a tutela de outros 
 direitos ou interesses (artigo 18º, nº 2, da Constituição). Mas o legislador 
 constitucional entendeu que a realização do serviço cívico não constitui 
 pressuposto do exercício daquele direito. Assim, a restrição que agora se 
 analisa não é expressamente prevista na Constituição, como se requer no artigo 
 
 18º, nº 2.
 
                Mas poderia o legislador constitucional ter contemplado tal 
 restrição, à luz de valorações por que optou quanto à liberdade de consciência?
 
                Creio que não, já que o não cumprimento do serviço cívico não 
 poderia ter como sanção necessária, adequada e proporcional a não obtenção do 
 estatuto de objector de consciência e, consequentemente, a qualificação do 
 agente como puro e simples refractário. A igualdade de posições jurídicas entre 
 os refractários e os objectores de consciência que não cumpram o serviço cívico 
 apenas impõe uma punição adequada e proporcionada dos últimos e não uma sanção 
 que consista numa violação da sua consciência. Esta perspectiva não corresponde 
 a uma ilimitação do direito à objecção de consciência, mas ainda à sua 
 delimitação em função do seu valor relativo, num Estado em que a liberdade de 
 consciência e de religião é um dos bens essenciais a preservar (cfr., 
 nomeadamente, o artigo 19º, nº 6, da Constituição).
 
                Por maioria de razão, não tendo a Constituição restringido o 
 direito de objecção de consciência ao serviço militar ao efectivo cumprimento do 
 serviço cívico, não será legítimo subordinar o exercício daquele direito a uma 
 declaração de compromisso de cumprimento deste serviço. Não julgo que a 
 exigência desta declaração viole, em si mesma, a liberdade de consciência 
 
 (artigo 41º, nº 1, da Constituição). Mas entendo que a consequência jurídica que 
 lhe é associada (a perda da qualidade de objector de consciência) é - essa sim - 
 inadmissível por violar a liberdade de consciência. E, na minha perspectiva, não 
 faz sentido analisar apenas, na presente fiscalização, o preceito primário da 
 norma, abstraindo da respectiva estatutição.
 
  
 
                4. Finalmente, o argumento, sustentado no Acórdão, segundo o qual 
 a declaração de compromisso constitui apenas um ónus do direito à objecção de 
 consciência e não uma verdadeira restrição não é aceitável, por duas razões:
 
                a) Em primeiro lugar, porque um ónus jurídico, em sentido 
 técnico, isto é, o comportamento praticado em proveito próprio de que depende o 
 exercício de um direito, corresponde sempre a uma restrição ao exercício 
 ilimitado desse direito, segundo a linguagem de direitos, liberdades e garantias 
 a que o texto constitucional se refere; o artigo 18º, nº 2, da Constituição não 
 distingue entre uma restrição operada por um ónus e uma restrição operada por 
 uma obrigação; o essencial para o critério normativo consagrado no artigo 18º, 
 nº 2, da Constituição é que o conteúdo do direito não seja afectado; seria puro 
 nominalismo pretender que a problemática constitucional da restrição de direitos 
 se modificaria substancialmente conforme estivesse em causa uma obrigação ou um 
 
 ónus, com efeito compressor idêntico;
 
                b) Por outro lado, também um ónus pode ser desnecessário, 
 inadequado ou excessivo, tendo em conta a extensão e o alcance do conteúdo 
 essencial de um direito (artigo 18º, nº 3, da Constituição); não se pode, assim, 
 evitar discutir a admissibilidade da 'restrição' ao direito de objecção de 
 consciência com mero apoio na qualificação jurídica como ónus do dever de 
 declaração previsto no artigo 18º, nº 3, alínea b), da Lei de Objecção de 
 Consciência;
 
                c) Por fim, a própria qualificação como ónus desse dever é 
 altamente discutível, pelo menos numa perspectiva funcional; com efeito, o dever 
 de declaração visa, em última instância, assegurar o futuro cumprimento do 
 serviço cívico, que constitui, claramente, uma obrigação (para com o Estado), no 
 sentido da lógica deôntica.
 
                                         Maria Fernanda Palma
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
                 Não posso concordar com a decisão, por entender que a exigência 
 de declaração expressa da disponibilidade do declarante da objecção de 
 consciência ao serviço militar para cumprir o serviço cívico alternativo, feita 
 pela alínea d) do nº 3 do artigo 18º da Lei nº 7/92 (Lei sobre Objecção de 
 Consciência - LOC) viola os artigos 41º, nº 6 e 276º da Constituição, por 
 negação a objectores de consciência  ao serviço militar do correspondente 
 estatuto ; e viola o nº 2 do artigo 18º da Constituição, por ser uma restrição 
 desnecessária de direito fundamental. A opinião contrária, que fez vencimento, 
 resulta de uma interpretação inadequada  das disposições constitucionais sobre o 
 direito à objecção de consciência, pelo que se impõe uma ampla dilucidação do 
 seu alcance. Só depois se passará à demonstração positiva das teses acima 
 mencionadas, em que se articula a minha opinião. Essa demonstração revelará a 
 minha discordância de outros argumentos da opinião vencedora, nomeadamente 
 quanto ao conceito de restrição a um direito fundamental e quanto ao 
 entendimento da obrigação substitutiva do serviço cívico. Este último aspecto 
 obrigará a ponderar uma questão omitida no acórdão, que é a de saber se o não 
 reconhecimento de objecção de consciência ao serviço cívico viola o direito 
 geral à objecção de consciência do nº 6 do artigo 41º, questão que se responderá 
 negativamente.
 
  
 
                Antes de cumprir o programa anunciado, importa averiguar qual a 
 função da alínea d) do nº 3 do artigo 18º da LOC e, portanto, dos efeitos, 
 imediatos e mediatos, da não aquisição do estatuto do objector de consciência, 
 acompanhada da recusa à prestação do serviço militar, por comparação com a falta 
 de prestação do serviço cívico. Não vale dizer que o facto de a responsabilidade 
 criminal gerada pelo não cumprimento do serviço militar ter um regime mais 
 gravoso -  ao contrário do que sugere o acórdão - do que a derivada da falta da 
 prestação de serviço cívico será eventualmente fundamento da 
 inconstitucionalidade das normas punitivas das suas faltas, por ofensa do 
 princípio constitucional da igualdade (artigo 13º da Constituição), mas que tais 
 normas não integram o pedido e não são, por isso, objecto possível do processo. 
 Caberá responder que para tratar, não desta última aventada 
 inconstitucionalidade, mas da inconstitucionalidade da alínea d) que é objecto 
 do pedido, é indispensável comparar o regime do objector no caso da norma 
 questionada ser inconstitucional com o regime que resulta no caso de ser 
 conforme à Constituição. Não é recomendável que juízes, a começar pelos deste 
 Tribunal, decidam sem ponderar as consequências práticas do que fazem.
 
  
 
                            A) O artigo 18º, nº 3, alínea d) da LOC : sua função 
 no regime legal da objecção de consciência.
 
  
 
                            A consequência do não cumprimento do requisito da 
 declaração expressa das disponibilidades para cumprir o serviço cívico 
 alternativo, constante da alínea d) do nº 3 do artigo 18º da LOC, no 
 processamento do reconhecimento do estatuto de objector, traduz-se no 
 
 'indeferimento liminar' da declaração, com a consequente não obtenção do 
 estatuto. É o que decorre do artigo 21º da LOC e foi o que no caso sucedeu.
 
  
 
                            É o seguinte o teor desta disposição:
 
  
 
 'Artigo 21º
 
 (Apreciação e suprimento de deficiências)
 
  
 
 1. Recebida a declaração, a Comissão Nacional aprecia, no prazo de 15 dias, a 
 sua regularidade formal.
 
  
 
 2. Sempre que a declaração de objecção de consciência se encontrar incompleta 
 ou irregularmente instruída, a Comissão Nacional notifica o declarante para 
 que, no prazo máximo de 20 dias, supra as respectivas deficiências, sob pena de 
 ser liminarmente indeferida.
 
  
 
 3. Se o declarante não suprir as deficiências da declaração no prazo previsto no 
 nº 2, a Comissão Nacional comunicará oficiosamente, no prazo de cinco dias, a 
 ineficácia da mesma ao distrito de recrutamento e mobilização competente.'
 
  
 
                         
 
                         Temos, por consequência, que o objector que não entrega 
 a declaração de disponibilidade para cumprir o serviço cívico alternativo, 
 continua sujeito às obrigações militares normais, com a eventualidade de 
 convocação para prestação de serviço militar. Mantendo, como certamente 
 manterá, sendo séria a sua objecção, a recusa de prestar tal serviço, 
 seguir-se-á, se convocado para a incorporação (cf. artigos 55º e 56º, do 
 Regulamento do Serviço Militar - RLSM - aprovado pelo Decreto-Lei nº 463/88, de 
 
 15 de Dezembro) uma falta à incorporação, com a consequente notação como 
 refractário (cf. artigo 24º, nº 3, da Lei do Serviço Militar - LSM - Lei nº 
 
 30/87, de 7 de Julho) e prática do crime previsto e punido pelo artigo 40º, nº 
 
 1, al. a) ou nº 2, da LSM (redacção da Lei nº 89/88, de 5 de Agosto). Como 
 refractário será sucessivamente convocado para a incorporação em todos os 
 contingentes anuais subsequentes à falta (cf. artigo 58º, nºs. 6, 7 e 8, do 
 RLSM), até que atinja a idade da cessação das obrigações militares 
 
 (presentemente, 35 anos de idade - v. artigo 5º, nº 3, da LSM, na redacção da 
 Lei nº 22/91, de 19 de Junho). Daqui resulta que o objector de consciência à 
 declaração de disponibilidade para o serviço cívico alternativo será sujeito a 
 sucessivos procedimentos criminais entre os 20 e os 35 anos de idade.
 
  
 
                         Diversamente, um objector que, recusando o serviço 
 cívico, seja mais 'flexível' nas suas convicções - que adopte uma posição mais 
 
 'táctica', indiciadora talvez de uma postura de objecção menos séria - e 
 subscreva (provavelmente com reserva mental) a declaração  de disponibilidade 
 exigida, obtém o estatuto de objector, é subtraído às obrigações militares e, 
 mais tarde, se, convocado para prestar o serviço cívico, o recusar, é punido 
 nos termos constantes do artigo 33º, da LOC, com a particularidade não 
 irrelevante de o cumprimento de qualquer pena imposta por essa recusa contar, 
 como resulta do nº 7, desse artigo 33º, 'como tempo de prestação de serviço 
 cívico'.
 
  
 
  
 
                         B)  O direito à objecção de consciência na 
 Constituição. Aspectos Gerais.
 
  
 
                         A questão de constitucionalidade a resolver pelo 
 Tribunal é a de saber se a exigência da declaração da disponibilidade para o 
 serviço cívico alternativo estabelecida pela alínea d) do nº 3 do artigo 18 º da 
 LOC, dado o seu conteúdo e a sua função no regime legal em que se insere, viola 
 o direito à objecção de consciência ao serviço militar (artigo 276º da 
 Constituição), o direito geral à objecção de consciência (nº 6  do artigo 41º da 
 Constituição) e a proibição de restrições aos direitos, liberdades e garantias 
 constante do artigo 18º, nº 2 da Constituição. 
 
  
 
                         Para analisar a questão de constitucionalidade assim 
 colocada, importa proceder à caracterização da objecção de consciência, 
 nomeadamente e no que concerne à objecção  ao serviço militar, na sua 
 articulação com a prestação social substitutiva em que se traduz o serviço 
 cívico alternativo.
 
  
 
                         O direito fundamental à objecção de consciência é uma 
 nota marcante da Constituição portuguesa. A versão originária de 1976 
 consagrava-o em relação ao serviço militar obrigatório no nº 5 do artigo 41º, 
 que dispunha: 'é reconhecido o direito à objecção de consciência, ficando os 
 objectores obrigados à prestação do serviço não armado  com duração idêntica à 
 do serviço militar obrigatório'. Entre as fontes históricas da Constituição só 
 a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha consagrava expressamente tal 
 direito no seu artigo 4º, que inspirou manifestamente o artigo 41º (o artigo 9º 
 da Constituição austríaca por lei constitucional da 10.6.975, é quase 
 contemporâneo da discussão na Assembleia Constituinte, e não terá sido 
 conhecido). Antecedentes relevantes na história constitucional só se encontram 
 nos Estados Unidos da América, no século XVIII, primeiro na Constituição da 
 Pensilvânia, de 16 de Agosto de 1776, que estabelece no seu artigo 8º, além do 
 direito à objecção de consciência 'a trazer armas', o direito à objecção de 
 consciência em termos gerais, e depois, em termos semelhantes, no artigo 9º da 
 Constituição de Vermont, de 8 de Julho de 1977, e, só quanto ao serviço militar, 
 também na Constituição de Delaware, de 11 de Setembro de 1776, secção 10 e na 
 Constituição de New Hampshire de 2 de Junho de 1784, artigo 13º (cfr. Richard L. 
 Perry, Jolin C. Cooper, eds. Sources of Our Liberties, New York, 1972, págs 330, 
 
 365, 339, 383). Embora a proposta de James Madison em 1789 da inclusão em 
 amendment à Constituição Federal do direito à objecção de consciência ao serviço 
 militar (apud Perry Cooper, cit., p. 422) não tenha sido adoptada, isso ficou a 
 dever-se, parece, a dúvidas, não sobre o princípio, mas sobre a competência da 
 Federação em matéria de conscrição (assim: Ken Greenawalt, 'Conscientious 
 Objection', Encyclopedia of the American Constitution, New York, 1986, I, pág. 
 
 353). No entanto, tem o Supreme Court vindo a determinar um direito à objecção 
 de consciência ao serviço militar e, mais geralmente, a outras obrigações 
 legais. Tarefa semelhante tem sido desenvolvida por outros tribunais 
 constitucionais, como o italiano (cf. Sergio Lariccia, 'Conscientious Objection 
 in Italian Law', em European Consortium for Church-State Research, Conscientious 
 Objection in the EC-Countries, Milano, 1992, págs. 113 e segs; Andrea Pugiotto, 
 
 'Obiezione di coscienza nel diritto constituzionale', Digesto delle disciplinne 
 pubblicistiche,Turino, X, págs. 240 e segs.; Rudolfo Venditi, L'obiezione di 
 coscienza al servicio militare, 2ª ed., Milano, 1996, p.168 ss, 200 ss). Mas a 
 consagração constitucional da objecção - típica dos direitos alemão e português 
 
 - como um direito fundamental, que é caso especial da liberdade de consciência 
 
 (nº 1 do artigo 41º), ilumina decisivamente os contornos das duas figuras.
 
  
 
                         Assim, do confronto do nº 5 com o nº 1 ('A liberdade de 
 consciência, [de] religião e [de] culto é inviolável': os acrescentos 
 estilísticos [de] na revisão da 1982 não têm significado material) resultava 
 que a consciência que dita a objecção não é necessariamente religiosa. A 
 consciência exprime-se em convicções que podem ser religiosas, mas também 
 filosóficas ou ideológicas. A separação da liberdade de consciência da 
 liberdade de religião retoma a dupla garantia da liberdade de consciência e de 
 crença da Constituição de 1911 (artigo 3º, nº 4: 'A liberdade de consciência e 
 de crença é inviolável) e marca, na Alemanha como em Portugal, o pleno 
 reconhecimento da liberdade de consciência como direito fundamental. Não é 
 apenas o direito de não ser perseguido por motivos de religião da Carta 
 Constitucional (artigo 145º § 4) e da Constituição de 1838 (artigo 11º), nem 
 meramente 'a liberdade e a inviolabilidade de crenças e práticas religiosas', 
 que a Constituição de 1933 concretizava na imunidade de perseguição, de 
 discriminação e de obrigação de resposta sobre a religião professada (artigo 8º, 
 nº 3). A liberdade de consciência não era reconhecida pela Constituição de 1933, 
 a qual também não protegia convicções e práticas não-religiosas, nomeadamente 
 filosóficas ou ideológicas, mesmo que desempenhem para o indivíduo papel 
 análogo ao da religião. Mas a Constituição de 1976 não se limitou a retomar a 
 fórmula de 1911, distinguindo a liberdade de consciência da liberdade  de 
 crença, que é, aliás, por ela implicada, segundo uma fórmula semelhante à 
 proposta na constituição votada para a nação alemã na Paulskirche em 1849 (§ 
 
 144: 'volle Glaubens-und Gewissensfreiheit' - completa liberdade de crença e de 
 consciência) e retomada na constituição suiça de 1874 (artigo 49º) e na alemã 
 de Weimar (1919: artigo 135º). Desde logo, a constituição de 1911 não ligava, 
 como a actual, a liberdade de consciência à de religião (que é mais ampla) e de 
 culto. Além disso, não era liberdade 'completa', embora limitada pelas 'leis 
 gerais do Estado', como na constituição de Weimar, mas era tão somente liberdade 
 interior ou de fôro interno, isto é, aquela liberdade que apenas importa 
 proteger contra a violação por 'aqueles abomináveis meios de inquérito policial 
 e de intenção judiciária que privam o suspeito ou o inculpado do controlo das 
 suas faculdades intelectuais e da sua consciência' (nas palavras dos trabalhos 
 preparatórios à Convenção Europeia dos Direitos do Homem: Recueil des Travaux 
 Preparatoires, I, La Haye, 1975, pág. 223).
 
  
 
                         A 'liberdade de consciência e de crença' implicava 
 certamente a de mudar de crença ou de convicção de consciência, as não implicava 
 a de 'manifestar a religião ou a convicção sozinho ou em comum, tanto em público 
 como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos', já que 
 esta última liberdade, assim expressa na Declaração Universal dos Direitos do 
 Homem (artigo 18º) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 9º), 
 era apenas reconhecida na Constituição de 1911 quanto aos cultos e com 
 limitações legais (nº 5 e 8 do artigo 3º). O grande passo em frente que a Lei 
 Fundamental alemã, e depois a Constituição portuguesa, dão aqui, para além dos 
 próprios antecedentes constitucionais e das declarações internacionais dos 
 direitos do homem, é reconhecerem o direito à manifestação exterior da 
 liberdade de consciência fora da esfera da prática religiosa ou semelhante, na 
 prática geral da vida. Ora este passo em frente revela-se precisamente no 
 reconhecimento da objecção de consciência, que se torna a verdadeira pedra de 
 toque da interpretação constitucional da liberdade de consciência. Com efeito, 
 trata-se do direito de recusar uma obrigação legal, em nome da consciência 
 individual, resolvendo o conflito pela prevalência do princípio da 
 inviolabilidade de consciência sobre o princípio da generalidade da lei. É 
 certo que o conflito, que existe prima facie, é formalmente afastado, porque a 
 objecção é geralmente reconhecida na Constituição e é regulada no seu exercício 
 por leis gerais. Assim, a objecção de consciência ao serviço militar era 
 previsto no nº 5 do artigo 41º na versão originária da Constituição e passou a 
 sê-lo especialmente no nº 4 do artigo 276º desde 1982, tendo o seu exercício 
 sido regulado por várias leis: Lei nº 6/85, de 4 de Maio, Lei nº 101/88, de 25 
 de Agosto, Lei nº 7/92, de 12 de Maio. Mas se o princípio da generalidade da lei 
 
 é, assim, formalmente salvaguardado, isso não impede que a excepção legal se 
 abra por razões que não se integram nas que estiveram na base da ponderação de 
 razões constitucionais e legais que baseiam a obrigação de serviço militar, mas 
 directamente as contrariam em globo. Por outras palavras: não é por não se 
 verificarem, quanto aos objectores de consciência, as razões da imposição da 
 objecção de serviço militar que esta se afasta, mas a objecção é afastada porque 
 se permite aos objectores que as suas razões prevaleçam sobre as do direito, 
 não porque este as adopte, mesmo excepcionalmente, mas porque este as tolera por 
 respeito pela liberdade de consciência. A objecção de consciência representa a 
 transformação do princípio da tolerância, anterior ao Estado constitucional, num 
 direito do homem. Nesta medida, o reconhecimento da objecção pela Lei 
 Fundamental alemã  e, depois, pela Constituição portuguesa, não é uma novidade 
 absoluta, mas a expressão constitucional do progressivo entendimento que o 
 Estado de direito democrático tem de si próprio, como relevam as 
 jurisprudências constitucionais americana e italiana, por exemplo, mesmo sem 
 consagração constitucional explícita da objecção. A primazia do reconhecimento 
 explica-se pelas circunstâncias históricas dos dois países. Não foi só a 
 experiência recente da negação liberdade de consciência pelas ditaduras que 
 facilitou um entendimento forte da liberdade. Foi a compreensão de que a 
 consciência individual é o principal suporte ético do Estado de direito 
 democrático, que baseia a força das suas normas na convicção íntima das pessoas 
 que defendem os seus valores e lhe dão razão, mais do que no receio das suas 
 sanções. A consciência individual é também a última e decisiva barreira contra 
 as ditaduras.
 
  
 
                          No caso português esta revalorização do papel da 
 consciência está especialmente ligada a um novo entendimento das relações entre 
 a Igreja Católica e o Estado e, por consequência, de liberdade de religião. 
 Assume-se a total secularização do Estado e a separação deste das igrejas e, 
 paralelamente, funda-se a própria liberdade de religião na liberdade de 
 consciência. Este aspecto foi claramente sublinha do na Assembleia Constituinte 
 pela declaração de voto do Partido Popular Democrático, ao qual se deve no 
 essencial a redacção do artigo: 'nele se sintetiza claramente e sem lugar para 
 subterfúgios, um regime jurídico fundamental para a liberdade de consciência, 
 religião e culto, em correspondência com o respeito devido pelo Estado a esta 
 dimensão essencial da pessoa humana. O nº 1 deste preceito declara a 
 inviolabilidade de consciência, de religião e culto em cada uma das pessoas,, 
 individualmente consideradas, incluindo obviamente o direito à garante a todos 
 a inviolabilidade de consciência. A chamada especial feita quanto ao problema do 
 serviço militar explica-se por razões históricas conhecidas e pela circunstância 
 de ser um caso exemplar de garantia de inviolabilidade da  consciência' 
 
 (deputado B., Diário da Assembleia Constituinte, 3 de Setembro de 1975, pág. 
 
 1150/1). Logo a seguir, em declaração de voto pessoal, o deputado C. (PPD) 
 marcou a diferença: 'a partir da aprovação deste artigo marca-se um ponto de 
 viragem fundamental: a Constituição vai consagrar uma nova era de real 
 independência recíproca entre o estado e as igrejas, nomeadamente a Igreja 
 Católica (...) o reconhecimento da objecção de consciência é uma inovação 
 importantíssima e é mais um marco na construção de uma sociedade assente na 
 pessoa humana (...)' (ibidem, pág. 1151/2). Pano de fundo destas tomadas de 
 posição é, sem dúvida, a profunda revisão da doutrina oficial católica, que em 
 
 1832 condenara na Mirari vos a liberdade de consciência (absurda (...) ac 
 erronea  sententia seu potius deliramentum), em 1864 condenara no Syllabus (nº 
 
 15) a liberdade de religião como um dos 'erros do tempo', (cfr. Heinrich 
 Denziger, Peter Hünermann, Enchyridion symbolorum, 37ª ed., Freiburg im Breisgau 
 
 1991, 2730, 2915), e que em 1965 no Concílio Vaticano II na declaração sobre a 
 liberdade religiosa (Dignitatis humanae) declara 'que, em matéria religiosa, 
 ninguém contra a própria consciência seja forçado a agir ou impedido de agir, 
 em privado ou em público, só ou associado com outros nos devidos limites. 
 Declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na 
 própria dignidade da pessoa humana (...)' (ibidem, 4290; sobre a evolução da 
 doutrina católica: cardeal Franz König, ««Religionsbekenntnis und 
 Gewissensfreiheit»», em Franz Matscher, ed., Folterverbot sowie Religions- und  
 Gewissensfreiheit in Rechtsvergleich, Kehl am Rhein, 1990, págs. 15 e ss).
 
  
 
                         Em vista das circunstâncias históricas e das razões 
 invocadas aquando da introdução da objecção de consciência na Constituição, 
 torna-se claro que a consagração do direito à objecção de consciência como um 
 direito fundamental geral, não restrito à objecção do serviço militar, no actual 
 nº 6 do artigo 41º ('É garantido o direito à objecção de consciência, nos 
 termos da lei'), consagração efectuada na revisão de 1982 que distingue 
 comparativamente o direito constitucional português, não é mais do que o lógico 
 desenvolvimento das opções anteriores. O ponto foi expressamente esclarecido na 
 Assembleia da República a propósito das palavras 'nos termos da lei'. Este 
 aditamento poderia entender-se como uma cláusula expressa limitativa, contra a 
 posição, tomada na Constituição, de não admitir tais cláusulas (cfr. neste 
 sentido a intervenção  do deputado D., Diário cit., 3 de Agosto de 1975, pág. 
 
 1149). O deputado E. opôs-se ao acrescento dizendo que 'por ele o legislador 
 amanhã, embora por ventura erroneamente, pode vir a diminuir o sentido 
 constitucional do direito. Ou então, o legislador considera-se autorizado a não 
 estabelecer legislativamente as medidas destinadas a tornar exequíveis normas 
 como esta... em relação à objecção de consciência. Isso representará, 
 relativamente ao texto hoje consagrado, uma diminuição'. Em resposta, o 
 deputado F. (CDS) disse que 'a referência não significa convite ao legislador 
 para limitar estes direitos, mas sim o contrário. É um convite ao legislador 
 para que as (sic) explicite e as desenvolva, dando-lhes existência real', e o 
 deputado G. (PCP) explicou 'tal como a Constituição garantia - mas regulava logo 
 em relação ao serviço militar, e continua a regular nesta sede - os termos do 
 exercício da objecção de consciência em relação ao serviço militar, pensou-se 
 ser de remeter para a lei aquilo que a Constituição faz relativamente ao serviço 
 militar, mas já não - porque não o pode fazer - quanto ao  trabalho de sábado, 
 etc..., a Constituição faz uma distinção muito clara quando diz 'salvo as 
 restrições previstas na lei', ' nos termos a definir por lei' ou nesta forma 
 mais restrita 'nos termos da lei', admitindo a regularização das formas de 
 exercício, mas não o estabelecimento de excepção ou restrição à própria 
 existência desse direito'. Jorge Miranda considerou que esta interpretação 
 
 'será algo de coadjuvante para quando, amanhã, vier a ser interpretado o 
 preceito constitucional' e retirou a sua reserva (cfr. Diário da Assembleia da 
 República, de 21 de Abril de 1982, pág. 1508 (36-8).
 
  
 
  
 
                         C) A violação dos artigos 41, nº 6 da Constituição, por 
 negação do estatuto de objector de consciência ao serviço militar.
 
  
 
                         O nº 4 do artigo 276º da Constituição pressupõe o nº6 do 
 artigo 41º, a que estava ligado na versão originária de 1976. A separação apenas 
 se deve ao alargamento do escopo daquele nº6, que deixou de estar limitado à 
 obrigação de serviço militar, limitação implícita na natureza da obrigação 
 substitutiva imposta na versão originária aos objectores: a obrigação de 
 prestar serviço não armado com duração idêntica à do serviço militar 
 obrigatório. Onde estava 'serviço não armado' passou a estar 'serviço cívico',' 
 duração idêntica' foi substituída por 'duração e penosidade equivalentes' e a 
 expressão 'serviço militar obrigatório' mudou para 'serviço militar armado'. 
 Mas a obrigação substitutiva da prestação de serviço cívico imposta pelo nº4 do 
 artigo 276º continua a pressupor o direito à objecção de consciência garantido 
 pelo nº6 do artigo 41º, pelo que o não reconhecimento do direito à objecção de 
 consciência a quem seja objector de consciência não só viola o nº 6 do artigo 
 
 41º como exclui a obrigação substitutiva de prestação do serviço cívico, 
 violando também o nº 4 do artigo 276º. A questão que se põe é a de saber se a 
 alínea d) do nº 3 do artigo 18º da LOC viola o direito à objecção de consciência 
 e, assim, viola quer o nº 6 do artigo 41º, que o garante, quer o nº 4 do artigo 
 
 276º, que o pressupõe, ao definir o essencial do estatuto do objector : a 
 obrigação de prestar serviço cívico. Ora a situação típica do requerente do 
 estatuto de objector de consciência que se recusa a fazer a declaração de 
 disponibilidade para o serviço cívico é a do chamado 'objector total', que tem 
 objecção de consciência tanto ao serviço militar como ao serviço cívico. Será 
 que esta espécie de objector não tem direito à objecção de consciência ao 
 serviço militar e não tem portanto, direito ao correspondente estatuto ?
 
  
 
                         Só pode responder-se afirmativamente à questão por 
 
 último formulada, se a Constituição distinguir entre objecção de consciência 
 atendível e não atendível, consoante a delimitação pelo objector do âmbito da 
 sua objecção, tendo em vista o fundamento deste.Com efeito, é claro que o 
 objector total, nomeadamente, não deixa de objectar ao serviço militar. Só que 
 a extensão da matéria da objecção inclui, além do serviço militar, o serviço 
 cívico, em função do fundamento comum de ambas. Na hipótese das testemunhas de 
 Jeová, que é a dos autos, além da interpretação incondicional da proibição 
 bíblica de matar, objecta-se a qualquer forma de serviço prestado ao Estado e,  
 por consequência, tanto ao serviço militar como ao serviço cívico, por 
 imperativo religioso. Segundo a doutrina desta confissão religiosa, a 
 testemunha de Jeová 'dedica tempo, energia e vida exclusivamente ao serviço de 
 Deus omnipotente 'pelo que, 'se pusesse de lado este dever... para executar 
 qualquer outro trabalho atribuído pelo Estado, violaria o seu pacto aos olhos 
 de Jeová' e estaria sujeita a 'sofrer a punição inflingida aos desertores de 
 Jeová', de cujo exército faz parte (cf.os textos transcritos em Rudolfo Venditi, 
 op.cit.,p.180 ss.).
 
  
 
                         Ora, se o reconhecimento do direito à objecção de 
 consciência na Constituição implica a distinção entre os casos em que o direito 
 
 é reconhecido e aqueles em que não é, esse reconhecimento não se faz em função 
 dos fundamentos invocados para a objecção, mas sim em função do carácter 
 fundamental da mesma. Com efeito, o direito à objecção de consciência decorre da 
 basilar dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição) apenas quando o 
 
  não reconhecimento do imperativo de consciência implica a violação da 
 integridade moral da pessoa, que a Constituição considera inviolável (artigo 
 
 25º, nº1). Não se trata, portanto, do conflito entre a vontade da minoria e a 
 vontade da maioria, que é interno ao princípio democrático, e que se resolve, 
 sem prejuízo do pluralismo de expressão e de organização política democráticas, 
 pelo dever geral de obediência à lei, a que estão subordinadas as minorias. 
 Trata-se do conflito entre os dois princípios basilares da Constituição, o da 
 vontade popular e o da dignidade da pessoa humana, que se verifica quando a lei 
 democrática entra em conflito com a norma estruturante da integridade moral da 
 pessoa, que se considera ditada pela consciência individual. 
 
  
 
                         Ora o carácter estruturante da integridade moral não 
 depende da conformidade com o conteúdo  da Constituição e das leis, mas da 
 formação da personalidade individual. A Constituição reconhece o direito de 
 objecção de consciência ao 'fundamentalista', religioso ou outro, não por causa 
 da compatibilidade constitucional das normas que ele invoca, mas por 
 considerar estas estruturantes da sua integridade moral. Este fundamento do 
 direito à objecção de consciência não impede que esteja sujeito às restrições 
 aos direitos fundamentais permitidas pela Constituição (artigo 18º).
 
  
 
                         O entendimento constitucional assim exposto é 
 confirmado pela história constitucional anteriormente descrita, em que a 
 inviolabilidade da consciência é pensada como inviolabilidade da integridade 
 moral do indivíduo, integridade que se considera tradicionalmente posta em causa 
 para aquelas pessoas que consideram como suprema norma do agir de origem 
 religiosa, a proibição incondicional, isto é, sem excepções, de matar e, por 
 isso, recusam o porte de armas e o serviço militar. A história constitucional é 
 ela própria a continuação de uma mais antiga história das ideias, em que avultam 
 o reconhecimento por S. Paulo da consciência individual como a fonte da lei 
 suprema do agir, coincidente com  a própria lei revelada por Deus, para aqueles 
 que não receberam esta revelação (cf.Rom. 2, 14-15 : 'Eles são a lei para si 
 mesmos. A voz da sua consciência ensina-lhes o que devem fazer'); a invocação da 
 consciência, como fundamento da desobediência eclesiástica e civil em matéria 
 religiosa, feita por Lutero na dieta  de Worms de 1521 e pelos príncipes 
 protestantes na dieta de Espira de 1529, que está na origem histórica do 
 protestantismo (cfr. Marc Lienhard em Jean-Marie Mayeur et al.,Histoire du 
 Christianisme, VII, Desclée, 1994, p.702,732); e a anteriormente citada 
 declaração sobre a liberdade religiosa do Concílio Vaticano II. Quanto à 
 objecção de consciência ao serviço militar, não pode deixar de mencionar-se que 
 a interpretação incondicional da proibição de matar  como base da objecção é 
 frequente no cristianismo pré-constantiniano, explica historicamente em parte a 
 isenção do serviço militar do clero (cfr.Rudolfo Venditi, op.cit, p.39 ss.) e 
 está na base das objecções de consciência, por vezes «totais», de certas 
 confissões protestantes, como os  menonitas, os 'quakers', as quais já foram 
 reconhecidas pelo absolutismo esclarecido (cfr.Ernst-Wolfgang Böckenförde,'Das 
 Grundrecht der Gewissensfreiheit', (1970), Staat, Verfassung, Demokratie, 
 
 1991, Frankfurt am Main, p.206 s.) e novamente nos Estados Unidos , no Canadá 
 e na Grã-Bretanha durante a conscrição geral da primeira guerra mundial (cfr. 
 
 Walter Guest Kellog, The Conscentious Objector, New York, 1919, reimp. 1970).
 
