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Proc. nº 110/95                               
 
 1ª Secção
 Rel. Cons. Ribeiro Mendes
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
                                Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I
 
  
 
                                1. A., casado empregado bancário, reformado, 
 residente na Rua ------------, nº ------, em --------, propôs no Tribunal do 
 Trabalho da Guarda, em 14 de Junho de 1993, acção declarativa de condenação, com 
 processo sumário, contra o banco B., pedindo a condenação deste, na qualidade de 
 ex-entidade patronal (fora admitido como empregado em 1976 e passou à situação 
 de invalidez em 1 de Setembro de 1992), a pagar-lhe a quantia de 1.603.739$00, 
 acrescida de correcção monetária de 18% e de juros de mora até integral 
 cumprimento, correspondendo à soma dos montantes de subsídio de valorização a 
 que tinha direito por força de deliberação do Conselho de Gestão do Banco réu de 
 
 5 de Janeiro de 1983, numa altura em que o mesmo banco tinha o estatuto de 
 empresa pública. Alegou factos que indiciavam ser ilegal a recusa de pagamento 
 pela antiga entidade patronal desses subsídios de valorização. Juntou com a 
 petição inicial um parecer jurídico da autoria dos Drs. Jorge Leite e João Leal 
 Amado, bem como cópia de decisões de diferentes tribunais proferidos em litígios 
 idênticos.
 
  
 
                                A acção foi contestada, tendo o Banco réu 
 invocado que a deliberação invocada fora suspensa por nova deliberação, por 
 força de um despacho do Secretário de Estado do Tesouro de 19 de Janeiro de 
 
 1983, sendo certo que já na altura estava em vigor a Resolução nº 163/80 do 
 Conselho de Ministros, de 15 de Abril de 1980, pela qual se proibia que os 
 
 órgãos de gestão das empresas públicas concedessem aumentos genéricos de 
 remuneração fora da contratação colectiva. Com a contestação, juntou pareceres 
 jurídicos da autoria dos Profs. Doutores Sérvulo Correia, António Menezes 
 Cordeiro, e Dr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, além de cópia de decisões 
 judiciais proferidas em acções idênticas e outros documentos.
 
  
 
                                O autor respondeu à contestação, juntando novos 
 documentos. Mais tarde juntou ainda pareceres da autoria do Dr. Rui Machete, do 
 Prof. Doutor Freitas do Amaral e Drª Maria da Glória Ferreira Pinto Dias Garcia 
 e do Prof. Doutor Gomes Canotilho, além de outros documentos. O Banco juntou 
 novos pareceres, da autoria dos Profs. Doutores Marcelo Rebelo de Sousa, José 
 Carlos Vieira de Andrade e Jorge Miranda.
 
  
 
                                Realizou-se o julgamento, vindo, por sentença de 
 
 1 de Março de 1994, a ser julgada improcedente a acção.
 
  
 
                                O autor, inconformado, interpôs dela recurso de 
 apelação, o qual foi admitido.
 
  
 
                                Nas respectivas alegações, suscitou a questão de 
 inconstitucionalidade da alínea g) do nº 2 do art. 13º do Decreto-Lei nº 260/76, 
 se interpretado de tal forma que pudesse conferir-se ao tribunal de trabalho ou 
 a outra entidade o poder de se substituir ao legislador, fixando de forma 
 casuística a lista de actos dos conselhos de gestão dos bancos nacionalizados 
 que careciam de tutela correctiva pelo Governo (conclusões 16ª e 17ª, a fls. 882 
 e vº). O recorrido sustentou a legalidade da decisão recorrida nas suas 
 contra-alegações.
 
  
 
                                Por acórdão da Relação de Coimbra, proferido em 
 
 10 de Novembro de 1994, foi negado provimento ao recurso de apelação.
 
  
 
                                Nesse acórdão, depois de se considerar que o 
 subsídio de valorização profissional contemplado na deliberação do Conselho de 
 Gestão do Banco recorrido de 5 de Janeiro de 1983 tinha a natureza de 
 retribuição paga pela entidade patronal ao respectivo trabalhador, que, por 
 isso, não podia ser diminuída unilateralmente por aquela, e que a atribuição 
 desse subsídio era válida à luz do disposto no Decreto-Lei nº 729-F/75, de 22 de 
 Dezembro, diploma que regulava a orgânica das instituições de crédito 
 nacionalizadas, visto neste último não se prever uma intervenção tutelar na 
 matéria do Governo, veio a entender-se que o quadro normativo se alterara a 
 partir de 1977, uma vez que o Decreto-Lei nº 353-A/77, de 29 de Agosto, tinha 
 aditado um novo nº 2 ao art. 49º do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Agosto (Bases 
 Gerais das empresas públicas). Ora, o sentido de introdução desse novo nº 2 
 teria sido o de tornar claro que todos os princípios previstos no Decreto-Lei nº 
 
 260/76, sem excepção, seriam igualmente aplicáveis às instituições de crédito 
 nacionalizadas, não obstante a sua orgânica se reger por diploma especial.  
 
  
 
                                Depois, afirmou-se na referida decisão judicial:
 
  
 
   'O estatuto do pessoal no que diz respeito à fixação de remunerações passou 
 então a ficar dependente de autorização ou aprovação do ministro da tutela, nos 
 termos prescritos pela alínea g) do nº 2 do art. 13º [do Decreto-Lei nº 260/76].
 
  
 
  
 
                  E, nos termos do nº 4 deste mesmo artigo passou a ser também 
 necessária a autorização ou aprovação, além do Ministro das Finanças, do 
 Ministro do Trabalho.
 
  
 
                
 
                A essa tutela não obsta o nº 1 do art. 14º do Decreto-Lei 
 
 729-F/75 [...].
 
  
 
  
 
                Com efeito o nº 1 do art. 9º do Decreto-Lei nº 260/76 não difere, 
 no essencial, daquele preceito [...].
 
  
 
  
 
                Tal como a atribuição destes poderes e o seu normal exercício não 
 excluem a tutela económica e financeira estabelecida pelo art. 13º, do mesmo 
 modo a actuação do Conselho de Gestão no exercício dos poderes conferidos pelo 
 nº 1 do art. 14º do Decreto-Lei 729-F/75 não contraria a possibilidade de o 
 Governo intervir em matéria respeitante à fixação de remunerações.
 
  
 
  
 
      Como se disse no citado acórdão de 15/06/94, «tendo em conta as regras de 
 interpretação das leis, definidas no art. 9º nº 3 do C. Civ., terá de 
 presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube 
 exprimir o seu pensamento em termos adequados». [...]
 
  
 
  
 
                À expressão «princípios» utilizada no nº 2 do art. 49º [do 
 Decreto-Lei nº 260/76] não pode, sob pena de se sacrificar a utilidade e a 
 unidade do preceito, atribuir-se significado diferente do que lhe foi dado pelo 
 próprio legislador no número 1 da mesma norma.
 
  
 
  
 
                Se a intenção do legislador não fosse a de mandar aplicar às 
 instituições de crédito as bases gerais das empresas públicas não se 
 compreenderia que as tivesse dispensado de adaptar os respectivos estatutos a 
 essas bases gerais [...].
 
  
 
  
 
                Estas normas [alínea g) do nº 2 e nº 4 do art. 13º do Decreto-Lei 
 nº 260/76] não padecem de qualquer inconstitucionalidade uma vez que, como já 
 foi dito, se contêm dentro das competências do governo do qual emanaram, sendo 
 irrelevante nesse sentido a interpretação que delas se possa fazer'. 
 
  
 
  
 
                                Notificado deste acórdão, dele veio o autor 
 interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 
 
 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Nos termos do requerimento de 
 interposição, este recurso teria 'por âmbito o apuramento da 
 inconstitucionalidade do entendimento nele dado à norma constante do art. 
 
 13-2-g) do DL 260/76 (8.4), na redacção do D.L.  353-A/77 (29.8), que o 
 recorrente reputa violador do art. 114º da CRP, questão esta suscitada, nas suas 
 alegações de recurso e consubstanciada nas conclusões nºs 13ª, 14ª, 15ª, 16ª e 
 
 17ª' (a fls. 934).
 
  
 
                                Este recurso foi admitido por despacho de fls. 
 
 935.
 
  
 
                                2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
 
  
 
                                Concedidos prazos para alegações, vieram a 
 apresentar esta peça processual quer o recorrente, quer o Banco recorrido.
 
  
 
                                Das conclusões da alegação do recorrente 
 respigam-se as que se referem à questão de constitucionalidade:
 
  
 
 '11. Todas as empresas públicas estão sujeitas aos mesmos princípios - os 
 princípios do DL 260/76 - mas não são as mesmas as regras que os concretizam e 
 desenvolvem.
 
  
 
  
 
 12. Às empresas públicas em geral aplicam-se as regras e os princípios do DL 
 
 260/76, pelo que os seus estatutos os não podem contrariar.
 
  
 
  
 
 13. Quanto às instituições bancárias, parabancárias e seguradoras aplicam-se 
 apenas os princípios enformadores do DL 260/76
 
  
 
 ------------------------------------------------. 
 
  
 
 21. O DL 729-F/75 não contém qualquer norma que estabeleça um regime de tutela 
 correctiva «a priori ou a posteriori» semelhante à prevista no art. 13-2-g do DL 
 
 260/76 (8.4).
 
  
 
  
 
 22. Os poderes de tutela não se presumem, antes têm de resultar de preceito 
 legal expresso.
 
  
 
  
 
 23. A regra constante do art. 13º-2-g) do DL 260/78 (8.4),  para se tornar 
 exequível, no tocante às instituições de crédito, necessita de mediação 
 concretizadora do legislador.
 
  
 
  
 
 24. Caberia, em consequência, ao Governo, através da aprovação dos estatutos de 
 cada empresa, estabelecer, de entre os actos da lista constante da alínea g) do 
 nº 2 do art. 13º do DL 260/76, quais os actos que ficam sujeitos a controlo «a 
 priori» (sujeitos a autorização) e quais os que ficariam sujeitos a controlo «a 
 posteriori» (sujeitos a aprovação).
 
  
 
  
 
 25. Não pode qualquer outra entidade, designadamente o Tribunal de Trabalho, 
 pela voz do seu juiz, substituir-se ao legislador e fixar de forma casuística 
 essa lista de actos e nem pode escolher de forma arbitrária o tipo de controlo a 
 que fica sujeito cada acto de uma determinada empresa.
 
  
 
 -------------------------------------------------
 
  
 
 33. O acórdão ora recorrido ao apontar para uma nulidade absoluta com recurso a 
 meras regras de interpretação e integração de lacunas, justifica uma «escolha» 
 que manifestamente ultrapassa os seus poderes (art. 114º da CRP) e assim 
 representa sempre uma manifesta ultrapassagem dos limites que o DL 260/76 
 estabelecia (reserva de estatuto).
 
  
 
  
 
 34. Por outro lado, interpretada esse sentido, a Res. CM 163/80 sempre violaria 
 o art. 13º do DL 260/76 pelo que seria «contra legem» e, por isso, nesse plano, 
 nula.
 
  
 
  
 
 35. Interpretada em sentido diverso a norma constante do art. 13º nº 2, alínea 
 g) daquele diploma terá de haver-se por inconstitucional, por violação do 
 princípio da separação de poderes (art. 114º da CRP).
 
  
 
  
 
 36. Na verdade, a decisão recorrida esta atingida por uma dupla 
 inconstitucionalidade:
 
  
 
  
 
 - sabendo-se que só existe tutela onde a lei a estabelecer de forma expressa, 
 sendo tal matéria de reserva legislativa do legislador, não pode o tribunal 
 escolher casuisticamente os casos em que, à falta de tal prescrição legislativa, 
 se deveria impor ou não uma tutela do tipo da invocada pelo R. (interpretação do 
 Art. 13-2-g), do  DL 260/76 que aplicada na situação concreta dos presentes 
 autos, viola o princípio da separação dos poderes legislativos e judicial fixado 
 no art. 114º da CRP).
 
  
 
  
 
 - o despacho do SET pretendia «suspender» (e não extinguir) o negócio jurídico 
 laboral sub iudice, ao pretender ter efeito retroactivo viola o principio do 
 Estado de direito na sua dimensão concreta de protecção dos cidadãos e da 
 segurança jurídica (art. 2 e 53 da CRP).
 
  
 
 ---------------------------------------------
 
  
 
  
 
 44. A Resolução do Conselho de Ministros 163/80 (9.5) não é fonte imediata de 
 direito.
 
  
 
 -------------------------------------------------
 
  
 
 52. Cabe ao Governo, através de aprovação dos estatutos de cada empresa, 
 estabelecer, de entre os actos da lista constante do art. 13-2-g), do DL 260/76 
 
 (8.4) quais os actos que ficam sujeitos a controlo «a priori» (autorização) e 
 quais os actos que ficariam sujeitos a controlo «a posteriori» (aprovação).
 
  
 
  
 
 53. A Res. CM 163/80 pela sua natureza derivada («regulamentar») não poderia 
 substituir-se ao legislador estatutário que, só aí, nos Estatutos de cada 
 Empresa Pública, poderia e devia consagrar a modalidade de tutela mais 
 conveniente à sua especialidade.
 
  
 
 ------------------------------------------------
 
  
 
 58. Bem como tal decisão [da Relação de Coimbra] é inconstitucional, nos termos 
 do art. 207º da CRP, pela interpretação que faz dos normativos aplicáveis e em 
 especial do art. 13º-2-g) ao DL 260/76, que se afigura violadora do princípio da 
 separação de poderes constitucionalmente previsto no art. 114º da CRP'. (a fls. 
 
 953 vº a 957 vº)
 
  
 
                                Com as alegações, juntou nova versão do anterior 
 parecer do Prof. Doutor Gomes Canotilho.
 
  
 
                                O Banco recorrido sustentou, por seu turno, que 
 não se devia tomar conhecimento do objecto do recurso, porque o recorrente se 
 limitara a impugnar a constitucionalidade da decisão judicial recorrida, 
 invocando um pretenso erro de julgamento da sentença de primeira instância, mas 
 sem atentar na interpretação acolhida nessa decisão e no acordão recorrido. 
 Nesse sentido, invocou uma exposição do relator no Tribunal Constitucional, 
 elaborada no Processo nº 144/95, da 2ª Secção deste órgão jurisdicional.
 
  
 
                                Notificado o recorrente para se pronunciar sobre 
 esta questão prévia, nada veio dizer no prazo legal. O recorrido, por seu turno, 
 veio juntar aos autos cópia do Acórdão nº 243/95, da 2ª Secção do Tribunal, que 
 acolheu a doutrina da exposição do relator atrás referida.
 
  
 
                                3. Foram corridos os vistos legais.
 
  
 
                                Cumpre, pois, delimitar o objecto do recurso e 
 verificar se o Tribunal Constitucional pode conhecer do seu objecto, isto é, se 
 procede ou não a questão prévia suscitada.
 
  
 II
 
                                4. De harmonia com o requerimento de interposição 
 do recurso de fls. 934, o ora recorrente pretende que o Tribunal Constitucional 
 apure a invocada inconstitucionalidade do entendimento perfilhado no acórdão da 
 Relação de Coimbra de 10 de Novembro de 1994 relativamente à norma do art. 13º, 
 nº 2, alínea g), do  Decreto-Lei nº 260/78, de 8 de Abril, na redacção 
 introduzida pelo Decreto-Lei nº 353-A/77, de 29 de Agosto, entendimento esse que 
 o recorrente reputa ser violador do art. 114º da Constituição.
 
  
 
                                Dispõe o preceito em causa (cuja redacção 
 remonta, aliás, à versão primitiva do diploma, uma vez que as redacções 
 introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 353-A/77, de 29 de Agosto e 25/79, de 19 de 
 Fevereiro não alteraram a versão primitiva dessa alínea. Acrescente-se que não 
 haverá que considerar a actual redacção do art. 13º do Decreto-Lei nº 260/76, 
 uma vez que a mesma resulta de alterações introduzidas por legislação posterior 
 
 à vigente no momento relevante para a situação dos autos, ou seja, o mês de 
 Janeiro de 1983 - cfr. Decreto-Lei nº 29/84, de 20 de Janeiro, e Lei nº 16/90, 
 de 20 de Julho):
 
  
 
 'nº 2. Da lista de actos dependentes de autorização ou aprovação do Ministro da 
 Tutela, nos termos da alínea b) do número anterior, devem necessariamente 
 constar:
 
  
 
 -------------------------------------------------
 
  
 g) O estatuto do pessoal, em particular no que respeita à fixação de 
 remunerações.'
 
  
 
  
 
                                Para cabal entendimento deste preceito, importa 
 referir que o nº 1 do artigo 13º do Decreto-Lei nº 260/76 (na redacção vigente 
 nas datas de aprovação das duas deliberações do Conselho de Gestão do Banco 
 recorrido que estão em causa no presente processo) dispunha que a tutela das 
 empresas públicas, a cargo do Ministro da Tutela, compreende '[o] poder de 
 autorizar ou aprovar os actos expressamente indicados em lista constante do 
 estatuto de cada empresa que não sejam os de carácter financeiro contempladas no 
 nº 2 deste artigo'.
 
  
 
  
 
                                Por outro lado, importa ainda ter em conta - 
 porque o Banco réu era, nas datas relevantes de Janeiro de 1983, um banco 
 nacionalizado, que  não dispunha de estatutos próprios, mas se regia pelo 
 diploma que estabelece o estatuto legal das instituições de crédito 
 nacionalizadas, Decreto-Lei nº 729-F/75, de 22 de Dezembro, com as alterações 
 introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 513/77, de 14 de Dezembro, 2/78, de 9 de 
 Janeiro, 51/79, de 22 de Março, e 176/79, de 7 de Junho - que o art. 49º, nº 2, 
 do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril (na redacção introduzida pelo 
 Decreto-Lei nº 353-A/77, de 29 de Agosto), dispõe que 'as empresas públicas 
 exceptuadas no número anterior ficam, porém, sujeitas aos princípios fixados no 
 presente diploma' (o nº 1 deste artigo estabelece que o Banco de Portugal, as 
 instituições bancárias, parabancárias e seguradoras eram as únicas empresas 
 públicas existentes que ficavam excluídas legalmente da obrigação de adaptarem 
 os respectivos estatutos aos princípios consagrados no Decreto-Lei nº 260/76, no 
 prazo de 120 dias a partir da sua entrada em vigor).
 
  
 
                                5. Segundo a tese do recorrente, o acórdão ora 
 sub judicio teria interpretado a norma que constitui objecto do recurso de forma 
 inconstitucional, violando o art. 114º da Constituição.
 
  
 
                                A questão de inconstitucionalidade objecto do 
 recurso foi suscitada nas alegações no recurso de apelação nos seguintes termos.
 
  
 
 '14ª - A regra constante do art. 13º nº 2 al. g) do DL 260/76 de 8/4, [para ser 
 aplicável] às instituições de crédito, para se tornar exequível, necessita da 
 mediação concretizadora do legislador.
 
  
 
  
 
 15ª - Caberia, em consequência, ao Governo, através da aprovação dos estatutos 
 da cada empresa, estabelecer, de entre os actos da lista constante da al. g) do 
 nº 2 do art. 13º do DL 260/76, de 8/4, quais os actos que ficam sujeitos a 
 controle «a priori» (sujeitos a autorização) e quais os que ficariam sujeitos a 
 controlo «a posteriori» (sujeitos a aprovação).
 
  
 
  
 
 16ª - Não pode qualquer outra entidade, designadamente o Tribunal de Trabalho 
 pela voz do seu Juiz, substituir-se ao legislador e fixar de forma casuística 
 essa lista de actos e nem pode escolher de forma arbitrária o tipo de controlo a 
 que fica sujeito cada acto de uma determinada empresa.
 
  
 
  
 
 17ª Interpretada em sentido diverso a norma constante do art. 13º nº 2 al. g) 
 terá de haver-se por inconstitucional, por violação do princípio da Separação de 
 Poderes (Art. 114º da CRP' (a fls. 882 e vº)
 
  
 
  
 
                                6. Importa, face ao exposto, averiguar se se 
 verificam no caso sub judicio os pressupostos de admissibilidade do recurso de 
 constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da 
 Lei do Tribunal Constitucional, de modo que este Tribunal possa conhecer do 
 objecto desse recurso, ou, por outras palavras, apreciar se é procedente a 
 questão prévia suscitada pelo Banco recorrido.
 
  
 
                                Não restam dúvidas de que o recorrente suscitou 
 durante o processo uma questão de inconstitucionalidade normativa, imputando o 
 vício de inconstitucionalidade não a todas as dimensões da norma, mas a um 
 segmento ou dimensão, nos termos atrás transcritos.
 
  
 
  
 
                                Mas resta averiguar se se verifica um outro 
 pressuposto de admissibilidade do recurso: o pressuposto que consiste em a norma 
 identificada, com a interpretação alegadamente inconstitucional, ter sido 
 aplicada na decisão recorrida como verdadeira ratio decidendi ou, pelo menos, 
 como uma das possíveis rationes decidendi.
 
  
 
  
 
                                De facto, como decorre das conclusões 14ª a 17ª 
 da alegação apresentada no recurso de alegação, que agora se deixaram 
 transcritas, o recorrente considerou que a alínea g) do nº 2 do art. 13º do 
 Decreto-Lei nº 260/76 não é inconstitucional em todas as suas interpretações, 
 mas apenas numa certa interpretação: pressupondo que tal norma necessitaria da 
 mediação concretizadora do legislador governamentável, através da aprovação por 
 decreto-lei dos estatutos da empresa pública em questão, não poderia o tribunal 
 substituir-se ao legislador e fixar de forma casuística uma lista de actos de 
 tutela, nem poderia escolher de forma arbitrária o tipo de controlo a que 
 ficaria sujeito cada acto de uma determinada empresa, sob pena de haver violação 
 do art. 114º da Constituição (o nº 1 deste artigo determina que os órgãos de 
 soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na 
 Constituição).
 
  
 
  
 
                                Da leitura do acórdão impugnado pelo recorrente 
 não se alcança, porém, que a norma em causa haja sido aplicada com o sentido 
 alegadamente inconstitucional. Pelo contrário, aí se resolveu um problema 
 complexo de interpretação de várias normas de direito ordinário, sobre o qual 
 diversos jurisconsultos não lograram pôr-se de acordo.
 
  
 
  
 
                                Por uma lado, o Tribunal da Relação de Coimbra 
 não tomou qualquer posição sobre o pressuposto de que seria indispensável a 
 mediação concretizadora do legislador governamental para determinar quais os 
 actos sujeitos a tutela governamental, no que se refere às instituições 
 bancárias nacionalizadas (note-se, aliás, que, como se refere no parecer do 
 Prof. Doutor Gomes Canotilho junto aos autos pelo recorrente, o Decreto-Lei nº 
 
 260/76 previa que a Constituição de empresas públicas se fizesse por decreto 
 referendado pelo Primeiro-Ministro e por certos membros do Governo, decreto esse 
 que conteria em anexo os estatutos da empresa pública, sendo duvidoso na 
 doutrina se a Constituição impõe neste caso a reserva de lei).
 
  
 
  
 
                                Tendo em atenção o acórdão recorrido, daí se 
 retira que, por interpretação do nº 2 do art. 49º do Decreto-Lei nº 260/76, o 
 Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que se aplicavam ao Banco ora recorrido 
 os princípios desse diploma, entre os quais o de sujeição à tutela em matéria de 
 fixação de remunerações do seu pessoal. E, segundo o mesmo acórdão, o subsídio 
 de valorização teria a natureza jurídica de uma retribuição remuneratória, pelo 
 que a respectiva atribuição teria de ter sido autorizada ou aprovada pelos 
 Ministros das Finanças e do Trabalho.
 
  
 
  
 
                                Verifica-se, pois, que o Tribunal da Relação de 
 Coimbra considerou que, por força do disposto no nº 2 do art. 49º do Decreto-Lei 
 nº 260/76, as instituições de crédito nacionalizadas (caso do Banco réu) - que 
 não dispunham de estatutos próprios nos termos da regulamentação constante do 
 Decreto-Lei nº 729-F/75 - estavam sujeitas a tutela do Governo, no que toca à 
 fixação de remunerações a pagar ao pessoal, sendo-lhes aplicável o princípio 
 legal constante da alínea g) do nº 2 do art. 13º do primeiro diploma, o qual não 
 tinha  de ser particularizado por qualquer estatuto específico. Decorreria do nº 
 
 4 do art. 13º  desse decreto-lei esta última conclusão.
 
  
 
  
 
                                É, assim, seguro que a interpretação de normas de 
 direito ordinário pela Relação de Coimbra - interpretação cuja bondade o 
 Tribunal Constitucional não tem competência para apreciar - não foi feita com o 
 sentido inconstitucional que o recorrente lhe imputa. A Relação não se arrogou 
 qualquer poder de, casuisticamente, suprir uma qualquer omissão estatutária, nem 
 se substituiu ao legislador, violando eventual reserva de estatuto. Considerou 
 que da concatenação das disposições legais referidas, resultava a necessidade de 
 autorização ou aprovação tutelar, cuja falta acarretava a ineficácia da decisão.
 
  
 
  
 
                                7. Ora, não tendo sido aplicada pelo acórdão 
 recorrido a norma que constitui objecto do presente recurso com a interpretação 
 que o recorrente reputa de inconstitucional, falta  um pressuposto de admissão 
 do recurso, que impede que o Tribunal Constitucional conheça do seu objecto.
 
  
 
  
 
                                Repare-se, por outro lado, que o Tribunal 
 Constitucional não pode controlar - como sustenta, e bem, o Banco recorrido - a 
 eventual inconstitucionalidade da decisão judicial, enquanto aplica normas com 
 uma interpretação que não é contrária à Constituição. Só através de um recurso 
 do tipo do amparo espanhol ou da queixa constitucional alemã é que poderia 
 apreciar-se a inconstitucionalidade do próprio acto de aplicação do direito. 
 Ora, tal modalidade de recurso não é admitida no direito constitucional 
 português.
 
  
 
  
 
                                Procede, nesse ponto, plenamente a questão prévia 
 suscitada pelo Banco recorrido e que não mereceu resposta do recorrente. 
 
  
 
  
 
                                8. Em recurso interposto para este Tribunal de 
 uma decisão proferida pela Relação de Coimbra, numa acção intentada por outro 
 trabalhador bancário contra o Banco ora recorrido, a 2ª Secção de Tribunal 
 Constitucional absteve-se igualmente de conhecer do objecto desse recurso. Na 
 exposição do relator confirmada pelo Acórdão nº 243/95, ainda inédito, pode 
 ler-se:
 
  
 
  
 
 'Não foi, assim, por apelo às directivas constantes de qualquer Resolução do 
 Conselho de Ministros (particularmente a Resolução nº 163/80)  que o acórdão sub 
 specie veio a entender que a deliberação em causa, tomada pelo Conselho de 
 Gestão da Ré, havia de estar sujeita à fiscalização tutelar. O que vale por 
 dizer que não interpretou a alínea g) do nº 2 do art. 13º do D.L. nº 260/76 por 
 forma a daí decorrer que seria por uma intervenção resolutiva do Conselho de 
 Ministros que se iria saber quais os actos dos cabidos órgãos das «instituições 
 públicas de crédito» que seriam objecto de intervenção tutelar (de fiscalização, 
 enfim)'.
 
  
 
  
 
                                E daí se retirou a conclusão de que o acórdão sub 
 judicio não havia interpretado a norma impugnada com o sentido invocadamente 
 inconstitucional, pelo que não se verificaria o requisito exigido para a 
 abertura de via de recurso contemplada na alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei 
 do Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 
                                As considerações feitas nesse acórdão são 
 transponíveis para a presente situação, sendo certo que, entretanto, a 1ª Secção 
 do Tribunal Constitucional já tirou quatro acórdãos, ainda inéditos, no sentido 
 de que não pode conhecer do objecto do recurso, em recursos idênticos ao 
 presente. 
 
  
 
  
 III
 
  
 
                                9. Termos em que decide o Tribunal Constitucional 
 não conhecer do objecto do recurso.
 
  
 
  
 
                                Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de 
 justiça em quatro (4) unidades de conta.
 
  
 
                                Lisboa, 5 de Dezembro de 1995
 
  
 
                                             Armindo Ribeiro Mendes
 Antero Alves Monteiro Dinis
 Maria Fernanda Palma
 Maria da Assunção Esteves
 Alberto Tavares da Costa
 Vítor Nunes de Almeida
 José Manuel Cardoso da Costa