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Processo n.º 358/07
 
 1.ª Secção
 Relator : Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional 
 
 1. A., constituído assistente nos autos de inquérito com o NUIPC 6/04.0, então 
 pendentes na Procuradoria-geral Distrital junto do Tribunal da Relação de 
 Lisboa, recorreu para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal 
 de Justiça, apresentando requerimento do seguinte teor:
 
 “A., assistente e recorrente nos autos acima referenciados, notificado do 
 acórdão de 17.01.2007, em que foi feita aplicação de normas antes arguidas de 
 inconstitucionalidade, dele vem interpor o competente recurso para o Tribunal 
 Constitucional. 
 I - Antes, porém, cumpre-lhe assinalar e, respeitosamente, sugerir o seguinte: 
 
 1. Conforme se encontra documentado nos autos, a reclamação para o superior 
 hierárquico da magistrada titular do inquérito visou suprir a INEXISTÊNCIA 
 JURÍDICA de despacho de arquivamento e a nulidade do inquérito (cf. nos 1. a 
 
 5.3., do requerimento de abertura de instrução). O despacho do superior 
 hierárquico não supriu tal carência. 
 
 2. Tais vícios integram as razões de facto e de direito de discordância com o 
 Ministério Público, elencadas no requerimento de abertura de instrução nos 
 termos do disposto no art. 287°, n°2, do Código de Processo Penal (CPP). 
 
 2.1. Uma das ditas razões é a violação da norma do art. 272°, n.° 1, do CPP, com 
 a consequente nulidade do art. 120°, n°2, al. d), do mesmo código (cf. n°s 1 a 
 
 1.5., e 4 a 4.3). 
 
 2.2. Outra das ditas razões é a inexistência absoluta de apreciação de qualquer 
 dos factos objecto da denúncia, em violação da norma do art. 277°, n.° 1, do 
 CPP, interpretada conjugadamente com o disposto nos art°s 2°, n.° 2, do EMP, 
 
 97°, n.° 4, do CPP, circunstância que pode indiciar a prática de factos 
 subsumíveis ao disposto no art° 367°, n° 1, do Código Penal (cf. nºs 2 a 2.4 e 3 
 a 3.4.). 
 
 3. As conclusões 1ª a 7ª da motivação do recurso, respeitam aos vícios acima 
 referidos. 
 Não se vê que o acórdão ora impugnado se tenha pronunciado sobre eles. No 
 entanto, tal pronúncia é relevante para o conhecimento da arguida 
 inconstitucionalidade da norma do art° 287°, n° 1, do CPP, a que se referem os 
 n°s 6 e 9, e a conclusão 9ª da mesma motivação. Pelo que, respeitosamente se 
 sugere que tal pronúncia seja incluída no despacho de admissão do recurso para o 
 Tribunal Constitucional para que este melhor possa percepcionar o âmbito do 
 recurso. 
 II - Requerimento do art. 75°-A da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro (LTC) 
 
 4. É o recurso interposto ao abrigo do disposto nos art°s 280°, n.° 1, al. b), 
 da Constituição, e 70° n.° 1. al. b), da LTC. 
 
 5. As normas aplicadas no acórdão recorrido, cuja inconstitucionalidade se 
 pretende seja apreciada, os princípios e as normas constitucionais violadas, e 
 as peças processuais em que foi suscitada a inconstitucionalidade das mesmas, 
 são as seguintes: 
 
 5.1. A norma do art. 287°, n.° 1, do CPP, segundo a qual, sofrendo o inquérito 
 de nulidade, e inexistindo juridicamente, despacho de arquivamento, o prazo nele 
 previsto não se conta da notificação do despacho proferido pelo superior 
 hierárquico tendo por objecto requerimento apresentado com o fim de obter o 
 suprimento de tais vícios, por violar os princípios e as normas dos art°s 18°, 
 n°s 1 e 2, 20º, nºs 1 e 4, 32°, n.° 7, e 268°, n.° 4, da Constituição, como foi 
 arguido na motivação do recurso de 26.10.2006. 
 A norma do art. 32°, n.° 7, da CRP, foi aplicada no acórdão impugnado com 
 sentido manifestamente inconstitucional - que se afigura radicar na solução do 
 n°4 do art° 8° em articulação com o respectivo parágrafo 2°, da Constituição de 
 
 1933. 
 
 5.2. A norma do art. 417°, n.° 2, do CPP, segundo a qual, em fase de instrução 
 que corre na Relação, o requerimento de abertura de instrução não tem que ter 
 vista do Procurador Geral Adjunto na respectiva secção da Relação e o Parecer 
 emitido pelo magistrado titular do inquérito, de oposição à admissão da 
 instrução, não tem que ser notificado ao assistente antes de ser proferida 
 decisão que o acolhe, por violação dos princípios e das normas dos arts. 2°, 
 
 20°, n°s 1 e 4, e 219°, n.° 1, da CRP, como foi arguido no requerimento de 
 arguição de nulidade, de 13.10.2006 (data do registo postal) e na motivação do 
 recurso de 15.11.2006. 
 O parâmetro do art. 219°, n.° 1, da CRP, encontra-se invocado por via da 
 invocação do princípio da legalidade e da objectividade nele consagrada.”
 Por despacho proferido a 7 de Fevereiro de 2007 pelo Juiz Conselheiro Relator, 
 no Supremo Tribunal de Justiça, o Recorrente foi convidado a “esclarecer o 
 sentido processual da sugestão” feita no requerimento nestes termos 
 apresentados.
 Apresentada resposta ao convite, foi o recurso admitido.
 
 2. Tendo sido proferida decisão sumária nos termos do artigo 78º-A da Lei do 
 Tribunal Constitucional (L.T.C.), considerou-se não se conhecer do objecto do 
 recurso sustentando-se, nomeadamente, que:
 
 “Conforme vem sendo pacífica e reiteradamente afirmado por este Tribunal, o 
 modelo de fiscalização concreta da constitucionalidade entre nós consagrado, 
 assumindo embora natureza estritamente normativa, tanto pode filiar-se na 
 imputação do vício de desarmonia constitucional às próprias normas jurídicas 
 objecto de aplicação pelas instâncias, como visar apenas o particular sentido em 
 que certa norma ou conjunto de normas foi interpretado no âmbito de uma 
 determinada actividade subsuntiva, ou seja, a interpretação normativa que no 
 
 ‘tribunal a quo’ lhes houver sido associada. 
 Nesta última hipótese – que, de resto, é a presente – «(...) a norma é tomada, 
 não com o sentido genérico e objectivo, plasmado no preceito (ou fonte) que a 
 contém, mas em função do modo como foi perspectivada e aplicada à dirimição de 
 certo caso pelo julgador». Na presença de «preceitos, disposições ou comandos 
 jurídicos susceptíveis de várias interpretações, o controlo do Tribunal 
 Constitucional vai ser exercido sobre o resultado de uma dada interpretação 
 judicial da norma que — na óptica de alguma das partes — afronta determinados 
 princípios ou preceitos constitucionais (...)» (Lopes do Rego, O objecto idóneo 
 dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações 
 normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional, Jurisprudência 
 Constitucional, n.°3, Julho-Setembro 2004, pg.7) e que não só foi efectivamente 
 aplicada à dirimição do litígio, como o foi precisamente com o sentido acusado 
 de ser inconstitucional. 
 Tratando-se, pois, como sucede no caso presente, de recurso interposto ao abrigo 
 da alínea b) do n°1 do art.70° da LTC, exigido é, não apenas o cumulativo 
 preenchimento dos pressupostos de admissibilidade enunciados no n.°2 do art.72° 
 do referido diploma - ou seja, que a questão de inconstitucionalidade haja sido 
 suscitada ‘durante o processo’, ‘de modo processualmente adequado perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a 
 dela conhecer’ - mas ainda, justamente quando o objecto da sindicância 
 pretendida consista numa determinada interpretação normativa, que a decisão 
 recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da dimensão normativa 
 reputada de inconstitucional pelo recorrente. 
 Quer isto significar que a possibilidade de conhecimento do objecto de um 
 recurso interposto ao abrigo da al.b) do n.°1 do art.70 da LTC se não basta com 
 a oportuna e adequada suscitação da questão de inconstitucionalidade, necessário 
 igualmente se tornando, ainda na formulação seguida no Acórdão n° 674/99 (in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), «que essa mesma norma tenha sido efectivamente 
 aplicada na decisão recorrida e, no caso de se contestar a constitucionalidade 
 da norma em causa apenas com uma dada interpretação, (...) que ela tenha sido 
 aplicada in casu com essa mesma interpretação». 
 Daí que se vincule o recorrente, quando questionada é a conformidade 
 constitucional de uma determinada interpretação normativa, à definição da 
 dimensão ou do sentido normativo contraditado, só assim se podendo ter por 
 observado o ónus de delimitação do objecto do recurso. 
 Analisado o teor do requerimento de interposição do recurso, verifica-se ter o 
 recorrente definido o respectivo objecto através da especificação das duas 
 seguintes dimensões: 
 a) A norma do art. 287°, n.° 1, do CPP, segundo a qual, sofrendo o inquérito de 
 nulidade, e inexistindo juridicamente, despacho de arquivamento, o prazo nele 
 previsto não se conta da notificação do despacho proferido pelo superior 
 hierárquico tendo por objecto requerimento apresentado com o fim de obter o 
 suprimento de tais vícios; 
 b) A norma do art. 417°, n.° 2, do CPP, segundo a qual, em fase de instrução que 
 corre na Relação, o requerimento de abertura de instrução não tem que ter vista 
 do Procurador Geral Adjunto na respectiva secção da Relação e o Parecer emitido 
 pelo magistrado titular do Inquérito, de oposição à admissão da instrução, não 
 tem que ser notificado ao assistente antes de ser proferida decisão que o 
 acolhe. 
 Pois bem. 
 Sendo justamente nos conteúdos enunciados pelo recorrente que, conforme feito já 
 notar, haverão de reconhecer-se as dimensões normativas objecto da sindicância 
 pretendida através do accionamento da jurisdição constitucional, a questão que 
 seguidamente se coloca é precisamente a de saber se os preceitos de direito 
 infraconstitucional expressamente indicados foram aplicados pelo Acórdão 
 recorrido, como sua ratio decidendi, no sentido ali acusado de ser 
 inconstitucional. Ou, mais concretamente ainda, se, como fundamento decisório da 
 improcedência do recurso referente ao despacho que rejeitou o requerimento de 
 abertura de instrução (despacho datado de 09.10.2006), o Supremo Tribunal de 
 Justiça extraiu do preceito correspondente ao art.287°, n.°1, do Código de 
 Processo Penal, a interpretação segundo a qual, «sofrendo o inquérito de 
 nulidade, e inexistindo juridicamente, despacho de arquivamento, o prazo nele 
 previsto não se conta da notificação do despacho proferido pelo superior 
 hierárquico tendo por objecto requerimento apresentado com o fim de obter o 
 suprimento de tais vícios». E, bem assim, se, para recusar provimento ao recurso 
 concernente ao despacho que julgou improcedente a arguição de nulidade (despacho 
 datado de 30.10.2006), o mesmo Tribunal, uma vez mais como ratio decidendi do 
 pronunciamento expresso no aresto aqui recorrido, aplicou o artigo 417°, n.° 2, 
 do Código de Processo Penal, no sentido segundo o qual, «em fase de instrução 
 que corre na Relação, o requerimento de abertura de instrução não tem que ter 
 vista do Procurador Geral Adjunto na respectiva secção da Relação e o Parecer 
 emitido pelo magistrado titular do inquérito, de oposição à admissão da 
 instrução, não tem que ser notificado ao assistente antes de ser proferida 
 decisão que o acolhe». 
 Embora por uma diversa ordem de considerações, a resposta é em ambos os casos 
 negativa. 
 
 […]
 Uma vez que o Tribunal Constitucional não se encontra vinculado à decisão de 
 admissão de recurso proferida nos autos (artigo 76°, n° 3, da LTC), importa, 
 pois, concluir pelo não conhecimento do objecto do recurso, o que, por seu 
 turno, legitima a prolação da presente decisão sumária (artigo 78°-A, n° 1, da 
 LTC).
 III. Decisão 
 Pelo exposto, decide-se, nos termos do artigo 78°-A, n° 1, da LTC, não tomar 
 conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal.”
 
 3. O recorrente veio, a fls. 341 e seguintes apresentar o requerimento que se 
 transcreve:
 
 “A., assistente/recorrente no proc. n° 4597/06 da 3ª Secção do STJ, recorrente 
 nos autos acima referenciados, notificado do despacho de 30 de Março de 2007, 
 vem dizer o seguinte: 
 
 1 – QUESTÃO PRÉVIA: poderes legais do relator relativamente a eventuais 
 deficiências do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal 
 Constitucional 
 
 1. Nos termos do disposto nos artigos 75°-A e 78°-B da Lei n° 28/82 de 15 de 
 Novembro (LTC) o relator tem, além do mais, os poderes seguintes: 
 a) convidar o requerente a prestar indicação sobre os elementos previstos nos 
 n°s 1 e 2 do artigo 75°-A da LTC, que tenham sido omitidos total ou parcialmente 
 
 (deficiência); 
 b) julgar os incidentes suscitados; 
 c) os demais poderes previstos na lei. 
 
 2. À tramitação dos recursos no Tribunal Constitucional são subsidiariamente 
 aplicáveis as normas do Código de Processo Civil (CPC), em especial as 
 respeitantes ao recurso de apelação (cf. artigo 69° da LTC). Pelo que, o relator 
 no Tribunal Constitucional tem também as atribuições e competências consignadas 
 no artigo 508° do CPC, aplicável com as necessárias adaptações. Neste âmbito, e 
 com relação ao requerimento de interposição do recurso para o Tribunal 
 Constitucional, tem o relator os poderes para: 
 a) Providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do n° 2 do 
 artigo 265° do CPC, sendo que, neste, se determina que o juiz providenciará, 
 mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais 
 susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à 
 regularização da instância; 
 b) Convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados visando suprir 
 irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correcção do 
 vício, designadamente quando careçam de requisitos legais; 
 c) Convidar as partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou 
 concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para apresentação de 
 articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido. 
 O que nestes normativos se dispõe relativamente a articulados da acção, tem de 
 entender-se extensivo a requerimento de interposição de recurso apresentado no 
 Tribunal Constitucional para início da respectiva instância. 
 
 3. Não sendo, embora, normas processuais, relevam como concretização do Estado 
 de direito democrático consagrado no artigo 2° da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP), os princípios consignados no Preâmbulo do Dec. Lei n° 
 
 329-A/95, de 12 de Dezembro, sobre a lei adjectiva subsidiariamente aplicável à 
 tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional, designadamente os 
 seguintes: 
 a) Os princípios gerais estruturantes do processo civil, em qualquer das suas 
 fases, deverão essencialmente representar um desenvolvimento, concretização e 
 densificação do princípio constitucional do acesso à justiça; 
 b) Tal princípio não se reduz à mera consagração constitucional do direito de 
 acção judicial, da faculdade de qualquer cidadão propor acções em tribunal, 
 implicando, desde logo (...) que a todos seja assegurado, através dos tribunais, 
 o direito a uma protecção jurídica eficaz e temporalmente adequada; 
 c) O direito de acesso aos tribunais envolverá identicamente a eliminação de 
 todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito, que 
 opere a justa e definitiva composição do litígio, privilegiando-se assim 
 claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma; 
 d) No mesmo sentido de privilegiar a decisão de fundo, importa consagrar, como 
 regra, que a falta de pressupostos processuais é sanável; 
 e) Procura por outro lado, obviar-se a que regras rígidas, de natureza 
 estritamente procedimental, possam impedir a efectivação em juízo dos direitos e 
 a plena discussão acerca da matéria relevante para propiciar a justa composição 
 do litígio; 
 f) O incremento da tutela do direito de defesa implicará, por outro lado, a 
 atenuação da excessiva rigidez de certos efeitos cominatórios ou preclusivos; 
 g) Consagra-se o princípio da cooperação, como princípio angular e exponencial 
 do processo civil, de forma a propiciar que os juízes e mandatários cooperem 
 entre si; 
 h) Destarte, sempre na preocupação de realização efectiva e adequada do direito 
 material e no entendimento de que será mais útil, à paz social e ao prestígio e 
 dignidade que a administração da justiça coenvolve, corrigir que perpetuar um 
 erro juridicamente insustentável, permite-se (...) o suprimento do erro de 
 julgamento mediante a reparação da decisão de mérito pelo próprio juiz decisor …
 Na modesta opinião do recorrente, todos estes princípios constituem 
 concretização do disposto na Constituição ou dos princípios nela consignados, e 
 são aplicáveis ao processo de fiscalização concreta sucessiva de normas legais, 
 quer porque assim se encontra determinado no artigo 69° da LTC, quer porque ao 
 Tribunal Constitucional compete especificamente administrar a justiça em 
 matérias de natureza jurídico-constitucional (cf. art° 221º da CRP), e, incumbe 
 aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos 
 dos cidadãos (cf. artigo 202°, n°2, da CRP). 
 II - NULIDADE DO PROCESSADO NESSE TRIBUNAL ANTES DO DESPACHO DE 30.3.2007 
 
 4. Diz o despacho de 30 de Março de 2007: 
 
 ·                           ‘A enunciação do primeiro dos conteúdos acima 
 remomerados releva da imputação ao raciocínio decisório seguido pelo aresto 
 recorrido de um critério normativo assente no postulado segundo o qual o 
 inquérito padeceria de nulidade e o despacho de arquivamento que lhe colocou 
 termo seria juridicamente inexistente’. 
 Esta apreciação tem por objecto um acto do recorrente e a sua intencionalidade, 
 no contexto das várias peças que integram o recurso, sendo evidente que ela não 
 se ajusta à realidade processual, e distorce o sentido objectivo e subjectivo 
 daquele. 
 A lei, nos termos acima expostos, confere ao recorrente o direito de esclarecer 
 o rigoroso sentido das suas pretensões perante o tribunal, se, eventualmente, a 
 respectiva letra contém alguma deficiência, obscuridade ou ambiguidade. 
 Este direito goza de tutela constitucional por via do disposto nos artigos 2°, 
 
 20º, n° 1, e 202°, n°2, da CRP. 
 
 À incumbência constitucional de os tribunais – incluindo o Constitucional – na 
 administração da justiça, assegurarem a defesa dos direitos e interesses 
 legalmente protegidos dos cidadãos, corresponde a imposição legal de o 
 recorrente ser mandado ouvir sobre aqueles eventuais vícios. 
 A violação desta imposição legal é sancionada pelo disposto no artigo 201°, n° 
 
 1, do CPC. Tal violação pode influir na apreciação e decisão da causa, nos 
 termos e com os efeitos previstos nos n°s 1 e 2 do mesmo artigo. Pelo que, 
 atento o disposto nos citados artigos 75°-A, n°5, e 78°-B, n° 1, da LTC, 
 
 ·                           requer-se ao Exmo Conselheiro Relator que supra a 
 nulidade processual ora arguida. 
 
 5. Sem prejuízo do que será aduzido logo que o recorrente seja mandado ouvir em 
 cumprimento das supra referidas normas legais, sempre se dirá, desde já, que a 
 norma aplicada nas várias decisões judiciais integrantes do recurso, é a 
 enunciada pelo recorrente relativamente ao artigo 287°, n° 1, do CPP, nos termos 
 seguintes: 
 
 ·                           o prazo nele previsto não se conta da notificação do 
 despacho proferido pelo superior hierárquico tendo por objecto requerimento 
 apresentado com o fim de obter suprimento dos vícios de nulidade de inquérito e 
 de inexistência jurídica de despacho de arquivamento. 
 
 É esta a norma 
 a) arguida na conclusão 9ª do requerimento de 26.10.2006, de interposição do 
 recurso para o Tribunal Supremo; 
 b) aplicada no seu acordão de 17.1.2007, nos termos seguintes: 
 c) ‘O Recorrente alega, no entanto, que a norma aplicada no despacho recorrido – 
 no sentido de que, no caso de recurso à fiscalização hierárquica, o prazo do 
 art° 287°, não se conta da notificação da respectiva decisão – é 
 inconstitucional por violar os art°s 20º, n°s 1 e 4, e 268°, n°4, da CRP.’ 
 d) ‘Volta, contudo, a não ter razão’; 
 e) ‘Também este recurso improcede’. 
 A referência feita pelo recorrente ao contexto em que tal norma foi aplicada, é 
 meramente descritiva da realidade processual e visa tão só sublinhar que houve, 
 previamente à aplicação da norma arguida de inconstitucionalidade, uma 
 reclamação hierárquica de natureza meramente administrativa, cujo objecto é a 
 nulidade do inquérito e a inexistência jurídica de despacho de arquivamento, 
 cominada no artigo 120°, n° 2, alínea d), do Código de Processo Penal, por 
 violação da norma do artigo 272°, n° 1, do mesmo código, conforme acordão de 
 uniformização de jurisprudência n° 1/2006, de 25 de Novembro de 2005 (DR 1 a 
 Série, de 2 de Janeiro de 2006). 
 O acordão recorrido deixou de pronunciar-se sobre a referida questão contextual, 
 de conhecimento oficioso, violando lei expressa, mas o recorrente nem sequer 
 considerou tal violação justificativa de arguição de nulidade de sentença, em 
 virtude de a circunstância – o objecto da reclamação hierárquica, administrativa 
 
 - não relevar para o enunciado da norma arguida de inconstitucionalidade. 
 O objecto da dita reclamação hierárquica poderia ter sido outro bem diferente. O 
 que releva é a sua existência e a sua concretização dentro do prazo legal de 20 
 dias para requerer abertura de instrução. 
 Se o concreto objecto da reclamação integrasse a previsão da norma enunciada 
 teria sido requerido ao Supremo Tribunal de Justiça que, em conferência, 
 suprisse a nulidade de sentença de que enferma o seu acordão de 17.1.2007, para 
 que do respectivo acordão também fosse interposto recurso para o Tribunal 
 Constitucional. 
 
 6. Também sem prejuízo do que será aduzido logo que o recorrente seja mandado 
 ouvir em cumprimento das supra referidas normas legais, sempre se dirá, desde 
 já, que a norma arguida de inconstitucionalidade identificada nas várias peças 
 processuais que antecederam o acordão recorrido, nos termos do artigo 75°-A, n° 
 
 1, da LTC, foi exactamente a nele aplicada. 
 Se essa norma se extrai do art° 417°, n°2, do CPP, ou no art° 3º, n° 3, do CPC, 
 
 é, para efeito de apreciação de infracção ao disposto na Constituição ou aos 
 princípios nela consignados, manifestamente irrelevante. 
 Aliás, a invocação do disposto no artigo 3°, n° 3, do CPC, constitui violação do 
 disposto no artigo 4° do CPP. Com efeito, nele se estatui que observam-se as 
 normas do processo civil nos casos omissos no CPP, só 
 
 • quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia. 
 Ora, o disposto no artigo 417° do CPP, consagra o princípio geral do 
 contraditório decorrente directamente do disposto no artº 20°, n°4, da CRP, e 
 nos princípios consignados no seu artigo 2°, sendo, pois aplicável em processo 
 criminal, por analogia, quando um processo, encontrando-se sob jurisdição de um 
 Juiz recebe uma pronúncia do Ministério Público contrária aos interesses do 
 assistente. 
 O acordão recorrido viola lei expressa ao recusar aplicação analógica do artigo 
 
 417°, n°2, do CPP. Uma decisão contra legem não pode servir de fundamento para 
 esse Tribunal não conhecer da norma efectivamente aplicada. 
 O que releva no plano da administração da justiça em matéria 
 jurídico-constitucional são as normas — não são os “artigos”. Tanto quanto se 
 sabe, é esta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, longa e solidamente 
 consolidada, e que se espera seja mantida. 
 
 7. A presente arguição de nulidade processual é dirigida ao Exmo Relator, para 
 sua decisão ao abrigo do disposto no artigo 75°-B, n° 1, da LTC, enquanto 
 incidente previsto na lei, sem tramitação autónoma - sublinhando-se que não é 
 nem pode ser qualificada como reclamação do artigo 78°-A, n° 3, da LTC, atento o 
 princípio do dispositivo, estruturante do processo civil, subsidiariamente 
 aplicável, decorrente do princípio fundamental do respeito pela dignidade da 
 pessoa humana que constitui o ‘hino à alegria’ da nossa ‘Magna Carta’. 
 
 4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público, em resposta, vem invocar que a 
 arguição de “nulidade” deduzida é verdadeiramente ininteligível.
 Acresce que, em sua perspectiva, é inadmissível que a parte que definiu o 
 objecto do recurso de constitucionalidade (fls. 306) “venha agora pretender que 
 a definição que ele próprio elegeu não tem em causa a ‘questão contextual’ que a 
 rodeava.”
 
 É, assim, imputável ao Recorrente o facto de ter incumprido o ónus de delimitar 
 o objecto do recurso que interpôs.
 
 
 
 
 
 5. Decidindo:
 A pretensão do Recorrente é, manifestamente, incompreensível ou, para utilizar a 
 expressão empregue pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público, na resposta de 
 fls. 352 e seguintes, “ininteligível”, por duas ordens de razões.
 A primeira, porquanto vem utilizado um meio de reacção à decisão sumária 
 proferida à sombra do disposto no artigo 78º-A, n.º 1 da L.T.C que o legislador 
 não preconiza.
 Com efeito, considerando o que se dispõe no n.º 3 do mesmo normativo, 
 verifica-se que “da decisão sumária do relator pode reclamar-se para a 
 conferência (…)”.
 Ora, pelo teor da reclamação, em apreço, parece intuir-se que o Recorrente vem 
 arguir a nulidade do despacho do Relator e quer que seja o mesmo Relator, e não 
 a conferência, a conhecer dessa nulidade.
 Inequivocamente, o facto é que a lei que regula o processo constitucional não 
 prevê tal forma de reacção, antes estatui, aliás, à luz do que ocorre com o 
 recurso de apelação, que dos despachos do Relator se reclama para a conferência 
 
 (artigo 700º, n.º 3 do Código de Processo Civil), não se preconizando, pois, a 
 possibilidade de se arguírem nulidades para o próprio Relator.
 Sucede que, a pretensa nulidade seria, se bem se compreende, uma eventual 
 omissão do convite, a que se refere o artigo 75º-A, n.º 6 da L.T.C, para se 
 explicitar a dimensão normativa e a sua desconformidade constitucional, não 
 suscitada pelo Relator do Tribunal Constitucional, quando o certo é que, tendo 
 sido cumprido tal ónus pelo Relator no Supremo Tribunal de Justiça, não se 
 poderia repetir esse convite, conforme resulta do regime constante do n.º 5 do 
 preceito citado.
 Em segundo lugar, também é incompreensível o teor da presente reclamação, já que 
 foi o ora reclamante quem não respeitou a definição do conceito de norma, quando 
 delineou o objecto do recurso da constitucionalidade, pelo que não pode pôr em 
 crise essa delimitação por si próprio encetada.
 
 6. Assim, e, sem necessidade de maiores considerações, acordam, em conferência, 
 indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão 
 reclamada no sentido de não tomar conhecimento do objecto do recurso.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 29 de Maio de 2007
 José Borges Soeiro
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Rui Manuel Moura Ramos