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Processo n.º 262/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do 
 disposto no n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), da decisão sumária do relator, de 20 de Março de 2006, que decidiu, no 
 uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito, não conhecer do 
 objecto do presente recurso.
 
  
 
                         1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
 
  
 
             “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Outubro de 
 
 2005 e de 12 de Janeiro de 2006. O referido primeiro acórdão rejeitara, por 
 manifestamente improcedente, recurso da ora recorrente e de B. e C., SA, contra 
 o acórdão do Tribunal Colectivo da 1.ª Secção da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, 
 de 20 de Abril de 2005, que condenara: (i) a ora recorrente, como autora 
 material da prática de três crimes de difamação, previstos e punidos pelas 
 disposições conjugadas dos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 2, do Código Penal 
 e 30.º e 31.º, n.º 1, da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, na pena de 200 dias de 
 multa para cada crime e, em cúmulo jurídico, na pena única de 400 dias de multa 
 
 à taxa diária de € 10,00, o que perfaz o montante de € 4000,00 ou, 
 subsidiariamente, em 266 dias de prisão; (ii) B., como autora material de três 
 crimes de difamação, previstos e punidos pelas mesmas disposições, na pena de 
 
 150 dias de multa para cada crime e, em cúmulo jurídico, na pena única de 250 
 dias de multa à taxa diária de € 5,00, o que perfaz o montante de € 1250,00 ou, 
 subsidiariamente, em 166 dias de prisão; e (iii) os três demandados, 
 solidariamente, no pagamento da quantia de € 50 000,00 a cada um dos 
 demandantes cíveis (D., E. e F.), a título de indemnização/compensação por 
 danos não patrimoniais. Por seu turno, o segundo acórdão, de 12 de Janeiro de 
 
 2006, indeferiu pedido de aclaração do anterior acórdão, deduzido pela ora 
 recorrente.
 
             De acordo com o requerimento de interposição de recurso, a 
 recorrente, inconformada com «as decisões que [rejeitaram] o recurso em sede de 
 matéria de facto (…) única e simplesmente por se ter omitido a formalidade 
 constante do n.º 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal», que constariam 
 dos dois referidos acórdãos, funda o recurso na alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC, «na medida em que a segunda douta decisão recorrida aplica norma 
 cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o decurso dos presentes autos», 
 acrescentando:
 
  
 
             «Na verdade, no requerimento que impetrou a aclaração do douto 
 Acórdão inicialmente proferido, a ora recorrente invocou a 
 inconstitucionalidade da interpretação das disposições contidas no artigo 412.º, 
 n.º 4, e 420.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, que permite a rejeição 
 do recurso pela mera omissão da referência ‘às voltas da cassete’, por violação 
 do direito ao recurso plasmado no n.º 1 do artigo 32.º da CRP. Na verdade, tão 
 drástica medida afigura‑se violadora do direito ao recurso, até porque ocorre 
 sem que a arguida/recorrente haja sido convidada a aperfeiçoar o seu esforço.
 
             Com efeito, tal representa a imolação de uma garantia com assento 
 constitucional de todos os arguidos (vide o mencionado artigo 32.º, n.º 1, da 
 CRP) às aras de uma mundividência exasperadamente formal.
 
             Caberá, desde já, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 
 
 75.º‑A da Lei do TC, referir que se pretende que o Tribunal Constitucional 
 declare que a rejeição de um recurso em matéria de facto pela simples omissão da 
 referência aos suportes técnicos em que tenham sido gravadas – sem que haja um 
 convite ao aperfeiçoamento de tal omissão – viola o direito ao recurso plasmado 
 no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.”
 
             O recurso foi admitido por despacho do Desembargador Relator do 
 Tribunal da Relação de Lisboa, decisão que, como é sabido, não vincula o 
 Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC), e, de facto, 
 entende‑se que, no caso, o recurso é inadmissível, o que permite a prolação de 
 decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC.
 
             2. A admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como é o presente caso – depende da verificação 
 cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido 
 suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a 
 dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito 
 aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de 
 inconstitucionais pelo recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da 
 questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de 
 proferida a decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações 
 especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder 
 jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas 
 situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de 
 oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes 
 de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe 
 era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
 
             Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional 
 que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de 
 constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter 
 proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em 
 princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido 
 que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua 
 aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar 
 a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma 
 inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão 
 judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve “lapso manifesto” do juiz 
 quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos 
 factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem 
 necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E também, por 
 maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de 
 constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de 
 interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
 
             3. Recordados estes critérios, e reconhecendo a própria recorrente a 
 evidência de que, na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação 
 de Lisboa, não suscitou a questão de inconstitucionalidade normativa que 
 pretende ver apreciada, está apenas em causa saber se a sua suscitação em 
 pedido de aclaração do acórdão que fez aplicação da dimensão normativa agora 
 apodada de inconstitucional, se pode considerar adequada e tempestiva.
 
             O acórdão de 13 de Outubro de 2005, quanto à questão da apreciação 
 da matéria de facto, consignou o seguinte:
 
  
 
             «4.3. Possibilidade de apreciação da matéria de facto – Ónus imposto 
 pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.
 As recorrentes pretendem impugnar a matéria de facto.
 No caso em apreço, este Tribunal poderia conhecer de facto, em conformidade com 
 o preceituado no artigo 428.º do CPP, uma vez que houve documentação da prova 
 produzida, oralmente, na audiência em 1.ª Instância.
 Sucede, porém, que, em conformidade com o disposto na alínea b) do artigo 431.º 
 do CPP, e sem prejuízo do disposto no artigo 410.º do mesmo Código, a decisão 
 sobre a matéria de facto só pode ser modificada, havendo documentação da prova, 
 se esta tiver sido impugnada nos termos do artigo 412.º, n.º 3.
 Com efeito, estabelece este normativo que, quando impugne a decisão proferida 
 sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar, além do mais, ‘as provas 
 que impõem decisão diversa da recorrida’ (alínea b)), devendo tal especificação 
 fazer‑se ‘por referência aos suportes técnicos’, em conformidade com o 
 preceituado no n.º 4 do mesmo artigo 412.º.
 Discutindo o acerto da factualidade dada como provada no acórdão recorrido, não 
 deram as recorrentes cumprimento a tal ónus, sendo certo que, em parte alguma da 
 motivação e muito menos nas conclusões, especificam, por referência aos 
 suportes técnicos, as provas que, na sua perspectiva, impõem decisão diversa da 
 impugnada, isto é, não indicando a localização (início e termo) da gravação dos 
 depoimentos através dos quais fundamentam a sua discordância relativamente aos 
 pontos de facto que consideram incorrectamente julgados.
 E, assim sendo, o incumprimento daquele ónus acarreta a impossibilidade de o 
 tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto, ex 
 vi alínea b) do artigo 431.º do CPP (cf., neste sentido, o Acórdão da Relação de 
 Lisboa, de 30 de Outubro de 2002, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXVII, 
 tomo IV, pág. 140), a significar que esta Relação não deve nem pode sindicar a 
 decisão de facto impugnada, o que equivale por dizer que os poderes de cognição 
 se encontram circunscritos, no caso, à matéria de direito, sem prejuízo da 
 ocorrência dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP.
 E não se diga que o entendimento por nós perfilhado viola a Lei Fundamental.
 Na verdade, decidiu o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 140/2004, de 10 de 
 Março de 2004, in Diário da República, II Série, de 17 de Abril de 2004, ‘não 
 julgar inconstitucional a norma do artigo 412.º, n.ºs 3, alínea b), e 4, do 
 Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta, na motivação e 
 nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação 
 nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência 
 do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais 
 deficiências’.
 Impõe‑se, nesta parte, a rejeição do recurso.»
 
             Só após esta tomada de decisão da Relação – implicando, salvo 
 situações excepcionais, no caso não verificadas, o esgotamento do seu poder 
 jurisdicional sobre a questão decidida – é que, sob a veste de pedido de 
 aclaração do primeiro acórdão, veio a recorrente aduzir o seguinte:
 
 «Entendeu o Douto Colégio de Desembargadores, invocando para o efeito a 
 disposição plasmada no artigo 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, 
 rejeitar liminarmente o recurso tempestivamente interposto pela ora exponente, 
 fazendo radicar tão drástica decisão numa dupla ordem de razões.
 Por um lado, invoca‑se a segunda parte do sobredito inciso legal, 
 designadamente quando este remete para o n.º 2 do artigo 414.º do mesmo diploma 
 
 – que, por sua vez, em nova remissão interna, ao mencionar a falta de 
 
 ‘motivação’, traz imanente o regime plasmado nos n.ºs 1 a 4 do artigo 412.º, 
 ainda e sempre do Código de Processo Penal.
 Ou seja, o requerimento de interposição de recurso, dizendo‑se de forma lapidar, 
 não obedeceria – na hermenêutica propugnada no Acórdão tido em mira – à 
 procedimentalidade legalmente observável.
 Ora, é indiscutível que a interposição de recurso em processo penal tem um 
 conjunto de formalidades taxadas na Lei; nomeadamente, os recursos que pretendem 
 alargar o respectivo âmbito à apreciação da prova efectuada pela primeira 
 instância obriga a que se elenquem os pontos de facto considerados 
 incorrectamente julgados (alínea a) do n.º 3 do artigo 412.º), as provas que 
 impõem decisão diversa da proferida (alínea b) do mesmo preceito), sendo certo 
 que o n.º 4 do mencionado artigo 412.º do Código de Processo Penal esclarece 
 que, havendo gravação da prova, as especificações atinentes às preditas 
 materialidades se efectuam por referência aos suportes técnicos.
 Ora, é apodíctico que o esforço recursivo ensaiado pela ora exponente não 
 cumpria estritamente o recorte imposto pelos artigos examinados.
 Todavia, como o próprio Acórdão premune, a decisão tomada não se mostra imune a 
 críticas, designadamente a de se perfilar como «inimiga» da Constituição. De 
 resto, é nesta evidente linha de raciocínio que emerge a referência a um 
 Acórdão do Tribunal Constitucional que confortará a posição assumida pelo Douto 
 Colégio de Desembargadores. Contudo, salvo o respeito devido pela douta opinião 
 em causa, afigura‑se que a situação sub judice é incontornavelmente diferente 
 daquela que deu origem ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004, 
 publicado na II Série do Diário da República.
 Na realidade, no mencionado aresto do Tribunal Constitucional a hipótese aí em 
 análise convoca uma dupla omissão do recorrente na observância da tramitação 
 definida no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4. Com efeito, além da ausência das 
 especificações aludidas no n.º 4 do artigo 412.º, constatava‑se, ainda, a falta 
 da indicação dos meios de prova passíveis de imporem decisão diversa (alínea b) 
 do n.º 3 do artigo 412.º). Ora é, inexoravelmente, esta última carência que 
 permite ao Tribunal Constitucional reflectir sobre uma eventual indefinição do 
 objecto do recurso.
 Efectivamente, tal concepção ressuma absolutamente evidenciada do subsequente 
 trecho: ‘Finalmente, e tomando ainda por referência esta última jurisprudência, 
 não se vê em que medida tais especificações podem redundar num ónus 
 excessivamente pesado para o recorrente/assistente, já que, pretendendo este 
 impugnar a decisão da matéria de facto, forçosamente há‑de saber o que nesta 
 decisão concretamente quer ver modificado, e os motivos para tal modificação, 
 podendo portanto expressá‑lo na motivação’.
 Ou seja, é claro que, pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto, o 
 Tribunal Constitucional reputa de proporcionais e adequados os ónus legalmente 
 taxados, cumprindo, portanto, à voz do inconformismo enunciar o que quer ver 
 modificado e qual o leit‑motiv que vislumbra que corrobore o sentido da 
 alteração que propugna.
 Ora, a exponente, na motivação e conclusão do recurso interposto, cumpriu 
 cabalmente – nem os Meritíssimos Desembargadores o põem em causa – o acervo de 
 
 ónus insertos nas três alíneas do n.º 3 do artigo 412.º. Na verdade, a 
 deficiência surpreendida ocorre, tão‑só, quanto ao disciplinado no n.º 4 do 
 mesmo inciso legal – isto é, na indicação das especificações efectuadas por 
 referência aos suportes técnicos, as vulgares «voltas das cassetes».
 Assim, a questão que emerge com indesmentível acuidade é – retomando, com a 
 devida vénia, o excurso efectuado no pluri-mencionado Acórdão n.º 140/2004 do 
 Tribunal Constitucional – se ‘está aqui em causa apenas uma certa insuficiência 
 ou deficiência formal das conclusões apresentadas pelo arguido recorrente, isto 
 
 é, relativa à forma de exposição ou condensação de uma impugnação’ ou, ao invés, 
 tal indicação ‘é imprescindível logo para a delimitação do âmbito da impugnação 
 da matéria de facto, e não um ónus meramente formal’.
 Ora, ao contrário do que conclui o mencionado Acórdão do Tribunal 
 Constitucional – circunstancialismo que, como já se discorreu, só emergiu por 
 força da particular densidade da omissão da formalidade elencada na alínea b) do 
 n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal – está‑se em crer que a falta 
 de referência às famigeradas «voltas das cassetes» é, única e simplesmente, uma 
 deficiência formal das conclusões.
 De facto, o complemento das conclusões com a indicação em falta em nada 
 alteraria a substância do recurso, uma vez que o objecto deste estava 
 perspicuamente definido pela menção ao acervo probatório em que a recorrente fez 
 ancorar o seu dissenso relativamente à decisão em matéria de facto. Ora, assim 
 sendo, é indesmentível que o cumprimento do estatuído no artigo 412.º, n.º 4, 
 não extrapolava o conceito de mera formalidade.
 Nesta confluência, este vício formal – que passa, apenas, pela insuficiência 
 das conclusões – numa sede em que vigoram necessariamente as mais amplas 
 garantias de defesa, é susceptível de convocar um juízo de 
 inconstitucionalidade, exactamente pela violação do disposto no artigo 32.º, 
 n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
 De resto, tal espécie de entendimento vinha a ser sufragado de forma naeminem 
 discrepante pelo Tribunal Constitucional, quer a propósito das omissões das 
 formalidades contidas no artigo 412.º, n.º 2, quer ainda tendo em mira os 
 artigos 59.º e 63.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro – vide 
 Acórdão com força obrigatória geral n.º 320/2002, de 9 de Julho de 2002, 
 publicado no Diário da República, I Série‑A, de 7 de Outubro de 2002, e o amplo 
 excurso que aí se faz sobre os momentos fundantes da espécie de decisão tomada.
 Ora, é esse circunstancialismo que parece emergir olvidado pelo douto acórdão 
 tido em mira, que sacrifica o direito ao recurso da exponente, sem lhe dar a 
 oportunidade de suprir a deficiência – meramente formal – detectada.
 Outro motivo de perplexidade da exponente quadra‑se com a subsunção do seu 
 recurso à categoria daqueles tidos por «manifestamente infundados».
 Desde logo, porque um dos segmentos em que radicava o seu inconformismo perante 
 a decisão proferida pela Vara Criminal de Lisboa prendia‑se à delicada – para 
 dizer o mínimo – conjugação entre o direito de informar e a honra e a 
 consideração das pessoas eventualmente visadas.
 Ora, a aludida materialidade não se quadra – na óptica prismática da exponente 
 
 – com a «especificação sumária dos fundamentos da decisão» – artigo 420.º, n.º 
 
 3, do Código de Processo Penal (de resto, o Douto Colégio de Desembargadores não 
 deixa de dar nota desta incompatibilidade de tal espécie de assunto com uma 
 decisão meramente sumária, na medida em que explana sobre o tema, no douto 
 acórdão, de páginas 35 in fine a 38 in limine. Além do mais, neste aludido 
 excurso, citam‑se dois reputados autores – para fixar a problemática – e 
 chamam-se à colação diversos incisos legais...).
 Ou seja, é o próprio conteúdo do acórdão que desmente a colagem do problema em 
 análise à tipologia das questões de meridiana e líquida resolução que tornam 
 supérflua a subsequente tramitação processual!
 Termos em que, ao abrigo do disposto no artigo 380.º do CPP, aplicável ex vi 
 artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma, vem a exponente requerer se dignem os 
 M.mos Desembargadores aclarar se:
 a) Levaram em linha de conta que a única omissão de que padece o esforço 
 recursivo da requerente é a falta de menção aos suportes técnicos onde a prova 
 se encontra registada – ou seja, um mero complemento formal insusceptível de 
 colidir com a substância do recurso? 
 b) Se a rejeição do recurso, atenta a singela emergência duma mera 
 irregularidade formal, não contende com os direitos de defesa da arguida, 
 nomeadamente o direito ao recurso, taxado no artigo 32.º, n.º l, da CRP, como 
 foi entendido – se bem que a propósito das omissões dos ónus a que aludem as 
 diversas alíneas do n.º 2 do artigo 412.º do mesmo Código – pelo Acórdão n.º 
 
 320/2002 do Tribunal Constitucional, in Diário da República, I Série‑A, de 7 de 
 Outubro de 2002.
 c) Se, atenta ainda a natureza da falta, não é este citado Acórdão com força 
 obrigatória geral aquele que melhor se coaduna com a hipótese sub judice, ao 
 invés daquele convocado no texto do Acórdão exarado?
 Finalmente,
 d) Se a natureza da questão em discussão no presente processo – atinente à 
 colisão de direitos constitucionalmente consagrados, a honra e o direito de 
 informar – se coaduna com a análise perfunctória postulada pelo n.º 3 do artigo 
 
 420.º de mera apreciação sumária? De resto, neste conspecto, se o acórdão, ao 
 explanar de fls. 35 a 38 sobre tal matéria, não se contradiz intrinsecamente, 
 ao se não limitar a essa espécie de exame superficial sugerido pelo texto 
 legal?»
 
             Este pedido de aclaração foi indeferido pelo acórdão de 12 de 
 Janeiro de 2006, por se entender que, tendo a reclamante inteiramente 
 compreendido os fundamentos da anterior decisão e apenas com os mesmos não 
 concordando, não ocorria a reclamada obscuridade/ambiguidade, pois, no fundo, o 
 que a reclamante pretendia era reiterar a sua discordância com o julgado e não 
 que fosse esclarecida qualquer nebulosidade ou falta de clareza.
 
             4. Relatadas as vicissitudes processuais relevantes, impõe‑se a 
 conclusão de que, sendo pacificamente aceite que a recorrente não suscitou – 
 antes da prolação do acórdão de 13 de Outubro de 2005, designadamente na 
 motivação do recurso por ele rejeitado – a questão de inconstitucionalidade que 
 pretende ver apreciada no presente recurso, só poderia ser considerada adequada 
 e tempestiva a sua suscitação em pedido de aclaração desse acórdão (ou noutro 
 incidente pós‑decisório) em situações excepcionais em que: (i) o poder 
 jurisdicional do tribunal a quo, por força de norma legal específica, não se 
 esgotasse com a prolação da decisão recorrida – o que não é o caso; (ii) o 
 recorrente não tivesse disposto de oportunidade processual para suscitar a 
 questão de inconstitucionalidade – o que também não é o caso, pois a ora 
 recorrente dispôs, para o efeito, da motivação do recurso penal por ela 
 interposto; ou (iii) não fosse exigível que suscitasse a questão de 
 inconstitucionalidade – o que ainda não é o caso, pois o entendimento sufragado 
 no primeiro acórdão não pode ser considerado uma decisão‑surpresa, por ser de 
 todo inesperado, insólito ou anómalo, tornando inexigível que o interessado 
 previsse a possibilidade de ser adoptado e, cautelarmente, arguísse a sua 
 inconstitucionalidade.
 
             Por falta do requisito da suscitação pela recorrente, em termos 
 processualmente adequados, perante o tribunal recorrido, antes de proferido 
 acórdão que decidiu o recurso penal, da questão de inconstitucionalidade do 
 critério normativo nesse acórdão adoptado, o presente recurso é inadmissível, o 
 que determina o não conhecimento do respectivo objecto. Saliente‑se, por 
 
 último, que, face a esta omissão da recorrente, a circunstância de no dito 
 acórdão se tecerem espontaneamente considerações sobre a não 
 inconstitucionalidade do critério normativo adoptado não basta para 
 possibilitar o conhecimento do recurso, já que, em rigor, a exigência formulada 
 no n.º 2 do artigo 72.º da LTC concerne ao pressuposto da legitimidade do 
 recorrente (cf. Acórdão n.º 371/2005 desta 2.ª Secção, publicado no Diário da 
 República, II Série, n.º 205, de 25 de Outubro de 2005, p. 15 140, e com texto 
 integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt, e a recente Decisão 
 Sumária n.º 103/2006, do ora relator), que manifestamente se não verifica e é 
 insusceptível de ser considerada suprida pela existência daquelas 
 considerações.
 
             5. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do 
 artigo 78.º‑A da LTC, não conhecer do objecto do presente recurso.”
 
  
 
                         1.2. A reclamação da recorrente apresenta a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
 “Há poucos dias, o signatário leu, por mero acaso e num qualquer documento de 
 esclarecimento eleitoral tecido a propósito das eleições para a Associação 
 Sindical dos Magistrados Judiciais, uma impressiva, e de si desconhecida, 
 história:
 Contava o articulista – M.mo Juiz de um dos Juízos Criminais de Coimbra – um 
 facto ocorrido entre um ignoto, mas destemido, moleiro de Potsdam e um 
 omnipotente Imperador (que vinha nomeado, mas que a memória, evidentemente 
 idiossincrática, não permitiu reter). Diz‑se que o nomeado detentor do poder 
 quis assenhorear‑se dos modestos pertences do moleiro. Todavia, este 
 retorquiu‑lhe que não consentia a prepotência e a arbitrariedade do acto, 
 recusando a entrega que lhe era exigida. Quando o Imperador – perplexo com a 
 indizível (para ele!) atitude – indagou da respectiva justificação, ouviu como 
 réplica, «há Juízes em Berlim».
 O signatário, fosse ele Juiz, também se arrepiaria com esta profissão de fé na 
 capacidade de os Tribunais se imporem perante todos os poderes e defenderem o 
 fraco perante o poderoso, tratando todos de igual, apenas motivados pela boa 
 aplicação da lei e do Direito e iluminados pela fundamental ideia de se fazer 
 Justiça.
 Na verdade, a crença do moleiro na independência dos Tribunais, na 
 imparcialidade dos Juízes e no primado da Lei, é uma tocante homenagem à nobreza 
 da função judicial e a incontornável força motriz da pacificação social e 
 comunitária, desiderato imanente à ideia de Justiça.
 Ora, deve dizer‑se que o Tribunal Constitucional emerge como uma ideia sublimada 
 dos Tribunais; com efeito, quando os órgãos judiciais ordinários se apegam 
 demasiado ao teor literal dos incisos legais, ainda existe o órgão fiscalizador 
 da adequação das soluções legais à Constituição, designadamente para que a 
 Justiça material não seja sacrificada a um estrénuo rigor da forma.
 No entanto, óbvia e evidentemente, nem sempre aos recorrentes assiste razão nas 
 manifestações de inconformismo. De resto, quando a falência da argumentação 
 expendida atinge um qualquer paroxismo de carência de fundamento, cabe aos 
 Ex.mos Relatores rejeitarem imediatamente o esforço efectuado. Contudo, ao 
 alegórico moleiro ainda resta a faculdade de uma última manifestação de 
 dissídio, por crença na razoabilidade do que propugna.
 Nos presentes autos o Ex.mo Sr. Relator entendeu, em douta decisão sumária, 
 rejeitar o recurso apresentado por uma razão, salvo o devido respeito, 
 marcadamente formal.
 Efectivamente, segundo se aduz, os preceitos legais sob o manto dos quais a 
 recorrente interpôs o recurso não têm o respectivo requisitório reunido na 
 hipótese em apreço.
 Na verdade, faltou a prévia invocação da inconstitucionalidade em peça 
 juridicamente vinculante, dado que a incontornável inclusão da sobredita 
 alegação em sede de pedido de aclaração é inócua, uma vez que o «Acórdão 
 aclarante» – esgotado que se mostra o poder jurisdicional sobre a materialidade 
 em causa – nunca poderia mudar o sentido da decisão proferida.
 Desde logo, dir‑se‑á que a construção jurídica levada a cabo pelo M.mo Juiz 
 Conselheiro subscritor de tão apurado edifício teorético se mostra imune a 
 qualquer crítica conceptual; na verdade, o rigor formal do edifício erigido é 
 impressivamente eloquente.
 Todavia, o Ex.mo Douto Relator ainda acrescenta uma outra tipologia 
 argumentativa para complementar a apologia efectuada.
 Designadamente, acrescenta‑se, para se afastar a admissibilidade do recurso, que 
 a recorrente teve anterior ensejo para suscitar a questão da 
 inconstitucionalidade, já que o entendimento sufragado no douto Acórdão da 
 Relação de Lisboa não pode ser considerado como decisão‑surpresa.
 Ora, é com este segmento do decidido que a recorrente está em veemente 
 dissídio.
 Para ilustrar tal inconformismo convirá – na óptica do signatário – atentar nos 
 contornos da situação sub judice:
 
 – A recorrente manifestou intenção de recorrer de facto e de direito de uma 
 decisão condenatória de que foi alvo;
 
 – Aquando do requerimento de interposição de recurso em matéria de facto, mau 
 grado haver indicado os factos que reputava de incorrectamente julgados e dos 
 meios de prova que aconselhariam decisão diversa da recorrida, omitiu as 
 remissões dos preditos meios de prova para os registos magnéticos da audiência 
 de discussão e julgamento – como impõe o n.º 4 do artigo 412.º do Código de 
 Processo Penal.
 
 – Por via da existência – inescapável – da aludida omissão, o recurso veio a ser 
 rejeitado.
 Ora, de acordo com a decisão sumária exarada nos autos, a recorrente deveria ter 
 premunido a eventualidade de a aludida actividade hermenêutica emergir e, 
 cautelarmente, suscitado a putativa inconstitucionalidade do (im)provável 
 entendimento.
 Ou, dito de outra forma, a recorrente quando omitiu a referência aos suportes 
 onde se encontrava registada a prova – exemplificando: o facto «X» resulta do 
 depoimento da testemunha «Y», cujo depoimento se encontra na cassete «N», lado 
 A, de voltas 0897 a 1234 – deveria ter efectuado um excurso sobre a garantia do 
 recurso plasmada no artigo 32.º, n.º 1, da CRP e extrair daí conclusões sobre a 
 inimizade constitucional de uma qualquer futura rejeição do mesmo por 
 inobservância da legalidade aplicável. Ou seja, quem olvida o cumprimento 
 mecânico de uma mecânica formalidade legal deve lembrar‑se de esgrimir 
 argumentos que retirem efeitos ao seu esquecimento...
 Ora, salvo o devido respeito, não se vislumbra qualquer lastro para o jogo 
 paradoxal de esquecimentos e lembranças supra referenciado.
 E, acrescente‑se, se fosse esse o caminho maioritariamente trilhado pelo 
 Tribunal Constitucional não se vê como poderosas lições de Direito 
 Constitucional aplicado – como o são, inescapavelmente, os Acórdãos tirados a 
 propósito das omissões dos recorrentes da obrigação de produzir «conclusões» em 
 sede de recurso penal em matéria de direito e «recurso» de impugnação judicial 
 da decisão administrativa – conheceriam a luz das coisas verdadeiramente 
 significantes: também aí os recursos haveriam de conhecer a rejeição, porque o 
 recorrente devia ter previsto a rejeição ou, ao menos, prever que essa, a 
 emergir, seria inconstitucional ...
 Face ao exposto, deve a presente reclamação ser julgada procedente e, como tal, 
 revogada a decisão sumária proferida, substituindo‑a por outra que admita o 
 recurso interposto.”
 
  
 
                         1.3. O representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional apresentou a seguinte resposta:
 
  
 
             “1.º – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
             2.º – Na verdade, e para além do não cumprimento do ónus de 
 suscitação tempestiva e adequada da questão de constitucionalidade a que vem 
 reportado o recurso, verifica‑se que a dimensão normativa dos preceitos legais 
 em causa, aplicada no acórdão recorrido, não coincide com o sentido normativo 
 especificado pelo recorrente.
 
             3.º – A rejeição liminar do recurso, interposto quanto à matéria de 
 facto, não assentou na mera omissão da referência «às voltas da cassete» nas 
 conclusões da motivação do recurso, mas na circunstância de a Relação ter 
 entendido que o vício ou insuficiência detectada afecta irremediavelmente – não 
 apenas as conclusões – mas toda a estrutura argumentativa da própria motivação, 
 não se adequando o convite ao aperfeiçoamento ao suprimento de uma deficiência 
 substancial no cumprimento do ónus de motivação ou fundamentação do recurso 
 incidente sobre a matéria de facto.”
 
  
 
                         1.4. Os recorridos D., E. e F. também apresentaram 
 resposta, do seguinte teor:
 
  
 
 “1 – Pese embora o elevado nível retórico do requerimento em análise, e a 
 eloquência com que esgrime os seus argumentos, razão nenhuma assiste à ora 
 reclamante.
 
 2 – Não pondo em causa – e expressamente aceitando – que «faltou a prévia 
 invocação de inconstitucionalidade em peça juridicamente vinculante», vem a 
 reclamante insurgir‑se contra a decisão reclamada na parte em que considerou 
 que «a recorrente teve anterior ensejo para suscitar a questão da 
 inconstitucionalidade, já que o entendimento do douto Acórdão da Relação de 
 Lisboa não pode ser considerado como decisão surpresa».
 
 3 – E sustenta a reclamante aquela sua discordância com o impressivo argumento 
 de que a tese sustentada pela douta decisão reclamada pressupõe que «quem olvida 
 o cumprimento mecânico de uma mecânica formalidade legal deve lembrar‑se de 
 esgrimir argumentos que retirem efeitos ao seu esquecimento ...», para depois 
 concluir que «não se vislumbra qualquer lastro para o jogo paradoxal de 
 esquecimentos e lembranças supra referenciado».
 
 4 – A tese da reclamante seria, certamente, merecedora de aturada reflexão em 
 outras circunstâncias, que não as do presente processo. Porém, nem só de teoria 
 vive o direito. Vejamos, então, os factos e, por falar em paradoxos de 
 esquecimentos e lembranças, recordemos o que a reclamante teima em olvidar.
 
 5 – A abrir as conclusões do recurso interposto perante o Tribunal da Relação de 
 Lisboa, diz a ora reclamante: 
 
  
 
 «1 – O Tribunal a quo não procedeu como lhe competia, através do competente 
 funcionário de justiça à transcrição das declarações e depoimentos prestados 
 oralmente em audiência de julgamento, sendo certo que não foi prescindida a 
 documentação;
 
 2) Ficaram, assim, as recorrentes impedidas de – querendo, como querem, impugnar 
 a decisão proferida sobre a matéria de facto – especificar os pontos de 
 divergência por referência aos suportes técnicos;»
 
 6 – Tais conclusões reflectem o que previamente haviam alegado as recorrentes na 
 motivação de recurso: «Ficaram, assim, as recorrentes impedidas de – querendo, 
 como querem, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto – 
 especificar os pontos de divergência, por referência aos suportes técnicos, 
 conforme prescreve o n.º 4 do artigo 412.º do CPP» – sublinhados nossos 
 
 (parágrafo 7 de fls. 4 da motivação do recurso interposto perante o TRL).
 
 7 – Da factualidade acima apontada resulta, claramente, que não estamos perante 
 qualquer situação de «esquecimento» no que toca ao cumprimento das exigências 
 previstas no n.º 4 do artigo 412.º do CPP.
 
 8 – Na verdade, as então recorrentes sabiam, e expressamente o afirmaram, que 
 estavam a faltar ao cumprimento de uma formalidade por lei exigida.
 
 9 – Identificaram mesmo a disposição legal que contém tal exigência, jamais lhe 
 apontando qualquer desconformidade constitucional.
 
 10 – Pelo contrário, as então recorrentes manifestaram inequivocamente aceitar a 
 validade daquela disposição legal, reconheceram que, naquele recurso, não 
 cumpriam as exigências por ela impostas, imputando tal incumprimento ao facto de 
 o Tribunal não lhes ter facultado, durante o prazo de recurso, a transcrição 
 dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, conduta que apelidaram de 
 inconstitucional.
 
 11 – Ou seja, e em limite, para a ora reclamante, quando muito, seria 
 inconstitucional a norma contida no artigo 100.º do CPP, quando interpretada no 
 sentido de que a transcrição não tem de ser facultada às partes durante o prazo 
 de recurso (questão à qual, aliás, a jurisprudência unânime responde em sentido 
 contrário), sendo certo que tal questão não é objecto do recurso entretanto 
 interposto perante este Tribunal.
 
 12 – Neste contexto, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa não pode, 
 efectivamente, configurar uma decisão surpresa. Na verdade, a tese da ora 
 reclamante apenas serve, em face da factualidade acima indicada, para 
 demonstrar, a contrario, isso mesmo, pois que lhe subjaz a ideia de que, não 
 estando em causa a falta de cumprimento de uma formalidade por esquecimento ou 
 ignorância, então seria exigível ao recorrente que se lembrasse de esgrimir os 
 tais argumentos que relevassem não o esquecimento, mas a falta consciente.
 
 13 – Foi o que sucedeu nos presentes autos, e contra factos não há argumentos...
 Termos em que deve ser indeferida a reclamação apresentada e confirmada a douta 
 decisão reclamada.”
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. A decisão sumária ora reclamada fundamentou o não 
 conhecimento do objecto do recurso na não verificação do requisito específico de 
 admissibilidade e de legitimidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC, consistente na suscitação, pelo próprio recorrente, durante 
 o processo, da inconstitucionalidade da norma aplicada, como ratio decidendi, na 
 decisão recorrida, de modo processualmente adequado perante o tribunal que 
 proferiu tal decisão, em termos de este ficar obrigado a conhecer da questão de 
 constitucionalidade.
 
                         A decisão que teria feito aplicação da norma cuja 
 inconstitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada foi o acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Outubro de 2005, que rejeitou, por 
 manifestamente improcedente, o recurso penal perante ele deduzido. E a própria 
 recorrente jamais sustentou que, antes da prolação desse acórdão, tivesse 
 suscitado a questão de constitucionalidade em causa.
 
                         A decisão sumária ora reclamada não se quedou, porém, 
 por esta constatação, antes prosseguiu a investigação no sentido de apurar se o 
 presente caso não seria um daqueles casos excepcionais em que se poderia 
 considerar o recorrente dispensado do ónus de prévia suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade. E concluiu pela negativa, já que não se verificavam as 
 situações excepcionais em que: (i) o poder jurisdicional do tribunal a quo, por 
 força de norma legal específica, não se esgotava com a prolação da decisão 
 recorrida; (ii) o recorrente não dispôs de oportunidade processual para 
 suscitar a questão de inconstitucionalidade; ou (iii) não fosse exigível que 
 suscitasse a questão de inconstitucionalidade, atento o carácter inesperado da 
 interpretação normativa que viria a ser acolhida na decisão recorrida. E 
 entendeu‑se que não se verificava nenhuma destas duas últimas situações, já 
 que, por um lado, a recorrente dispôs de oportunidade processual de suscitar a 
 questão de inconstitucionalidade na motivação do recurso endereçado ao Tribunal 
 da Relação de Lisboa, e, por outro lado, o entendimento sufragado no acórdão de 
 
 13 de Outubro de 2005 não pode ser considerado uma decisão‑surpresa, por ser 
 de todo inesperado, insólito ou anómalo, tornando inexigível que o interessado 
 previsse a possibilidade de ser adoptado e, cautelarmente, arguísse a sua 
 inconstitucionalidade.
 
                         Nenhum destes fundamentos é, em rigor, contestado pela 
 reclamante, que, no fundo, pretende que nos casos em que uma parte omite, por 
 
 “esquecimento” a ela exclusivamente imputável, o cumprimento de um ónus 
 processual, deve concomitantemente considerar‑se dispensada de suscitar a 
 inconstitucionalidade das consequências que a lei (ou a interpretação normativa 
 seguida nos tribunais) associa a esse “esquecimento”, o que constitui tese, de 
 todo em todo, insustentável.
 
                         Impõe‑se, assim, a confirmação da decisão sumária 
 reclamada.
 
  
 
                         3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente 
 reclamação.
 
                         Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 27 de Abril de 2006.
 Mário José de Araújo Torres
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos