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Processo n.º 206/05
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
 1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária:
 
  
 
 “1. A., identificado nos autos, inconformado com o acórdão do Tribunal da 
 Relação de Coimbra de 24 de Novembro de 2004 – que negou provimento ao recurso 
 por si interposto do despacho que indeferiu a arguição de nulidades da decisão 
 instrutória que o havia pronunciado pela prática de 3 crimes de difamação, 
 previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal –, e com o acórdão 
 do mesmo Tribunal de 26 de Janeiro de 2005, que indeferiu o requerimento de 
 arguição de nulidades daquele primeiro aresto, deles interpôs recurso para o 
 Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação da 
 constitucionalidade das normas dos artigos 308.º, n.ºs 1 e 3, e 379.º, n.º 1, 
 alínea c), do Código de Processo Penal, e do artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 
 
 21/85, de 30 de Julho, “na dimensão normativa aplicada nos acórdãos recorridos”.
 
 2. Em resposta ao convite do relator para especificar a dimensão/interpretação 
 dada às normas que pretendia ver apreciadas, apresentou o recorrente 
 requerimento de fls. 1405 a 1409, do seguinte teor:
 
  
 
 «1. Sobre a dimensão/interpretação normativa referida no art.º 308.º, n.º 1 e 3, 
 do CPP, disse o recorrente:
 
 1.1. Na motivação do recurso objecto do acórdão de 24.11.2004, conforme síntese 
 constante da respectiva conclusão 7ª:
 
 É inconstitucional a norma aplicada no despacho instrutório extraída das 
 disposições conjugadas do art.º 308º, n.º 1 e 3, segundo a qual pode julgar-se 
 da suficiência de indícios de instrução criminal sem que, previamente, se 
 averigúe da existência de ilícito de qualquer natureza, e das causas de exclusão 
 de ilicitude criminal do art.º 31.º do Código Penal.
 E, no corpo da motivação alegou o recorrente, sobre o sentido e alcance da norma 
 do art.º 308º n.º 1 e 3 do CPP:
 Tal norma impõe ao juiz o dever de antes de qualquer outra indagação sobre 
 indícios de verificação de pressupostos de infracção criminal, decidir sobre 
 nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer.
 Tal imposição legal decorre:
 Em primeiro lugar, da garantia constitucional de que aos tribunais incumbe 
 assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos 
 
 (cfr. art.º 202.º, n.º 2, da CRP).
 Em segundo lugar, da garantia constitucional de que o processo criminal assegura 
 todas as garantias de defesa do cidadão (cfr. art.º 31.º, n.º 1, da CRP).
 Em terceiro lugar, da garantia constitucional da Tutela efectiva e em tempo útil 
 contra ameaças ou violações dos direitos, liberdades e garantias pessoais, 
 consagrada no art.º 20.º n.º 5 da CRP.
 Assim:
 A norma do art.º 308.º n.º 1 e 3, do CPP, entendida no sentido de que a omissão 
 de conhecimento de factos que consubstanciam causas de exclusão de ilicitude nos 
 termos do art.º 31.º do CP, não constitui questão prévia à verificação da 
 suficiência de indícios de infracção criminal; é inconstitucional por violar as 
 garantias dos supra referidos artºs. 20.º, n.º 5, 32.º, n.º 1, e 202.º, n.º 2, 
 da Constituição.
 Tendo confirmado o despacho recorrido, arguido de nulo por omissão de pronúncia 
 sobre as causas de exclusão de ilicitude ao art.º 31.º do CP, sem se pronunciar, 
 concretamente, sobre cada uma das causas de exclusão de ilicitude alegadas na 
 motivação do recurso, o acórdão recorrido faz, ele próprio aplicação da 
 sindicada norma do art.º 308.º n.º 1 e 3, do CPP.
 Esta norma fora aplicada no despacho instrutório que, pronunciando-se sobre 
 factos constantes da carta que constitui objecto do inquérito e da instrução, 
 omitiu pronúncia sobre o facto nela alegado de que a sua apresentação visa 
 cumprir o imperativo legal constante do art.º 88.º do Estatuto da Ordem dos 
 Advogados.
 
 1.2. No requerimento de arguição de nulidade do acórdão recorrido, de 
 
 24.11.2004, o arguente manteve a alegação de que tal norma é inconstitucional no 
 respectivo n.º 4.1., a reproduzir aí, e no n.º 4.1.6, o teor da conclusão 7ª da 
 motivação de recurso para a Relação.
 O acórdão de 26.1.2005, ao indeferir, nessa parte, a arguição de nulidade, sem 
 se pronunciar sobre a arguida omissão de pronúncia sobre as causas de exclusão 
 de ilicitude do art.º 31.º do CP, assacada ao acórdão de 24.11.2004, voltou a 
 fazer aplicação da sindicada norma do art.º 308.º, n.º 1 e 3, do CPP.
 
 2. Sobre a dimensão/interpretação normativa referida no art.º 379.º n.º 1, c), 
 do CPP, disse o recorrente:
 
 2.1. Na motivação do recurso objecto do acórdão de 24.11.2004, conforme síntese 
 constante da respectiva conclusão 6ª:
 Impõe-se conhecer de cada uma e de todas as causas de justificação invocadas no 
 requerimento de fls. 1191/3, suprindo a nulidade do despacho instrutório, e 
 julgando-as procedentes.
 E no corpo da motivação o recorrente alegou, no respectivo n.º 3, a título de 
 causas de justificação que antecedem as especialmente previstas no art.º 180.º, 
 n.º 1 do CP:
 O conhecimento de tais causas de justificação constitui questão prévia 
 relativamente ao conhecimento de quaisquer outras previstas na parte especial do 
 Código.
 As questões prévias do art.º 338.º do CPP, não são apenas as questões de 
 natureza adjectiva: são também questões de natureza substantiva como a amnistia, 
 a prescrição etc. (cfr. Maia Gonçalves, CPP, anotado, 13ª edição, p. 663).
 As questões prévias devem ser apreciadas tão cedo quanto possível. Apreciar se 
 ocorrem causa de justificação do art.º 31.º do CP, traduz-se em saber se a 
 acusação se deve considerar manifestamente infundada (cfr. art.º 311.º do mesmo 
 diploma).
 A pronúncia sobre as causa de exclusão de ilicitude constantes do art.º 31.º do 
 CP, foi, pois, entendida como uma exigência legal imposta pelo art.º 37.º, n.º 
 
