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Processo n.º 462/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
 
 
 
 I- Relatório
 
  
 
             1. A. interpôs recurso da sentença de 4 de Outubro de 2007, do 
 Tribunal Judicial da Comarca de Arraiolos (processo de contra-ordenação n.º 
 
 129/07.4TBARL), que julgou improcedente a impugnação da decisão da Governadora 
 Civil do Distrito de Évora, de 12 de Dezembro de 2006, mantendo a sanção 
 acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias, que lhe fora 
 aplicada pela prática da contra‑ordenação prevista e punida pelas disposições 
 conjugadas dos artigos 68.º, n.º 1, alínea a) e 76.º, alínea a), do Regulamento 
 de Sinalização de Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 
 de Outubro, e dos artigos 138.º e 146.º, alínea l), do Código da Estrada.
 
  
 
             Por acórdão de 8 de Abril de 2008, o Tribunal da Relação de Évora 
 negou provimento ao recurso, na parte que interessa, com os seguintes 
 fundamentos:
 
  
 
 “Da alegada inconstitucionalidade do nº 4 do art.175º do Código da Estrada. 
 
 [omitido]
 No caso do artº 175º, se, como se disse, o autuado escolheu uma das modalidades 
 ao seu alcance e elegeu a do pagamento, então apenas poderá apresentar a sua 
 defesa, restrita (isto é, limitada) à gravidade da infracção e à sanção 
 acessória aplicável. 
 Quer dizer, neste caso, e tendo pago por querer, tal como no caso anterior, não 
 podendo também reaver qualquer quantia ou diferencial, pode discutir duas 
 coisas: a gravidade da infracção e a sanção acessória aplicável, como resulta da 
 copulativa sublinhada. 
 Deste modo, à identidade de situações (aceita-se a diferença da existência das 
 duas alternativas no caso do artº 175º porque, estando presente, o autuado ou 
 paga ou garante) corresponde a incongruência de, tendo havido pagamento em 
 qualquer dos casos, apenas no caso do artº 175º se poder ver reduzida uma 
 infracção muito grave para grave (ou, pelos vistos, até para leve), com a 
 consequência de relevo que é o registo do condutor. 
 Apesar desta incongruência, como é salientado no dito aresto, é de aceitar que a 
 intervenção posterior ao pagamento da coima é a que resulta do acima exposto 
 para cada uma das situações analisadas. 
 O pagamento efectuado pelo arguido/recorrente, traduzindo um acto de 
 conformação, impede-o, como é óbvio, de posteriormente, discutir a prática da 
 infracção estradal que foi tida em consideração na fixação da sanção acessória. 
 
 É este na verdade o sentido da jurisprudência que temos por mais representativa: 
 cfr., vg. os Ac. da Rel. de Guimarães, de 4-6-2007, proc.º n.º 599/07- 1ª, rei. 
 Cruz Bucho, de 5-7-2007, proc.º n.º 122 1/07, rel. Tomé Branco [salientando 
 nomeadamente que “se o recorrente entendia que não tinha praticado a infracção 
 então não pagava a coima e discutia a sua verificação, sendo certo que neste 
 caso tinha de “prestar o depósito, também imediatamente, de valor igual ao 
 mínimo da coima prevista para a contra-ordenação praticada - art. 173º, n.º 2 
 CE, pelo que ao optar pelo pagamento voluntário, aceitou que a sua defesa se 
 tivesse de restringir apenas à sanção acessória”, in www.dgsi.ptj, de 
 
 29-10-2007, proc.º n.º 1658/072ª, rel. Cruz Bucho, Ac. da Rel. do Porto de 
 
 11-3-1998, proc.º 9741181, rel. Des.º Teixeira Pinto, de 19 de Julho de 2006 
 proc.º 0644050, rei. Des.º Jorge Jacob, 10-1-2007, proc.º n.º 0645886, rel. 
 Ernesto Nascimento, 14-3-2007, proc.º n.º 0647091, rel. Jorge Jacob, 23-5-2007, 
 proc.º n.º 0740433, rel. Artur Oliveira, de 14-11-2007, proc.º n.º 0744109, rel. 
 Ernesto Nascimento, todos in www.dgsj.pt. 
 Como vem sendo sublinhado em vários acórdãos que se debruçaram sobre esta 
 matéria, admitir que o arguido que pagasse a coima pelo mínimo viesse de seguida 
 discutir a verificação da contra-ordenação, traduzir-se-ia, em termos práticos, 
 no total subversão do sistema legalmente consagrado, pois a possibilidade legal 
 de liquidação da coima pelo mínimo traduz uma contrapartida legalmente concedida 
 ao arguido que se conforma com a prática da infracção, renunciando à 
 possibilidade de discutir a sua existência, sem embargo de lhe ser sempre 
 admissível impugnar a sanção acessória, a sua medida ou os termos em que foi 
 fixada. 
 E nem se diga que com semelhante interpretação ocorre violação do direito de 
 defesa do arguido. É que, em última ratio, a opção pelo pagamento voluntário, 
 com renúncia à discussão da existência da infracção e correspondente benefício 
 no montante da coima aplicável é sempre do arguido. Se este, porventura, 
 entender que não praticou a infracção e que a aplicação da coima é injusta, 
 então não a pagará voluntariamente e discutirá a verificação da 
 contra-ordenação, usufruindo de todas as garantias que a lei lhe concede. 
 Tendo procedido ao pagamento voluntário da coima, o arguido renunciou à 
 discussão da existência da infracção. 
 Acresce que ao contrário do que preconiza o recorrente, entendemos que, o 
 art.l75º, nº 4 do C. da Estrada que reza que o pagamento voluntário da coima não 
 impede o arguido de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracção e 
 
 à sanção acessória aplicável, com o devido respeito, não infringe as garantias 
 de defesa constitucionalmente consagradas. 
 Com efeito, como lucidamente é referido no acórdão da Relação de Coimbra, de 
 
 12-12-2007, proc.nº 109/07.OTBCDN, relatado pelo Exmº Desembargador Fernando 
 Ventura aquela norma constitui regime processual próprio do direito estradal, 
 especial em relação ao que decorre do regime geral das contra-ordenações, 
 constante do D.L. 433/82, de 27/10, foi justificada pelo legislador do D.L. 
 
 44/2005, de 23/02, pela consideração de que se estava perante infracções em 
 massa e que a aplicação do regime geral permitira o prolongamento excessivo dos 
 processos, com perda do efeito dissuasor da sanção. 
 Procurou-se, dessa forma, atingir maior celeridade. 
 Assim, com referência ao momento do levantamento do auto, impôs o legislador a 
 notificação do acoimando de diversos direitos e cominações, entre as quais “do 
 prazo concedido e do local para a apresentação da defesa” (artº 175º, nº 1, al. 
 d) do CE) e “da possibilidade de pagamento voluntário da coima pelo mínimo, do 
 prazo e modo de o efectuar, bem como das consequências do não pagamento” (artº 
 
