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Processo nº 514/94 
 Relator: Cons. Messias Bento
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
                         I. Relatório:
 
  
 
                         1. O DIRECTOR DISTRITAL DE FINANÇAS DE BEJA remeteu ao 
 MINISTÉRIO PÚBLICO respectivo uns autos de averiguações respeitantes ao A., por 
 entender que  neles se indicia a prática por este último de um crime de fraude 
 fiscal, previsto e punível pelo artigo 23º do Regime Jurídico das Infracções 
 Fiscais Não Aduaneiras (aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro).
 
  
 
  
 
                         O referido Director de Finanças fez nos autos  a 
 declaração de 'pretender a administração fiscal, usando da prerrogativa do 
 artigo 46º do RJIFNA, constituir-se assistente'.
 
  
 
  
 
                         O Ministério Público ordenou a remessa dos autos ao 
 juiz, para apreciação do pedido de constituição de assistente formulado pela 
 administração fiscal, dizendo nada ter a opor a tal pretensão.
 
  
 
                         O juiz, depois de ouvir o arguido sobre o pedido, 
 indeferiu a pretensão da administração fiscal, com fundamento em que o artigo 
 
 46º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras é inconstitucional.
 
  
 
  
 
                         2. É desse despacho do juiz que vem o presente recurso, 
 interposto pelo Ministério Público ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º 
 da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação daquela questão de 
 constitucionalidade.
 
  
 
  
 
                         Neste Tribunal, apenas alegou o Procurador-Geral Adjunto 
 que formulou as seguintes conclusões:
 
 1. Com o Código de Processo Penal de 1987 foi consagrado o princípio da 
 competência exclusiva do Ministério Público para promover o processo penal, 
 ressalvando o regime dos crimes semi-públicos e particulares.
 
 2. Salvo nos crimes desta natureza, a intervenção processual dos assistentes 
 caracteriza-se por uma subordinação estrita à actuação do Ministério Público.
 
 3. Assim, tratando-se de crime público, como é o crime de fraude fiscal, o 
 assistente só poderá deduzir acusação no condicionalismo do artigo 284º do 
 Código de Processo Penal, não podendo fazê-lo se o Ministério Público se 
 abstiver de acusar.
 
 4. Nestes termos, o único interesse da constituição de assistente por parte da 
 administração fiscal radica na possibilidade, que lhe é conferida pelo artigo 
 
 287º, nº 1, alínea b), do mesmo Código, de requerer a abertura da instrução 
 relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido 
 acusação.
 
 5. Mas, sendo assim, tal constituição de assistente não afronta o disposto no 
 artigo 221º, nº 1, da Lei Fundamental, quer se entenda, quer não, que aí se 
 consagra a competência exclusiva do Ministério Público para promover o processo 
 penal.
 
 6. A Assembleia da República concedeu autorização ao Governo para legislar em 
 matéria de infracções fiscais através da Lei nº 89/89, de 11 de Setembro, que, 
 no seu artigo 6º, fixou, relativamente à matéria que ora importa, o prazo de 90 
 dias para a sua utilização.
 
 7. Para que se considere respeitado o prazo da autorização legislativa, basta 
 que ocorra dentro desse prazo a aprovação pelo Conselho de Ministros do 
 decreto-lei emitido no uso dessa autorização.
 
 8. Assim, uma vez que o Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, foi aprovado 
 em Conselho de Ministros em 28 de Setembro de 1989, deve considerar-se emitido 
 dentro daquele prazo, não enfermando, consequentemente, de inconstitucionalidade 
 orgânica.
 Deve, pelo exposto, conceder-se provimento ao recurso, determinando-se a reforma 
 da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de não 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
  
 
                         3. Corridos os vistos, cumpre decidir a questão de saber 
 se a norma do artigo 46º, nºs 1 e 2, aqui sub iudicio, é ou não 
 inconstitucional.
 
  
 
  
 
                         II. Fundamentos:
 
  
 
                         4. O mencionado artigo 46º (na redacção do Decreto-Lei 
 nº 394/93, de 24 de Novembro) dispõe como segue:
 
  
 Artigo 46º (Constituição como assistente)
 
 1. Se o auto de averiguações for remetido ao Ministério Público, a administração 
 fiscal pode constituir-se assistente, assim o declarando no próprio auto.
 
 2. A administração fiscal é representada por advogado ou licenciado em Direito 
 com funções de apoio jurídico que para o efeito for designado.
 
 3. A administração fiscal goza em matéria de custas e taxa de justiça do regime 
 fixado para o Ministério Público em processo criminal.
 
  
 
  
 
                         Registe-se que o nº 1 do artigo 46º corresponde à 
 redacção inicial do preceito.
 
                         Os nºs 2 e 3 foram acrescentados pelo Decreto-Lei nº 
 
 394/93, de 24 de Novembro, sendo de notar que, no nº 2, se contém disciplina 
 idêntica à da parte final do nº 1 do artigo 26º da Lei do Processo dos Tribunais 
 Administrativos (Decreto‑Lei nº 267/85, de 16 de Julho), onde, justamente, se 
 prescreve que, nos recursos contenciosos, a autoridade recorrida é representada 
 
 'por advogado constituído ou por licenciado em Direito com funções de apoio 
 jurídico designado para o efeito'.
 
  
 
  
 
                         Para o despacho recorrido, o artigo 46º é organicamente 
 inconstitucional, em virtude de ter sido 'promulgado depois de esgotado o prazo 
 de utilização fixado na lei de autorização legislativa (Lei nº 89/89, de 11 de 
 Setembro)'. E, para além disso, os seus nºs 1 e 2 violam o artigo 221º, nº 1, da 
 Constituição: o nº 1, porque, sendo ao MP que 'compete defender e representar em 
 juízo esses interesses' [refere-se aos interesses violados pela 'imputada 
 conduta criminosa'], o assistente - que se identifica com o Estado, pois que 'a 
 administração fiscal não tem personalidade jurídica, nem judiciária' - tem que 
 
 'estar representado em juízo por advogado'; o nº 2, 'ao permitir que outra 
 entidade que não o MP represente o Estado em tribunal'.
 
  
 
                         Diferente é, como se viu, a opinião do Ministério 
 Público.
 
  
 
                         Vejamos, então.
 
  
 
                         5. A questão da inconstitucionalidade orgânica:
 
  
 
                         5.1. O Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro (que 
 aprovou o Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras) foi editado 'no 
 uso da autorização legislativa concedida pela Lei nº 89/89, de 11 de Setembro, e 
 nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 201º da Constituição'. Por sua vez, o 
 Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro - que, como se disse, aditou o nº 2 do 
 artigo 46º, aqui sub iudicio - foi emitido 'no uso da autorização legislativa 
 concedida pela Lei nº 61/93, de 20 de Agosto, e nos termos das alíneas a) e b) 
 do nº 1 do artigo 201º da Constituição'.
 
  
 
  
 
                         Os nºs 1 e 2 do mencionado artigo 46º versam matéria de 
 processo criminal, pois que há-de ser havida como tal a definição de quem, em 
 tal processo, pode intervir como assistente e, bem assim, a indicação de por 
 quem esse assistente há-de ser representado em juízo.
 
  
 
  
 
                         Terá, então, o Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, 
 sido editado pelo Governo a descoberto de qualquer autorização parlamentar, em 
 virtude de - como se sustenta no despacho recorrido - já haver caducado a que 
 fora concedida pela Lei nº 89/89, de 11 de Setembro?
 
  
 
                         A resposta é negativa.
 
  
 
                         A autorização constante da mencionada Lei nº 89/89, de 
 
 11 de Setembro, que habilitava o Governo a legislar sobre processo penal (cf. 
 artigo 2º), quanto à matéria que aqui importa, era válida por 90 dias (cf. 
 artigo 6º) - o que significa que o respectivo prazo de validade expirava em 15 
 de Dezembro de 1989 (ou em 10 desse mesmo mês e ano), consoante se entenda que 
 as leis de autorização legislativa têm vacatio legis ou que entram imediatamente 
 em vigor [cf. artigos 216º e 279º, alínea b), do Código Civil e artigo 2º da lei 
 nº 6/83, de 29 de Julho] (cf. sobre isto o acórdão nº 121/93, publicado no 
 Diário da República, II série, de 8 de Abril de 1993).
 
  
 
  
 
                         Como o Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, foi 
 aprovado em Conselho de Ministros em 28 de Setembro de 1989; promulgado em 12 de 
 Janeiro de 1990; e referendado em 15 de Janeiro de 1990; conte-se como se contar 
 aquele prazo de 90 dias, apenas a aprovação teve lugar dentro do prazo de 
 validade da autorização legislativa ao abrigo da qual ele foi editado, que é - 
 recorda-se - a autorização concedida pela Lei nº 89/89, de 11 de Setembro.
 
  
 
  
 
                         Assim sendo, o Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, 
 só não enferma de inconstitucionalidade, por violação do artigo 168º, nº 1, 
 alínea c), da Constituição, se a aprovação em Conselho de Ministros for o acto 
 do processo legislativo (o momento) relevante para o efeito de saber se a 
 autorização foi tempestivamente utilizada pelo Governo.
 
  
 
  
 
                         Pois bem: para que se considere respeitado o prazo da 
 autorização legislativa - escreveu-se no Acórdão nº 150/92 (Diário da República, 
 II série, de 28 de Julho de 1992) e repetiu-se no Acórdão nº 386/93 (Diário da 
 República, II série, de 2 de Outubro de 1993) - 'basta que ocorra dentro desse 
 prazo a aprovação pelo Conselho de Ministros do decreto-lei emitido no uso dessa 
 autorização' (cf. também o Acórdão nº 121/93, publicado no Diário da República, 
 II série, de 8 de Abril de 1993).
 
  
 
                         Não há razões para alterar esta jurisprudência [cf., no 
 mesmo sentido, ANTÓNIO VITORINO, As Autorizações Legislativas na Constituição 
 Portuguesa, páginas 252 a 259. Cf. também JORGE DE MIRANDA (Funções, Órgãos e 
 Actos do Estado, Lisboa, 1990, policopiado), que admite esta tese na nota 4 da 
 página 476].
 
  
 
                         De facto, como se escreveu no citado Acórdão nº 150/92:
 
  
 Por um lado, não constituindo a promulgação um acto da competência do Governo, 
 não é de exigir que ela ocorra dentro do prazo concedido ao Governo para 
 legislar em determinada matéria.
 Por outro lado, e quanto à possibilidade de o Governo antedatar diplomas - 
 
 [risco para que alerta J. J. GOMES CANOTILHO, in Direito Constitucional, 5ª 
 edição, Coimbra, 1991, p. 865] -, sempre se poderia estabelecer a presunção de 
 que a sua aprovação ocorreu na data que deles consta (com admissão de prova em 
 contrário).
 Finalmente, deve entender-se que o decreto-lei aprovado dentro do prazo da 
 autorização legislativa 'existe' para o efeito de se considerar respeitado esse 
 prazo, como 'existe' qualquer decreto do Governo enviado ao Presidente da 
 República para promulgação e que este resolve enviar ao Tribunal Constitucional 
 para efeito de apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer das suas 
 normas.
 
  
 
  
 
                         O Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro - recte, a 
 norma que se contém no artigo 46º, nº 1, do Regime Jurídico das Infracções 
 Fiscais Não Aduaneiras, por ele aprovado, aqui sub iudicio - não viola, pois, o 
 artigo 168º, nº 1, alínea c), da Constituição.
 
  
 
                         5.2. Embora o juiz a quo não coloque a questão da 
 inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro - 
 que, recorda-se, aditou os nºs 2 e 3 do artigo 46º - sempre se dirá (e isto, 
 porque o nº 2 do artigo 46º por ele editado está questionado sub specie 
 constitutionis) que também ele foi aprovado em Conselho de Ministros dentro do 
 prazo de validade da respectiva autorização.
 
  
 
  
 
                         De facto, tal autorização - que, para o que aqui 
 importa, consta da parte final do artigo 2º - era válida também por 90 dias (cf. 
 artigo 12º). Ora, a Lei nº 61/93, que a concedeu, é de 20 de Agosto e a 
 aprovação daquele Decreto-Lei nº 394/93 em Conselho de Ministros teve lugar em 
 
 16 de Setembro de 1993. (A promulgação é de 15 de Novembro de 1993 e a 
 referenda, de 16 de Novembro de 1993).
 
  
 
  
 
                         O nº 2 do artigo 46º sub iudicio também não viola a 
 alínea c) do nº 1 do artigo 168º da Constituição.
 
  
 
  
 
                         6. A questão da inconstitucionalidade material:
 
  
 
                         6.1. O artigo 221º, nº 1, da Constituição, que, segundo 
 o juiz a quo, é violado pelos nºs 1 e 2 do citado artigo 46º, dispõe como segue:
 
  
 
  
 Artigo 221º (Funções e estatuto)
 
 1. Ao Ministério Público compete representar o Estado, exercer a acção penal, 
 defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar.
 
  
 
  
 
                         Ao Ministério Público compete, pois, entre o mais, 
 exercer a acção penal, promovendo a repressão dos crimes, sendo essa, aliás, do 
 ponto de vista histórico, a sua função típica (cf., a propósito, o parecer nº 
 
 8/82 da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, 19º 
 volume, página 3 e seguintes).
 
  
 
  
 
                         Ao Ministério Público, no domínio do processo penal, 
 compete 'colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do 
 direito', devendo todas as suas intervenções processuais obedecer 'a critérios 
 de estrita objectividade' (cf. artigo 53º, nº 1, do Código de Processo Penal). 
 Ou seja: à sua intervenção há-de presidir sempre uma 'incondicional intenção de 
 verdade e de justiça - tão incondicional como a do juiz', diz FIGUEIREDO DIAS 
 
 (cf., 'Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal', in 
 Jornadas de Direito Processual Penal. O Novo Código de Processo Penal, Centro de 
 Estudos Judiciários, Coimbra, 1988, páginas 3 e seguintes).
 
  
 
                         O exercício da acção penal acha-se, pois, 
 constitucionalmente cometido ao Ministério Público.
 
                         
 
  
 
                         O facto de o exercício da acção penal competir ao 
 Ministério Público não exclui a possibilidade de a lei fazer depender a promoção 
 do processo da apresentação de queixa pelo respectivo titular quando estejam em 
 causa certos crimes (os chamados crimes semi-públicos) ou, mesmo, da dedução de 
 acusação particular quando se trate de crimes que dela dependam - isto é, de 
 crimes particulares (cf. os artigos 49º, 50º e 285º, do Código de Processo 
 Penal; cf. também o citado parecer nº 8/82, páginas 18 e 19, e ainda o acórdão 
 da mesma Comissão nº 380, in Apêndice ao Diário da República, de 18 de Janeiro 
 de 1983, páginas 36-40). E, para submeter a julgamento crimes que dependam de 
 acusação particular, não se torna necessário que o Ministério Público acompanhe 
 a acusação do assistente.
 
  
 
  
 
                         Repare-se, no entanto, em que, no nosso sistema legal, o 
 Ministério Público continua a ser colaborador do tribunal na realização do 
 direito de punir, mesmo quanto aos crimes particulares.
 
                         De facto, conquanto ele só possa intervir quanto a tais 
 crimes depois de o titular do respectivo direito ter apresentado queixa e de se 
 ter constituído assistente (cf. o nº 1 do citado artigo 50º), ele procede 
 oficiosamente 'a quaisquer diligências que julgar indispensáveis à descoberta da 
 verdade e couberem na sua competência, participa em todos os actos processuais 
 em que intervier a acusação particular, acusa conjuntamente com esta e recorre 
 autonomamente das decisões judiciais' (cf. o nº 2 do artigo 50º). E mais: a 
 acusação que, acaso, vier a deduzir não tem por que ser pelos mesmos factos por 
 que o assistente deduziu a sua acusação; pode bem ser apenas 'por parte deles' 
 ou, até, 'por outros que não importem uma alteração substancial daqueles' (cf. 
 artigo 285º, nº 3).
 
  
 
  
 
                         Pelos crimes públicos, no entanto, a legitimidade do 
 Ministério Público para promover o processo não se acha condicionada pela 
 constituição de assistente por parte de quem possa intervir nessa qualidade, que 
 
 é, em regra, o portador do bem jurídico ofendido, ou seja, o titular 'dos 
 interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação' [cf. 
 artigos 48º e 68º, nº 1, alínea a)]. Nos processos por crimes públicos - e esse 
 
 é o caso dos autos -, 'os assistentes têm a posição de colaboradores do 
 Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo' 
 
 (cf. artigo 69º, nº 1, do mesmo Código). O dominus litis continua, porém, a ser 
 por inteiro o Ministério Público. O assistente só pode deduzir acusação 'pelos 
 factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles ou por outros que não 
 importem uma alteração substancial daqueles' (cf. artigo 284º, nº 1, do mesmo 
 Código). 
 
  
 Se o Ministério Público se abstiver de acusar, ao assistente resta apenas a 
 possibilidade de, no prazo de cinco dias a contar da notificação do arquivamento 
 do inquérito, requerer a abertura de instrução [cf. artigo 287º, nº 1, alínea 
 b), do mesmo Código].
 
  
 
  
 
                         Nos processos por crimes públicos, em que o exercício da 
 acção penal cabe ao Ministério Público nos termos apontados, os poderes do 
 assistente resumem-se ao seguinte:
 
                         (a). ele pode 'intervir no inquérito (e na instrução), 
 oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurem necessárias';
 
                         (b). pode deduzir acusação nos termos apontados;
 
                         (c). pode requerer a abertura de instrução, quando o 
 Ministério Público arquivar o inquérito.
 
                         (d). e, finalmente, pode interpor recurso das decisões 
 que o afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito [cf. artigo 69º, 
 nº 2, alínea c)].
 
                         A isto se circunscreve, pois, a acção conformadora do 
 assistente quanto ao sentido da decisão a proferir no processo penal movido por 
 um crime público.
 
  
 
  
 
                         Sendo isto assim - como assinala o Procurador-Geral 
 Adjunto nas suas alegações -, não se vê em que medida é que a intervenção no 
 processo da administração fiscal como assistente possa afrontar o artigo 221º, 
 nº 1, da Constituição, na parte em que aí se comete ao Ministério Público o 
 exercício da acção penal.
 
  
 
  
 
                         6.2. A violação deste preceito constitucional - 
 contrariamente ao que sustenta o juiz a quo - também não pode, obviamente, ir 
 buscar-se ao facto de a administração fiscal, para se constituir assistente no 
 processo, ter que ser representada por outrem (um advogado ou um licenciado em 
 Direito com funções de apoio jurídico).
 
  
 
  
 
                         Na realidade, a representação do Estado, que o referido 
 artigo 221º, nº 1, da Constituição, comete ao Ministério Público, não se 
 identifica com o exercício da acção penal por tal magistratura. A representação 
 de que aí se fala tem a ver com a defesa dos direitos ou interesses do Estado em 
 juízo, com o papel de advogado do Estado (cf., a este propósito, o citado 
 parecer nº 8/82).
 
  
 
  
 
                         De resto, admitindo-se a intervenção da administração 
 fiscal como assistente no processo - e já se viu não existirem razões 
 constitucionais que a recusem -, sempre ela teria que ser representada por 
 outrem que não pelo Ministério Público, já que se trata de assegurar a 
 representação no processo a um colaborador ou auxiliar deste.
 
  
 
  
 
                         7. Conclusão:
 
  
 
                         A norma do artigo 46º, nºs 1 e 2, do Regime Jurídico das 
 Infracções Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 
 de Janeiro (na redacção do Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro) não viola, 
 pois, o artigo 221º, nº 1, da Constituição, nem o artigo 168º, nº 1, alínea c), 
 da Lei Fundamental.
 
  
 
  
 
                         III. Decisão:
 
  
 Pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, 
 revoga-se o despacho recorrido que deve ser reformado em conformidade com o 
 juízo aqui feito sobre a questão de constitucionalidade.
 
  
 
  
 Lisboa, 23 de Novembro de 1995
 
  
 Messias Bento
 José de Sousa e Brito
 Luís Nunes de Almeida
 Guilherme da Fonseca
 Bravo Serra
 José Manuel Cardoso da Costa