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Processo nº 1031/04
 Plenário
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
               Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
                                  1 – Requerente e objecto do pedido
 
  
 
                  1.1 – O Procurador-Geral da República, invocando o disposto nos 
 artigos 281.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea e), da Constituição da 
 República Portuguesa (CRP), 51.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), e 
 
 12.º, n.º 1, alínea c) do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 
 
 60/98, de 27 de Agosto, requereu a apreciação e declaração, com força 
 obrigatória geral, da inconstitucionalidade de todas as normas que integram o 
 regulamento contido no Despacho nº 2837/2004, de 8 de Janeiro, do Ministro da 
 Saúde – Regula o acesso dos delegados de informação médica aos estabelecimentos 
 e serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS), incluindo hospitais S.A. e 
 extensões dos centros de saúde.
 
  
 
                  1.2 – As normas objecto do pedido dispõem o seguinte:
 
  
 
                  “1 – O acesso a estabelecimentos do SNS por parte dos DIM, no 
 exercício da sua actividade profissional, só é permitido quando os mesmos se 
 apresentem devidamente identificados e credenciados, nos termos definidos no 
 presente Despacho.
 
                  2 – A credenciação é obtida mediante registo dos DIM junto do 
 Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED) promovido pelos 
 titulares de autorizações de introdução ou colocação no mercado de medicamentos 
 ou de produtos de saúde ou seus representantes, nomeadamente, nos termos do 
 artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 100/94, de 19 de Abril, a quem os DIM estejam 
 vinculados juridicamente por força de contrato.
 
                  3 – No acto do registo dos DIM, os laboratórios titulares de 
 autorização válida de introdução no mercado de medicamento apresentarão:
 
                  a) Certidão, emitida pela conservatória do registo comercial, 
 comprovativa da sua existência jurídica, caso se trate de pessoa colectiva, ou 
 bilhete de identidade, cartão de eleitor ou número de identificação fiscal, caso 
 se trate de pessoa singular;
 
                  b) Lista nominativa, em formatos papel e electrónico, dos DIM 
 que, em sua representação, realizarão visitas a estabelecimentos e serviços do 
 SNS de onde constem os respectivos nomes completos e o domicílio profissional, 
 quando este não coincida com o do laboratório;
 
                  c) Declaração, emitida pelo laboratório, relativa a cada DIM 
 atestando a sua qualificação e a formação profissional adequada, prevista na 
 lei;
 
                  d) Indicação da pessoa do laboratório a quem será facultado o 
 acesso ao registo dos DIM que o representam, na listagem referida no n.º 5.
 
                  4 – O registo dos DIM é informatizado e processa-se até 31 de 
 Janeiro do ano para que se pretende o acesso, devendo os laboratórios comunicar 
 ao INFARMED, no prazo de 10 dias, todas as alterações ao registo, de forma a 
 mantê-lo actualizado.
 
                  5 – O INFARMED manterá a lista dos DIM e respectivos 
 laboratórios permanentemente actualizada nos termos do n.º 4. Essa lista conterá 
 os elementos estritamente necessários para a correcta identificação profissional 
 dos DIM, nomeadamente o número de registo atribuído, e que será disponibilizada 
 no sítio do INFARMED na Internet.
 
                  6 – As regras relativas ao registo informático previsto no n.º 
 
 2 e de acesso de terceiros à lista disponibilizada na Internet são fixadas pelo 
 conselho de administração do INFARMED, de acordo com os princípios do acesso 
 reservado às mesmas e do respeito pelo disposto na legislação relativa à 
 protecção de dados pessoais.
 
                  7 – Cada laboratório só poderá realizar até seis visitas por 
 ano a cada estabelecimento ou serviço do SNS.
 
                  8 – Independentemente do laboratório que representem, o número 
 máximo de visitas diárias permitido é de dois DIM em cada serviço hospitalar e 
 de três DIM nos restantes casos previstos neste Despacho, não sendo admissível, 
 em cada visita, a representação de mais de um laboratório por cada DIM.
 
                  9 – Em regra, cada DIM só poderá visitar 10 profissionais de 
 saúde por dia, podendo este limite ser ultrapassado em caso de realização de 
 sessões de informação colectiva, entendendo-se como tais as que abranjam, no 
 mínimo e em simultâneo, cinco profissionais de saúde.
 
                  10 – Excepcionalmente, o director do estabelecimento ou serviço 
 do SNS, ou outrem designado por este, pode, nas condições previstas no n.º 11, 
 autorizar a realização de visitas para além do disposto nos números anteriores, 
 em particular nos seguintes casos:
 
                  a) Quando se verifique a introdução de novas terapêuticas ou de 
 diferentes tecnologias de saúde;
 
                  b) Quando, por parte dos profissionais de saúde, se mostre 
 necessário obter esclarecimentos sobre terapêuticas ou tecnologias de saúde.
 
                  11 – A autorização acima referida é precedida de parecer do 
 INFARMED, o qual deverá ser presente ao director do centro de saúde ou ao 
 director clínico, no caso de serviços hospitalares.
 
                  12 – O local e horário de atendimento, bem como os demais 
 elementos a este relativos e referidos no presente Despacho, são fixados, em 
 termos genéricos, pelo responsável máximo do serviço onde vai ocorrer a visita, 
 de acordo com as seguintes regras:
 
                  a) As visitas devem ter lugar em local próprio e adequado ao 
 fim a que se destinam, não podendo realizar-se em serviços de urgência ou de 
 atendimento permanente ou em serviços de internamento, bem como de consulta se 
 em período de atendimento;
 
                  b) As visitas dos DIM devem ter lugar fora do horário 
 assistencial, preferencialmente no fim do período de atendimento das consultas, 
 na parte final das sessões clínicas ou de reuniões de profissionais que ocorram 
 e que possam ser aproveitadas para o referido fim;
 
                  c) Em qualquer caso, as visitas dos DIM não podem interferir 
 com qualquer tipo de actividade médica ou assistencial.
 
                  13 – A marcação de visitas é feita previamente junto do pessoal 
 administrativo que o respectivo responsável máximo do serviço indicar, de modo a 
 assegurar a sua programação semanal, ficando registados os dados de 
 identificação dos DIM, bem como do laboratório que representam.
 
                  14 – A lista semanal das visitas é afixada em local adequado 
 por forma que todos os profissionais de saúde do serviço dela possam ter 
 conhecimento, e é objecto de carregamento informático, pelo mesmo pessoal, em 
 local apropriado do sítio do INFARMED na Internet, para efeitos de controlo e 
 disponibilização a todos os estabelecimentos e serviços do SNS.
 
                  15 – Os estabelecimentos e serviços do SNS poderão desenvolver 
 as regras contidas no presente Despacho através de regulamentação interna, 
 mediante homologação pelo conselho de administração da administração regional de 
 saúde respectiva, no respeito pelos princípios ora estabelecidos.
 
                  16 – A aplicação do presente Despacho e das regras dele 
 emergentes está sujeita a auditoria a realizar de forma sistemática e aleatória 
 pelo Ministro da Saúde.
 
                  17 - O não cumprimento do presente Despacho e das regras dele 
 emergentes por parte dos funcionários e agentes do SNS é passível de 
 procedimento disciplinar.
 
                  18 – Verificando-se o incumprimento do presente Despacho e das 
 regras dele emergentes por parte de um DIM, o director do centro de saúde ou o 
 director clínico, no caso de hospitais, notificará de forma circunstanciada a 
 ARS competente, no prazo de 10 dias, a qual informará de imediato o laboratório 
 respectivo e a APIFARMA.
 
                  19 – A ARS, uma vez recebida a notificação do incumprimento 
 referido no número anterior, procederá à audição por escrito do alegado 
 infractor e, após analisar a situação, decide qual o período de tempo de 
 interdição de acesso aos estabelecimentos e serviços do SNS, para o DIM e o 
 laboratório responsáveis, consoante a gravidade da situação.
 
                  20 – Nos casos previstos nos números anteriores, o laboratório 
 representado pelo DIM é considerado co-responsável.
 
                  21 – De acordo com o previsto nos números anteriores, a sanção 
 a aplicar pela violação das regras constantes do presente Despacho implica a 
 perda do direito de acesso do DIM e do laboratório por si representado aos 
 estabelecimentos e serviços do SNS, até ao máximo de três anos, sendo os mesmos 
 excluídos da lista a que se referem os nºs. 2 a 4.
 
                  22 – A decisão prevista no número anterior deve ser homologada 
 pelo Ministro da Saúde e comunicada ao INFARMED, no prazo de 30 dias, bem como 
 aos responsáveis pelos estabelecimentos e serviços do SNS, ao DIM e ao 
 laboratório responsáveis e à APIFARMA.
 
                  23 – Para efeitos do disposto no número anterior, a decisão de 
 interdição de acesso deve ser objecto de carregamento informático, em local 
 apropriado do sítio do INFARMED na Internet, para efeitos de controlo e 
 disponibilização a todos os estabelecimentos e serviços do SNS.
 
                  24 – O direito de acesso previsto no n.º 1 não depende do 
 pagamento de qualquer verba.
 
                  25 – Para efeitos do corrente ano, o registo previsto nos nºs 2 
 e 3 será efectuado até 30 dias após a entrada em vigor do presente Despacho.
 
                  26 – É revogado o Despacho n.º 9630/2001, de 11 de Abril, 
 publicado no Diário da República, 2ª Série, de 8 de Maio de 2001.” 
 
  
 
 2 – Fundamentação do pedido
 
  
 
                  Em abono do seu pedido, o Procurador-Geral da República alegou, 
 em síntese, o seguinte:
 
  
 
                  - O Despacho do Ministro da Saúde n.º 2837/2004, de 8 de 
 Janeiro, visa regular o acesso dos delegados de informação médica (DIM) aos 
 estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS), incluindo os 
 hospitais S.A. e as extensões dos centros de saúde, com vista a garantir o 
 necessário equilíbrio entre a necessidade de divulgação da informação médica e o 
 regular e eficaz funcionamento daqueles estabelecimentos e serviços;
 
                  
 
                  - Para a realização de tal finalidade, consagra-se um acesso 
 credenciado e programado daqueles profissionais, expresso na exigência de 
 identificação e credenciação dos DIM para acederem aos serviços, fixando o 
 número de visitas admissíveis e as regras vigentes quanto ao número de 
 profissionais de saúde a visitar diariamente, bem como os critérios reguladores 
 do local, horário de atendimento e respectiva marcação;
 
  
 
                  - Prescreve-se, seguidamente, o regime sancionatório aplicável 
 ao não cumprimento do aludido Despacho e regras dele emergentes, expresso na 
 previsão do período temporal de interdição de acesso aos estabelecimentos e 
 serviços do SNS, para o DIM e laboratório responsável, até ao máximo de três 
 anos (nºs 18 a 23 do Despacho);
 
  
 
                  - Tal Despacho tem a natureza de regulamento, na medida em que 
 contém regras jurídicas, gerais e abstractas, editadas no exercício da função 
 administrativa, dotado de inquestionável eficácia externa quanto aos 
 profissionais (DIM) e laboratórios envolvidos;
 
  
 
                  - Analisando o texto do “preâmbulo” e do articulado desse 
 regulamento, verifica-se ocorrer total omissão no que se refere à indispensável 
 referência à lei habilitante;
 
  
 
                  - Ora, por força do disposto no artigo 112º, n.º 7, da 
 Constituição da República Portuguesa – e segundo jurisprudência uniforme e 
 reiterada do Tribunal Constitucional – os regulamentos devem indicar 
 expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência 
 subjectiva e objectiva para a sua emissão;
 
  
 
                  - O incumprimento do dever constitucional de citação da lei 
 habilitante num regulamento que contém normas com evidente eficácia externa, já 
 que estabelecem um regime inovatório para o exercício da actividade dos 
 delegados de informação médica, na respectiva actuação profissional junto dos 
 estabelecimentos e serviços do SNS, prevendo inclusivamente a aplicação de 
 sanções pelo incumprimento das regras estabelecidas, determina a 
 inconstitucionalidade formal de todas as normas nele contidas, por violação do 
 preceituado no artigo 112º, n.º 7, da Constituição da República Portuguesa;
 
  
 
                  - Acresce, no que respeita às normas de índole sancionatória, 
 contidas nos nºs 18 a 23 do dito regulamento – o vício de inconstitucionalidade 
 orgânica, por – situando-se tal regime legal no âmbito do direito sancionatório 
 público – se tratar de matéria manifestamente sujeita a reserva de lei, não 
 podendo, consequentemente, um diploma regulamentar criar inovatórias sanções – 
 aplicáveis aos DIM e laboratórios que representam – susceptíveis de implicar 
 condicionamento, substancial e relevante, no exercício daquela profissão (e, 
 nessa medida, enquadrável, desde logo, na reserva de competência legislativa da 
 Assembleia da República, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da 
 Constituição da República Portuguesa);
 
  
 
                  - Por outro lado – e configurando-se a dita sanção de 
 interdição de acesso aos estabelecimentos e serviços do SNS como medida 
 administrativa “atípica”, de carácter manifestamente sancionatório – sempre 
 dependeria a legitimidade do seu estabelecimento da edição de diploma 
 credenciado pela Assembleia da República, nos termos da alínea d) do n.º 1 do 
 artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa; na verdade, como vem 
 entendendo a jurisprudência constitucional (expressa, nomeadamente, no Acórdão 
 n.º 430/91) a reserva de competência legislativa aí prevista quanto ao regime 
 geral do ilícito contraordenacional e disciplinar deverá ser transposta e 
 aplicável a todo o direito sancionatório público.
 
  
 Conclui o Procurador-Geral da República no sentido da inconstitucionalidade do 
 Despacho do Ministro da Saúde n.º 2837/2004, de 8 de Janeiro.
 
  
 
 3 – Resposta do Ministro da Saúde
 
  
 
                  Notificado para responder, veio o Ministro da Saúde sustentar a 
 não inconstitucionalidade do Despacho, apresentando, em síntese, os seguintes 
 fundamentos:
 
  
 
                  - O acesso que está em causa no Despacho n.º 2837/2004 não é a 
 entrada e permanência nos espaços dos estabelecimentos e serviços do SNS 
 acessíveis ao público, mas sim nas salas de reuniões, gabinetes e salas dos 
 médicos ou outros profissionais de saúde, o qual carece de autorização, sob pena 
 de crime nos termos do artigo 191.º do Código Penal (“introdução em lugar vedado 
 ao público”);
 
  
 
                  - O Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de Agosto, que regulamenta o 
 exercício do direito de reunião, estabelece no seu artigo 12.º que “Não é 
 permitida a realização de reuniões, comícios ou manifestações com ocupação 
 abusiva de edifícios públicos ou particulares”, sob pena de se incorrer em crime 
 de desobediência qualificada (n.º 3 do artigo 15.º do mesmo diploma);
 
  
 
                  - Os DIM não têm a seu favor qualquer disposição legal que 
 expressamente os autorize a aceder a locais vedados ao público nem a reunirem 
 com médicos em edifícios públicos ou particulares, sem que, para esse efeito, 
 disponham de autorização;
 
  
 
                  - Não existe disposição legal que obrigue os estabelecimentos e 
 serviços do SNS a facultarem o acesso dos DIM aos seus espaços vedados ao 
 público ou para reunirem com os médicos;
 
  
 
                  - O direito ao livre exercício da sua profissão não é 
 incompatível com a necessidade de obtenção das autorizações necessárias para o 
 acesso ou reunião;
 
  
 
                  - A restrição que existe resulta – como é imposto pela 
 Constituição – de disposição legal autorizada pela Assembleia da República, no 
 que respeita ao crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto no 
 Código Penal, e de disposição legal aprovada no quadro do Programa do Movimento 
 das Forças Armadas, quanto ao Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de Agosto – que 
 nunca foi supervenientemente julgado inconstitucional;
 
  
 
                  - Aquilo que o Senhor Procurador-Geral da República qualifica 
 de sanções mais não é do que a não concessão temporária de autorização de 
 acesso. Pese, embora, a letra do Despacho que, como se referiu, não é feliz, não 
 se trata de aplicar uma verdadeira sanção;
 
  
 
                  - Sobre a natureza jurídica do Despacho n.º 2837/2004, diz 
 ainda o Senhor Ministro da Saúde: “É que o facto de o regulamento, pelo qual o 
 Ministro da Saúde dá determinadas indicações aos seus serviços, criar 
 determinados ónus para terceiros não o transforma, por si só, em regulamento 
 externo, apesar de o mesmo ser publicado”;
 
  
 
                  - O Despacho em crise limita-se a dar execução ao Decreto-Lei 
 n.º 100/94, de 19 de Abril, nele especialmente invocado, compaginando-o, entre 
 outras disposições, com o artigo 191.º do Código Penal e com os artigos 12.º e 
 
 15.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de Agosto;
 
  
 
                  - A simples declaração de inconstitucionalidade do Despacho n.º 
 
 2837/2004, com força obrigatória geral, não tem por efeito consagrar o acesso 
 pelos DIM aos espaços vedados ao público dos estabelecimentos e serviços do SNS, 
 continuando os DIM a não poder aceder, porque não têm autorização para o efeito, 
 o que comprova a inutilidade prática do presente processo.
 
                  Tendo, posteriormente, sido notificado, em cumprimento de 
 despacho proferido nos autos (fls. 78), o Primeiro-Ministro respondeu nos termos 
 constantes de fls. 81 e 82.
 
  
 
                  4 – Debatido o memorando apresentado, nos termos do artigo 63.º 
 da LTC, pelo Presidente do Tribunal e fixada a orientação do Tribunal sobre as 
 questões a resolver, procedeu-se à distribuição do processo, cumprindo agora 
 formular a decisão.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
 1 – Delimitação do objecto do pedido
 
  
 
                  Indicou-se, acima, como objecto do pedido todas as normas 
 constantes do Despacho n.º 2837/2004, de 8 de Janeiro, do Ministro da Saúde, 
 assacando-lhes o requerente os vícios de inconstitucionalidade formal (omissão 
 de citação da lei habilitante) e de inconstitucionalidade orgânica (violação da 
 reserva de competência legislativa da Assembleia da República, no que tange às 
 normas, de índole sancionatória, constantes do aludido Despacho).
 
  
 
                  A eventual verificação, por parte deste Tribunal, dos alegados 
 vícios de inconstitucionalidade formal e orgânica torna desnecessária qualquer 
 apreciação sobre a (eventual) inconstitucionalidade material do Despacho 
 ministerial ora em análise.
 
  
 
 2 – Enquadramento normativo da profissão de DIM
 
  
 
                  2.1 - O quadro legal
 
  
 
                  A profissão de delegado de informação (ou propaganda) médica 
 aparece, expressamente, mencionada, pela primeira vez, no Decreto-Lei n.º 
 
 100/94, de 19 de Abril, que estabeleceu o regime jurídico da publicidade dos 
 medicamentos para uso humano, adaptando a legislação publicitária interna em 
 matéria de medicamentos à Directiva n.º 92/28/CEE, do Conselho, de 31 de Março 
 de 1992 (in Jornal Oficial, L 113, de 30.04.1992, pp. 13 a 18). Até então, a lei 
 portuguesa referia-se, apenas, ao “responsável pela promoção” dos medicamentos 
 
 (embora se tivesse já abandonado a solução, durante muito tempo vigente, segundo 
 a qual a distribuição e divulgação - “anúncio ou propaganda” - do medicamento 
 estava atribuída ao farmacêutico).
 
                  Hoje, a matéria relativa à informação e publicidade dos 
 medicamentos para uso humano é regulada pelo Decreto-lei nº 176/2006, de 30 de 
 Agosto. Todavia, este diploma nenhum reflexo tem sobre a questão, por editado 
 depois da publicação do Despacho em causa.
 
  
 
                  O Decreto-lei nº 100/94, que era o que vigorava à data do 
 Despacho, definia “publicidade de medicamentos” como “qualquer forma de 
 comunicação, de informação, de prospecção ou de incentivo que directa ou 
 indirectamente promovesse a sua prescrição, dispensa, venda, aquisição ou 
 consumo” (cfr. artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 100/94). 
 
  
 
                  Essa publicidade podia ser feita junto do público em geral, 
 muito condicionada (cfr. art.ºs 4.º e 5.º do diploma acima citado) ou junto dos 
 profissionais de saúde (art. 6.º), obedecendo, em ambos os casos, a uma série de 
 princípios gerais (cfr. art. 3.º do Decreto-Lei n.º 100/94). Entre estes 
 princípios contavam-se a promoção do uso racional do medicamento, a necessidade 
 de clareza e veracidade da mensagem publicitária, e ainda, com grande 
 importância no presente caso, a necessidade de publicitar os medicamentos cuja 
 dispensa dependia, obrigatoriamente, de receita médica, apenas, em “publicações 
 técnicas ou suportes de informação destinados, exclusivamente, a médicos e 
 outros profissionais de saúde” (nos termos do art. 3º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 
 
 100/94).
 
  
 
                  Os profissionais responsáveis pela publicidade do medicamento 
 eram, então, os delegados de informação médica (DIM), mencionados no art. 8.º, 
 nºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 100/94, que regulava os deveres dos DIM. Nos 
 termos do diploma, estes “devem ser adequadamente formados pela respectiva 
 empresa e dispor de conhecimentos científicos bastantes para que possam fornecer 
 informações precisas e tão completas quanto possível sobre os medicamentos que 
 apresentam”. Além disso, deviam ainda “em cada visita, apresentar ao 
 profissional de saúde visitado ou colocar à sua disposição, quanto a cada um dos 
 medicamentos que apresentem, o resumo das características do produto, completado 
 pelas informações sobre o preço e, se for o caso, as condições de 
 comparticipação”. Finalmente, estavam obrigados a “comunicar ao serviço 
 científico da sua empresa quaisquer informações relativas à utilização dos 
 medicamentos que promovem, em especial no que se refere às reacções adversas que 
 lhes sejam transmitidas pelos profissionais de saúde visitados”.
 
  
 
                  Uma leitura atenta das normas acima mencionadas, permite-nos, 
 assim, concluir, que a visita a profissionais de saúde, em estabelecimentos 
 públicos ou privados, constituía uma parte importante da actividade profissional 
 dos DIM. Todavia, não pode dizer-se que o exercício da profissão de DIM se 
 resumia a estas visitas, uma vez que, tanto os esclarecimentos sobre os 
 medicamentos prestados aos profissionais de saúde, como a recepção das 
 informações destes últimos relativas à sua utilização, podiam ser levadas a cabo 
 por outros meios, além das tradicionais visitas (v.g. suportes publicitários em 
 publicações da especialidade, acções de formação/divulgação e esclarecimento 
 sobre medicamentos, prospectos escritos, fornecimento de amostras grátis, etc).
 
  
 
                  Ou seja, o exercício da profissão de DIM não se esgotava na 
 promoção/publicidade de medicamentos feita nos estabelecimentos hospitalares e 
 centros de saúde integrados no SNS. Tal como em quaisquer outros 
 estabelecimentos de titularidade diferente – nomeadamente, privada – os DIM 
 podiam aceder-lhes, no exercício da sua profissão, desde que para tal exista 
 consentimento do respectivo titular.
 
  
 
                  Vale isto por dizer que aos DIM, por o serem, não está 
 
 ”atribuído” um direito geral de acesso aos estabelecimentos/edifícios onde 
 possam ocorrer concretas realizações/manifestações do exercício da sua 
 profissão.
 
  
 
                  Esse acesso não é inerente à função de DIM, carecendo de 
 consentimento do titular ou responsável pelo estabelecimento ou espaço, o que 
 significa que os DIM só possam ter “direito de acesso” se houver consentimento e 
 enquanto houver consentimento válido. Isto sucede, aliás, com a maioria dos 
 cidadãos, a quem não está atribuído um “direito geral de acesso” a todo e 
 qualquer estabelecimento, público ou privado.
 
  
 
                  2.2 - A regulamentação sobre o acesso dos DIM aos 
 estabelecimentos de saúde do SNS
 
  
 
                  Tendo em conta a importância dos contactos presenciais entre os 
 DIM e os profissionais de saúde e a exigência do regular funcionamento dos 
 serviços de saúde, e na vigência do Decreto-Lei n.º 100/94, a Ministra da Saúde 
 emitiu o Despacho n.º 9630/2001, publicado no Diário da República, II Série, n.º 
 
 106, de 8 de Maio, relativo ao acesso “às instalações dos hospitais e centros de 
 saúde que integram o Serviço Nacional de Saúde”.
 
  
 
                  Nele se refere, expressamente, ser emitido “ao abrigo do 
 disposto nos artigos 6.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 100/94, de 19 de Abril”, e se 
 determina no n.º 1, que “os delegados de informação médica no exercício da sua 
 actividade profissional e desde que devidamente identificados têm direito de 
 acesso às instalações dos hospitais e centros de saúde que integram o Serviço 
 Nacional de Saúde”, atribuindo-se, às administrações regionais de saúde, 
 competência para estabelecer normas de acesso às instalações dos hospitais e 
 centros de saúde, normas essas que deveriam ser devidamente publicitadas e 
 respeitadas pelos DIM (cfr. n.º 2).
 
  
 
                  Os DIM deviam respeitar os actos médicos em curso, aguardando a 
 respectiva conclusão, devendo, também, no exercício da sua actividade, 
 
 “respeitar integralmente a legislação em vigor, designadamente em matéria de 
 publicidade de medicamentos” (cfr. nºs 3 e 5).
 
  
 
                  Este Despacho da Ministra da Saúde foi, no entanto, revogado 
 pelo Despacho n.º 2837/2004, de 8 de Janeiro, do Ministro da Saúde, ora em 
 análise (cfr. n.º 26). Este Despacho apresenta, em comparação com o primeiro, 
 algumas diferenças. A mais relevante, e também a que se reveste de maior 
 importância para a presente análise, consiste no facto de se alterarem as 
 condições de acesso dos DIM aos estabelecimentos do SNS. Em vez de se prever que 
 estes têm um direito de acesso às instalações de hospitais e centros de saúde do 
 SNS, quando devidamente identificados (ou seja, previsão do acesso como regra 
 geral), estipulou-se, agora, que os DIM só poderão entrar naqueles 
 estabelecimentos quando identificados e credenciados pelo INFARMED (isto é, a 
 regra geral passa a ser a do acesso mediante autorização). Estabelece-se, ainda, 
 uma sanção para o incumprimento das normas do diploma, que consiste na perda do 
 direito de acesso do DIM e do laboratório por si representado aos 
 estabelecimentos e serviços do SNS até ao máximo de três anos.
 
  
 
                  É, precisamente, sobre a validade constitucional desta 
 regulamentação, nomeadamente do ponto de vista orgânico e formal, que deverá 
 incidir a análise do Tribunal Constitucional.
 
                  
 De relembrar, porém, que a actividade de informação e publicidade dos 
 medicamentos está, hoje, sujeita ao regime constante do Decreto-Lei nº 176/2006 
 
 (cfr. art.ºs 9º a 13º e 150º a 165º), o qual atribui ao INFARMED poderes de 
 regulação.
 
  
 
 3 – Qualificação jurídica do Despacho n.º 2837/2004 do Ministro da Saúde
 
  
 
                  De acordo com a doutrina nacional mais relevante, os 
 regulamentos administrativos do Governo podem classificar-se através de vários 
 critérios consensualmente definidos com base nas relações do regulamento com a 
 lei, no seu objecto, na sua função, na sua eficácia ou âmbito de aplicação.
 
  
 
                  À luz destes critérios, pode afirmar-se que o Despacho, ora em 
 análise, é um regulamento de funcionamento em virtude de disciplinar a vida 
 quotidiana do serviço público de saúde (SNS). 
 
                  Essa disciplina integra as condições de acesso dos DIM 
 
 (através, nomeadamente, de um processo de credenciação e registo junto do 
 INFARMED) e a delimitação das situações em que os próprios profissionais de 
 saúde dos estabelecimentos e serviços do SNS podem receber os DIM. 
 
                  Assim, os profissionais de saúde não podem receber os DIM, nos 
 termos do Despacho ora em análise, em situações diferentes das elencadas, ainda 
 que desse atendimento não resulte qualquer perturbação ou prejuízo para os 
 serviços e estabelecimentos do SNS.
 
  
 
                  É um regulamento geral, na medida em que o seu âmbito de 
 aplicação é a totalidade do território nacional, tomando por referência todos os 
 estabelecimentos e serviços do SNS, incluindo hospitais, S. A. e extensões dos 
 centros de saúde.
 
  
 
                  No que respeita aos efeitos, o Tribunal Constitucional tem 
 adoptado, na sua jurisprudência, uniforme e reiteradamente, a classificação dos 
 regulamentos como externos, internos ou mistos. 
 
                  Como se escreveu no Acórdão n.º 319/94 (in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 27º volume, p. 939):
 
  
 
                  «Como é sabido, os regulamentos, conforme o círculo daqueles a 
 que se dirigem e que por eles são obrigados, quanto à projecção da sua eficácia, 
 têm sido doutrinalmente classificados em regulamentos externos e regulamentos 
 internos.
 
                  Segundo a lição de Afonso Queiró, “Teoria dos Regulamentos”, in 
 Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, nºs 1-2-3-4, pp. 5 e ss., 
 esta distinção obedece às seguintes razões:
 
  
 
    'Os primeiros analisam-se em preceitos que se dirigem não só ao órgão da 
 Administração que os edita ou faz, ou a outros órgãos da Administração, mas 
 também a terceiras pessoas, a particulares ou administrados que se encontrem em 
 face dela numa relação geral de poder; têm, como é uso dizer, eficácia jurídica 
 bilateral. Esses particulares são definidos por características genéricas e 
 encontram-se, como acabámos de dizer, por outras palavras, em relação à entidade 
 de que os regulamentos dimanam, numa relação de subordinação geral.
 
     Os segundos, por seu turno, têm uma eficácia jurídica unilateral, uma 
 eficácia que se esgota no âmbito da própria Administração dirigindo-se 
 exclusivamente para o interior da organização administrativa, sem repercussão 
 directa nas relações entre esta e os particulares. Falta-lhes, portanto, 
 rigorosamente, alteralidade'.
 
  
 
                  (...) Há-de dizer-se que, com alguma frequência, nos 
 regulamentos internos, os chamados regulamentos de organização em sentido 
 estrito, aparecem integradas normas regulamentares externas – normas 
 respeitantes ao estatuto do pessoal administrativo, ao processo administrativo, 
 
 à competência externa dos agentes, aos direitos e deveres dos particulares em 
 relação aos serviços etc. – sendo então estas últimas normas a determinar o 
 regime geral e a exigência formal do diploma regulamentar que umas e outras 
 comporta.
 
  
 
                  E se alguma doutrina sustenta que os regulamentos internos de 
 organização não precisam de se fundar em leis para serem emanados legitimamente, 
 
 (...) já o mesmo não sucede quanto aos regulamentos mistos relativamente aos 
 quais ninguém questiona que hajam de ser considerados como fontes de direito, 
 como actos normativos».
 
  
 
  
 
                  Ora, face a estas considerações, parece lícito concluir que, 
 também, o Despacho n.º 2837/2004, aqui em causa, deverá ser classificado, do 
 ponto de vista dos efeitos, como um regulamento de natureza mista, com todas as 
 inerentes consequências jurídicas, que trataremos mais adiante. 
 
                  Com efeito, o diploma contém normas cujos efeitos se esgotam no 
 interior dos serviços de saúde – efeitos internos (cfr., por exemplo, nºs 15 e 
 
 16). 
 
                  Todavia, a maioria das normas questionadas projecta para o 
 exterior os seus efeitos, repercutindo-se, nomeadamente, no exercício da 
 profissão dos DIM e na actividade dos laboratórios por eles representados – 
 efeitos externos. 
 
  
 
                  Não procede, assim, a argumentação do Ministro da Saúde, 
 segundo a qual o simples facto de o regulamento criar “determinados ónus para 
 terceiros”, não o “transforma, por si só, em regulamento externo, apesar de o 
 mesmo ser publicado”. O diploma aqui analisado é um regulamento de natureza 
 mista, por produzir efeitos em relação a titulares de direitos distintos da 
 pessoa colectiva pública (SNS).
 
  
 
                  Finalmente, neste contexto, no que respeita ao critério da 
 relação com a lei, a distinção estabelece-se entre regulamentos complementares 
 ou de execução e regulamentos autónomos ou independentes. 
 
                  O Tribunal Constitucional tem definido o regulamento 
 independente como “aquele em que a lei se limita a definir a competência 
 objectiva (isto é, a matéria sobre que pode incidir o regulamento) e a 
 competência subjectiva (ou seja, a entidade competente para emitir o 
 regulamento)” (cfr., por todos, Acórdão nº 289/2004, in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 59.º volume, p. 19).
 
                  
 
                  Não indicando o Despacho do Ministro da Saúde, ora em crise, a 
 lei com a qual está em relação, não se torna possível concretizar se estamos em 
 presença de um regulamento de execução ou independente.
 
                  Todavia, como adiante se verá, não se afigura necessário 
 resolver tal questão.
 
  
 
                  4 – Formalidades constitucionais relativas aos regulamentos
 
  
 
                  Desde a revisão constitucional de 1982, consagraram-se, 
 expressamente, na Lei Fundamental exigências formais a que devem obedecer os 
 regulamentos: a indicação expressa da lei ou leis que visam regulamentar o que 
 atribuem, especificamente, competência (subjectiva e objectiva) para a emissão 
 do regulamento, ou, dito de outro modo, a referência expressa à lei habilitante, 
 e, no que toca aos regulamentos do Governo, a sua sujeição à forma de decreto 
 regulamentar, nas situações constitucionalmente previstas.
 
  
 
                  O artigo 112.º, n.º 8 (na versão vigente à data da edição do 
 Despacho) da Constituição da República Portuguesa estipula que “os regulamentos 
 devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a 
 competência subjectiva e objectiva para a sua emissão”, pelo que o requerente 
 infere, daí, que “o incumprimento do dever constitucional de citação da lei 
 habilitante num regulamento que contém normas com evidente eficácia externa 
 
 (...) determina a inconstitucionalidade formal de todas as normas nele 
 contidas”.
 
  
 
                  O Tribunal Constitucional tem, sobre esta matéria, uma 
 jurisprudência extensa e clara. Entende o Tribunal, como pode ler-se no Acórdão 
 n.º 375/94 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º volume, p. 215), que:
 
                  “Ao impor o dever de citação da lei habilitante, o que a 
 Constituição pretende é garantir que a subordinação do regulamento à lei (e, 
 assim, a precedência da lei relativamente a toda a actividade administrativa) 
 seja explícita (ostensiva)”.
 
  
 
                  No Acórdão n.º 188/00 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 
 46.º volume, p. 775) explica-se ainda o seguinte:
 
                  “Tal orientação do Tribunal frisa, portanto, que – conforme se 
 pode ler na norma constitucional que prevê tal exigência –, a indicação da lei 
 que se visa regulamentar ou que define a competência objectiva ou subjectiva 
 para sua emissão há-de ser expressa (questão, esta, da forma de citação que é, 
 como se sabe, diversa da de saber se se devem admitir autorizações legais 
 implícitas para a emissão de regulamento, relativa à forma da autorização 
 legal)”. 
 
  
 
                  É por esta razão, e nos termos do Acórdão n.º 665/94, que (in 
 Acordãos do Tribunal Constitucional, 29.º volume, p. 339):
 
                  “’ainda que se pudesse identificar, com elevado grau de 
 probabilidade, as normas legais que habilitavam a aprovação do regulamento em 
 causa’, ‘a verdade é que a inconstitucionalidade formal se mantém, pois a função 
 da exigência da identificação expressa consiste não apenas em disciplinar o uso 
 do poder regulamentar (obrigando o Governo e a Administração a controlarem, em 
 cada caso, a habilitação legal de cada regulamento), mas também em garantir a 
 segurança e a transparência jurídicas, sobretudo à luz da principiologia do 
 Estado de direito democrático’ (cfr. J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Ed., Coimbra Editora, 1983, 
 pág.516)”.
 
  
 
                  No que concerne aos regulamentos do Governo, o art. 112.º, n.º 
 
 7 (na redacção vigente à data da edição do Despacho, agora nº 6) da Constituição 
 dispõe que eles “revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja 
 determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos 
 independentes”.
 
                  A sujeição a esta forma postula que tais regulamentos estejam 
 sujeitos a promulgação do Presidente da República [art. 134.º, alínea b)], com a 
 consequente possibilidade de veto (art. 136.º, n.º 4).
 
  
 
                  5 – Apreciação dos vícios de inconstitucionalidade 
 
  
 
                                  5.1 – Inconstitucionalidade orgânica
 
  
 
                  O requerente imputa ao Despacho em causa o vício de 
 inconstitucionalidade orgânica, por violação das alíneas b) e d) do n.º 1 do 
 artigo 165.º da Constituição, em qualquer dos casos, reportado ao chamado 
 
 “regime sancionatório” constante dos nºs 18 a 23 do Despacho – no primeiro, por 
 ele implicar condicionamento substancial e relevante do exercício da profissão 
 de DIM, e, no segundo, por estabelecer um regime sancionatório público sem 
 credencial parlamentar.
 
  
 
                  O artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição preceitua que 
 
 é da exclusiva competência da Assembleia da República – salvo autorização ao 
 Governo – legislar sobre direitos, liberdades e garantias, reserva legislativa 
 que abrange todos os direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da 
 Constituição, a saber: direitos, liberdades e garantias de carácter pessoal; 
 direitos, liberdades e garantias de participação política e direitos, liberdades 
 e garantias dos trabalhadores.
 
  
 
                  É nesta última sede que se situa o direito à livre escolha da 
 profissão a que se refere o artigo 47.º, n.º 1, da Constituição da República 
 Portuguesa, cuja vertente negativa implica:
 
  
 
                  a) – não ser forçado a escolher e a exercer uma determinada 
 profissão;
 
                  b) – não ser impedido de escolher e de exercer qualquer 
 profissão para a qual se tenham os necessários requisitos e não ser impedido de 
 obter tais requisitos.
 
  
 
                  Sobre os limites do poder regulamentar, é abundante a 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional, podendo referir-se que no Acórdão n.º 
 
 161/99 (in Diário da República II Série, n.º 39, de 16.02.2000, a fls. 3225), 
 referindo o acórdão n.º 74/84 deste Tribunal (publicado nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, Volume 4.º, pág. 54), citando Afonso Queiró (“Teoria dos 
 Regulamentos”, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXVII, p. 17), se 
 afirmou o seguinte:
 
  
 
                  “A reserva de lei constitui (...) limite do poder regulamentar: 
 a Administração não poderá editar regulamentos (independentes ou autónomos) no 
 domínio dessa reserva. Os únicos regulamentos que nas matérias reservadas à lei 
 se admitem são os regulamentos de execução. O Executivo, neste domínio, só pode 
 editar normas inovadoras sob a forma de decretos-lei, mediante autorização da 
 Assembleia da República.”
 
  
 
                  Ora, não pode, desde já, aceitar-se o entendimento do 
 requerente, segundo o qual as normas dos nºs 18 a 23 do diploma analisado 
 disciplinam, de maneira inovatória, matéria de reserva de lei.
 
  
 
                  Com efeito, ainda que o exercício da profissão de DIM comporte 
 as visitas ou os contactos com o pessoal médico, nele não se compreende um 
 direito geral de acesso a serviços públicos, onde aquele pessoal labora.
 
  
 
                  Tal como em quaisquer outros estabelecimentos de titularidade 
 diferente – nomeadamente, privada – os DIM só podem aceder-lhes, no exercício da 
 sua profissão, desde que para tal exista consentimento do respectivo titular.
 
  
 
                  No que concerne a serviços públicos, a regra é, aliás, a da 
 proibição de acesso, o que, desde logo, resulta do disposto no artigo 191.º do 
 Código Penal, que criminaliza a entrada em lugar vedado e destinado a serviço 
 público sem consentimento.
 
  
 
                  Ora, o que o Despacho em causa faz não é mais do que uma forma 
 de prestar o consentimento ao acesso (em geral, interdito) dos DIM a lugar 
 destinado a serviço público, ainda que condicionado a determinadas regras.
 
  
 
                  E a infracção a estas regras – que dão lugar ao “sancionamento” 
 dos DIM –significa que o acesso feito em tais condições não foi consentido, 
 sendo de salientar que a medida prevista não vai para além da própria regra 
 geral da proibição de acesso (no caso, temporalmente limitada) que, sem 
 regulação semelhante, se imporia sempre aos DIM.
 
  
 
                  Não se verifica, pois, qualquer restrição ao direito 
 fundamental de exercício de profissão que exija credencial parlamentar.
 
  
 
                  Não deve, porém, esquecer-se que o Tribunal Constitucional vem 
 entendendo que a reserva legislativa parlamentar em matéria de direitos, 
 liberdades e garantias abrange 'tudo o que seja matéria legislativa e não apenas 
 as restrições do direito em causa' (cf. Acórdãos n.º 128/00, publicado no Diário 
 da República II Série, de 25 de Outubro de 2000, e 255/02, publicado no Diário 
 da República I Série-A, de 8 de Julho de 2002).
 
  
 
                  E importa, também, salientar que a circunstância de o artigo 
 
 47.º, n.º 1 da Constituição sujeitar a liberdade de exercício de profissão 'às 
 restrições legais impostas pelo interesse colectivo', aliada à consideração 
 
 (possível) de que os condicionamentos de acesso dos DIM seriam ditados pelo 
 
 'interesse colectivo', não subtrairia a matéria em causa à reserva de lei no 
 ponto em que o preceito constitucional impõe que tais restrições sejam 'legais'.
 
  
 
                  Mas, a verdade é que a proibição de entrada, sem consentimento, 
 em serviços públicos (nos locais que não estão afectos ao público), tal como, 
 paralelamente, em locais privados, constitui como que uma 'fronteira natural' de 
 qualquer direito, liberdade e garantia, sem que tal represente uma matéria que 
 se possa dizer a eles – ou a qualquer um deles – atinente, de modo a sujeitá-la 
 a reserva de lei. 
 
  
 
                  
 
                  Seria, aliás, incongruente considerar matéria legislativa 
 atinente ao livre exercício da profissão de DIM o “sancionamento” do acesso, sem 
 consentimento, a lugar vedado ao público, quando o mero silêncio da 
 Administração (ou seja, sem consentimento) sempre implicaria a sujeição dos DIM 
 ao regime geral da proibição.
 
  
 
                  Pelas mesmas razões, não pode afirmar-se que os nºs 18 a 23 do 
 Despacho consagrem um regime sancionatório público. Eles têm o sentido de uma 
 revogação (com efeitos limitados no tempo) de um consentimento de acesso e que 
 se traduz na aplicação da regra legal de proibição de entrada em lugar destinado 
 a serviço público.
 
  
 
  
 
                                  5.2 – Inconstitucionalidade formal
 
  
 
                  Afastada a inconstitucionalidade orgânica, analisemos agora a 
 alegada inconstitucionalidade formal de todas as normas do diploma, em virtude 
 da omissão de citação de lei habilitante, como defendeu o requerente.
 
                  
 
                  Como já se disse, o Despacho objecto do pedido não identifica 
 lei com a qual esteja em relação. 
 
                  Na verdade, dele não consta, em parte alguma, indicação 
 expressa da lei que vise regulamentar ou que defina a competência subjectiva e 
 objectiva para a sua emissão, ou seja, da lei habilitante.
 
                  Sendo assim, independentemente de o mesmo poder consubstanciar 
 ou não um regulamento autónomo ou independente e de, enquanto tal, estar sujeito 
 
 à forma de decreto regulamentar, com os corolários referidos, certo é que ele 
 viola a regra constante do referido artigo 112.º, n.º 8 da Constituição, na 
 versão vigente à data da edição do Despacho, de falta de indicação da lei 
 habilitante.
 
                  Este vício fá-lo padecer de inconstitucionalidade formal.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
                  Destarte, atentos os fundamentos expostos, o Tribunal 
 Constitucional declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do 
 Despacho do Ministro da Saúde n.º 2837/2004, de 8 de Janeiro, por violação do 
 artigo 112.º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa, vigente à data da 
 edição do Despacho (actualmente nº 7).
 Lisboa, 5 de Dezembro de 2006
 Benjamim Rodrigues
 Gil Galvão
 Maria João Antunes
 Vítor Gomes
 Mário José de Araújo Torres
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Bravo Serra
 Artur Maurício