 1, alínea c), do CPP, na sua interpretação conforme aos artº.s 20.º, n.ºs 1, 4 e 
 
 5, 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e 205º da Constituição.
 O acórdão de 24.11.2004, não se pronunciou sobre nenhuma dessas questões. E 
 também não se pronunciou sobre a suscitada questão da inconstitucionalidade da 
 dimensão normativa com que fora aplicado o art.º 308.º, n.º 1 e 3, do CPP.
 
 2.2. No requerimento de arguição de nulidade do acórdão de 24.11.2004, disse o 
 recorrente:
 A aplicação das supra citadas normas dos art.ºs 179º n.º 1, alínea c), do CPP, e 
 
 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2, do CPC, no sentido de o Tribunal dispor 
 do poder discricionário de resolver ou não, todas as questões que tenham sido 
 postas à sua apreciação, e de a decisão assim tomada se poder inscrever na ordem 
 jurídica, não é, obviamente, conforme à CRP. Pelo que essa dimensão normativa de 
 tais preceitos seria manifestamente inconstitucional.
 Sobre a suscitada questão de inconstitucionalidade da norma do art. 308.º, n.º 1 
 e 3, nos termos sintetizados na conclusão 8.ª, o acórdão arguido é, também, 
 totalmente omisso. No entanto, o dever legal de apreciar e resolver tal questão 
 contém-se na previsão da norma do art.º 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP. Com 
 efeito, nos termos do art.º 72.º, n.º 2, da Lei 28/82, de 15.11, os tribunais 
 encontram-se obrigados a pronunciar-se sobre a suscitada questão de 
 inconstitucionalidade de normas paliçadas nas suas decisões. Conhecimento que, 
 aliás, é oficioso ex vi do artº 204º da Constituição.
 
 2.3. Como se vê do acórdão de 26.1.2005, nenhuma das questões suscitadas no 
 requerimento de arguição de nulidade do acórdão de 24.11.2004, por omissão de 
 pronúncia sobre as arguidas causas de exclusão e ilicitude do art.º 31.º do CP, 
 e sobre a suscitada questão de inconstitucionalidade da norma do art.º 308.º, 
 n.ºs 1 e 3, do CPP, foi aí apreciada.
 Nele é, pois, feita aplicação do art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, com o 
 sentido de o tribunal dispor do poder discricionário de resolver ou não, todas 
 as questões que tenham sido postas à sua apreciação e de a decisão assim tomada 
 se poder inscrever na ordem jurídica, e não com o sentido de o tribunal se 
 encontrar vinculado a pronunciar-se nos termos que decorrem da concretização do 
 disposto nos art.ºs 18º, n.º 1, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 202º, n.º 2, e 205º da 
 Constituição.
 
 3. Sobre a dimensão/interpretação normativa do artº 4º, da Lei n.º 21/85, de 30 
 de Julho, disse o recorrente:
 
 3.1. Na motivação do recurso objecto do acórdão de 24.11.2004 conforme síntese 
 constante da respectiva conclusão 2ª:
 Tal indeferimento consubstancia aplicação das normas do art.º 4º, nº 1, da Lei 
 n.º 21/85, de 30.7, em desconformidade com a norma do art.º 16º, n.º 2 da 
 Constituição.
 E, no corpo da motivação, o recorrente alegou que a falta de fundamentação de 
 facto e de direito do não conhecimento das alegadas causas de exclusão de 
 ilicitude do art.º 31º do CP, viola as normas do artº 97º, n.º 4, do CPP, a 
 prescrição do artº 4º, nº 1, da Lei 21/85, de 30.7., e a norma do artº 205º, nº 
 
 1 da Constituição.
 
 3.2. No requerimento de arguição de nulidade do acórdão de 24.11.2004, o 
 arguente manteve, no respectivo 4.1.3. a arguição de que a carência de 
 fundamentação para a omissão de pronúncia sobre as causas de exclusão de 
 ilicitude do artº 31º do CP, constitui violação das normas do artº 91 nº 4 da 
 prescrição do artº 4º, nº 1, da Lei nº 21/85, de 30.7 e a norma do artº 205º, nº 
 
 1, da Constituição da República.
 
 3.3. Ora, o Tribunal da Relação em ambos os acórdãos recorridos, exerceu o poder 
 jurisdicional consignado no artº 4º, nº 1, da Lei 21/85, de 30.7., com o sentido 
 de que as normas permitem interpretação e aplicação das normas constitucionais e 
 legais sobre causas de exclusão de ilicitude penal, em desconformidade com a 
 norma do artº 16º, nº 2 da Constituição.»
 
 3. Com interesse para a decisão importa reter as seguintes ocorrências 
 processuais:
 a) B., S.A., C., D. e E., constituídos assistentes, imputaram a A. a prática de 
 quatro crimes de difamação, previstos e punidos pelos artigos 180.º, 187.º e 
 
 183.º, n.º1, alíneas a) e b) do Código Penal, tendo a acusação particular sido 
 acompanhada pelo Ministério Público que qualificou a conduta do arguido como 
 preenchendo três crimes de difamação, previstos e punidos nos artigos180.º e 
 
 183.º, alínea a), e um crime de ofensa a pessoa colectiva, previsto e punido 
 pelo artigo 187.°, todos do Código Penal.
 b) O arguido requereu a abertura da instrução, que culminou com a pronúncia pela 
 prática de três crimes de difamação, previstos e punidos pelo artigo180.º, n.º1, 
 do Código Penal.
 c) Arguiu, então, o arguido a nulidade da decisão instrutória, nos termos de 
 fls. 1191 a 1193, o que foi indeferido por despacho de fls. 1200 e 1201.
 d) Deste despacho interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, 
 concluindo a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
 
  
 
 «1ª –  O indeferimento do requerimento de fls. 1191/3, não tem fundamento nem de 
 facto nem de direito: nenhumas causas de justificação invocadas nesse 
 requerimento foram apreciadas, e não se encontra motivada a decisão de 
 considerar estranhas ao objecto do processo as causas de justificação nos n.ºs 3 
 e 4 do dito requerimento, com violação da garantia do art.º 205.º, n.º 1 da 
 Constituição;
 
 2ª –  Tal indeferimento consubstancia aplicação das normas do art.º 4.º, n.º 1 
 da Lei n.º 21/85, de 30/7, em desconformidade com a norma do art.º 26.º, n.º 2 
 da Constituição;
 
 3ª –  Ao abrigo do disposto no art.º 669.º, n.º s 2 e 3 do CPC, aplicável ex vi 
 art.º 4º do CPP, pede-se que o tribunal a quo reforme a decisão recorrida de 
 fls. 1200;
 Caso tal não aconteça,
 
 4ª – Tem o presente recurso que subir imediatamente e com efeito suspensivo do 
 processo nos termos dos art.ºs 407.º, n.º 2 e 408.º, n.º 1, interpretados em 
 conformidade com as normas e princípios dos art.ºs 1.º, 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 
 
 5, 32.º, n.º 1 e 202.º, n.º 2 da Constituição.
 
 5ª –  A retenção do recurso por se entender que os referidos art.ºs do CPP não 
 têm a dimensão que o recorrente delas extrai, confere-lhes dimensão normativa 
 inconstitucional por violar as normas e princípios constitucionais da anterior 
 conclusão;
 
 6ª –  Impõe-se conhecer de cada uma e de todas as causas de justificação 
 invocadas no requerimento de fls. 1191/3, suprindo a nulidade do despacho 
 instrutório, e julgando-as procedentes;
 
 7ª –  É inconstitucional a norma aplicada no despacho instrutório extraída das 
 disposições conjugadas do art.º 308, n.ºs 1 e 3, segundo a qual pode julgar-se 
 da suficiência de indícios de infracção criminal sem que, previamente, se 
 averigue da existência de ilícito de qualquer natureza, e das causas de exclusão 
 da ilicitude criminal do art.º 31.º do Código Penal.
 
 8ª –  O suprimento das nulidades arguidas no requerimento de fls. 1191/3, 
 acarreta, necessariamente, a revogação da decisão instrutória.»
 
  
 e) O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 24 de Novembro de 2004, 
 negou provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido com os seguintes 
 fundamentos:
 
  
 
 «Sendo as conclusões do recurso que delimitam o respectivo objecto, vemos que o 
 recorrente pretende, em primeiro lugar, a reforma do despacho de fls. 1200 
 
 [destaque nosso].
 Este é do seguinte teor:
 
 “Notificado da decisão instrutória de fls. 1179 e segs. (fls. 1188), veio o 
 arguido, requerente da instrução, arguir a nulidade de tal decisão por omissão 
 de pronúncia, nos termos alegados a fls. 1191 a 1193, invocando o disposto nos 
 Arts. 118º e segs., 379.º n.º 1, al. c); 122º, n.º 3 e 379, n.º 2 do Cód. Proc. 
 Penal e nos Arts.º 660º, n.º 2, 668º, n.º 1, al. d), 1ª parte 666. n.º 3 do Cód. 
 Proc. Civil.
 A assistente pronunciou-se como consta de fls. 1199, alegando que a proceder a 
 matéria aduzida como tema da nulidade arguida haveria modificação essencial da 
 decisão, pelo que não poderia ser conhecida pela primeira instância, nos termos 
 dos art.s 380.º, n.º 1 al. b), e 379º do Cód. Proc. Penal, e que alguma das 
 matéria alegadas não têm pertinência para o “thema decidendi”.
 Verifica-se a nulidade invocada pelo requerente “quando o tribunal deixa de se 
 pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (Art. 379º, n.º 1, al. c) do 
 Cod. Proc. Penal);
 Art. 668, n.º 1 al. d) e 666º n.º 3 do Cod. Proc. Civil).
 Estando em causa decisão instrutória, as questões que incumbe ao tribunal 
 apreciar são as relevantes para a decisão a que se refere o n.º 1 e o n.º 3 do 
 Art. 308º do Cód. Proc. Penal.
 O objecto deste processo, como já aludido em anteriores despachos (fls. 917, in 
 fine; fls. 918 penúltimo parágrafo; fls. 1072), é delimitado pelos factos 
 alegados na acusação e no requerimento para abertura de instrução sumariados na 
 pág. 1 e 2 da decisão instrutória).
 Alega o requerente que na decisão instrutória não foram apreciadas questões 
 relativas às causas de justificação que invocou no requerimento para abertura de 
 instrução.
 A eventual verificação das causas de justificação invocadas foi apreciada na 
 decisão instrutória:
 
 - no que respeita à intervenção do requerimento na qualidade de Advogado (n.º 5 
 do requerimento em que é arguida nulidade), cfr. página 4 da decisão;
 
 - no que respeita aos interesses legítimos que o requerente pretenderia 
 satisfazer com a conduta que lhe foi imputada na acusação (n.ºs 1, 2, 6 e 7 do 
 requerimento em que é arguida nulidade), cfr. páginas 4 a 6, especialmente esta 
 
 última, da decisão instrutória – designadamente no que se refere aos direitos à 
 informação e de participação na vida da sociedade (que não foram exaustivamente 
 enunciados na decisão instrutória – como pretenderia o requerente: cfr. n.ºs 1, 
 
 2, 6 e 7 do requerimento em que é arguida a nulidade – nem tinham de o ser, 
 atento o objecto de tal decisão, já referido).
 Não houve, portanto, omissão de pronúncia relativamente a tais questões.
 Relativamente às questões suscitadas pelo requerente sobre os n.ºs 3 e 4, 
 trata-se de questões estranhas ao objecto deste processo e que portanto não 
 deveriam ser apreciadas na decisão instrutória, como não foram.
 E da decisão instrutória [destaque nosso], na parte que ora interessa, consta:
 Invoca o arguido a verificação de causas de justificação susceptíveis de excluir 
 a aparente ilicitude do seu comportamento.
 Relativamente à causa de justificação a que se refere o Art. 154º, n.º 3, do 
 Cód. Proc. Civil, excludente da ilicitude criminal nos termos do Art.º 31.º, n.º 
 
 1, do Cód. Penal (alegada nos artigos 30º a 32º do requerimento para abertura de 
 instrução, a fls. 785-6), como já referido a fls. 916-917 a propósito da alegada 
 verificação de excepção de prescrição, importa notar que os factos alegados na 
 acusação em que se fundamenta a conclusão pela prática de crimes pelo requerente 
 são apenas os referentes à carta – “fax” de 26 de Março de 2001 e não também os 
 relativos às peças processuais subscritas pelo arguido enquanto Advogado e na 
 defesa dos interesses que nessa qualidade tinha o dever de representar.
 Alega também o requerente que se verifica a causa de justificação a que se 
 refere o n.º 2 do Art. 180º do Cód. Penal, nos termos do qual, “a conduta não é 
 punível quando: 
 a) a imputação foi feita para realizar interesses legítimos e
 b) o agente provar a veracidade da imputação ou tiver fundamento sério para, em 
 boa [fé] a reputar verdadeira.”
 Os pressupostos da referida causa de justificação são cumulativos, como 
 claramente resulta da letra da citada disposição legal.
 Alega o requerente (artigos 33º e seguintes do requerimento, a lis. 786 e segs.) 
 que é verdade que as medidas propostas em acção de recuperação de empresa se 
 basearam no balanço de 31 de Julho de 1999, como referiu na carta – “fax”, o que 
 
 é confirmado pelo teor dos documentos de fls. 954 e seg.s e pelo depoimento da 
 testemunha Maia Pinto e relatório pelo mesmo apresentado – fls. 1144-1145 e fls. 
 
 1110 e seg.s.
 Alega também ser verdade que o balanço em causa (de que foi junta cópia a fls. 
 
 798-800 e incluído no já referido relatório) é falso e que tinha fundamento 
 sério para assim o considerar e para concluir que os assistentes tinham firmado 
 tal balanço (artigos 340 a 460 do requerimento, a fls. 786 e seg.s).
 Não permitem os elementos dos autos extrair conclusões quanto à veracidade ou 
 falsidade do documento em causa, com o sentido pressuposto no Art. 256º do Cód. 
 Penal, questão essa que está em investigação em sede própria na sequência das 
 várias denúncias apresentadas pelo ora arguido (cfr. certidão de fls. 947 e 
 seg.s. esp. fls. 949, 959, 995 e seg.s. e 1045).
 Admite-se, no entanto, que o arguido pudesse, em boa fé, concluir que o que 
 consta do referido balanço não correspondia à realidade, face às pelo menos 
 aparentes irregularidades na elaboração do mesmo e as discrepâncias que na 
 análise que fez constatou entre o conteúdo de tal balanço e o de outros 
 documentos e que apontou a fls. 787 a 793 (cfr., p. ex.º: a discrepância entre o 
 que consta do documento de fls. 938 a 943 e o de fls. 798 a 800 no que respeita 
 
 à rubrica “dívidas a accionistas”; doc. De fls. 1096 e seg.s relativamente à 
 qualidade de administradores dos assistentes – cfr. o alegado pelo arguido a 
 fls. 1082).
 Porém, ainda que se entenda resultarem dos aludidos elementos dos autos indícios 
 da verificação do pressuposto da causa de justificação a que se refere a citada 
 alínea b) do n.º 2 do Art. 180º do Cód. Penal (fundamento sério para em boa fé 
 reputar verdadeira a imputação), não pode considerar-se também indiciada a 
 verificação do requisito exigido pela alínea a): ter sido a imputação feita para 
 realizar interesses legítimos.
 Para que possa afirmar-se a verificação de tal pressuposto da causa de 
 justificação importa que exista um interesse legítimo do agente e que a 
 imputação seja adequada e necessária à realização de tal interesse. Com efeito, 
 para além da letra da repetidamente citada alínea a) do n.º 2 do Art. 180º do 
 Cód. Penal, importa também ter presente que está em casa ponderação de 
 interesses, com os limites de adequação e necessidade a que se refere o Art 18º 
 n.º 2 da Constituição da República Portuguesa uma vez que está em causa a 
 compressão de direito fundamental (o direito ao bom nome e reputação: Cfr. Art. 
 
 26º da Constituição da República Portuguesa).
 Como resulta do contexto em que se inserem as afirmações reproduzidas na 
 acusação (cfr. cópia integral da carta-“fax” junta a fls. 5 a 8 e cópias de 
 cartas anteriores a fls. 1174 e segs.), os interesses legalmente tutelados que o 
 arguido pretenderia exercer são os relativos aos seus direitos à informação e à 
 participação nas assembleias gerais enquanto accionista da assistente sociedade 
 e nos termos estabelecidos no Cód. das Sociedades Comerciais, designadamente nas 
 disposições citadas no artigo 33º do requerimento para abertura de instrução 
 
 (direitos que têm, anota-se, uma abrangência limitada, como resulta, i.a., dos 
 Art.ºs 21º, al.s b) e e) e 288º e seg.s do Cód. das Sociedades Comerciais)
 Ora, não se vê qual a relação, designadamente de adequação e necessidade, entre 
 as afirmações que o arguido fez constar da carta-“fax” e que são susceptíveis de 
 ofender a honra dos assistentes e o exercício dos aludidos direitos à informação 
 e à participação na vida da sociedade.
 Em conclusão, não se indicia a verificação de circunstâncias susceptíveis de 
 excluir a ilicitude criminal dos factos descritos na acusação susceptíveis de 
 consubstanciar a prática pelo arguido do crime previsto e punido pelo Art. 
 