 175º, n°1, al. e) do CE). 
 Esse e outros conteúdos obrigatórios da notificação, constam do verso do auto, 
 cujo triplicado é entregue ao autuado. 
 Por via dessa obrigatórias advertências, fica o acoimado com o conhecimento de 
 que pode apresentar defesa e fazer ou não o pagamento voluntário da coima pelo 
 mínimo. Se o fizer, garante que o valor da coima não será aumentado mas, 
 correspondentemente, renúncia à impugnação relativamente à verificação da 
 infracção. Mas, em inteira liberdade, pode igualmente não efectuar esse 
 pagamento e preservar a possibilidade de impugnar também a verificação da 
 contra-ordenação, o que basta para respeitar o direito de acesso ao Direito e à 
 tutela efectiva, consagrados nos artºs. 20º e 268º, nº 4 e assegurar a 
 possibilidade de defesa, de acordo com artº 32º, nº 4, todos da CRP. 
 Em bom rigor, a norma do artº 175º, nº 4 do C.E não comporta, como pretende o 
 recorrente, qualquer presunção quanto à verificação da contra-ordenação nem 
 confere valor confessório ao pagamento. O regime instituído, por razões de 
 celeridade, não é mais do que a renúncia ao recurso relativamente aos factos que 
 integram os elementos constitutivos da infracção contra-ordenacional referida no 
 auto e nestes mencionados. 
 Como ainda se refere no dito aresto, outras situações de renúncia ao recurso, em 
 virtude de condutas dos sujeitos processual, encontravam-se no regime processual 
 penal anterior à Lei 48/2007, designadamente com referência às declarações 
 referidas nos artºs. 364º, nºs 1 e 2, 389º, nº 2 e 391º E, nº 2. Também aí são 
 estabelecidas situações em que a aquiescência ou ausência de posição no sentido 
 da documentação da prova equivale à renúncia ao recurso em matéria de facto, sem 
 que fosse posto em crise a sua conformidade com a Constituição da República. 
 Assim, com o devido respeito, entendemos que neste conspecto não assiste razão 
 ao recorrente. 
 
 […]”
 
  
 
  
 
             2. O recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos 
 seguintes termos:
 
  
 
 “- o recurso é interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei 
 de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada 
 pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 
 
 13-A/98, de 26 de Fevereiro (L.T.C.); 
 
 - o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora foi tirado em 08 de Abril de 
 
 2008 e o douto Acórdão n.º 45/2008 do Tribunal Constitucional foi tirado no 
 Processo n.º 676/07 – 2ª Secção, em 23 de Janeiro de 2008; 
 
 - pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade da norma contida no art.º 
 
 175º, n.º 4, do Código da Estrada, na versão que actualmente lhe confere o 
 Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, sobre o segmento da redacção que 
 constitui o último parágrafo da mencionada norma estradal por integrante da 
 presunção inilidível que acarreta a derrogação do direito de defesa ampla do 
 arguido enquanto restrito à possibilidade de abranger o âmbito delineado pela 
 gravidade da infracção e aplicável sanção de inibição de conduzir. 
 
 - tal norma viola os art.ºs 20º, n.ºs 1 e 5, 32.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4, da 
 Constituição da República Portuguesa; 
 
 - a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos a fls. 6 do recurso 
 da decisão administrativa para o Tribunal Judicial de Arraiolos, a fls. 7 a 10 
 do recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Évora e a fls. 2 e 3 na 
 resposta ao parecer do M.P. junto do Tribunal da Relação de Évora;
 
 […]” 
 
  
 
             3. Notificadas as partes notificadas para alegações, o recorrente 
 concluiu as que apresentou da seguinte forma:
 
  
 
 “I - O artigo 175º, nº 4, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 
 
 44/2005, de 23 de Fevereiro, viola dos artigos 20º, n.º s 1 e 5, 32º, n.º 1 e 
 
 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, na sua interpretação 
 segundo a qual, pagando voluntariamente a coima, ao Arguido não é consentido, na 
 fase de impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a sanção 
 acessória de inibição de conduzir, discutir a existência da infracção. 
 II - Tal interpretação viola os direitos constitucionalmente consagrados aos 
 arguidos, pois presume-os culpados sem lhes dar a possibilidade de discutir a 
 existência de infracção perante um Tribunal. 
 III - Ao fazê-lo retira as garantias constitucionais de defesa, de processo 
 justo e equitativo e, de tutela jurisdicional efectiva. 
 IV - Interpretada neste sentido a norma ideal aplicada pelo Tribunal “a quo” dá 
 a um órgão da administração a capacidade de avaliar um acto de um cidadão, 
 tomando-o como urna confissão – tal competência reservada aos tribunais sendo 
 livre a interpretação dessa mesma confissão pelo juiz da causa; 
 V - A Constituição dá ao indivíduo a garantia jurisdicional dos seus direitos, 
 através de um processo justo e equitativo – esta norma estradal retira 
 claramente esta mesma garantia, criando presunções que não podem ser ilididas, 
 pois podem ser fruto de condicionalismos circunstanciais que levem o Arguido a 
 pagar, sem ter consciência de que está a assumir algo que pode não querer 
 assumir, sem o discutir perante órgão isento, “a posteriori” 
 VI - A Lei fundamental, dá o direito aos cidadãos de discutir as decisões 
 tomadas pelos órgãos administrativos, mas a norma em apreço vem restringir esse 
 mesmo direito à discussão da sanção e da sua gravidade, mas não a existência 
 desta – esta restrição a este direito é completamente desproporcional - violando 
 as normas de restrição previstas na nossa Lei Fundamental! 
 VII - O Tribunal “a quo”, ao aplicar a norma em causa, já anteriormente julgada 
 inconstitucional em douta sentença do Tribunal Constitucional, está, igualmente, 
 a fazer uma restrição destes direitos inadmissível, na nossa modesta opinião! 
 VIII - Deve ser, portanto, interpretada esta norma de forma a permitir ao 
 Arguido discutir em sede própria, o Tribunal, e não na berma de uma qualquer 
 estrada perante um órgão policia. a sua culpa, nem se deve presumir culpado um 
 Arguido, sem se lhe dar as suas garantias de defesa. 
 IX - Deve, enfim, permitir-se ao Arguido, discutir a sua culpa, a par da 
 gravidade e sanção acessória da coima, mesmo que este, já a tenha pago 
 voluntariamente a coima aplicada, pois tal presunção de culpa é inadmissível e 
 não poderá nunca, ser julgada de tal forma, ou seja, perante um pagamento 
 apropriado e dentro dos comportamentos cívicos normais de um cidadão, ou poderá, 
 este mesmo, pensar que a ela está obrigado, sem consciência de que estará a 
 
 “confessar a sua culpa” - acreditará, sem que é em sede de julgamento que se 
 discutirá essa mesma. 
 X - De outra forma, restringem-se os direitos fundamentais mais essenciais. 
 XI - Só assim se poderá, de facto e de direito, obter JUSTIÇA.
 XII - Em nosso modesto entender, o último parágrafo do art.º 175º, n.º 4 do 
 Código da Estrada, na versão actual do Dec.-Lei n.º 44/05 de 23 de Fevereiro, é 
 inconstitucional, face ao estabelecimento de uma presunção inilidível, que 
 acarreta a derrogação do direito de defesa ampla do arguido, por violação do 
 art.º s 18º, n.º. 2, 20º, n.º s 1 e 5, e 268º, n.º 4, da Constituição da 
 República Portuguesa, quando estipula que, depois de paga a coima, apenas se 
 pode apresentar defesa restrita à gravidade da infracção e à sanção de inibição 
 do direito de conduzir aplicável, sem possibilidade de discutir a 
 verificação/cometimento da contra-ordenação.” 
 
  
 
  
 
             O Ministério Público contra-alegou, concluindo que:
 
  
 
 “1º
 
 É ao recorrente que incumbe o ónus de delimitar o objecto do recurso de 
 fiscalização concreta interposto, delineando a interpretação normativa que tendo 
 sido feita na decisão recorrida – pretende submeter ao Tribunal Constitucional. 
 
 2º
 Não coincidem as interpretações normativas de um mesmo preceito legal, aplicado 
 pelo acórdão recorrido e questionado pelo recorrente perante o Tribunal 
 Constitucional, quando – excluindo expressamente a relação que o regime 
 constante do artigo 175º, nº 4, do Código de Estrada traduza o estabelecimento 
 de uma presunção inilidível – reportando antes a questão do limite ao âmbito da 
 defesa a uma “renúncia ao recurso” – o recorrente vai delinear o objecto do 
 recurso precisamente em função de tal norma ser integrante de “presunção 
 inilidível”. 
 
 3º
 Termos em que não deverá conhecer-se do recurso interposto.” 
 
  
 
  
 
             4. Notificado para se pronunciar sobre a questão obstativa ao 
 conhecimento do objecto do recurso suscitada pelo Ministério Público nas 
 contra‑alegações, o recorrente disse o seguinte:
 
  
 
 “1) Nos presentes Autos desde o seu inicio foram restringidos ao ora Recorrente 
 os mais elementares direitos, liberdades e garantias, consignados na C.R.P. 
 
 2) Ao Recorrente foi-lhe retirado o Direito de Defesa, estatuído nos art.º s 
 
 18.º, n.º 2, 32º, n.ºs 2 e 10, 204.º, e 268º, n.º 4 da Constituição da República 
 Portuguesa. 
 
 3) O Recorrente nos pontos 1 a XII das Conclusões do Recurso que apresentou a 
 esse douto Tribunal, delimitou o objecto do Recurso, indicando a decisão e a 
 parte da decisão que pretende impugnar. 
 
 4) Porque por seu turno um Tribunal aplicou – num Processo, ao Recorrente – 
 normas que infringem o disposto na Constituição. (Cfr. o art.º 204.º, da mesma 
 C.R.P.) e, 
 
 5) Quando faz referência à expressão “presunção inilidível” o que quis dizer foi 
 que quer no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora – dos Autos – quer no 
 douto Acórdão do Venerando Tribunal Constitucional n.º 45/08, citado nos Autos, 
 
 “implicitamente se via valorada”, na óptica do Recorrente 
 Porém, 
 
 6) Salvo o devido respeito, que é muito, ao longo das suas Conclusões neste 
 Recurso o Recorrente o que sempre defendeu foi: 
 
 - Que a interpretação do art.º 175º, n.º 4, do Código da Estrada, na redacção do 
 Decreto‑Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, segundo a qual – pagando 
 voluntariamente a coima, ao Arguido não é consentido, na fase de impugnação 
 judicial da decisão administrativa que aplicou a sanção acessória de inibição de 
 conduzir, discutir a existência da infracção – viola dos art.ºs 20º, n.º s 1 e 
 
 5, 32.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. 
 Por, 
 
 - em nosso modesto entender, a citada interpretação violar os direitos 
 constitucionalmente consagrados aos arguidos, pois presume-os culpados sem lhes 
 dar a possibilidade de discutir a existência de infracção perante um Tribunal. 
 Assim sendo, 
 
 7) Salvo o devido respeito, que é muito por outra e melhor opinião, são 
 coincidentes as interpretações normativas referidas.”
 
  
 
  
 
             Cumpre decidir, começando pela questão suscitada pelo Ministério 
 Público.
 
  
 II- Fundamentos
 
  
 
             5. O Ministério Público suscitou a questão prévia do não 
 conhecimento do objecto do recurso, alegando não existir coincidência entre o 
 sentido normativo que o recorrente quer ver fiscalizado e aquele que foi 
 efectivamente aplicado pelo acórdão recorrido. Salienta que este acórdão afastou 
 expressamente a perspectiva de que o n.º 4 do artigo 175.º do Código da Estrada 
 estabelece uma presunção inilidível da prática da infracção, considerando, 
 antes, que o sentido da norma é o de que pagamento espontâneo e voluntário da 
 coima implica renúncia ao recurso relativamente aos factos que integram os 
 elementos constitutivos da infracção.
 
  
 
             Efectivamente, para que um recurso possa ser admitido ao abrigo da 
 alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tem de verificar-se uma dupla relação 
 de identidade:
 
 - Em primeiro lugar, exige-se que a norma que o recorrente quer ver apreciada 
 tenha sido efectivamente aplicada pela decisão recorrida, como sua ratio 
 decidendi;
 
 - Em segundo lugar – e aqui reside o pressuposto específico desta abertura de 
 recurso para o Tribunal Constitucional – tem de haver identidade entre a norma 
 efectivamente aplicada na decisão recorrida e a norma anteriormente julgada 
 inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Não basta que possa ser 
 sustentado que as mesmas razões que levaram a julgar inconstitucional 
 determinada norma justificariam que juízo de igual sentido fosse formulado a 
 propósito da norma aplicada na decisão recorrida (cfr., quanto ao âmbito, aos 
 pressupostos e à razão de ser deste recurso, por exemplo, o acórdão n.º 586/98, 
 publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Março de 1999).
 
             
 Assim, cumpre apurar se a norma especificada pelo recorrente corresponde à norma 
 aplicada pela decisão recorrida e, se for caso disso, se a norma aplicada por 
 esta decisão é idêntica à julgada inconstitucional pelo Tribunal no acórdão n.º 
 
 45/2008.
 
  
 
             6. No recurso interposto para a Relação discutia-se a aplicação e o 
 alcance da norma do n.º 4 do artigo 175.º do Código da Estrada, designadamente 
 as consequências decorrentes do pagamento voluntário da coima quanto ao âmbito 
 posterior da defesa do arguido no processo contra-ordenacional. Questionava-se a 
 inconstitucionalidade do segmento normativo da parte final do preceito, quando 
 interpretado no sentido de que, paga voluntariamente a coima pelo mínimo, apenas 
 era possível ao arguido apresentar defesa restrita à gravidade da infracção e à 
 sanção de inibição de conduzir, não lhe sendo permitido discutir a prática da 
 contra-ordenação.
 
  
 A este respeito, o acórdão recorrido começa por dar notícia da divergência 
 jurisprudencial relativamente à questão da constitucionalidade da norma em 
 causa, alinhando pela corrente que entende que não padece de 
 inconstitucionalidade a interpretação do n.º 4 do artigo 175.º e do n.º 5 do 
 artigo 172.º, do Código da Estrada, segundo a qual o pagamento voluntário da 
 coima impede o agente de discutir a existência da contra-ordenação, sendo-lhe 
 apenas permitido apresentar defesa restrita à gravidade da infracção e à sanção 
 acessória aplicável.
 Mas, apreciando a argumentação do recorrente a esse propósito, o acórdão 
 recorrido afirma expressamente que a norma do n.º 4 do artigo 175.º do Código da 
 Estrada não comporta qualquer presunção quanto à verificação da 
 contra-ordenação, nem confere valor confessório ao pagamento voluntário da 
 coima, antes lhe atribuiu o efeito de “renúncia ao recurso relativamente aos 
 factos que integram os elementos constitutivos da infracção contra-ordenacional 
 referida no[s] auto[s] e nestes mencionados.” Isto é, em termos decisivos, o 
 acórdão retira da parte final do n.º 4 do art.º 175.º do Código da Estrada 
 apenas o sentido de que o pagamento voluntário da coima implica a renúncia, por 
 parte do arguido, à impugnação dos factos que no auto de notícia lhe são 
 imputados. 
 
  
 Sucede que o recorrente, ao enunciar a questão de constitucionalidade, se afasta 
 desta formulação, na medida em que integra no segmento normativo objecto do 
 presente recurso o entendimento de que tal restrição constitui “uma presunção 
 inilidível que acarreta a derrogação do direito de defesa amplo do arguido”.
 Deste modo, se a “presunção inilidível” a que o recorrente se refere respeita à 
 própria existência da contra-ordenação (tanto a factualidade, como a respectiva 
 qualificação jurídica), assistirá razão ao Ministério Público quando sustenta 
 não existir coincidência entre a interpretação normativa que o recorrente 
 pretende ver apreciada e a que foi aplicada como ratio decidendi pelo acórdão 
 recorrido. Na verdade, o acórdão apenas atribuiu ao pagamento voluntário da 
 coima o sentido de renúncia à discussão dos factos que integram os elementos 
 constitutivos da infracção. Divergência que obsta ao conhecimento do recurso, 
 por não haver coincidência entre o sentido normativo aplicado pelo acórdão 
 recorrido e aquele que o recorrente submete a apreciação.
 
  
 
             7. Acresce – e este é um obstáculo inultrapassável mesmo para quem, 
 tratando a apontada divergência como mera deficiência terminológica suprível, 
 entenda que o anterior não procede – que não há coincidência entre a dimensão 
 normativa anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal e aquela que o 
 acórdão recorrido extraiu do n.º 4 do artigo 175.º do Código da Estrada. Pelo 
 que, ainda que se reconduza o sentido enunciado pelo recorrente ao entendimento 
 adoptado pelo acórdão recorrido, nunca se verificará o pressuposto necessário 
 para que do recurso se conheça ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 LTC.
 
  
 Com efeito, o acórdão n.º 45/2008 julgou inconstitucional “a interpretação do 
 artigo 175.º, n.º 4, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-lei n.º 
 
 44/2005, de 23 de Fevereiro, segundo a qual, paga voluntariamente a coima, ao 
 arguido não é consentido, na fase de impugnação judicial da decisão 
 administrativa que aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir, discutir 
 a existência da infracção”. O que se disse neste aresto foi que não respeita “os 
 requisitos constitucionais do acesso aos tribunais para tutela efectiva de 
 direitos e interesses legalmente reconhecidos, através de um processo 
 equitativo, no âmbito de um processo judicial de impugnação de uma decisão 
 administrativa de cariz sancionatório, o critério normativo segundo o qual o 
 pagamento voluntário da coima por contra‑ordenação rodoviária impossibilita o 
 arguido de discutir em tribunal a própria existência da infracção”, “[…] quer se 
 considere que na base de tal entendimento se encontra o estabelecimento de uma 
 presunção inilidível, quer a atribuição de valor probatório absoluto à confissão 
 do arguido que estaria implícita na sua opção pelo pagamento voluntário da 
 coima”. 
 Ora, o entendimento de que o segmento normativo questionado do n.º 4 do artigo 
 
 175.º do Código da Estrada apenas comporta uma renúncia à impugnação dos factos 
 constitutivos da infracção é diverso e menos restritivo do que aquele que o 
 acórdão fundamento julgou inconstitucional. Não é a mesma coisa dizer que a 
 norma impede a discussão da existência da infracção e atribuir-lhe, somente, o 
 sentido de vedar a discussão dos factos que integram os elementos constitutivos 
 da contra‑ordenação. Perante o entendimento do n.º 4 do artigo 175.º do Código 
 da Estrada que o acórdão recorrido acabou por adoptar, sempre fica ressalvada a 
 possibilidade de defesa, na fase de determinação da sanção acessória, quanto à 
 qualificação jurídica dos factos, se não também a possibilidade de o arguido 
 invocar causas de exclusão da ilicitude e da culpa. O que a dimensão normativa 
 anteriormente julgada inconstitucional não contempla.
 
  
 
             Assim, não existindo identidade entre a norma efectivamente aplicada 
 na decisão recorrida e a norma anteriormente julgada inconstitucional pelo 
 Tribunal Constitucional no acórdão n.º 45/2008, não ocorre o fundamento de 
 admissibilidade de recurso previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 
 nº 28/82, de 15 de Novembro.
 
  
 III- Decisão   
 
  
 Nestes termos, decide-se:
 
  
 a) Não tomar conhecimento do objecto do recurso;
 b) Condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 12 (doze) 
 unidades de conta.
 Lisboa, 26 de Novembro de 2008
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão