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Processo n.º 404/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         A Caixa Geral de Depósitos intentou, em 6 de Março de 
 
 2003, no Tribunal Judicial da Comarca da Moita, acção executiva para pagamento 
 de quantia certa, com processo ordinário, contra A. e mulher, B., emergente de 
 três contratos de mútuo com hipoteca, sendo um dele celebrado em 21 de Dezembro 
 de 1999 e outros dois em 19 de Outubro de 2001, que estes teriam incumprido.
 
                         Por despacho de 2 de Maio de 2003 (fls. 72), foi 
 ordenada a citação dos executados, através de via postal simples, para, 
 decorrida a legal dilação, no prazo de 20 dias pagarem ao exequente, sob pena de 
 o imóvel hipotecado ser penhorado (artigos 811.º, n.º 1, e 835.º do Código de 
 Processo Civil – CPC).
 
                         A citação foi efectuada pela via indicada, para a morada 
 dos executados constante das escrituras dos referidos contratos (…, …, Moita), 
 constando dos autos menção desse envio, em 9 de Maio de 2003 (fls. 73), e tendo 
 sido juntos os talões com a declaração do distribuidor do serviço postal de que, 
 em 13 de Maio de 2003, havia procedido ao depósito das cartas de citação no 
 receptáculo postal da referida morada (fls. 74 e 75).
 
                         O executado marido arguiu, em 8 de Abril de 2004, a 
 nulidade da citação, afirmando nunca ter recebido a correspondente carta e ter 
 tido conhecimento da pendência do presente processo apenas quando o comprador de 
 um dos imóveis o registou, aduzindo que a morada indicada nos autos corresponde 
 a uma quinta, não oferecendo o respectivo receptáculo postal (que se encontra a 
 mais de 130 metros da residência e não é inspeccionado diariamente) qualquer 
 garantia de inviolabilidade. Mais suscitou a questão da inconstitucionalidade, 
 por violação dos princípios da proibição da indefesa e do processo equitativo, 
 consagrados no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), da 
 aplicação do regime da citação por via postal simples, estabelecido no artigo 
 
 236.º‑A do CPC, às acções executivas.
 
                         A exequente respondeu, afirmando não corresponder à 
 verdade o aduzido pelo executado quanto ao conhecimento da pendência da 
 execução, pois ele já sabia há muito que tinha sido instaurada acção executiva, 
 na sequência do que manteve vários contactos com a exequente, quer nas 
 instalações na Moita, quer na Baixa da Banheira, tendo, numa reunião realizada 
 em Novembro de 2003, solicitado à exequente a marcação de data para a celebração 
 da escritura de compra e venda, altura em que liquidaria a quantia exequenda, 
 mas, marcada a escritura para 19 de Novembro de 2003, os executados não 
 compareceram. Quanto à sua residência, ela não constitui uma “quinta”, no 
 sentido de terreno rústico com certo isolamento, mas moradia com piscina e 
 jardim, local de morada dos executados, por eles indicada para efeitos fiscais e 
 eleitorais, para a qual sempre foi remetida e recebida a correspondência 
 relativa aos mútuos em causa e expedida, em 26 de Novembro de 2003, a carta 
 registada de notificação do termo de penhora, que não foi devolvida, pelo que a 
 arguição de nulidade da citação, efectuada em Abril de 2004, além de infundada, 
 se mostrava manifestamente extemporânea.
 
                         Por despacho de 15 de Julho de 2004 (fls. 22 e 23), foi 
 julgada improcedente a invocada excepção dilatória da falta de citação, 
 reputando‑se conforme à Constituição a apontada solução legislativa. Ponderou‑se 
 nesse despacho:
 
  
 
             “A citação ordenada no despacho de fls. 46 e efectivada a fls. 48 e 
 
 49 (por depósito) colhe a sua base legal no artigo 236.º‑A, n.º 1, do Código de 
 Processo Civil (com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 183/2000, de 10 de Agosto), onde a morada dos executados nas escrituras de 
 compra e venda de fls. 16 e 23 é a mesma que consta da petição inicial e sendo a 
 acção executiva para pagamento de quantia certa, com escritura pública como 
 título executivo, é esta acção que, por excelência, representa o cumprimento de 
 obrigações pecuniárias (não distinguindo a lei entre acções declarativas e o 
 processo especial de execução), por isso determinando o Tribunal o cumprimento 
 desta forma de citação.
 
