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Processo n.º 820/09
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
 
 
 EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
 
 
 1.  A fls. 189 dos autos foi proferida a seguinte decisão sumária de não 
 conhecimento do objecto do recurso: 
 
  
 
  «Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, 
 decide-se: 
 A. recorre para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido na Relação do 
 Porto em 8 de Setembro de 2009, nos seguintes termos:
 
 [...] Atenta a notificação que lhe foi feita datada de 10/09/2009 e não se 
 conformando com a aliás douta decisão de 08 de Setembro de 2009, que considerou 
 não inconstitucional a interpretação dada ao disposto no artº 129 do C.I.R.E., e 
 esgotados que estão os meios ordinários de impugnação, vem ao abrigo do disposto 
 nos artigos 69º e seguintes da Lei nº 28/1982, de 15/11 (organização, 
 funcionamento e processo do Tribunal Constitucional), na redacção que lhe foi 
 dada pela lei nº 13-a/98, de 26/2, interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional (fiscalização concreta) para o que indica conforme exigido pelo 
 artigo 75º-a da lei acima referida, que: 
 
 1 - o presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º 
 da lei acima referida; 
 
 2- a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o tribunal aprecie é a 
 seguinte: – artº 129º do C.I.R.E., na interpretação de que não é necessário 
 proceder à notificação da insolvente, como interessada, da lista de credores 
 reconhecidos pelo sr administrador de insolvência, na hipótese de este não ter 
 respeitado o prazo a que alude o nº 1 daquele preceito e diploma, por violação 
 do artº 20 da CRP. 
 Inconstitucionalidade invocada nos autos: logo nas alegações do recurso 
 interposto da decisão que pugnou por entendimento contrário (cfr alegações de 
 apelação de 17/03/2009; aliás, de modo absolutamente suficiente, ou seja, na 
 primeira oportunidade de suscitar tal inconstitucionalidade [...].
 
 3- a recorrente entende que tal inconstitucionalidade deriva do seguinte 
 preceito constitucional: 
 
 – artº 20.º (acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e respectivos 
 corolários), pelo evidente cercear do acesso da recorrente aos tribunais para 
 defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. tal interpretação 
 anula (a existirem...) quaisquer especiais cuidados previstos no C.I.R.E. que 
 pretendam acautelar os interesses dos insolventes, designadamente na fase 
 processual em causa do processo de insolvência. 
 E defende que: 
 
 – em processo de insolvência, incumprido, pelo sr administrador, o prazo a que 
 alude o artº 129 nº 1 do C.I.R.E. para apresentação da relação definitiva dos 
 credores, deve, também e pelo menos, dela ser notificado o insolvente (da 
 apresentação tardia de tais elementos e quando a mesma se verificar), como 
 interessado, a fim de, querendo, sobre ela se pronunciar, v.g. para efeitos de 
 impugnação de créditos. 
 Mais esclarece que: 
 
 - o presente recurso respeita o disposto no artigo 70º, 2 da Lei acima referida, 
 uma vez que, da decisão recorrida, não cabe recurso ordinário (cfr artº 70 nº 3 
 da L.O. Trib. Const.); 
 
 - o presente recurso é atempado, respeitando o prazo de 10 dias, constante do 
 nº1 do artigo 75º da lei acima referida; 
 
 - a recorrente tem legitimidade para o presente recurso; 
 
 - o presente recurso tem efeito suspensivo, subindo de imediato e nos próprios 
 autos (cfr, artigo 78º da lei acima referida).
 
  
 Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de 
 Novembro (LTC), cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos 
 tribunais que 'apliquem norma' cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada 
 durante o processo. Com fundamento neste preceito, o Tribunal tem uniformemente 
 entendido que o recurso tem por objecto a norma efectivamente aplicada na 
 decisão recorrida. 
 Conforme se extrai do requerimento apresentado pela recorrente, esta pretende 
 sindicar a norma do artigo 129º do CIRE, nos termos da qual não é necessário 
 proceder à notificação da insolvente, como interessada, da lista de credores 
 reconhecidos pelo administrador de insolvência, «na hipótese de este não ter 
 respeitado o prazo a que alude o nº 1 daquele preceito e diploma».
 Ora, independentemente de saber se este enunciado respeita verdadeiramente a uma 
 norma, o certo é que o tribunal recorrido não aplicou tal determinação. 
 Com efeito, pode ler-se na decisão em análise:
 
  
 
   «[...] Como irrelevante se apresenta, para o efeito que ora nos ocupa, ter ou 
 não ter o senhor administrador cumprido os 15 dias subsequentes ao termo do 
 prazo das reclamações, para juntar tal relação de créditos, nos termos do citado 
 artigo 129.º, n.º 1 do CIRE – para o que não existirá qualquer sanção 
 
 (naturalmente, sem prejuízo de poder constituir indicador do desempenho zeloso 
 das funções e até ser levado em conta numa futura fixação da respectiva 
 remuneração). Mas vir a relação dentro ou fora desses 15 dias em nada altera o 
 seu regime jurídico-processual, na parte de que ora curamos (tanto que o artigo 
 
 133.º do CIRE fixa ao administrador a incumbência de patentear toda a 
 documentação relevante “no local mais adequado” para poder ser examinada pelos 
 interessados).[...]»
 
  
 
 É, por isso, inequívoco que o tribunal recorrido não entendeu que não é 
 necessário proceder à notificação da insolvente da lista de credores 
 reconhecidos pelo administrador de insolvência, «na hipótese de este não ter 
 respeitado o prazo» a que alude o n.º 1 do artigo 129º do CIRE.
 Face a esta disparidade, o Tribunal não deve conhecer do objecto do recurso. 
 
 [...]»
 
  
 
 2. Notificada, a recorrente reclama para a Conferência, nos seguintes termos:
 
  
 
 1.º Salvo o devido respeito por melhor opinião, o recurso devia ter sido 
 admitido.
 
  
 
 2.º A norma cuja inconstitucionalidade se pretende sindicar foi a do art. 129.º 
 do CIRE, efectivamente aplicada na decisão recorrida.
 
  
 
 3.º Na verdade, o Tribunal Judicial de Vila do Conde considerou que 
 independentemente de ser respeitado ou não o prazo de 15 dias previsto no n.º 1 
 do art. 129.º CIRE, não haveria lugar à notificação a que alude o n.º 4 do mesmo 
 preceito.
 
  
 
 4.º  Ora, o que o recorrente defende é que não respeitados os prazos pelo Sr. 
 administrador da insolvência todos os credores, assim como a insolvente, devem 
 ser para efeitos de notificação, equiparados aqueles – que são directamente 
 previstos no n.º 4 do mesmo preceito.
 
  
 
 5.º E, se tal equiparação não for efectuada cai-se, como foi o caso, numa 
 interpretação inconstitucional do mesmo – o que se pretende sindicar.
 
  
 Termos em que o recurso deve ser admitido
 
  
 
  
 
 3. Não houve resposta à reclamação.
 
  
 
             4. A razão pela qual se decidiu não conhecer do objecto do recurso 
 consistiu no seguinte: independentemente de saber se a disposição enunciada pela 
 recorrente respeita verdadeiramente a uma norma, o certo é que o tribunal 
 recorrido não teria aplicado tal determinação jurídica.
 Na sua reclamação, sustenta a reclamante que, não sendo respeitados os prazos 
 pelo administrador da insolvência, todos os credores, assim como a insolvente, 
 devem ser notificados da relação dos créditos.  O que, afinal, a reclamante 
 pretende, sufragando-se nos n.ºs 1 e 4 do citado artigo 129º do CIRE, é que 
 ocorreu uma nulidade processual por não ter sido, como devia, notificada, na 
 qualidade de insolvente, da relação dos créditos – reconhecidos e não 
 reconhecidos – apresentada pelo administrador da insolvência. É esta a questão – 
 aliás, a única questão – que cumpria a tribunal recorrido decidir, conforme se 
 reconhece no acórdão da Relação do Porto, aqui recorrido.
 Vejamos: o preceito em análise tem o seguinte teor:
 
  
 Artigo 129.º
 Relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos
 
  
 
 1 — Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador 
 da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si 
 reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, 
 relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos 
 direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra 
 forma do seu conhecimento.
 
 2 — Da lista dos credores reconhecidos consta a identificação de cada credor, a 
 natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das 
 reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros 
 moratórios aplicável e as eventuais condições suspensivas ou resolutivas.
 
 3 — A lista dos credores não reconhecidos indica os motivos justificativos do 
 não reconhecimento.
 
 4 — Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem 
 reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da 
 respectiva reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador da 
 insolvência, por carta registada, com observância, com as devidas adaptações, do 
 disposto nos artigos 40.º a 42.º do Regulamento (CE) n.º 1346/2000, do Conselho, 
 de 29 de Maio, tratando-se de credores com residência habitual, domicílio ou 
 sede em outros Estados membros da União Europeia que não tenham já sido citados 
 nos termos do n.º 3 do artigo 37.º. 
 
  
 No entender do tribunal recorrido, da letra deste n.º 4 não resulta a obrigação 
 de o administrador 'avisar' o insolvente da relação dos créditos reconhecidos e 
 não reconhecidos. E isso é assim, haja ou não haja sido cumprido o prazo de 15 
 dias previsto no n.º 1 do mesmo preceito; por isso, o Tribunal não curou de 
 saber se o prazo foi ou não cumprido, e não deu por assente, como pressuposto da 
 aplicação da norma, tal circunstância. Ora, a reclamante pretende sindicar uma 
 
 'norma' segundo a qual «não é necessário proceder à notificação da insolvente, 
 como interessada, da lista de credores reconhecidos pelo administrador de 
 insolvência, na hipótese de este não ter respeitado o prazo a que alude o n.º 1 
 daquele preceito e diploma». Para isso, o Tribunal teria que averiguar se o dito 
 prazo foi ou não 'cumprido' pelo administrador da insolvência, antes de poder 
 decidir se a norma, assim aplicada, é desconforme à Constituição. Tal tarefa, no 
 entanto, excede os poderes do Tribunal Constitucional, pois levá-lo-ia a 
 apreciar matéria incluída nos poderes decisórios dos tribunais, sobre os quais o 
 Tribunal Constitucional não tem poderes sindicantes.
 
 É, assim, bem claro que o tribunal recorrido não aplicou, como critério 
 normativo, a regra – retirada do n.º 4 do artigo 129º do CIRE – segundo a qual 
 se o administrador não tiver respeitado o prazo a que alude o n.º 1 do mesmo 
 artigo, não é necessário proceder à notificação da insolvente, como interessada, 
 da lista de credores reconhecidos, pois limitou-se a aplicar a norma retirada da 
 literalidade do preceito que não prevê, de todo, a 'notificação' da insolvente.
 Improcede, nestes termos, a reclamação.
 
             
 
  
 
 5. Decide-se, em consequência, indeferir a reclamação e confirmar a decisão de 
 não conhecimento do objecto do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a 
 taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 15 de Dezembro de 2009
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Gil Galvão