  
 
                         Este entendimento é ainda o que corresponde à 
 jurisprudência constitucional e à doutrina alemãs, que são aqui 
 particularmente relevantes, em face da já apontada influência histórica da 
 Lei Fundamental. Assim o Tribunal Constitucional alemão definiu 'decisão de 
 consciência' como 'qualquer séria decisão ética, isto é, orientada pelas 
 categorias de bem e de mal, de que o indivíduo tem uma experiência interna como 
 vinculante para si próprio e incondicionalmente obrigatória, de tal modo que não 
 poderia agir contra ela sem séria coacção de consciência' (BVerfGE 12, 45,55; 
 cf. BVerfGE 62, 1,22). Da mesma concepção tem a melhor doutrina justamente 
 tirado duas consequências : primeiro, não se protege contra a lei a liberdade 
 de agir de acordo com a consciência mas garante-se a imunidade perante a lei de 
 ser coagido a uma decisão insuportável para a consciência. Como diz Böckenförde 
 
 'como instância imperativa como 'apelante', a consciência só entra em acção 
 quando a personalidade como tal, na sua identidade, está criticamente 
 ameaçada ('não posso ser um daqueles que faz isto')' (lug.cit., p.243; no mesmo 
 sentido Niklas Luhmann, 'Die Gewissensfreiheit und das Gewissen' (1965), 
 Ausdifferenzierungen des Rechts, Frankfurt am Main, 1981, p. 326 ss); segundo, 
 
 'as questões de consciência não podem ser de qualquer modo limitadas, nem pelo 
 objecto nem pelo conteúdo da consciência, nem por fundamentos e motivos' 
 
 (Böckenförde, lug. cit.,p.242); 'o titular do direito fundamental determina ele 
 próprio - nos limites da ordem jurídica do Estado constitucional, que delimitam 
 todo o exercício da liberdade - o conteudo, a dignidade e o valor da sua 
 própria liberdade ' (Herbert Behtge, 'Gewissensfreiheit' em Isensee, Kirchhof, 
 Handbuch des Staatsrechts,VI, Heidelberg, 1989,§ 137, 7). É certo que o 
 Tribunal Constitucional alemão tem admitido que a própria Lei Fundamental 
 impõe limites de conteúdo ou fundamentação da objecção de  consciência ao 
 serviço militar, ao exigir (cf Behtge, op.cit.,§ 137, 56) que a objecção se 
 funde na proibição da consciência de fazer qualquer tipo de guerra, ainda que 
 eventualmente condicionada temporalmente pela forma das guerras 
 contemporâneas (qualquer tipo de guerra nos nossos dias), mas estes limites 
 poderão ainda compaginar-se com a doutrina geral, na medida em que uma objecção 
 a uma guerra determinada, por razões político-morais circunstanciais, não tem o 
 mesmo carácter fundamental, sendo seguro que nos casos de guerra de agressão 
 ou criminosa seriam invocáveis os direitos de desobediência civil ou de 
 resistência.
 
  
 
                         Sendo estes os fundamentos do direito à objecção de 
 consciência ao serviço militar, não pode deixar de entender-se que o objector ao 
 serviço militar não deixa de o ser por ser também objector ao serviço cívico, ou 
 
  por ser idêntico o fundamento invocado pelo objector para objectar quer à 
 obrigação de serviço militar, quer à obrigação substitutiva de serviço cívico. 
 Mesmo que se entenda que a Constituição não dispensa o objector do cumprimento 
 da obrigação substitutiva, ou até que impede qualquer espécie  de relevância 
 desta segunda objecção de consciência, não deixaria de existir uma objecção de 
 consciência ao serviço militar, com fundamento num imperativo absoluto de 
 consciência, de origem religiosa. A circunstância de este imperativo religioso 
 estar em contradição com a Constituição não impede que a sua violação implique 
 uma séria coacção da consciência que viola a integridade moral do objector e 
 que por este último fundamento a Constituição admita a objecção de consciência 
 ao serviço militar. O não reconhecimento neste caso do estatuto de objector ao 
 serviço militar implicaria uma injustificada diferença de tratamento com 
 importantes consequências penais (cf. super, nº 5), relativamente a outros 
 objectores por diverso fundamento subjectivo, mas por idêntico fundamento 
 constitucional.
 
  
 
                         A opinião vencedora no presente acórdão, ao pretender 
 que o objector 'não deixa de sentir um certo grau de constrangimento se se lhe 
 reconhecer o direito ao estatuto de objector de consciência' e ao reconhecer 
 apenas como bons aqueles  objectores que 'reconhecem ser a defesa da Pátria um 
 dever que, por isso, querem cumprir', está a distinguir entre bons e maus 
 objectores, a fazer uma inquisição de consciência e uma outra imposição de 
 consciência, tudo contra o espírito do direito à objecção de consciência, como 
 se desenvolveu historicamente.
 
  
 
                         O objector total não recusa cumprir uma única obrigação 
 de defesa da Pátria, que tem forma alternativa, de serviço militar ou de serviço 
 cívico. A obrigação de serviço cívico é outra obrigação substitutiva, resultante 
 do afastamento da obrigação de serviço militar por objecção de consciência. Não 
 
 é uma obrigação alternativa à escolha do cidadão : é uma nova objecção, por 
 desvinculação da obrigação originária, desvinculação consequente do exercício do 
 direito à tolerância, concretizado no direito à objecção de consciência.
 
  
 
                         Devem, pois, considerar-se violados os artigos 41º, nº 6 
 e 276º, nº 4 da Constituição, por negação do estatuto de objector de 
 consciência ao serviço militar.
 
  
 
  
 
                         D)  A violação do artigo 18º, nº 2 da Constituição, por 
 restrição desnecessária de direito fundamental.
 
  
 
                         Já atrás se demonstrou que, segundo a intenção 
 histórica da legislação constituinte, o nº 6 do artigo 41º não consagra uma 
 verdadeira reserva de lei, não só no sentido, comum aos restantes direitos 
 fundamentais, de a sua aplicabilidade imediata não depender da existência de 
 lei regulamentadora (nº 1 do artigo 18º), mas no sentido de que a Constituição 
 não permite o estabelecimento de excepções ou restrições à própria existência 
 desse direito, que não resultem da própria definição constitucional do seu 
 conteúdo, mas admite apenas a regularização do seu exercício, isto é, permite 
 apenas leis de garantia de exercício, nomeadamente leis processuais relativas 
 ao modo de exercício, sem prejuizo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 18º.
 
  
 
                         A necessidade de leis processuais relativas ao modo de 
 exercício resulta, desde logo, de o direito à objecção de consciência ao serviço 
 militar, não obstante a sua superior hierarquia constitucional, estabelecer uma 
 excepção à regra do serviço militar obrigatório do artigo 276º (esta, sim, 
 sujeita a reserva de lei). Torna-se, assim, necessário, regulamentar o exercício 
 da excepção, pelo que se trata, neste sentido, de 'um direito procedimentalmente 
 dependente' (cfr. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p.246; Gomes Canotilho, «Tópicos de 
 um Curso de Mestrado sobre Direitos Fundamentais. Procedimento, Processo e 
 Organização», Boletim da  Faculdade de Direito, 66, Coimbra, 1990, p.163 e 167). 
 
 
 
  
 
                         Por outro lado, são ainda normas legais que garantem o 
 exercício do direito aquelas que visam apurar a seriedade e o conteúdo da 
 objecção de consciência.
 
  
 
                         Não se trata nas duas espécies de normas de garantia de 
 exercício, que se acabam de referir, de restrições ao direito fundamental, 
 embora estejam ligadas a condicionamentos do exercício que são verdadeiras 
 restrições.  Estes não podem, por identidade de razão, deixar de estar sujeitos 
 ao regime dos nºs 2 e 3 do artigo 18º da Constituição.
 
  
 
                         O presente acórdão invoca precisamente a distinção entre 
 condicionamento e restrição para se eximir à demonstração da necessidade da 
 restrição. A declaração da disponibilidade para cumprir o serviço cívico seria 
 
 'um ónus cujo preenchimento condiciona o exercício do direito. Este não sofre, 
 em si, qualquer compressão'. Não se trataria, portanto, de uma restrição, visto 
 que esta 'supõe uma compressão interna do próprio direito, retirando-lhe 
 possibilidades dantes consentidas no seu âmbito e diminuindo as faculdades ali 
 previstas, seja para uma certa categoria de pessoas, seja para todas as pessoas 
 desde que verificada uma certa situação de facto'. Mas é o próprio acórdão que 
 reconhece que com a exigência da declaração 'pretende-se obstar a que o estatuto 
 de objector de consciência seja reconhecido a quem é objector total'. Mas este 
 resultado é a compressão total do direito para uma certa categoria de pessoas, 
 uma vez que lhes retira todas  as possibilidades ligadas ao estatuto de objector 
 de consciência, ao impedi-las de adquirir o próprio estatuto, que é o conteúdo 
 próprio do direito à objecção. A exigência de declaração não pode, pois, deixar 
 de considerar-se uma restrição, segundo a própria terminologia do acórdão. A 
 circunstância de o objector total poder deixar de o ser e de então poder, 
 eventualmente, adquirir o estatuto, fazendo a declaração, só demonstra de novo o 
 alcance da restrição: só deixando de pertencer à categoria das pessoas com 
 objecção de consciência a que a restrição se aplica - os objectores totais, que 
 não fazem a declaração exigida -, se poderá no futuro adquirir o estatuto.
 
  
 
                         Convirá, aliás, retomando o fio do discurso 
 interrompido, esclarecer porque se disse que o condicionamento não deixa de 
 estar sujeito às regras do artigo 18º para as restrições. Desde logo, do ponto 
 de vista semântico, é indiferente que uma 'cláusula limitativa'  de uma norma 
 seja formulada como uma excepção ou restrição, ou como uma condição (o que já 
 foi demonstrado por Bentham, Of Laws in General, 1970, p.112). Tanto faz dizer 
 que 'se não fizer a declaração, o objector não adquire o estatuto', como dizer 
 
 'o objector adquire o estatuto, excepto se não fizer a declaração'. Assim se 
 compreende que o Acórdão nº 99/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11, 
 pp.785 ss.,800), tenha dito, citando Vieira de Andrade (Os direitos 
 fundamentais, 2ª ed., 1987, p.228)'que não é possível definir com exactidão, em 
 abstracto, os contornos das duas figuras', pelo que a distinção 'é 
 fundamentalmente prática'. Ora a diferença prática aqui relevante só pode ser a 
 de fazerem ou não sentido, quanto à norma em causa nessa parte, as cautelas 
 constitucionais contra as leis restritivas (cfr. Vieira de Andrade, ob. cit., 
 p.230 e ss.). Essas cautelas não têm sentido quanto às normas meramente 
 concretizadoras, reguladoras ou configuradoras, mas têm todo o sentido quanto a 
 comandos, proibição e ónus, que impedem a realização de um direito fundamental. 
 Só delimitando assim os conceitos se assegura que nenhuma restrição se subtraia 
 
 à necessidade de justificação constitucional (cfr., neste sentido, Alexy, 
 Theorie der Grundrechte, 1986 (1985), p. 303, ss.) 
 
  
 
                         A anterior jurisprudência deste Tribunal confirma volens 
 nolens esta doutrina. O Tribunal considerou serem restritivas e não apenas 
 condicionantes do direito à liberdade de expressão as normas que exigiam 
 autorização camarária prévia para propaganda político eleitoral (Acórdão nº 
 
 74/84, Acórdãos cit., 4, pp.49 ss., 60 ss.) e licença camarária para o uso de 
 meios de amplificação sonora para falar do aumento de custo de vida (Acórdão nº 
 
 201/86, Acórdãos cit., 7-II, pp.933 ss., 941 ss.), e considerou serem 
 condicionamentos e não restrições do direito fundamental ao conhecimento e ao 
 reconhecimento da paternidade e da maternidade certos prazos de propositura de 
 acção de investigação de paternidade ou maternidade (Acórdãos nº 99/88, 413/89, 
 
 451/89, 370/91, respectivamente em Acórdãos cit., 11, pp.785 ss., 800 ss.; 
 Diário da República, II, de 15-9-1989, pp. 9244 ss., 9247; Acórdãos cit., 13-II, 
 pp. 1321 ss., 1327 ss; Diário da República, II, de 2-4-1992, pp. 3112 (2 ss., 3 
 s.)), mas não deixou de argumentar, 'como sucede nas restrições de direitos', na 
 expressão do Acórdão nº 99/88, ponderando outros direitos ou interesses 
 constitucionalmente protegidos. E o mesmo fez no Acórdão nº 474/89, quanto à 
 liberdade de escolha de profissão (Acordãos cit., 14, pp.77 ss., 83 s.) e de 
 iniciativa privada, relativamente à proibição de ser agente de seguros ou sócio 
 de mediador pessoa colectiva, imposta aos trabalhadores de seguros em situação 
 de reforma ou pré-reforma, auferindo pensão complementar de reforma, o Tribunal 
 considerou que 'uma regulamentação legal condicionante ou restritiva' tem sempre 
 que respeitar os limites que a Constituição, no seu artigo 18º, nºs 2 e 3 põe, 
 em geral, às normas restritivas de direitos.
 
  
 
                         No caso presente, impedindo a exigência de declaração da 
 disponibilidade para cumprir o serviço cívico a realização do direito à objecção 
 de consciência, têm todo o sentido as cautelas constitucionais, pelo que não há 
 dúvida de que é uma restrição. 
 
  
 
                         Assim sendo, deve negar-se a necessidade da declaração 
 expressa da disponibilidade do declarante para cumprir o serviço cívico 
 alternativo, exigida, para a obtenção do estatuto de objector de consciência, 
 pela alínea d) do nº3 do artigo 18º da Lei nº 7/92. Com efeito, não é 
 processualmente necessária para a atribuição do estatuto, uma vez verificado, 
 nos limites dos próprios artigos 41º, nº6 e  27º, nº6 da Constituição, o 
 conteúdo da objecção. E a seriedade da declaração é suficientemente garantida 
 pela equivalente duração e penosidade do serviço cívico, a cuja prestação o 
 objector fica obrigado independentemente da declaração. Além de que tal 
 seriedade admite outros meios de prova, como é, no caso das testemunhas de 
 Jeová, a própria pertença à confissão religiosa, a qual, como reconheceu a 
 Comissão Europeia dos Direitos do Homem, dado o conjunto de regras de 
 comportamento, cobrindo vários aspectos da vida social, a que estão sujeitos os 
 membros, e o forte controle social da comunidade que garante o cumprimento 
 delas, é forte indicação quanto à autenticidade e seriedade das motivações de 
 objecção de consciência (Decisão de 11 de Outubro de 1984, Queixa nº 10410/83, 
 DR, 40, p. 203).
 
  
 
                         A objecção de declarar a disponibilidade para o serviço 
 cívico não é implicada pelo requerimento do estatuto de objector de consciência. 
 A sujeição a este estatuto pode traduzir-se na voluntária sujeição à punição 
 nele prevista para a não prestação do serviço cívico, sujeição que é, no caso 
 das testemunhas de Jeová, a prova mais evidente da seriedade da objecção. A 
 declaração implica para elas um ónus insuportável, por implicar, em si mesma, 
 uma violação de consciência. A declaração não é só desnecessária para 
 salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, 
 como implica a sua violação.
 
  
 
                         Deve, pois, concluir-se pela desnecessidade do ónus da 
 declaração de disponibilidade para o serviço cívico, pelo que a alínea d) do nº 
 
 3 do artigo 18º da Lei nº 7/92 viola o nº 2 do artigo 18º da Constituição.
 
  
 
                         E)  A questão de violação do artigo 41º, nº 6, quanto à 
 objecção de consciência ao serviço cívico.
 
  
 
                          Pode perguntar-se se a generalização do direito à 
 objecção de consciência, operada na revisão de 1982 pelo nº 6 do artigo 41º, não 
 implica um direito de objecção da consciência à obrigação do serviço cívico, 
 imposta aos objectores de consciência ao serviço militar pelo nº 4 do artigo 
 
 276º da Constituição. Se o objector de consciência ao serviço militar também 
 puder ter o direito de objecção de consciência ao serviço cívico, a obrigação 
 imposta pelo nº 3, alínea d) do artigo 18º da LOC de declarar a disponibilidade 
 para o cumprimento deste, violaria relativamente a tais objectores, o nº 6 do 
 artigo 41º da Constituição.
 
  
 
                         A questão é de ponderar, dada a superior dignidade 
 constitucional, em princípio, do nº 6 do artigo 41º, relativamente ao artigo 
 
 276º que o restringe. Deve, porém, entender-se que o  nº 4 do artigo 276º 
 integra o regime do direito à objecção de consciência, quanto ao serviço 
 militar, sendo uma disposição que integra o conteúdo de um direito fundamental. 
 A redacção originária do nº 6 do artigo 41º era reveladora a este respeito pois 
 integrava na mesma disposição o direito à objecção e à obrigação substitutiva. A 
 transferência desta parte do preceito - abstraindo das alterações do conteúdo - 
 para o artigo 276º em 1982 obedeceu a razões sistemáticas, mas não a uma 
 intenção de degradação valorativa da norma.  A jurisprudência constitucional 
 alemã sobre a objecção de consciência ao serviço cívico por parte das 
 testemunhas de Jeová acentuou, de modo semelhante, que o direito fundamental da 
 liberdade de consciência não autoriza à recusa do serviço cívico (BVerfGE 
 
 19,135; 23,132). O que nesta jurisprudência se diz do direito mais geral da 
 liberdade de consciência vale evidentemente para o direito geral à objecção de 
 consciência, que a nossa Constituição, indo mais longe que a alemã, em 1982 
 explicitamente reconheceu.
 
  
 
                         Não há dispensa da obrigação substitutiva do serviço 
 militar sem ofensa do nº 4 do artigo 276º e do princípio da igualdade (neste 
 sentido se pronunciou em obiter dictum o Acórdão nº 65/91, Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 18, p.407, ss.). O objector total não é reconhecido pela 
 Constituição, no sentido de que continua sujeito à obrigação substitutiva da 
 prestação do serviço cívico. Mas isto não impede, obviamente, que seja 
 reconhecido, já não como objector total, mas como objector ao serviço militar, 
 ao contrário do que pretende o presente acórdão, que dá aqui um salto lógico, 
 que o deixa desacompanhado da mencionada jurisprudência alemã.
 
  
 
                         Isto não quer tão pouco dizer que a prestação do serviço 
 cívico não possa  ter formas alternativas, algumas das quais sejam aceitáveis 
 para objectores totais como as testemunhas de Jeová, desde que ressalvado o 
 princípio da equivalência de duração e penosidade com o serviço militar 
 obrigatório. Sendo menor a penosidade quotidiana do serviço, a 'equivalência de 
 duração e penosidade' será então alcançável por maior duração efectiva, não 
 esquecendo que a ocupação num quartel é de vinte e quatro horas e a ocupação 
 laboral normal é de oito horas.  Não seria inconstitucional uma lei que 
 considerasse como serviço cívico o serviço de vários anos como bombeiro, ou o 
 trabalho, através de contratos de trabalho normais, em estabelecimentos de 
 saúde. Foi a solução encontrada na Alemanha, tendo em vista as testemunhas de 
 Jeová, pelo §15 da Lei do Serviço Cívico (Ersatzdienstgesetz), introduzido pela 
 lei de alteração de 14.8.1969, que dispõe : «Relação de trabalho livre. 1. Pode 
 ser dispensada a convocatória para o serviço cívico, quando o reconhecido 
 objector de consciência ao serviço militar armado está impedido, por razões de 
 consciência, de prestar serviço substitutivo, está contudo, empregado, ou passa 
 a empregar-se voluntariamente numa relação de trabalho com tempo normal de 
 trabalho num estabelecimento de saúde. 2. Se ele comprovar até completar  vinte 
 e três anos de idade que esteve empregado numa tal relação de trabalho durante 
 pelo menos dois anos e meio, não será convocado para prestar serviço cívico». 
 Esta legislação foi certamente inspirada pelo artigo 12a da Lei Fundamental, o 
 qual dispõe que a lei sobre o serviço cívico 'não pode restringir a liberdade da 
 decisão de consciência', e que nesta parte não tem correspondência na 
 Constituição portuguesa. Mas idêntica inspiração se pode retirar do actual nº 6 
 do artigo 41º. O direito geral à objecção de consciência não pode ser invocado 
 para afastar o dever de prestar serviço cívico, mas pode sistematicamente 
 contribuir para a configuração constitucional desse dever.                       
 
                                                    
 
                         
 
                         Já seria inconstitucional a pura dispensa das 
 testemunhas de Jeová do serviço cívico, recomendada pelo Conselho da Europa e 
 consignada na Suiça e na Holanda por exemplo (cf. Ben Vermeulen, «Portée et 
 limites de l'objection de conscience», Conseil de l'Europe, ed.,Liberté de 
 conscience, Strasburg, 1993, p.94 ss.).
 
                          José de Sousa e Brito
 Proc. nº 390/95
 Plenário (1ª Secção)
 Rel: Cons. Monteiro Dinis
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
                            1. Discordámos da solução adoptada pela maioria do 
 Tribunal, no acórdão que obteve vencimento, quanto à questão de 
 constitucionalidade da norma impugnada no presente recurso, considerando que tal 
 norma viola a Constituição.
 
  
 
  
 
                            Referiremos, embora brevemente, as razões da nossa 
 discordância.
 
  
 
  
 
                            2.  A tese central do Acordão consta do seguinte 
 passo (ponto 4):
 
  
 
   'O direito à objecção de consciência há-de conformar-se com a obrigatoriedade 
 de prestação do serviço cívico sucedâneo do serviço militar armado, situando-se 
 neste ponto de confluência a conciliação entre a «autonomia individual e o dever 
 fundamental de solidariedade».
 
   Neste contexto, a exigência contida na norma do artigo 18º, nº 3, alínea d), 
 da Lei nº 7/92, não deve ser entendida como significando restrição do direito à 
 objecção de consciência que se concretiza num plano diferente daquele a que a 
 declaração de disponibilidade se reporta: a objecção de consciência é oposta ao 
 serviço militar armado, enquanto a disponibilidade do objector se reporta à 
 prestação constitucionalmente obrigatória do serviço cívico.'
 
  
 
  
 
 3.      Contesta-se em absoluto esta tese central.
 
  
 
                            A Constituição, no seu artigo 41º, nº 6, estatui que 
 
 é 'garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei'.
 
                            Trata-se do direito fundamental de não cumprir 
 obrigações ou de não desenvolver actividades ou praticar acções que estão em 
 conflito com a consciência de cada um. De um ponto de vista histórico e como se 
 refere no voto de vencido do Exmo. Conselheiro Sousa e Brito, a objecção de 
 consciência surgiu face ao serviço militar obrigatório, formulada por jovens 
 pertencentes a confissões religiosas pacifistas, tendo acabado por ser 
 reconhecida por certos Estados, depois de contínuas repressões dos pacifistas em 
 diferentes países e momentos históricos.
 
                            A Constituição Portuguesa tornou evidente, sobretudo 
 após a revisão constitucional de 1982, que 'não reserva a objecção de 
 consciência apenas para as obrigações militares (cfr. art. 276º-4), nem somente 
 para os motivos de índole religiosa, podendo portanto invocar-se em relação a 
 outros domínios e fundamentar-se em outras razões de consciência (morais, 
 filosóficas, etc.). O direito à objecção de consciência está sob reserva de lei 
 
 («... nos termos da lei»), competindo a esta delimitar o seu âmbito e 
 concretizar o modo do seu exercício.' (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 3º ed., Coimbra, 1993, pág. 245)
 
  
 
                            É por isso que estes comentadores consideram que o 
 exercício deste direito fundamental é um direito procedimentalmente dependente, 
 por exigir um procedimento ou reconhecimento do estatuto do objector de 
 consciência de forma a controlar a seriedade de motivos do requerente. E tal 
 procedimento organizado por lei há-de poder qualificar-se de justo, sob pena de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
                            O que a Constituição seguramente não autoriza é que, 
 sob a capa de um desiderato de natureza organizatória (organização do serviço 
 cívico), o legislador ordinário faça depender a aquisição do estatuto de uma 
 declaração de vontade do candidato de que está disposto a cumprir o serviço 
 cívico alternativo.
 
  
 
  
 
                            4.  De facto, os objectores de consciência, como tais 
 reconhecidos, terão de prestar, por imposição constitucional, 'serviço cívico de 
 duração e penosidade equivalentes à do serviço militar armado'.
 
                            Contudo, e diferentemente do que se sustenta no 
 acórdão, não há um sinalagma constitucional, em termos de se poder dizer que só 
 se pode ser reconhecido como objector de consciência quando se esteja disposto a 
 prestar o serviço cívico substitutivo (contrapartida da aquisição do estatuto 
 que, a não ser assegurada, impede tal aquisição).
 
  
 
                            O que há é uma consequência constitucional: quem é 
 reconhecido como objector de consciência está sujeito à prestação do serviço 
 cívico. Se o não prestar quando para tal for convocado, ou se o deixar de 
 prestar durante o cumprimento do mesmo, incorrerá nas correspondentes sanções, 
 maxime penais, talqualmente sucede com o mancebo que é notado refractário ou com 
 o soldado que deserta das fileiras durante a prestação do serviço militar 
 obrigatório. A sujeição a sanções do mesmo tipo, designadamente penais, em ambos 
 os casos (serviço militar obrigatório e serviço cívico), só não resultará até da 
 imposição constitucional de uma equiparação entre ambos os institutos, quer 
 quanto à duração, quer quanto à penosidade.
 
  
 
  
 
                            5. Por estas razões, entendemos que o legislador 
 ordinário veio afrontar a Constituição ao fazer condicionar a aquisição do 
 estatuto de objector de consciência a um plus - ou, em rigor, a um aliud - não 
 previsto na Constituição.
 
                            Entre duas pessoas igualmente convictas, por razões 
 de natureza religiosa, moral ou filosófica, de que não devem pegar em armas 
 contra outros homens, o legislador distingue-os, reconhecendo o estatuto de 
 objector de consciência apenas àquele que se diz disposto a cumprir o serviço 
 cívico, e não o reconhecendo àquele que se opõe à própria declaração de 
 disponibilidade para prestar serviço cívico. Quer dizer, enquanto a Constituição 
 sujeita os objectores à prestação do serviço cívico, o legislador ordinário faz 
 ainda depender a aquisição do mesmo estatuto de uma declaração de vontade do 
 próprio candidato, permitindo declarações sob reserva mental dos candidatos 
 eticamente menos rigorosos e afastando do estatuto aqueles que têm maior 
 coerência moral, nomeadamente os objectores totais, a quem não deve ser exigido 
 o tal aliud, que se sabe de antemão que não será correspondido por um imperativo 
 de consciência.
 
                            Trata-se de uma verdadeira restrição 
 desproporcionada, visto que os objectores reconhecidos como tais ficariam todos 
 eles - independentemente do facto de subscreverem a declaração ou da genuinidade 
 da mesma declaração - sujeitos à prestação de serviço cívico, incorrendo nas 
 sanções previstas na lei se o não cumprissem.
 
  
 
  
 
                            6. Por último, a afirmação final do acórdão revela 
 uma contradição insanável nos seus próprios termos.
 
  
 
                            Se a exigência do legislador quanto à declaração tem 
 como finalidade pretender obstar a que o estatuto de objector de consciência 
 seja reconhecido a quem é objector total, em termos de evitar a violação das 
 
 'exigências de justiça feitas pelo princípio da igualdade de sacrifícios 
 públicos' (?), então essa declaração não é irrelevante ou neutra, nem pode 
 corresponder a uma qualquer 'declaração implícita' ou presumida de todos os 
 candidatos ao estatuto. 
 
  
 
  
 
                            7. A realidade é que a Constituição, ao determinar 
 que «os objectores de consciência prestarão serviço cívico de duração e 
 penosidade equivalentes à do serviço militar armado», pretendeu claramente 
 afirmar que não reconhecia protecção à objecção total: isto é, o objector de 
 consciência ao serviço militar não se pode valer de uma concomitante objecção ao 
 serviço cívico, para efeitos de se furtar à prestação deste. Mas o que a 
 Constituição não pode ter pretendido, por tal não ter qualquer correspondência 
 no seu texto e ser ética e teleologicamente absurdo, é que o objector total, 
 para além de se lhe não reconhecer a objecção ao serviço cívico, seja colocado 
 na situação de também se lhe não reconhecer a objecção ao serviço militar 
 armado.
 
  
 
                            Ou seja: para a tese que obteve vencimento, quem 
 declare objectar apenas ao serviço militar obtém o estatuto. Mas quem objecte 
 simultaneamente ao serviço militar e ao serviço cívico, porque objecta de mais, 
 não só não obtém o estatuto de objector ao serviço cívico (este, sim, claramente 
 repudiado pela Constituição) como vê negado o próprio estatuto de objector ao 
 serviço militar, numa como que aplicação do aforismo popular «quem tudo quer, 
 tudo perde».
 
                            Ora, o que a Constituição estabelece, não só no nº 4 
 do artigo 276º, como no nº 3 do mesmo artigo, é que o serviço cívico constitui 
 uma obrigação decorrente - substitutiva - da não prestação do serviço militar: 
 obrigação a cumprir ex post e não ex ante. 
 
                            Daí não serem irrelevantes, in casu, as diferenças, 
 no plano das consequências penais, no tratamento do objector que vê reconhecido 
 o estatuto, relativamente ao objector que, por se recusar a subscrever a 
 declaração exigida, não o obtenha; diferenças que não deixam de ser 
 impressionantes, como se acentua no voto de vencido do Exmo Colega Sousa e 
 Brito. É que essas diferenças traduzem a real importância prática da declaração, 
 independentemente de uma efectiva disponibilidade para a prestação do serviço 
 cívico: a situação jurídica de quem se recusa a prestá-lo na devida altura é 
 manifestamente distinta da de quem se recusa a declarar que prestará, assumindo, 
 por isso, a declaração em causa uma inegável relevância jurídica. Não se pode, 
 pois, negar a existência de uma verdadeira restrição, aliás - como vimos - 
 desproporcionada.
 
  
 
  
 
                            8.  Face às razões expostas, votámos vencidos.
 
                                                     Luís Nunes de Almeida
 
                                                    Armindo Ribeiro Mendes
 Proc. nº 390/95
 
 1ª Secção
 
  
 Declaração de voto
 
  
 
    Votei contra a tese do acórdão. Por ela se afirma que é conforme à 
 Constituição a exigência de uma declaração de disponibilidade para o 
 cumprimento do serviço cívico aos cidadãos que pretendem obter o estatuto de 
 objectores de consciência ao serviço militar. 
 
  
 
    Isso inverte, em meu entender, 'o sentido constitucional das coisas'. 
 
  
 
    Desde logo, porque a obrigação alternativa de prestação do serviço cívico é 
 alternativa. É alternativa à não prestação do serviço militar pelo objector 
 
 [sendo aqui objector aquele que adquiriu o estatuto e não o objector de facto, 
 pois que a Constituição não cria obrigações alternativas sobre um plano de 
 ilicitude]. Essa obrigação não está, assim, antes da consecução do estatuto de 
 objector de consciência, está depois, e as condições organizatórias do seu 
 exercício não deve o legislador remetê-las para fora dos quadros do serviço 
 organizado, o serviço alternativo! - porque sendo obrigação é logo 
 não-liberdade e sendo não-liberdade deve ser adequada e necessária, e também 
 porque daquele modo enquadrada potencia disfunções no resultado do não 
 cumprimento. 
 
  
 
    Que o artigo 276º, nº 4 da Constituição ['Os objectores de consciência 
 prestarão serviço cívico de duração e penosidade equivalentes à do serviço 
 militar armado'] deve ser lido na letra e com os tempos que prescreve 
 determina-o desde logo a sua ligação semântica à liberdade de consciência.  
 
  
 
    Internalizada pela ordem constitucional de valores, a liberdade de 
 consciência significa o reconhecimento da autonomia do indivíduo, da sua 
 qualidade de sujeito moral, de 'eu autónomo', e do papel do individualismo ético 
 no discurso dos direitos fundamentais. A fundação da objecção de consciência na 
 liberdade de consciência dita que a consecução daquele estatuto, é 'um bem em 
 si', um direito de o indivíduo pensar com a própria cabeça (Kant) e proclamar a 
 sua dissidência, apesar das vicissitudes de procedimento e obrigação que se 
 derivam da sistematicidade do Direito.
 
  
 
    No enunciado do artigo 18º, nº 3, alínea d), da Lei nº 7/92, de 12 de Maio 
 
 ['A declaração de objecção de consciência deve conter... d) a declaração 
 expressa da disponibilidade do declarante para cumprir o serviço cívico 
 alternativo'],  o dever de declarar a disponibilidade para a prestação do 
 serviço alternativo está precisamente onde a liberdade de consciência exige, 
 pela própria pretensão de optimização, que o estatuto de objector adquira 
 protecção autónoma enquanto afirmação e sinal de dissenso. E, assim, está mal 
 aquele dever - porque limita o espaço da 'freedom to believe' na forma de 
 regulação espúria (porque fora de tempo) da 'freedom to act'. Em boa verdade, o 
 parâmetro regulador não é, aqui, a norma do artigo 276º, nº 4, da Constituição 
 em relação com a norma do artigo 41º, nº 6, mas em relação com a norma do artigo 
 
 41º, nº 1. 
 
  
 
    Sem dúvida que 'da importância subjectiva não se segue sem mais a importância 
 do ponto de vista da Constituição, mas a importância subjectiva é relevante para 
 a Constituição na medida em que o respeito que ela impõe às decisões e formas de 
 vida do indivíduo exige que não se intervenha sem razão suficiente' (Robert 
 Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt am Main, 1986, pág. 325, nota 67). 
 Ora, na posição de ter o estatuto de objector se entrecruzam os princípios da 
 liberdade negativa e da dignidade. Essa posição vale com independência da 
 necessidade ulterior de compatibilizar acções, de estabelecer a concordância 
 prática com outros direitos.
 
  
 
    A intervenção legislativa que ordena o procedimento de obtenção do estatuto 
 de objector de consciência ao serviço militar só pode requerer a comprovação da 
 sinceridade das convicções, da motivação pela consciência. Isso é um imperativo 
 da liberdade de consciência e do carácter de princípio da norma constitucional 
 que o consagra. O mais que exige a norma do artigo 18º, nº 3, alínea d), da Lei 
 nº 7/92 representa uma afectação na esfera privada realmente intensa. 
 
  
 
    O que confere desvalor a essa norma  é, afinal, a sua inserção num espaço de 
 regulação que não convoca em primeira linha o princípio da inviolabilidade, mas 
 o da autonomia, que não convoca a conjugação de arbítrios mas a lei que 
 pressupõe  - uma lei universal de liberdade. 
 
    Maria da Assunção Esteves