 180.º, n.º q, do Cód. Penal, sendo portanto efectiva a possibilidade de 
 condenação em sede de julgamento.”
 
  
 Pela transcrição acabada de efectuar verifica-se que na decisão instrutória 
 foram analisadas as causas de exclusão da ilicitude alegadas pelo recorrente.
 Há que salientar que a instrução tem por finalidade a “comprovação judicial da 
 decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou 
 não a causa a julgamento” (art.º 286º, n.º 1), sendo “formada pelo conjunto dos 
 actos de instrução que o juiz entenda levar a cabo” (art.º 289.º), devendo ser 
 praticados todos os actos com vista à finalidade assinalada (art.º 290.º n.º 1, 
 todos normativos citados do Cod. Proc. Penal).
 Ora, o recorrente encontrava-se acusado pela prática de quatro crimes de 
 difamação, p. e p. pelos art.s 180.º, 187.º e 183.º, n.º 1, al.s a) e b) do Cod. 
 Penal.
 Veio a ser pronunciado pela prática de três crimes do mesmo tipo legal, mas pela 
 previsão do art.º 180.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
 O recorrente foi pronunciado por ter enviado a carta “fax” em que afirmava a 
 existência de um falso balanço da assistente que teria determinado as medidas de 
 reestruturação financeira.
 Ora o que pretendia com o requerimento objecto de recurso são factores estranhos 
 ao tipo legal de crime e que não são excludentes da sua responsabilidade 
 criminal.
 Com efeito, o direito ou não de obter resposta por parte do Presidente da Mesa 
 da Assembleia Geral, as relações entre advogados, são elementos perfeitamente 
 despiciendos, perante aquilo que o recorrente afirmou na carta referida no 
 despacho de pronúncia.
 As causas de justificação encontram-se devidamente analisadas, de acordo com o 
 disposto no art. 180.º, n.º 2 do Cod. Penal.
 E não há qualquer omissão de pronúncia, pois a decisão é perfeitamente 
 explícita, observando todas as provas produzidas, estando, ao contrário, do que 
 pretende, totalmente fundamentada. Só se compreende a alegada falta de 
 fundamentação por se pretender esgrimir com todos os argumentos possíveis e 
 imaginários, o que é natural para um profissional forense que se vê pronunciado.
 Mas também esse mesmo vector teria de se ter em consideração para que o 
 recorrente avaliasse da justeza do decidido.
 Isso reflecte-se nas conclusões que formula: pede que se reforme a decisão e 
 caso tal não aconteça se supra a nulidade do despacho instrutório, julgando 
 procedentes as causas de justificação invocadas.
 A este Tribunal só compete decidir sobre o despacho recorrido, revogando ou 
 confirmando o seu conteúdo, não sendo admissível pronunciar-se sobre a decisão 
 instrutória que pronunciou o recorrente não atacável por via do recurso 
 interposto, como pretende na 7ª conclusão.
 Tanto se afigura como suficiente para mostrar a sem razão do recurso.»
 f) Pelo requerimento de fls. 1368 a 1379 arguiu o arguido a nulidade do acórdão, 
 por omissão de pronúncia, e pediu a sua reforma, invocando, além do mais, que 
 neste aresto foi aplicado o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de 
 Processo Penal, e 668.º, n.º1, alínea d), e 660.º, n.º 2, do Código de Processo 
 Civil, com o sentido de o tribunal dispor do poder discricionário de resolver ou 
 não, todas as questões que tenham sido postas à sua apreciação e de a decisão 
 assim tomada se poder inscrever na ordem jurídica, e não com o sentido de o 
 tribunal se encontrar vinculado a pronunciar-se nos termos que decorrem da 
 concretização do disposto nos artigos 18.º, n.º 1, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 202.º, 
 n.º 2, e 205.º da Constituição.
 g) Por acórdão de 26 de Janeiro de 2005 foi indeferida a pretensão do arguido, 
 por se ter entendido que as causas de justificação encontram-se devidamente 
 analisadas, de acordo com o disposto no artigo 180.º, n.º 2, do Código Penal, e 
 não se verificar qualquer omissão de pronúncia, nem a consequente nulidade.
 
 4. Entende-se não poder conhecer-se do objecto do recurso, sendo caso de 
 proferir decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei nº 28/82, 
 de 15 de Novembro, por não se verificarem os pressupostos de admissibilidade do 
 tipo de recurso em causa.
 Com efeito, o recurso de constitucionalidade interposto com fundamento na alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, 
 para que possa ser admitido e conhecer-se do seu objecto, pressupõe a aplicação 
 pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada esta 
 norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação, 
 mediatizada pela decisão recorrida.
 
 5. Não obstante a falta de clareza do requerimento de fls. 1405 a 1409 no que 
 toca à concretização do objecto do recurso é ainda possível apreender que o 
 recorrente pretende a apreciação das seguintes questões de constitucionalidade:
 a) Do artigo 308.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, entendido no 
 sentido de que a omissão de conhecimento de factos que consubstanciam causas de 
 exclusão de ilicitude nos termos do artigo 31.º do mesmo código, não constitui 
 questão prévia à verificação da suficiência de indícios de infracção criminal, 
 por violar as garantias dos supra referidos artigos 20.º, n.º 5, 32.º, n.º 1, e 
 
 202.º, n.º 2, da Constituição.
 b) Do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, com o sentido 
 de o tribunal dispor do poder discricionário de resolver ou não, todas as 
 questões que tenham sido postas à sua apreciação e de a decisão assim tomada se 
 poder inscrever na ordem jurídica, e não com o sentido de o tribunal se 
 encontrar vinculado a pronunciar-se nos termos que decorrem da concretização do 
 disposto nos artigos 18.º, n.º 1, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 202.º, n.º 2, e 205.º, da 
 Constituição.
 c) Do artigo 4.º, nº 1, da Lei 21/85, de 30 de Julho, com o sentido de que as 
 normas permitem interpretação e aplicação das normas constitucionais e legais 
 sobre causas de exclusão de ilicitude penal, em desconformidade com a norma do 
 artigo 16.º, n.º 2, da Constituição
 Porém, os arestos recorridos não aplicaram as normas em causa com a 
 interpretação invocada pelo recorrente, como se passa a demonstrar.
 
 6. Quanto à primeira questão – a da norma do artigo 308.º, n.ºs 1 e 3, do Código 
 de Processo Penal –, tal como o recorrente a coloca, está em causa a sua 
 aplicação com a interpretação de que “a omissão de conhecimento de factos que 
 consubstanciam causas de exclusão de ilicitude nos termos do artigo 31.º do 
 mesmo código, não constitui questão prévia à verificação da suficiência de 
 indícios de infracção criminal”.
 Este entendimento implicaria, pois, que o tribunal pudesse concluir pela 
 suficiência de indícios de infracção criminal e pronunciar o arguido sem que 
 antes indagasse da existência de causas de justificação.
 Com se referiu no acórdão da Relação de 24 de Novembro de 2004, “a instrução tem 
 por finalidade a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de 
 arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento” (artigo 
 
 286.º, n.º 1), sendo “formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz 
 entenda levar a cabo” (artigo 289.º), devendo ser praticados todos os actos com 
 vista à finalidade assinalada (artigo 290.º n.º 1, todos normativos citados do 
 Código de Processo Penal).
 No caso, o recorrente veio a ser pronunciado pela prática de três crimes de 
 difamação, previstos e punidos pelo artigo 180.º, n.º1 do Código Penal, “por ter 
 enviado a carta “fax” em que afirmava a existência de um falso balanço da 
 assistente que teria determinado as medidas de reestruturação financeira”.
 O acórdão recorrido acolheu o entendimento sufragado pelo despacho recorrido de 
 fls. 1200 [que transcreveu], de que “a eventual verificação das causas de 
 justificação invocadas foi apreciada na decisão instrutória: - no que respeita à 
 intervenção do requerente na qualidade de Advogado (...); - no que respeita aos 
 interesses legítimos que o requerente pretenderia satisfazer com a conduta que 
 lhe foi imputada na acusação (...), e que as questões suscitadas pelo requerente 
 sob os n.ºs 3 e 4 são estranhas ao objecto deste processo e que portanto não 
 deveriam ser apreciadas na decisão instrutória, como não foram.
 E, acrescentou-se:
 
 «Ora o que [o recorrente] pretendia com o requerimento objecto de recurso são 
 factores estranhos ao tipo legal de crime e que não são excludentes da sua 
 responsabilidade criminal.
 Com efeito, o direito ou não de obter resposta por parte do Presidente da Mesa 
 da Assembleia Geral, as relações entre advogados, são elementos perfeitamente 
 despiciendos, perante aquilo que o recorrente afirmou na carta referida no 
 despacho de pronúncia.
 As causas de justificação encontram-se devidamente analisadas, de acordo com o 
 disposto no art. 180.º, n.º 2 do Cod. Penal.»
 
  
 Ou seja, no acórdão de 24 de Novembro de 2004, assim como no de 26 de Janeiro de 
 
 2005, que indeferiu as nulidades imputadas ao primeiro, considerou-se que foram 
 analisadas todas as questões que poderiam constituir causas de justificação e 
 tomou-se ainda posição sobre os demais factores invocados pelo recorrente. 
 O que sucedeu foi que as decisões recorridas adoptaram um entendimento diverso 
 do pretendido pelo recorrente, pois consideraram que as questões relacionadas 
 com “o direito ou não de obter resposta por parte do Presidente da Mesa da 
 Assembleia Geral” e “as relações entre advogados” eram elementos estranhos aos 
 factos que o recorrente afirmou na carta referida no despacho de pronúncia.
 Neste contexto, não é correcta a afirmação de que as decisões recorridas 
 omitiram ou perfilharam o entendimento de que poderia ser omitido o conhecimento 
 de factos que consubstanciavam causas de exclusão de ilicitude, previamente à 
 conclusão da existência de indícios suficientes da infracção criminal. Os 
 arestos decidiram tais questões, mas em sentido diverso do pretendido pelo 
 recorrente.
 
 7. Quanto à questão interpretativa da norma do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), 
 do Código de Processo Penal, resulta das decisões recorridas que a mesma não foi 
 aplicada com o sentido de o tribunal dispor do poder discricionário de resolver 
 ou não, todas as questões que tenham sido postas à sua apreciação, pois os 
 arestos recorridos entenderam ter havido pronuncia sobre as questão colocadas, 
 tendo em vista o objecto do processo e as finalidades da instrução. A 
 circunstância de o não terem feito no sentido pretendido pelo recorrente não 
 integra nem podia integrar a dimensão normativa em causa.         
 De resto, a questão de saber se as decisões recorridas conheceram efectivamente 
 de todas as questões é matéria que diz respeito à validade da própria decisão 
 recorrida e ao mérito dos seus fundamentos, que não cabe no recurso de 
 constitucionalidade, que é reportado a normas e não às decisões em si mesmas 
 consideradas.
 
 8. No que se reporta à norma do artigo 4.º, n.º 1, da Lei 21/85, de 30 de Julho, 
 a decisão recorrida não se fundamentou neste preceito e muito menos o aplicou 
 com o sentido de que permite interpretação e aplicação das normas 
 constitucionais e legais sobre causas de exclusão de ilicitude penal em 
 desconformidade com a norma do artigo 16.º, n.º 2, da Constituição, nem tal 
 faria sentido, porque, o preceito em causa visa afirmar o estatuto de 
 independência da magistratura judicial – consignando que “Os magistrados 
 judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a 
 ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das 
 decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores” –, e decidir 
 uma questão relativa à verificação de causas de exclusão da ilicitude em sentido 
 contrário ao pretendido pelo recorrente, não cabe, ainda que remotamente, no 
 
 âmbito de aplicação do preceito em causa.
 
 9. Em face do exposto, ao abrigo do n.º1 do artigo78.º-A da Lei nº 28/82, de 15 
 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
 Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de 
 conta.” 
 
  
 
  
 
             2. O recorrente apresentou um requerimento em que arguiu nulidades 
 desta decisão e sustenta que deve conhecer-se do objecto do recurso de 
 constitucionalidade, por razões que resume nas seguintes conclusões:
 
  
 
 “1ª- O recorrente tem direito a uma decisão jurisdicional de mérito do Tribunal 
 Constitucional; o acto notificado é inválido por cominação do artigo 3º, n.º 3, 
 da Constituição.
 
 2ª- Constitui imperativo constitucional que seja mandado notificar o recorrente 
 para apresentar alegação, e, subsequentemente, se conheça do objecto do recurso, 
 também por força do princípio da máxima efectividade das normas constitucionais, 
 e da garantia constitucional do artº 32º, nº 1, da Constituição.
 
 3ª- A falta de cumprimento da norma do artigo 704º, nº 1, do CPC, acarreta a 
 nulidade processual do artigo 201º, nº 1, do mesmo código, cujo suprimento se 
 requer, também para que se cumpram os princípios dos artºs. 8º, nº 3, e 9º, n.º 
 
 1, do Código Civil, e 224º, nº 3, da Constituição.
 
 4ª- O acto notificado não tem natureza jurisdicional, mas sim administrativa, 
 por impedimento constitucional de a lei ordinária criar órgãos jurisdicionais 
 não previstos na Lei Fundamental, sendo inconstitucional a norma do primeiro 
 segmento do artigo 78.º-A, nº 1, da LTC.
 
 5ª- O acto notificado é nulo nos termos do artigo 134º, nº 2, do CPA, não 
 obstante o disposto no artº 78º-A, nº 3, da LTC, impondo-se a sua substituição 
 por outro que cumpra a norma do artigo 704º, nº 1, do CPC.
 
 6ª- O acto notificado faz errada apreciação da factualidade processual ao 
 concluir que as normas arguidas de inconstitucionalidade não foram aplicadas nas 
 decisões recorridas.”
 
  
 
             O Ministério Público respondeu nos seguintes termos:
 
  
 
 “1- A presente reclamação carece ostensivamente de fundamento sério.
 
 2- Assim – e em primeiro lugar – nada se alega de relevante, que seja 
 susceptível de abalar os fundamentos da douta decisão reclamada, no que toca à 
 evidente inverificação dos pressupostos do recurso interposto.
 
 3- Relativamente às ficcionadas nulidades invocadas, apenas cumpre salientar 
 que:
 
 - a norma constante do artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil não é 
 aplicável no domínio do processo constitucional, como aliás, a jurisprudência 
 deste Tribunal Constitucional vem entendendo reiteradamente;
 
 - carece obviamente de sentido a invocação do “direito a uma decisão de mérito”, 
 face à inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso;
 
 - é verdadeiramente aberrante a qualificação como “administrativa” de uma 
 decisão proferida, em processo constitucional, por um juiz conselheiro do 
 Tribunal Constitucional.”
 
  
 
  
 
             3. Apesar de o recorrente não o qualificar expressamente como tal, o 
 requerimento agora apresentado deve ser considerado como consubstanciando 
 reclamação para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, que 
 
 é o meio legalmente previsto para reagir contra a decisão sumária e fazer valer 
 o tipo de argumentos apresentados.
 
  
 
  
 
 4. Porém, a reclamação não pode obter provimento, sendo manifestamente 
 destituídas de fundamento todas as questões que o reclamante suscita.
 
  
 
 4.1. Em primeiro lugar, não procede a arguição de nulidade fundada na violação 
 do direito de audição previamente à decisão sumária de não conhecimento do 
 objecto do recurso, que o reclamante retira do n.º 1 do artigo 704.º e do n.º 3 
 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, nem enferma de inconstitucionalidade 
 a norma do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC que atribui ao relator competência para 
 proferir tal decisão. Quer num, quer noutro aspecto, é esta a jurisprudência 
 constante do Tribunal (cf., por ex., os acórdãos n.ºs 19/99, 80/99, 550/99, 
 
 567/99, 223/01, 265/02, 266/02 e 26/04 e 65/2006. Estes dois últimos foram, 
 aliás, proferidos para apreciar pretensão do ora reclamante).
 
  
 Como o Tribunal tem constantemente afirmado, as normas constitucionais sobre 
 competência, organização, funcionamento do Tribunal Constitucional não vedam ao 
 legislador a possibilidade de criar, considerando a necessidade de 
 flexibilização do funcionamento do Tribunal, perante recursos que não satisfazem 
 os necessários pressupostos e requisitos formais ou que são manifestamente 
 infundados, um processo de tomada de decisão que assente, em primeira mão, e 
 para o tipo de questões previstas no artigo 78º-A, n.º 1, numa decisão singular. 
 Decisão esta, aliás, que não se torna definitiva, quando o recorrente reclame, 
 cabendo então a palavra final à conferência (por unanimidade) ou ao pleno da 
 secção.
 Na verdade, a decisão sumária, prevista no artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do 
 Tribunal Constitucional, tem lugar perante questões relativas à possibilidade de 
 conhecimento do recurso ou a questões simples, por terem sido objecto de decisão 
 anterior do Tribunal ou por serem manifestamente infundadas, justificando-se por 
 uma evidente razão de economia processual, sem qualquer diminuição do conteúdo 
 garantístico do processo constitucional. Com efeito, fica sempre aberta ao 
 recorrente a possibilidade de reclamar para a conferência, nos termos do n.º 3 – 
 apresentando as razões da discordância com a decisão sumária – e, se não se 
 obtiver unanimidade dos juízes intervenientes na conferência, a decisão caberá 
 ao pleno da secção.
 
             
 A afirmação do recorrente de que uma decisão tomada pelo relator a quem o 
 processo foi distribuído, ao abrigo deste regime legalmente estabelecido no 
 
 (sub)capítulo da LTC relativo aos processos de fiscalização concreta é um “acto 
 não jurisdicional e de natureza administrativa” não tem qualquer vislumbre de 
 seriedade. É “verdadeiramente aberrante”, como diz o Exmo. Procurador-Geral 
 Adjunto, a qualificação como “administrativa” de uma decisão tomada no processo 
 por um juiz do Tribunal, no exercício da função jurisdicional, pela forma 
 processual legalmente prevista, para resolver uma questão de que lhe cumpre 
 conhecer. 
 
  
 
             Nestas condições, não pode considerar-se o regime desse artigo 
 
 78º-A, n.º 1, como violador das normas constitucionais que regulam a organização 
 e funcionamento do Tribunal.
 
  
 Por outro lado, como constitui jurisprudência constante do Tribunal de que o já 
 referido acórdão n.º 26/2004 proferido perante idêntica arguição pelo mesmo 
 recorrente é exemplo, não constitui nulidade a não audição prévia do recorrente 
 antes de proferida decisão sumária pelo relator, porque essa audição não é acto 
 legalmente imposto. A decisão sumária prevista na LTC tem uma disciplina 
 especial e unitária para as situações de não conhecimento e para as decisões de 
 julgamento sumário do objecto do recurso, não tendo aplicação o disposto no n.º 
 
 1 do artigo 704.º do Código de Processo Civil. 
 No artigo 78.º-A da LTC está prevista a possibilidade de o relator, nos casos aí 
 descritos, proferir decisão sumária sem audição prévia das partes. E nada obsta 
 a que o legislador, no âmbito da sua liberdade de conformação, regule de modo 
 diverso meios processuais paralelos, desde que assegurados os direitos 
 fundamentais das partes, particularmente os direitos ao contraditório e a um 
 processo equitativo. Estes estão assegurados pela reclamação a que se refere o 
 n.º 3 do mesmo artigo 78.º-A, que proporciona ao recorrente oportunidade para 
 exposição de razões que, no seu entendimento, deveriam conduzir ao conhecimento 
 do objecto do recurso ou contrariam a decisão de considerar a questão 
 controvertida como simples ou manifestamente infundada.
 
  
 
             Improcedem, pois, as razões que se condensam nas 3ª, 4ª e 5ª 
 conclusões da reclamação.
 
  
 
  
 
 4.2. Não decorre de quaisquer normas constitucionais, designadamente daquelas 
 que o recorrente invoca (artigos 32.º n.º 1, 202.º n.º 2, 204.º, 221.º, 277.º 
 n.º1 e 280.º n.º 1 da Constituição) a imperatividade de uma decisão que, em todo 
 e qualquer caso, mande notificar o recorrente para apresentar alegação, nem o 
 direito a uma decisão que conheça do objecto do recurso independentemente da 
 verificação dos respectivos pressupostos processuais. O conhecimento do objecto 
 do recurso de constitucionalidade depende da verificação dos correspondentes 
 pressupostos e requisitos, nomeadamente daqueles que a própria Constituição 
 estabelece ou habilita a lei a estabelecer (cfr., no que caso interessa, a 
 alínea b) do n.º 1 e o n.º 4 do artigo 280.º da Constituição). Ora, a decisão 
 reclamada fundou-se precisamente na falta do primeiro desses pressupostos de 
 admissibilidade do recurso interposto: que o recurso tenha por objecto norma que 
 tenha integrado a ratio decidendi da decisão impugnada. Só a demonstração de que 
 
 é erróneo o juízo da decisão sumária sobre a inverificação desse pressuposto – 
 que, aliás, é daqueles menos propícios a zonas de indeterminação onde possam 
 desempenhar papel efectivo os princípios processuais que o recorrente invoca – 
 está errado poderia levar a rever a decisão reclamada.
 
  
 
             Tanto basta para julgar improcedentes as conclusões 1ª e 2ª da 
 reclamação.
 
  
 
             4.3. Por último, acompanha-se a apreciação da realidade processual 
 feita pela decisão reclamada ao concluir que os acórdãos recorridos não fizeram 
 aplicação do sentido indicado pelo recorrente relativamente a cada uma das 
 normas que identificou no requerimento de interposição e na resposta ao convite 
 que lhe foi dirigido nos termos do artigo 75.-A da LTC. Neste domínio, o 
 recorrente nada de novo alega que seja susceptível de abalar os fundamentos ou 
 que exija um suplemento de justificação da decisão sumária.
 
  Apenas porque o recorrente atribui a decisão, nesta parte, a lapso de 
 interpretação do que alegou perante o tribunal a quo, acrescentar-se-á que de 
 nenhum ponto dos acórdãos recorridos se pode extrair que os juízes que os 
 subscrevem perfilharam o entendimento do artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 21/85, de 
 
 30 de Julho, no sentido de que os juízes não estão obrigados a fundamentar as 
 suas decisões ou de que não estão vinculados à lei e à Constituição.  
 
  
 
  
 
             5. Decisão
 
  
 
             Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o 
 reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades 
 de conta.
 
  
 Lisboa, 27 de Abril de 2006
 
  
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Artur Maurício