             Prosseguindo‑se a citação por via postal simples nos termos do 
 artigo 236.º‑A do Código de Processo Civil, não vislumbramos qualquer 
 inconstitucionalidade face ao artigo 20.º da CRP.
 
             Com efeito, essa opção do legislador ordinário fundou‑se, entre 
 outras razões, na responsabilidade do cidadão em sociedade perante os 
 compromissos que assume (os quais foram firmados em 19 de Outubro de 2001, ou 
 seja, as escrituras foram celebradas em data posterior à entrada em vigor da 
 opção legislativa taxada no artigo 236.º‑A do Código de Processo Civil), onde 
 se o mesmo indica uma morada e aí residindo (como continua a residir), torna‑se 
 responsável por essa indicação. Se o executado não verifica a caixa de correio 
 diariamente, ou se achava que a mesma se encontrava demasiado distante da sua 
 residência, tinha a obrigação de corrigir essa situação de incerteza, com as 
 quais era conivente e unicamente a si imputável (razão porque não pode nunca 
 operar a nulidade por falta de citação nos termos dos artigos 194.º, alínea a), 
 e 195.º, alínea e), in fine, do Código de Processo Civil).
 
             Não pode é, sem mais, lançar a incerteza, afirmando que não recebeu 
 qualquer carta (que a lei processual, na altura em vigor, não admitia – cfr. 
 artigo 236.º–A, n.º 2, do Código de Processo Civil) perante qualquer 
 notificação que se lhe dirija judicial ou extrajudicial. Com efeito, a caixa de 
 correio, merecendo actualmente tutela penal, pela sua privacidade (enquanto 
 extensão social e pessoal do indivíduo), não deixa de o ser pela circunstância 
 de os executados não a consultarem diariamente, ou acharem que a mesma se 
 encontrava demasiado distante.
 
             A solução legislativa que vigorou na redacção do artigo 236.º‑A não 
 criou qualquer incerteza ou injustiça entre as partes, antes promoveu a 
 responsabilidade dos contraentes e a segurança nas relações jurídicas, não se 
 encontrando de modo algum afectados quaisquer dos princípios plasmados no 
 artigo 20.º da CRP.
 
             Pelo exposto, tendo‑se cumprido as formalidades legais e 
 efectivando‑se a citação do executado, inexiste qualquer nulidade por falta de 
 citação nos termos dos artigos 194.º, alínea a), e 195.º, alínea e), ou sequer 
 nulidade de citação nos termos do artigo 198.º, n.º 1, do Código de Processo 
 Civil, pelo que julgo improcedente a invocada excepção dilatória, dela 
 absolvendo o exequente.”
 
  
 
                         Deste despacho agravou o executado para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa, reiterando nas respectivas alegações a tese de que “o 
 disposto no artigo 236.º‑A do CPC, em vigor na altura, a aplicar‑se às acções 
 executivas, é inconstitucional, por violar os princípios da proibição da 
 indefesa e do processo equitativo, consagrados no artigo 20.º da Constituição 
 da República Portuguesa”.
 
                         Por acórdão de 24 de Fevereiro de 2005, o Tribunal da 
 Relação de Lisboa negou provimento ao agravo, com a seguinte fundamentação:
 
  
 
             “Quer à data da instauração da execução quer da respectiva citação, 
 encontrava‑se em vigor o disposto no artigo 236.°‑A do Código de Processo 
 Civil, introduzido pelo Decreto‑Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto.
 
             Nos termos do artigo 811.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na 
 redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de 
 Março, quando não houvesse fundamento para indeferimento liminar ou 
 aperfeiçoamento da petição executiva, o juiz deveria ordenar a citação do 
 executado.
 
             As normas reguladoras da acção executiva não definiam a forma como 
 deveria ser efectuada a citação, preceituando o artigo 466.°, n.º 1, do referido 
 Código, igualmente na redacção anterior à do mencionado Decreto‑Lei n.º 38/2003, 
 que: «São subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as 
 necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração 
 que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva».
 
             Deste modo, a citação para a acção executiva teria de ser efectuada 
 pela forma prevista para o processo declarativo e, tratando‑se de incumprimento 
 contratual, esta deveria operar‑se por via postal simples, como determinava o 
 n.º 1 do referido artigo 236.°‑A do Código de Processo Civil.
 
             Dúvidas não restam de que a morada indicada na petição executiva é a 
 que consta dos contratos de mútuo e que a citação se efectuou por depósito no 
 respectivo receptáculo postal, razão para que o facto de o agravante ter 
 indicado para efeitos do registo predial outra morada distinta da constante dos 
 aludidos contratos seja de todo irrelevante, tendo em conta o n.º 2 do artigo 
 
 236.°‑A, do mencionado Código.
 
             A circunstância de o receptáculo postal se encontrar a 130 metros, 
 não ser inspeccionado diariamente e não oferecer garantias de inviolabilidade 
 também não conduz à ilegalidade da citação, na medida em que é ao agravante que 
 incumbe providenciar pela aquisição e colocação de um receptáculo postal não só 
 em condições de segurança como ainda em local apropriado e cómodo para a sua 
 conveniente inspecção.
 
             A revogação da citada disposição legal, operada pelo dito 
 Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, não teve a ver com qualquer dúvida, 
 porventura existente, sobre a constitucionalidade do preceito, mas sim com o 
 constante do preâmbulo deste diploma, na parte em que refere: «Aproveita‑se a 
 nova figura do solicitador de execução para lhe atribuir a citação pessoal do 
 réu na acção declarativa, simultaneamente se fazendo cessar a modalidade da 
 citação postal simples».
 
             Na realidade, o facto de nas acções para cumprimento de obrigações 
 pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito, a citação ser efectuada 
 por aviso postal simples, para a morada indicada nesse contrato, não inibe o réu 
 ou executado e, consequentemente, o agravante, de se defender, nem tão‑pouco de 
 exercer os direitos previstos no artigo 20.° da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
             O artigo 236.°‑A do Código de Processo Civil teve em vista a 
 segurança jurídica e o evitar perturbações nas citações nos casos ali previstos.
 
             Perante isto, não se vislumbra que uma citação operada por aviso 
 postal simples e colocada, como foi o caso em apreço, no receptáculo da 
 residência do agravante possa obstar aos seus direitos de defesa e ao acesso ao 
 direito e à tutela jurisdicional efectiva, motivo pelo que a alegada 
 inconstitucionalidade não se verifica.
 
             A citação foi, pois, legalmente efectuada.
 
             Assim, face ao exposto, nega‑se provimento ao agravo e, em 
 consequência, confirma‑se o douto despacho recorrido.”
 
                         É contra este acórdão que, pelo mesmo recorrente, vem 
 interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos 
 princípios da proibição da indefesa e do processo equitativo, consagrados no 
 artigo 20.º da CRP, “da norma ínsita no artigo 236.º‑A do CPC, com a redacção 
 que lhe foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto”.
 
                         No Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou 
 alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
             “I – O disposto no artigo 236.°‑A, n.º 1, do CPC, em vigor na 
 altura, a aplicar‑se às acções executivas, é inconstitucional por violar os 
 princípios da proibição da indefesa e do processo equitativo, consagrados no 
 artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa.
 
             II – Tal violação foi prontamente verificada pelo legislador que, 
 com a entrada em vigor do Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, revogou tal 
 disposição, acabando com a possibilidade da citação por via postal simples.”
 
  
 
                         A recorrida não contra‑alegou.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         Foi o Decreto‑Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, que, 
 com o aditamento do artigo 236.º‑A e a alteração de redacção do artigo 238.º, 
 ambos do CPC, veio estabelecer a possibilidade de “citação por via postal 
 simples” em duas situações: nas acções para cumprimento de obrigações 
 pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito e nos casos de frustração 
 de citação por via postal por meio de carta registada com aviso de recepção. Na 
 primeira hipótese, a citação era feita mediante o envio de carta simples, 
 dirigida ao citando e endereçada para o domicílio ou sede que tivesse sido 
 inscrito naquele contrato para identificação da parte (excepto se esta tivesse 
 expressamente convencionado um outro local onde se devesse considerar 
 domiciliada ou sediada para efeitos de realização da citação em caso de 
 litígio). Na segunda hipótese, a secretaria obtinha informação sobre a 
 residência, local de trabalho ou, tratando‑se de pessoa colectiva ou sociedade, 
 sobre a sede ou local onde funcionava normalmente a administração do citando, 
 nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da 
 Direcção‑Geral dos Impostos e da Direcção‑Geral da Viação, e, então, das duas 
 uma: ou existia coincidência entre os endereços da carta registada enviada e os 
 constantes de todas as bases de dados, caso em que se procedia à citação por via 
 postal simples para esse local; ou não existia essa coincidência, caso em que a 
 citação por via postal simples devia ser feita para cada um dos locais 
 constantes dessas bases. As formalidades da citação eram as seguintes: (i) o 
 funcionário judicial lavrava uma cota no processo com a indicação expressa da 
 data da expedição da carta simples ao citando e do domicílio ou sede para a 
 qual foi enviada (n.º 5 do artigo 236.º‑A); (ii) o distribuidor do serviço 
 postal procedia ao depósito da referida carta na caixa de correio do citando e 
 lavrava uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto desse 
 depósito, remetendo‑a de imediato ao serviço ou tribunal remetente (n.º 6 do 
 artigo 236.º‑A). A notificação considerava‑se efectuada no dia em que o 
 distribuidor do serviço postal tivesse depositado a carta na caixa postal do 
 citando ou na caixa postal do endereço indicado nas bases de dados, data que era 
 indicada na declaração remetida ao tribunal, e tinha‑se por efectuada na pessoa 
 do citando (n.º 2 do artigo 238.º‑A do CPC).
 
                         Essa possibilidade de citação por via postal simples, 
 instituída pelo Decreto‑Lei n.º 183/2000, foi entretanto revogada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, sendo agora regra a de que a citação 
 postal se faz por meio de carta registada com aviso de recepção (artigo 236.º) e 
 de que, frustrando‑se essa via postal, é efectuada mediante contacto pessoal do 
 solicitador de execução com o citando (artigo 239.º).
 
                         É conhecida a polémica que a referida inovação suscitou 
 quer entre os profissionais forenses, quer a nível doutrinário, com base na 
 alegada insegurança, não só do conhecimento, mas da própria cognoscibilidade do 
 acto de citação por parte do destinatário. Carlos Lopes do Rego (“Os princípios 
 constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e 
 cominações e o regime da citação em processo civil”, em Estudos em Homenagem ao 
 Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, pp. 835‑859) aponta, a 
 este propósito, como aspectos criticáveis: (i) quanto ao primeiro grupo de 
 situações (acções emergentes de contratos escritos): 1) a suficiência da mera 
 indicação da residência ou sede do citando constante do contrato escrito (não 
 se exigindo –  como no “Regime dos procedimentos destinados a exigir o 
 cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não 
 superior à alçada do tribunal de 1.ª instância”, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 269/98, de 1 de Setembro – a convenção pelas partes do local onde se consideram 
 domiciliadas para efeito de realização de citação ou notificação em caso de 
 litígio); 2) a aplicabilidade do regime independentemente do valor da causa; e 
 
 3) a não exigência de uma primeira tentativa de citação por via postal 
 registada (como ocorria nesse Regime); (ii) quanto ao segundo grupo de situações 
 
 (acções que não tenham como causa de pedir um contrato em que se haja inscrito o 
 domicílio ou a sede do réu mas em que se frustrou a tentativa de citação por via 
 postal registada): a criação de um verdadeiro domicílio judicial necessário, 
 assente nos elementos que constem, em alternativa, das quatro bases de dados 
 referidas, a que a secretaria passa a ter acesso sem necessidade da autorização 
 judicial prevista no artigo 519.º‑A do CPC; (iii) quanto a ambos os grupos de 
 situações: a manutenção integral dos efeitos cominatórios e preclusivos 
 associados à revelia do réu, cuja gravidade “pressupõe necessariamente uma 
 certeza prática no conhecimento ou cognoscibilidade do acto de citação e uma 
 efectiva e real possibilidade de arguir os vícios que, porventura, inquinem tal 
 acto”, condições que “não se mostram suficientemente asseguradas pelo regime 
 estabelecido para a citação por via postal simples, já que o simples depósito de 
 uma carta no receptáculo postal de um domicílio presumido não assegura, em 
 termos bastantes, aquela cognoscibilidade”.
 
                         Apesar do conhecimento destas críticas e da vigência do 
 questionado regime durante cerca de três anos, o certo é que esta é a primeira 
 vez que a questão da constitucionalidade da norma do artigo 236.º‑A do CPC é 
 colocada ao Tribunal Constitucional, e, no que concerne à estatuição do artigo 
 
 238.º, apenas se registaram cinco decisões deste Tribunal: Acórdãos n.ºs 
 
 287/2003, 91/2004, 243/2005 e 104/2006 e Decisão Sumária n.º 505/2004.
 
                         A primeira decisão que o Tribunal Constitucional 
 proferiu sobre o regime da citação por via postal simples recaiu numa hipótese 
 em que, em acção declarativa subsequente a procedimento de injunção em que se 
 frustrara a notificação por carta registada com aviso de recepção do requerido, 
 não tendo as partes estipulado um domicílio no contrato de cujo incumprimento 
 emergia a acção, o réu foi imediatamente citado, por via postal simples, para a 
 residência indicada pelo credor, sem que o tribunal averiguasse previamente a 
 coincidência dessa residência com as constantes das bases de dados referenciadas 
 no n.º 1 do artigo 238.º do CPC. Trata‑se do Acórdão n.º 287/2003, no qual o 
 Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação normativa do 
 n.º 2 do artigo 238.º do CPC em causa, e, no qual, após recordar anterior 
 jurisprudência sobre o princípio da proibição de indefesa, designadamente em 
 citações e notificações no domínio do direito processual civil (Acórdãos n.ºs 
 
 271/95 e 333/95), consignou o seguinte:
 
  
 
             “Recentemente, disse‑se no Acórdão n.º 508/2002, de 2 de Dezembro de 
 
 2002, in Diário da República, II Série, de 26 de Fevereiro de 2003:
 
  
 
             «O direito de defesa do réu ou demandado judicialmente, ou o chamado 
 princípio da proibição da indefesa é indiscutivelmente um direito de natureza 
 processual ínsito no direito de acesso aos tribunais, constante do artigo 20.º 
 da Constituição, e cuja violação acarretará para o particular prejuízos 
 efectivos, decorrentes de um impedimento ou um efectivo cerceamento ao exercício 
 do seu direito de defesa.»
 
  
 
             E, mais adiante, escreveu‑se que «(...) o legislador tem de prever 
 mecanismos para evitar que o processo fique parado indefinidamente, à espera de 
 que o demandado seja localizado e chamado ao processo. Há que conciliar e 
 equilibrar os vários princípios e interesses em jogo, nomeadamente os do 
 contraditório e da referida proibição da indefesa com aquele outro princípio da 
 celeridade processual e ainda com os princípios da segurança e da paz 
 jurídica, que são valores e princípios de igual relevância e 
 constitucionalmente protegidos» e não permitir que o processo «se arraste 
 indefinidamente em investigações exaustivas e infindáveis ou que as mesmas se 
 possam reabrir ou efectuar novamente a qualquer momento no decurso do processo, 
 o que poderia ter consequências desestabilizadoras e frustrar assim o alcance 
 da justiça».
 
  
 
             7 – Ora, no caso em apreço, seguindo esta linha jurisprudencial, o 
 que importa decidir é se, no balanceamento daqueles princípios e interesses, 
 referidos no acórdão que se acabou de transcrever, a solução legislativa em 
 causa – tal como o julgador a interpretou – ofende desproporcionadamente os 
 direitos de defesa do demandado, pela forma adoptada de comunicação da 
 propositura da acção, nomeadamente se ela oferece as garantias mínimas de 
 segurança e fiabilidade em termos de se não tornar impossível ou excessivamente 
 difícil a ilisão da presunção de efectivo recebimento da citação, defendendo‑se 
 contra a eventualidade de ausências ocasionais. 
 
             E recorde‑se, uma vez mais, que a interpretação judicial em causa – 
 afastada por inconstitucionalidade – se configura nos seguintes termos:
 
             Em caso de cobrança de um crédito inferior à alçada da 1.ª 
 instância, emergente de um contrato escrito, sem domicílio convencionado, a 
 citação do demandado, na acção subsequente ao processo de injunção em que se 
 frustrou a notificação por carta registada endereçada para o domicílio indicado 
 pelo autor, deve fazer‑se por via postal simples, sem prévia consulta às bases 
 referidas no artigo 238.º, n.º 1, do CPC.
 
             Entende‑se que esta «norma» ofende o disposto no artigo 20.º da 
 Constituição.
 
             Tem, com efeito, razão o recorrente quando sustenta que deste modo 
 se confere uma tutela desproporcionada ao interesse da celeridade no andamento 
 dos processos «desvalorizando, concomitantemente, as exigências de segurança e 
 justiça e o cabal cumprimento da regra do contraditório».
 
             De facto, tal «norma» acaba por fazer aplicar aos casos em que não 
 há domicílio convencionado – e, consequentemente, não há por parte do devedor o 
 dever de informar o credor das alterações do domicílio, nem a obrigação de 
 controlar periodicamente o correio depositado no receptáculo postal do 
 domicílio – o regime previsto para as situações de domicílio pactuado.
 
             Com este regime, em que não há qualquer comprovação de exactidão do 
 dado referente ao domicílio do réu (não se consultam as bases referidas no 
 artigo 283.º, n.º 1, do CPC), torna‑se extremamente onerosa ou mesmo impossível 
 a ilisão da presunção de depósito da carta simples no receptáculo postal daquele 
 domicílio (a prova de um facto negativo), sendo certo que a certificação do 
 depósito é feita pelo distribuidor do servidor postal que, como diz o 
 recorrente, «não pode considerar-se um funcionário público provido de fé 
 pública».
 
             Trata‑se, pois, de uma situação em que se pressupõe o efectivo 
 conhecimento da petição, por parte do réu, quando o depósito da carta simples 
 não representa um índice seguro da sua recepção e difícilmente pode ser ilidido. 
 Tudo com a consequência de a falta de contestação gerar a condenação de 
 preceito consagrada no artigo 2.º do «Regime dos Procedimentos» anexo ao 
 Decreto‑Lei n.º 269/98 e a subsequente execução do réu. 
 
             Mostra‑se, assim, violado o princípio constitucional da «proibição 
 da indefesa» e a exigência de um «processo equitativo», ínsitos no artigo 20.º 
 da CRP.”
 
  
 
                         Posteriormente, pelos Acórdãos n.ºs 91/2004 e 243/2005, 
 o Tribunal Constitucional viria a não julgar inconstitucional a norma do n.º 2 
 do artigo 238.º do CPC, mas salientando que a situação era diversa na apreciada 
 no Acórdão n.º 287/2003 (nos casos de que emergiram os recursos onde foram 
 proferidos aqueles dois Acórdãos, havia sido inicialmente tentada a citação 
 através de carta registada com aviso de recepção, que resultou frustrada por a 
 carta não ter sido reclamada pelo destinatário, e a secretaria procedera a 
 pedidos de informação às entidades oficiais e a consulta das aludidas bases de 
 dados, tendo sido expedidas cartas postais simples para todos os endereços 
 apurados), e não deixando de sublinhar, por reprodução do afirmado no Acórdão 
 n.º 335/95, que:
 
  
 
             “(...) nos processos cíveis – normalmente quando estão 
 essencialmente em causa pretensões de natureza patrimonial e as partes são, para 
 a lei, perfeitamente iguais – o legislador tem de prever mecanismos para evitar 
 que o processo fique parado indefinidamente, à espera de que o demandado seja 
 localizado e chamado ao processo. Tratando‑se de processos de diferente 
 natureza, por exemplo em processos de natureza penal, as preocupações de evitar 
 que o processo fique parado à espera de localização do arguido levam à 
 consagração de outros mecanismos, sendo perfeitamente compreensível que o grau 
 de exigência quanto a tais mecanismos seja superior, dados os interesses em 
 causa, nomeadamente a regra constitucional de que o processo penal assegura 
 todas as garantias de defesa (veja‑se o instituto da contumácia em processo 
 penal).”
 
  
 
                         Por seu turno, a Decisão Sumária n.º 505/2004, em caso 
 considerado similar àquele sobre que versara o Acórdão n.º 91/2004, voltou a 
 julgar não inconstitucional a norma do artigo 238.º, n.º 2, do CPC.
 
                         Por último, o Acórdão n.º 104/2006 julgou 
 inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da 
 CRP, a norma do artigo 238.º‑A, n.º 4, do CPC, na redacção do Decreto‑Lei n.º 
 
 183/2000, de 10 de Agosto, “quando aplicada a casos de intervenção provocada em 
 que a não intervenção do chamado no processo não impeça que se constitua, quanto 
 a ele, caso julgado”. Convocando, como parâmetros constitucionais, os princípios 
 da proibição da indefesa e da proporcionalidade, este na tripla perspectiva da 
 adequação (a medida legislativa em causa é apropriada à prossecução do fim, a 
 ela subjacente, da celeridade processual?), da necessidade (ela significou a 
 
 “menor desvantagem possível” para a posição fundamental decorrente do direito de 
 acesso aos tribunais?) e da proporcionalidade em sentido estrito (o resultado 
 obtido é proporcional à carga coactiva que comporta?), na “ponderação de meios e 
 fins”, a que o acórdão referido procedeu, foram determinantes, para a emissão 
 final do juízo de inconstitucionalidade, as circunstâncias de, no caso concreto 
 em apreço: (i) a quantia envolvida no processo ser elevada (85 880 278$00); (ii) 
 o citando já não residir nos diferentes locais em que se presumia a sua 
 residência; (iii) não se estar perante uma situação de domicílio convencional ou 
 electivo; e (iv) a posição processual do citando, como chamado, poder implicar, 
 nos termos em que o chamamento foi feito, a formação de caso julgado, mesmo sem 
 a sua intervenção no processo.
 
                         No presente caso, porém, está em causa a norma do artigo 
 
 236.º‑A, n.º 1, do referido Código, que possibilita, nas acções para cumprimento 
 de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito, a citação 
 mediante o envio de carta simples, dirigida ao citando e endereçada para o 
 domicílio ou sede que tenha sido inscrito naquele contrato para identificação da 
 parte, excepto se esta tiver convencionado um outro local onde se deva 
 considerar domiciliada ou sediada para efeitos de realização da citação em caso 
 de litígio. Não se exige, pois, nestas situações, ao contrário do que sucede na 
 previsão do artigo 238.º do CPC, nem a prévia tentativa (frustrada) de citação 
 por via postal registada, nem a consulta das referidas quatro bases de dados 
 para controlo da correcção da indicação da morada do citando.
 
                         Não se afigura, porém, que, no contexto do caso em 
 análise, estas diferenças de regime se revelem particularmente relevantes. 
 Quando as duas últimas escrituras dos contratos de mútuo que estiveram na base 
 da instauração do processo executivo foram celebradas (em 19 de Outubro de 2001) 
 já estava em vigor o regime instituído pelo Decreto‑Lei n.º 183/2000, de 10 de 
 Agosto, através do aditamento do artigo 236.º‑A e da alteração de redacção do 
 artigo 238.º, ambos do CPC, pelo que o recorrente sabia (ou podia e devia saber) 
 que a morada por ele indicada como sua nos referidos contratos (e uma vez que 
 nestes não fora expressamente convencionado um outro local onde se devesse 
 considerar domiciliado) era aquela para onde seriam remetidas todas as citações 
 e notificações nos processos judiciais que, em caso de litígio, contra ele 
 viessem a ser instaurados. Por outro lado, também sabia (ou podia e devia saber) 
 que, em caso de alteração de residência, tinha a obrigação legal de a comunicar 
 
 à outra parte, com a antecedência fixada no n.º 2 do mesmo artigo 236.º-A.
 
                         Sublinhe‑se que, com a celebração dos contratos em causa 
 
 – contratos de mútuo com hipoteca, celebrados um em 21 de Dezembro de 1999, da 
 quantia de 9 900 000$00 (€ 49 380,99), e dois em 19 de Outubro de 2001, das 
 quantias de 19 028 741$00 (€ 94 914,16) e de 16 764 000$00 (€ 83 618,48), 
 destinados ao financiamento de aquisição de habitação própria permanente, sendo 
 que a hipoteca constituída nos dois últimos contratos recaiu sobre o prédio já 
 habitado pelos mutuários – se estabeleceu entre as partes um relacionamento 
 duradouro, que, em princípio, se estenderia ao longo dos anos até total 
 amortização dos empréstimos (cujo prazo foi sempre estipulado em 30 anos), sendo 
 essencial, para o cumprimento das recíprocas obrigações, que cada uma mantivesse 
 a outra informada de eventuais alterações do domicílio ou sede inicialmente 
 indicados. Neste contexto, não se pode considerar que fosse inesperada ou 
 abusiva (no sentido de desconforme com a finalidade da sua menção) a utilização 
 da morada indicada pelos mutuários nas escrituras como endereço adequado para 
 dar notícia da instauração da execução, muito provavelmente na sequência da 
 frustração de tentativas extrajudiciais de solução do litígio, diferentemente 
 das situações em que só com o chamamento a juízo o notificando se apercebe da 
 instauração do pleito contra si.
 
                         Por outro lado, no presente caso – diversamente do 
 ocorrido no processo em que foi proferido o Acórdão n.º 104/2006, em que se 
 apurou que o citando já não residia nos diferentes locais em que se presumia a 
 residência –, nenhuma dúvida se suscita quanto à correcção da morada dos 
 executados, pois a que constava dos contratos de mútuo e para a qual foram 
 endereçadas as cartas de citação corresponde justamente à sua residência 
 efectiva, pelo que a não exigência (em contraste com o estatuído no artigo 
 
 238.º) de prévia consulta às aludidas bases de dados surge como, de todo, 
 irrelevante.
 
                         Em causa está, pois, tão‑só a fiabilidade da tramitação 
 desta forma de citação. Ora, há que reconhecer que o legislador rodeou a 
 utilização deste modo de comunicação de actos de especiais cautelas: exige que o 
 oficial de justiça lavre cota no processo com a indicação expressa da data da 
 expedição da carta simples ao citando ou ao notificando e do domicílio ou sede 
 para a qual foi enviada (n.º 5 do artigo 236.º‑A do CPC e n.º 2.º da Portaria 
 n.º 1178‑A/2000, de 15 de Dezembro) e exige que o distribuidor do serviço postal 
 emita duas declarações escritas (uma no verso do sobrescrito depositado e a 
 outra na prova de depósito, que deve destacar do sobrescrito e enviar de 
 imediato ao tribunal remetente) de que efectuou o depósito da carta na caixa de 
 correio do citando ou do notificando, confirmando o local exacto deste depósito, 
 indicando a respectiva data e apondo a sua assinatura de forma legível (n.º 6 do 
 artigo 236.º‑A do CPC e n.º 3.º da Portaria n.º 1178‑A/2000). A isto acresce 
 que eventual falsa declaração de depósito fará incorrer o distribuidor de 
 serviço postal seu autor em infracção disciplinar e mesmo, caso exista intenção 
 de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado ou de obter para si ou para outra 
 pessoa benefício ilegítimo, infracção criminal (artigo 256.º, n.º 1, alínea b), 
 do Código Penal).
 
                         Por outro lado, não surge como excessivamente oneroso 
 para os particulares destinatários das comunicações judiciais, no âmbito do 
 dever de colaboração com a administração da justiça, enquanto manifestação de 
 uma cidadania responsável, a manutenção, em condições de segurança, de 
 receptáculos para a correspondência postal que lhes seja dirigida e a consulta 
 regular da mesma. Ao que acresce a previsão, no n.º 3 do artigo 252.º‑A do CPC 
 
 (na redacção do Decreto‑Lei n.º 183/2000, alterada pela Lei n.º 30‑D/2000, de 20 
 de Dezembro), de que ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação de 30 
 dias quando a citação haja sido por via postal simples, o que previne situações 
 de eventuais ausências temporárias do citando da sua residência.
 
                         Por último, saliente‑se que – diversamente do que 
 ocorria na situação sobre que versou o Acórdão n.º 104/2006, em que a posição 
 processual do citando, como chamado, podia implicar a formação de caso julgado a 
 ele oponível, mesmo sem a sua intervenção no processo –, no presente caso (em 
 que o executado, nas intervenções processuais que veio a assumir nos autos após 
 a arguição da nulidade da citação, jamais questionou a existência e validade dos 
 contratos celebrados nem a interrupção do cumprimento das prestações a que se 
 obrigara) o despacho notificando (cf. fls. 72) destinava‑se a instar o executado 
 a pagar ao exequente, no prazo de 20 dias, decorrida a legal dilação, sob pena 
 de o imóvel hipotecado ser penhorado, o que, aliás, resulta de determinação 
 legal expressa (artigo 835.º, n.º 1, do CPC).
 
                         Neste contexto, associando, por um lado, as particulares 
 cautelas previstas pelo legislador para evitar a ocorrência de erros na 
 tramitação deste meio de comunicação, com clara identificação de todos os passos 
 dessa tramitação e respectivos responsáveis, com, por outro lado, a colaboração 
 razoavelmente exigível aos destinatários das comunicações, e ainda, por último, 
 a concessão da aludida dilação, impõe‑se a conclusão de que o sistema 
 instituído oferece suficientes garantias de assegurar, pelo menos, que o acto de 
 comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário, em 
 termos de ele poder eficazmente exercitar os seus direitos de defesa, o que é o 
 suficiente para não dar por verificada a violação dos princípios da proibição 
 da indefesa e do processo equitativo.
 
  
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em:
 
                         a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 
 
 236.º‑A, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto‑Lei 
 n.º 183/2000, de 10 de Agosto; e, consequentemente,
 
                         b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão 
 recorrida, na parte impugnada.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 8 de Março de 2006.
 Mário José de Araújo Torres 
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Silva Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos