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Processo n.º 1051/06
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 Relatório
 A Comissão Nacional de Eleições, por deliberação de 24-3-2006, aplicou à Rádio e 
 Televisão Portuguesa, SGPS, S.A. (RTP), uma coima única de onze mil euros pela 
 prática de três contra-ordenações ao artigo 49º, da Lei Orgânica nº 1/2001, de 
 
 14 de Agosto.
 Desta decisão recorreu a RTP para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido 
 realizado julgamento e proferido acórdão em 6-7-2005 que concedeu parcial 
 provimento ao recurso, tendo reduzido a coima única em que a recorrente havia 
 sido condenada para seis mil euros.
 A RTP interpôs recurso deste acórdão para o Pleno das Secções Criminais do 
 Supremo Tribunal de Justiça.
 Foi proferida decisão pelo Conselheiro Relator de não admissão do recurso 
 apresentado, com os seguintes fundamentos:
 
 “Refere o Acórdão impugnado a fls. 16 o seguinte:
 
 «Sucede, porém, que como dispõe o art. 59° do RGCO, ao abrigo do qual foi 
 deduzida a mesma impugnação, a decisão da autoridade administrativa que aplica 
 uma coima é susceptível de impugnação judicial (n° I ), podendo 'o recurso de 
 impugnação' ser interposto pelo arguido ou seu defensor (nº 2). O 'recurso' é 
 feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, 
 em 20 dias, devendo constar de 'alegações e conclusões' (n° 3).
 O art. 61º do mesmo diploma, a propósito da determinação do tribunal 
 competente, volta a referir-se ao recurso, o que repete nos arts. 62º, 63º, 
 
 71º, 74º, 75º, traçando um quadro normativo idêntico ao dos recursos penais, com 
 previsão, inclusive, de proibição de reformatio in pejus, como é apanágio deste 
 recursos, com as especialidades impostas pela natureza da infracção, como é a 
 possibilidade de retirada de acusação e a conversão em processo criminal.
 E a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, incluindo a de 
 uniformização, do Tribunal Constitucional e das Relações têm acentuado, a uma 
 voz, essa proximidade entre a impugnação judicial e o recurso penal, nos 
 sucessivos arestos tirados, incluindo os de fixação de jurisprudência.
 Aliás, deve realçar-se que a LEOAL, ao cometer à CNE, no seu art. 203º, a 
 aplicação de coimas correspondentes a contra-ordenações praticadas por partidos 
 políticos, coligações ou grupos de cidadãos, por empresas de comunicação social, 
 de publicidade, de sondagens ou proprietárias de salas de espectáculos, 
 estabelece inequivocamente que cabe recurso para a secção criminal do Supremo 
 Tribunal de Justiça, não mencionando sequer impugnação judicial.
 Sendo assim, não podem ser suscitadas no recurso judicial questões que não foram 
 oportunamente na resposta perante a autoridade administrativa».
 Esta passagem do aresto recorrido permite demonstrar cabalmente que estamos 
 perante um recurso e não perante uma simples impugnação judicial.
 Por outro lado, a invocada violação do nº 1, parte final, do art. 32° da CRP, 
 encontra, na sua génese, uma visão fundamentalista das garantias e estatuto do 
 arguido.
 Efectivamente, a jurisprudência do STJ e do Tribunal Constitucional tem-se 
 pronunciado uniformemente no sentido de que o normativo do art. 32° da 
 Constituição não consagra expressamente o princípio do duplo grau de recurso, 
 como, aliás, acontece também com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e 
 com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
 E sendo assim, como efectivamente é, tendo havido recurso para um Tribunal 
 Judicial, no caso, o Supremo Tribunal de Justiça, ainda por cima por virtude de 
 lei especial, está cumprida a regra constitucional do nº 1, parte final, do art. 
 
 32° da CRP.
 Assim sendo, a tentativa de encontrar arrimo no RCGO cai logo por base, estando, 
 como se está perante um regime especial em que, face à categoria do Presidente 
 da CNE (Juiz Conselheiro) o recurso é logo para o mais alto Tribunal”.
 
  
 Desta decisão reclamou a RTP para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a 
 qual, após ter sido convertida em reclamação para a conferência, foi objecto de 
 acórdão, que igualmente não admitiu o recurso interposto, com os seguintes 
 fundamentos: 
 
 “Para além de tudo quanto consta do despacho do Relator, de fls. 574 a 578, e 
 que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, importa referir 
 que, de acordo com o art. 73º do RGCC, nem todas as decisões proferidas em 1ª 
 instância em matéria contra-ordenacional admitem recurso para a Relação, 
 dependendo essa admissibilidade da verificação de determinados pressupostos, 
 relacionados, designadamente, com o montante da coima aplicada ou a existência 
 de sanção acessória, assim se operando uma filtragem, através de um sistema 
 semelhante ao das alçadas no processo civil. 
 Ora, não podendo este sistema de filtragem ser adaptado às regras de 
 funcionamento do STJ, que não tem «alçada», a admissibilidade de recurso para o 
 Pleno teria de abranger toda e qualquer decisão das secções, independentemente 
 dos valores envolvidos ou da natureza das sanções aplicadas. 
 E não cabe aqui aplicar subsidiariamente as atinentes regras processuais penais, 
 designadamente o art. 11º, nº 2, do CPP, por estas estarem expressamente 
 previstas para os recursos em matéria criminal”.
 
  
 Deste acórdão de 2-11-2006 interpôs a RTP recurso para o Tribunal 
 Constitucional, com fundamento na alínea b), do nº 1, do artº 70º, da LTC, 
 através de requerimento donde constava o seguinte:
 
 “- Na motivação do recurso interposto do Acórdão de 6 de Julho para o Pleno das 
 Secções criminais, alegou a ora Recorrente, em suma, que a interpretação segundo 
 a qual do douto Acórdão recorrido não cabe recurso traduziria uma interpretação 
 inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da 
 proporcionalidade (arts. 13° e 18° da Constituição), por violação das garantias 
 de audiência e de defesa (art. 32°, que, no seu nº 1, inclui expressamente o 
 recurso) e por violação do direito ao acesso ao Direito e à tutela jurisdicional 
 efectiva (arts. 20° e 268°, 4, da Constituição).
 
 - O aliás douto Acórdão recorrido decidiu, porém, não ser admissível o recurso.
 
 - Essa decisão fundou-se nos arts. 203º, nº 1, da Lei Eleitoral dos órgãos das 
 Autarquias aprovada pelo art. 1°, n° 1, da lei Orgânica n° 1/2001, de 14 de 
 Agosto, e 73º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro 
 
 (Regime Geral das Contra-Ordenações), interpretados no sentido de que:
 
 “É irrecorrível (mesmo nos casos previstos no artigo 73° do Decreto-Lei n° 
 
 433/82, de 27 de Outubro) a decisão de uma Secção do Supremo Tribunal de Justiça 
 que, em primeira instância, conhece da impugnação da decisão administrativa de 
 condenação por contra-ordenação”.
 
 - Tal norma é inconstitucional, desde logo, por violação do direito ao recurso e 
 
 à tutela jurisdicional efectiva (arts. 32°, n° 1 e n° 10, 20° e 268°, n° 4, da 
 Constituição), em conjugação com os princípios da igualdade e da 
 proporcionalidade (arts. 13° e 18° da Constituição) e por violação do direito ao 
 acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva (arts. 20° e 268°, 4, da 
 Constituição)”.
 
  
 Admitido o recurso, a recorrente apresentou alegações, com as seguintes 
 conclusões:
 
 “ I. Nos termos do artigo 203º, nº 1, da LEOAL, das decisões da CNE que 
 apliquem coimas, entre outras entidades, às empresas de comunicação social, 
 cabe «recurso para a secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça»; 
 II. Nos termos do art. 73º, nº 1, al. a), do RGCO – cuja aplicabilidade não pode 
 negar-se –, pode recorrer-se da sentença ou despacho proferidos nos termos do 
 artigo 64º quando «for aplicada uma coima superior a € 249,40» (tendo, in casu, 
 sido aplicada uma coima de € 6000); 
 III. E nos termos do art. 35º, nº 1, al. b), da LOFTJ, para esse recurso é 
 competente o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, pois 
 cabe a esse órgão «julgar os recursos de decisões proferidas em primeira 
 instância pelas secções»; 
 IV. É inconstitucional a interpretação dessas normas, segundo a qual «é 
 irrecorrível (mesmo nos casos previstos no artigo 73º do Decreto-Lei nº 433/82, 
 de 27 de Outubro) a decisão de uma Secção do Supremo Tribunal de Justiça que, em 
 primeira instância, conhece da impugnação da decisão administrativa de 
 condenação por contra-ordenação». 
 V. E isto uma vez que ela: 
 a) Viola o direito ao recurso ou duplo grau de jurisdição que a Constituição 
 garante no processo de contra-ordenações (art. 32º, que, no seu n.º 1, inclui 
 expressamente o recurso) e através dele as garantias de audiência e de defesa e 
 o direito ao acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva (arts. 20º e 
 
 268º, 4, da Constituição). 
 b) Para além disso – o que seria relevante ainda que não existisse a apontada 
 inconstitucionalidade – introduz uma restrição ou excepção ao direito ao recurso 
 previsto no art. 73º do RGCO, criando uma diferenciação de regime: 
 i. Que não tem fundamento material – visto que os problemas da competência para 
 a impugnação e recorribilidade da decisão nela proferida são dois problemas 
 diversos; 
 ii. Que não tem paralelo em outros casos previstos na lei de competência de 
 tribunais superiores para o conhecimento em primeira instância; 
 iii. Que os argumentos apontados pelo Tribunal recorrido não logram basear, pois 
 que: 
 
 1. A impugnação judicial em matéria de contra-ordenações não é e não pode ser 
 equiparada a um recurso jurisdicional de uma decisão jurisdicional, sendo a sua 
 decisão final a primeira decisão judicial sobre a questão; 
 
 2. É irrelevante para o efeito o facto de o Presidente da CNE – e não a CNE – 
 ser um Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça; 
 
 3. O facto de o Supremo Tribunal de Justiça não ter alçada não justifica que se 
 não possa aplicar o regime geralmente estabelecido no art. 73º do RGCO sobre a 
 admissibilidade de recurso. 
 c) Pelo que se mostra violadora dos princípios constitucionais da igualdade e da 
 proporcionalidade (arts. 13º e 18º da Constituição). 
 VI. Deve, por isso, o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de 
 Justiça julgar o recurso que para o mesmo subiu. 
 Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas., Venerandos Conselheiros, 
 doutamente suprirão, vem a Recorrente requerer que seja declarada a 
 inconstitucionalidade da interpretação assumida pelo Acórdão recorrido, segundo 
 a qual «é irrecorrível (mesmo nos casos previstos no artigo 73º do Decreto-Lei 
 nº 433/82, de 27 de Outubro) a decisão de uma Secção do Supremo Tribunal de 
 Justiça que, em primeira instância, conhece da impugnação da decisão 
 administrativa de condenação por contra-ordenação», por violação, nomeadamente, 
 dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (arts. 13º e 18º da 
 Constituição), das garantias de audiência e de defesa (art. 32º, que, no seu n.º 
 
 1, inclui expressamente o recurso) e do direito ao acesso ao Direito e à tutela 
 jurisdicional efectiva (arts. 20º e 268º, 4, da Constituição). Em consequência 
 do requerido juízo de inconstitucionalidade, deverá o Pleno das Secções 
 Criminais do Supremo Tribunal de Justiça julgar o recurso que para o mesmo 
 subiu”.
 
  
 O Ministério Público apresentou contra-alegações, onde concluiu o seguinte:
 
 “Não pode considerar-se abrangido pelos direitos de audiência e defesa em 
 processo contraordenacional, o acesso ao Plenário do Supremo Tribunal de 
 Justiça, com vista a fazer sindicar a decisão, proferida pela competente secção, 
 que, na sequência de improcedência, total ou parcial, da impugnação deduzida da 
 decisão sancionatória com coima, manteve a condenação do arguido em coima. 
 Não viola os princípios da igualdade e da proporcionalidade a interpretação 
 normativa que considera não aplicáveis, no confronto de uma decisão proferida 
 pelo Supremo, os critérios que regulam a recorribilidade, em processo 
 contraordenacional, do decidido pelo tribunal de 1ª instância para a Relação. 
 Na verdade, a circunstância de a lei cometer directamente a um Supremo Tribunal 
 a apreciação e julgamento de um recurso em matéria contraordenacional, 
 constituindo obviamente um factor de acrescida garantia para as partes, não pode 
 deixar de ter reflexos no âmbito do direito ao recurso, impedindo um total 
 paralelismo com a situação processual que se verificaria se a decisão estivesse 
 cometida às instâncias. 
 Termos em que deverá improceder o presente do recurso”.
 
  
 
                                                                                  
 
  *
 Fundamentação
 O objecto deste recurso é o de saber se a interpretação do disposto nos artº 
 
 203º, nº 1, da LEOAL, e 73º do RGCOC, no sentido de que não admitem recurso as 
 decisões da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça que conheça da 
 impugnação judicial de coima aplicada pela Comissão Nacional de Eleições, no 
 
 âmbito das eleições dos titulares dos órgãos das autarquias locais, viola os 
 princípios da igualdade e da proporcionalidade previstos nos artº 13º e 18º, da 
 C.R.P., e os direitos de audiência, defesa e recurso, previstos no artº 32º, da 
 C.R.P., e ao acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva, previstos nos 
 artº 20º e 268º, nº 4, da C.R.P..
 O Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCOC), constante do Decreto-Lei 
 nº 433/82, de 27 de Outubro, prevê que a decisão de autoridade administrativa 
 que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial (artº 59º, nº 1), 
 podendo recorrer-se para o Tribunal da Relação das decisões judiciais que 
 apreciem aquela impugnação nos casos previstos nos nº 1 e 2, do artº 73º, do 
 RGCOC.
 Com este regime fica assegurado o direito à apreciação jurisdicional das 
 decisões sancionatórias administrativas que apliquem coimas pela prática de 
 contra-ordenações, e, nalguns casos, admite-se a existência de um duplo grau de 
 jurisdição na reapreciação dessas decisões.
 Mas no regime legal da eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, 
 dispõe especificamente o artº 203º, nº 1, da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de 
 Agosto, que compete à Comissão Nacional de Eleições, com recurso para a secção 
 criminal do Supremo Tribunal de Justiça, aplicar as coimas correspondentes a 
 contra-ordenações praticadas por partidos políticos, coligações ou grupos de 
 cidadãos, por empresas de comunicação social, de publicidade, de sondagens ou 
 proprietárias de salas de espectáculos, no âmbito das referidas eleições.
 Estabeleceu-se aqui um regime especial para a impugnação da aplicação de coimas 
 pela Comissão Nacional de Eleições, por contra-ordenações cometidas no âmbito da 
 eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, prevendo-se que a 
 impugnação judicial destas decisões administrativas deva ser feita, per saltum, 
 para o Supremo Tribunal de Justiça.
 Note-se, contudo, que a utilização do termo “recurso” para o Supremo Tribunal de 
 Justiça da decisão da Comissão Nacional de Eleições que aplicar uma coima, não 
 confere a esta uma natureza jurisdicional, uma vez que a mesma, atenta a 
 natureza do órgão que a profere, é puro direito sancionatório administrativo, 
 constituindo a utilização do referido termo uma mera imprecisão técnica, donde 
 não podem ser extraídas quaisquer consequências.
 Será que a interpretação destes preceitos, no sentido de não admitir o recurso 
 desta superior, mas primeira apreciação judicial, não se contemplando a 
 existência de um duplo grau de jurisdição, viola alguma directriz constitucional 
 
 ?
 Adiantamos já que a nossa resposta a esta questão é negativa, pelas razões que 
 se passam a explicitar.
 Conforme referiu EDUARDO CORREIA, em “Direito penal e de mera ordenação-social, 
 no B.F.D.U.C., nº XLIX(1973), pág. 268, “a contra-ordenação é um aliud que se 
 diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respectivo ilícito e as 
 reacções que lhe cabem não são directamente fundamentáveis num plano 
 
 ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do 
 direito criminal”. Na contra-ordenação o substracto da valoração jurídica não é 
 constituído apenas pela conduta axiológico-socialmente neutra, sendo a proibição 
 legal da mesma que lhe confere a qualificação de ilícita. Daí que a natureza 
 puramente patrimonial da sanção que lhe é aplicável (a coima) se diferencia 
 claramente, na sua essência e finalidades, das penas criminais, inclusive da 
 multa.
 Esta variação do grau de vinculação aos princípios do direito criminal, e a 
 autonomia do tipo de sanção previsto para as contra-ordenações,  repercute-se a 
 nível adjectivo, não se justificando que sejam aplicáveis ao processo 
 contra-ordenacional duma forma global e cega todos os princípios que orientam o 
 direito processual penal.
 A introdução do nº 10 no artº 32º, da C.R.P., efectuada pela revisão 
 constitucional de 1989, quanto aos processos de contra-ordenação, e alargada, 
 pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios, ao visar assegurar 
 os direitos de defesa e de audiência do arguido nos processos sancionatórios não 
 penais, os quais, na versão originária da Constituição, apenas estavam 
 expressamente assegurados aos arguidos em processos disciplinares no âmbito da 
 função pública (artigo 270.º, n.º 3, correspondente ao actual artigo 269.º, n.º 
 
 3), denunciou o pensamento constitucional que os direitos consagrados para o 
 processo penal não tinham uma aplicação directa aos demais processos 
 sancionatórios, nomeadamente ao processo de contra-ordenação.
 Assim, o direito ao recurso actualmente consagrado no nº 1, do artº 32º, da 
 C.R.P. (introduzido pela revisão de 1997), enquanto meio de defesa contra a 
 prolação de decisões jurisidicionais injustas, assegurando-se ao arguido a 
 possibilidade de as impugnar para um segundo grau de jurisdição, não tem 
 aplicação directa ao processo de contra-ordenação.
 Conforme se sustentou no Acórdão nº 659/06, deste Tribunal, cuja fundamentação 
 acompanhamos de perto, nos direitos constitucionais à audiência e à defesa, 
 especialmente previstos para o processo de contra-ordenação e outros processos 
 sancionatórios, no nº 10, do artº 32º, da C.R.P., não se pode incluir o direito 
 a um duplo grau de apreciação jurisdicional. Esta norma exige apenas que o 
 arguido nesses processos não-penais seja previamente ouvido e possa defender-se 
 das imputações que lhe sejam feitas, apresentando meios de prova, requerendo a 
 realização de diligências com vista ao apuramento da verdade dos factos e 
 alegando as suas razões.
 A não inclusão do direito ao recurso no âmbito mais vasto do direito de defesa 
 constante do nº 10, do artº 32º, da C.R.P., ressalta da diferença de redacção 
 dos nº 1 e 10, deste artigo, sendo que ambas foram alteradas pela revisão de 
 
 1997, e dos trabalhos preparatórios desta revisão, em que a proposta no sentido 
 de assegurar ao arguido “nos processos disciplinares e demais processos 
 sancionatórios…todas as garantias do processo criminal”, constante do artº 32º 
 
 - B, do Projecto de Revisão Constitucional, nº 4/VII, do PCP, foi rejeitada 
 
 (leia-se o debate sobre esta matéria no D.A.R., II Série – RC, nº 20, de 12 de 
 Setembro, de 1996, pág. 541-544, e I Série, nº 95, de 17 de Julho de 1997, pág. 
 
 3412 a 3466).
 O direito ao acesso aos tribunais consagrado no artº 20º, nº 1, da C.R.P., e o 
 direito dos administrados à tutela jurisdicional, nomeadamente para a 
 impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, consagrado no artº 
 
 268º, nº 4, da C.R.P., apenas exigem que se possibilite a impugnação judicial da 
 aplicação de sanções pela prática de contra-ordenações pelas autoridades 
 administrativas e não uma dupla apreciação jurisdicional dessa impugnação.
 Neste caso, essa possibilidade encontra-se perfeitamente assegurada no artº 
 
 203º, nº 1, da LEOAL,  pela admissão de “recurso”, da aplicação de coimas, pela 
 Comissão Nacional de Eleições,  para a secção criminal do Supremo Tribunal de 
 Justiça.
 O direito a uma segunda apreciação jurisidicional apenas se encontra 
 constitucionalmente exigido em processo penal, não sendo esta exigência 
 extensível aos demais processos sancionatórios, inscrevendo‑se assim no âmbito 
 da liberdade de conformação legislativa própria do legislador a estatuição das 
 situações em que se justifique a possibilidade duma dupla apreciação da 
 impugnação judicial, desde que efectuada de forma não arbitrária e proporcional.
 O princípio constitucional da igualdade dos cidadãos, consagrado no artº 13º, nº 
 
 1, da C.R.P., no seu sentido positivo, exige um tratamento semelhante para 
 situações semelhantes.
 Defende a recorrente que, admitindo o artº 73º, nº 1, a), do RGCOC, como regra 
 geral, um duplo grau de jurisdição para a aplicação de coimas superiores a 
 
 249,40 €., ofende tal princípio que, na hipótese das coimas superiores a este 
 montante serem aplicadas pela Comissão Nacional de Eleições, não exista a 
 possibilidade duma segunda apreciação jurisdicional.
 Não tem razão, uma vez que as previsões legislativas apontadas não têm 
 semelhança. Enquanto na regra geral estabelecida no artº 73º, nº 1, a), do 
 RGCOC, a impugnação judicial da decisão administrativa é feita para o tribunal 
 de comarca, na impugnação das coimas aplicadas pela Comissão Nacional de 
 Eleições a impugnação destas é feita directamente para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, isto é para o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, sem 
 prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional (artº 210º, nº 1, da 
 C.R.P.).
 Esta significativa diferença da posição hierárquica dos tribunais que apreciam, 
 em primeira instância, a impugnação judicial das coimas referidas no artº 73º, 
 nº 1, a), do RGCOC, e no artº 203º, nº 1, da LEOAL, justifica que, de modo 
 diferente do tribunal de comarca, o Supremo Tribunal de Justiça, julgando como 
 primeira instância judicial, seja também a última.
 E esta diferenciação de soluções, com fundamento na diferença de situações, não 
 ofende o princípio da proporcionalidade, no sentido de que o tratamento das 
 situações desiguais deve ser efectuado de forma adequada à desigualdade 
 existente.
 Na verdade, visando a segunda apreciação jurisdicional um controle da decisão 
 judicial que apreciou a impugnação da decisão administrativa sancionatória, de 
 modo a obter-se uma melhor justiça, esse controle é feito por um tribunal 
 superior, tecnicamente mais qualificado. 
 Nos casos regra, previstos no artº 73º, do RGCOC, esse controle é efectuado 
 pelos tribunais colocados imediatamente acima dos tribunais de comarca – os 
 tribunais da Relação – não estando prevista a intervenção do Supremo Tribunal de 
 Justiça.
 Ora, quando a primeira decisão é da autoria deste tribunal, colocado no topo da 
 hierarquia dos tribunais judiciais, é adequado que se diferencie esta situação 
 dos casos-regra, abolindo o controle desta decisão, uma vez que já se obteve a 
 intervenção de um tribunal superiormente qualificado.
 Não se mostrando violados os princípios da igualdade e da proporcionalidade, 
 assim como os direitos de audiência, defesa e recurso previstos no artº 32º, da 
 C.R.P., e ao acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva, previstos nos 
 artº 20º e 268º, nº 4, da C.R.P., pela aplicação do disposto nos artº 203º, nº 
 
 1, da LEOAL, e 73º do RGCOC, na interpretação de que não admitem recurso as 
 decisões da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça que conheçam da 
 impugnação judicial de coima aplicada pela Comissão Nacional de Eleições, no 
 
 âmbito das eleições dos titulares dos órgãos das autarquias locais, deve ser 
 negado provimento ao recurso para este Tribunal.
 
  
 
                                                                                  
 
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 Decisão
 Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto pela 
 Rádio e Televisão Portuguesa, SGPS, S.A., do acórdão de 2-11-2006, do Supremo 
 Tribunal de Justiça.
 
  
 
                                                                                  
 
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 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta 
 
 (artº 6º, nº 1, do D.L. nº 303/98).
 
  
 
  
 
  
 
  
 
                                                                                  
 
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 Lisboa, 16 de Maio de 2007
 João Cura Mariano
 Rui Pereira
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos