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Processo nº. 181/93
 
 2ª Secção (Plenário)
 Relator Cons.: Sousa e Brito
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
 
  
 I
 
  
 A CAUSA
 
  
 
  
 
                  1. No Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, A., foi 
 conjuntamente com outros condenado em processo de querela (ele em concreto) na 
 pena de oito anos e três meses de prisão e 1.000.000$00 de multa, 
 correspondente à co-autoria de um crime previsto e punível pelo artigo 23º. nº. 
 
 1, agravado nos termos do artigo 27º, alíneas c) e h), ambos do DL nº. 430/83, 
 de 13 de Dezembro (tráfico agravado de drogas).
 
  
 
                  Foi tal Acórdão confirmado, sucessivamente, pelo Tribunal da 
 Relação de Évora (Acórdão de 19/4/88) e pelo Supremo Tribunal de Justiça 
 
 (Acórdão de 25/11/89), na sequência de recursos interpostos pelo réu A.. Nesses 
 recursos suscitou, sem êxito, e no que aqui releva, a inconstitucionalidade do 
 artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929 (CPP/1929), por violação dos 
 artigos 32º., nº. 1 da Constituição, 11º., nº. 1 da Declaração Universal dos 
 Direitos do Homem, 14º., nº. 5 do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e 
 Políticos e 6º., da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
 
  
 
  
 
                  2. Recorreu, então, o réu A., para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo da alínea b) do nº. 1 do artigo 70º., da Lei nº. 28/82, de 15 de 
 Novembro (LTC).  Este Tribunal, porém, pelo Acórdão nº. 124/90, de 19 de Abril, 
 da 2ª. Secção, negou provimento ao recurso, confirmando o Acórdão recorrido (o 
 do Supremo Tribunal de 25/1/89).
 
  
 
                  Pelo Ministério Público neste Tribunal, nos termos do artigo 
 
 79º-D da LTC, alegando divergência entre o referido Acórdão nº. 124/90 e 
 anterior Acórdão do mesmo Tribunal (Acórdão nº. 219/89, de 15 de Fevereiro da 
 
 1ª. Secção), foi interposto recurso para o Plenário, que, através do Acórdão nº. 
 
 340/90, de 19 de Dezembro (fls. 2947/2982), julgou inconstitucional a norma do 
 artigo 665º. do CPP/1929, 'na interpretação que lhe foi dada pelo Assento do 
 Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1934' (adiante designado por 
 Assento), revogando nessa parte o Acórdão recorrido e determinando a remessa do 
 processo ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), 'nos termos e para os efeitos do 
 nº. 2 do artigo 80º. da Lei nº. 28/82'.
 
  
 
                  3. O STJ, através de Acórdão de 4 de Abril de 1991 (fls. 
 
 3011/3013), anulando o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora (o de 19/4/88 que 
 confirmara inicialmente o julgamento da 1ª Instância) determinou a baixa do 
 processo à mesma Relação para que se efectuasse o julgamento de acordo com os 
 
 'poderes acrescidos' de cognição em matéria de facto, decorrentes do julgamento 
 de inconstitucionalidade operada pelo Acórdão nº. 340/90 do Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 
                  4. O Tribunal da Relação de Évora, proferiu então o Acórdão de 
 
 12 de Novembro de 1991 (fls. 3027/3042), negando provimento ao recurso mantendo 
 
 'inteiramente o acórdão recorrido' (o da 1ª. Instância).
 
  
 
                  5. Desta decisão da Relação interpôs o réu A. novo recurso para 
 o STJ, formulando nas respectivas alegações as conclusões que se transcrevem:
 
 '1º -O acórdão do TC nº 219/89 de 15/2/89 declarou a inconstitucionalidade do 
 artº 665º do CPP/29, com a sobreposição interpretativa do Assento de 29/6/34;
 
  
 
  2º -Essa orientação é mantida com o acórdão nº 340/90;
 
  
 
  3º -O acórdão do STJ de 4/4/91 interpretou essa declaração de 
 inconstitucionalidade como abrangendo a parte restritiva do artº 665º e o 
 próprio assento de 1934;
 
  
 
  4º -Dessa interpretação, em harmonia com o acórdão do TC,
 
  
 
  5º -Resulta que as Relações conhecerão de facto e de direito (...) nos recursos 
 interpostos dos tribunais colectivos;
 
  
 
  6º -O acórdão recorrido adopta a orientação de que a declaração de 
 inconstitucionalidade apenas se restringe ao assento de 1934,
 
  
 
  7º -Fazendo assim depender a reapreciação da matéria de facto da apreciação das 
 deficiências, obscuridades e contradições na leitura dos quesitos,
 
  
 
  8º -Que não encontrou,
 
  
 
  9º -O acórdão recorrido desaplicou assim os acórdãos citados do TC e do STJ;
 
  
 
 10º -Não tendo o Tribunal da Relação procedido a um novo julgamento sobre a 
 matéria de facto,
 
  
 
 11º -Permanece a falta de integração determinada pelo Tribunal Constitucional.
 
  
 
 12º -A falta de garantia do direito ao recurso, nessa perspectiva, constitui 
 violação do disposto no nº 1 do artº 11º, da Declaração Universal dos Direitos 
 do Homem,
 
  
 
 13º -Cujas proposições têm o valor jurídico de princípios constitucionais, dada 
 a recepção formal operada pelo artº 16º, nº 2 da Constituição;
 
  
 
 14º -Essa falta de garantia do direito ao recurso constitui também violação do 
 disposto no nº 5 do artº 14º do Pacto Internacional de Direitos Cívicos e 
 Políticos de 16 de Dezembro de 1966,
 
  
 
 15º -O qual foi ratificado, sem reservas, pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho;
 
  
 
 16º -Essa falta de garantia do direito ao recurso constitui ainda violação do 
 disposto no artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
 
  
 
 17º -A qual foi aprovada, para ratificação, com reservas, pela Lei nº 65/78 de 
 
 13 de Outubro;
 
  
 
 18º -Essa falta de garantia traduz-se numa ilegalidade, por violação de fontes 
 de direito convencionais, recebidas por lei interna,
 
  
 
 19º -Bem como numa inconstitucionalidade material,
 
  
 
 20º -Face à manifesta violação do princípio do duplo grau de jurisdição;
 
  
 
 21º - O acórdão recorrido permanece assim, de modo implícito, a acatar a versão 
 inconstitucionalizada do artº 665º do CPP.
 
  
 
 22º -Verificam-se assim razões de anulação do acórdão recorrido
 
  
 
                                Porquanto,
 
  
 
 23º -Este violou, além das disposições legais já citadas, as constantes das 
 alíneas b), c) e d) do nº 1 do artº 668 do CPC, aplicável por força do § único 
 do artº 1º do CPP,
 
  
 
 24º -Termos em que deve ser revogado '
 
  
 
  
 
                  O STJ, desta feita através do Acórdão de 21 de Janeiro de 1993 
 
 (fls. 3104/3109), negou provimento a tal recurso confirmando o Acórdão de 
 
 12/11/91 do Tribunal da Relação de Évora.
 
  
 
                  6. É nesta sequência que aparece o presente recurso, 
 interposto pelo réu A. invocando a alínea b) do nº. 1 do artº. 70º. da LTC e 
 acrescentando:
 
  
 
 ' ... pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade do artº. 665º. do 
 Código de Processo Penal de 1929, com a sobreposição interpretativa do Assento 
 do Supremo Tribunal de 29/6/34, na parte em que determina que as relações, no 
 recurso das decisões condenatórias dos Tribunais colectivos criminais, ao 
 conhecerem da matéria de facto, haverão de basear-se exclusivamente nos 
 documentos, respostas aos quesitos e em outros elementos constantes dos autos.
 
  
 
 ----------------------------------------------
 
  
 A inconstitucionalidade do artº. 665º. foi declarada pelo acórdão do Tribunal 
 Constitucional (o Acórdão nº. 340/90) ... mas não aplicada pelos acórdãos do 
 Tribunal da Relação e pelo ora recorrido (Acórdão de 21/1/93 do STJ)...'
 
  
 
                  Nas respectivas alegações concluiu o recorrente A.:
 
  
 
                                1º - O sistema de recursos admitido na lei 
 ordinária, com a interpretação e aplicação correntes do artigo 665º do CPP, de 
 julgar limitadamente em matéria de facto, com a exclusão da renovação da prova 
 e o insuficiente conhecimento da prova produzida, não garante o direito ao 
 recurso;
 
  
 
                                2º - Não tendo o Tribunal da Relação, em rigor, 
 procedido ao reexame da prova;
 
  
 
                                3º - Inexistindo, pois, nessa âmbito, um 
 verdadeiro julgamento de facto;
 
  
 
                                4º - A falta de garantia do direito ao recurso, 
 nessa perspectiva, constitui violação do disposto no nº 1 do artº 11º da 
 Declaração Universal dos Direitos do Homem;
 
  
 
                                5º - Cujas normas têm valor jurídico de 
 princípios constitucionais, dada a recepção formal operada pelo artigo 16º, nº 
 
 2, da Constituição;
 
  
 
                                6º - Essa falta de garantia do direito ao recurso 
 constitui também violação do disposto no nº 5 do artigo 14º do Pacto 
 Internacional de Direitos Cívicos e Políticos de 16 de Dezembro de 1966;
 
  
 
                                7º - O qual foi ratificado, sem reservas, pela 
 Lei nº 29/78, de 12 de Junho;
 
  
 
                                8º - Essa falta de garantia do direito ao recurso 
 constitui ainda violação do disposto no artigo 6º da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem;
 
  
 
                                9º - A qual foi aprovada, para ratificação, com 
 reservas, pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro;
 
  
 
                                10º- Essa falta de garantia traduz-se numa 
 inconstitucionalidade material;
 
  
 
                                11º- Face à violação do princípio do duplo grau 
 de jurisdição;
 
  
 
                                12º- Com o acórdão do TC nº 401/91, de 8/1/92, a 
 declaração de inconstitucionalidade do artº 665º adquire alcance preclusivo e 
 força obrigatória geral nos termos do artº 282º, nº 1 da Constituição.
 
  
 
                                            Assim,
 
  
 
                                13º- O acórdão recorrido e a respectiva 
 argumentação estão em contradição com tais decisões,
 
  
 
                                            Pelo que,
 
  
 
                                14º- Deve ser declarada a inconstitucionalidade 
 do artº 665º. em conformidade com o juízo já anteriormente formulado naquela 
 decisão,
 
  
 
                                15º- E em consequência revogado o acórdão 
 recorrido,
 
  
 
                                16º- Determinando-se a sua reformulação de 
 harmonia com a decisão tomada sobre a questão de constitucionalidade '
 
  
 
                  O Exmº. Procurador-Geral Adjunto, por sua vez, sintetizou a 
 respectiva posição - de que se não deve conhecer do recurso - nas seguintes 
 conclusões:
 
  
 
                                1º.        Ao contrário do que pretende o 
 recorrente, a decisão recorrida não fez aplicação, à revelia da jurisprudência 
 constitucional, da norma constante do artigo 665º do Código de Processo Penal 
 de 1929, com a sobreposição interpretativa do Assento do Supremo Tribunal de 
 Justiça de 29 de Junho de 1934.
 
  
 
                                2º.        Bem pelo contrário, o Supremo 
 Tribunal de Justiça formulou, na sequência da declaração de 
 inconstitucionalidade proferida pelo acórdão nº 340/90, um enunciado normativo 
 para o referido artigo 665º que concede amplíssimos poderes de cognição, em 
 sede de matéria de facto, à Relação -- e que seguramente não é susceptível de 
 ofender o princípio constitucional das garantias de defesa.
 
  
 
                                3º.        Não é objecto idóneo do recurso de 
 constitucionalidade sindicar o modo como os tribunais judiciais 'executaram' uma 
 precedente declaração de inconstitucionalidade normativa e, muito menos, 
 controlar a forma como o Tribunal da Relação executou o enunciado normativo do 
 artigo 665º, formulado pelo Supremo Tribunal de Justiça face à declaração de 
 inconstitucionalidade constante do Acórdão nº 340/90 deste Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 
                                4º.        A garantia do segundo grau de 
 jurisdição em sede de matéria de facto, ínsita no princípio constitucional das 
 garantias de defesa, não implica a repetição da audiência perante o tribunal 
 
 'ad quem', não envolvendo o reexame global da matéria de facto, cumprindo sempre 
 ao recorrente o ónus de alegar fundadamente a existência de concretos erros de 
 julgamento sobre determinados pontos da matéria de facto.
 
  
 
                                5º.        Não deverá, deste modo, conhecer-se do 
 presente recurso, já que a decisão recorrida não fez aplicação da norma 
 invocada pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso e nas 
 alegações que apresentou (a do artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, 
 com a sobreposição interpretativa do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 
 
 29 de Junho de 1934).
 
  
 
  
 
                  Respondeu o recorrente à 'questão prévia' suscitada pelo 
 Mº.Pº., afirmando não estar em causa 'a mera execução do Tribunal a quo da norma 
 inconstitucional, mas a permanência no campo da aplicação (e interpretação 
 inconstitucional do artigo 665º. do CPP/1929'.
 
  
 
                  Determinada que foi, a fls. 3123, nos termos dos nºs. 1 e 2 do 
 artigo 79-A da LTC, a intervenção do Plenário no julgamento do recurso e 
 corridos os pertinentes vistos, importa decidir.
 
  
 II
 
  
 FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
                  7. Na procura de uma resposta à questão colocada - que é por 
 ora a da admissibilidade do recurso - mostra-se indispensável analisar com 
 algum detalhe não só ao julgamento de inconstitucionalidade consubstanciado no 
 Acórdão nº. 340/90, como a sequência processual que tendo levado o processo ao 
 STJ, à Relação de Évora e de novo ao STJ, o trouxe de volta a este Tribunal.
 
  
 
                     7.1. Através desse Acórdão do Plenário (adiante designado 
 Acórdão 340/90), julgou-se a inconstitucionalidade da norma do artigo 665º do 
 CPP/1929, na interpretação que a este fora dada pelo Assento (ou seja, a 
 redacção introduzida pelo Decreto 20147, de 1 de Agosto de 1931, com a 
 sobreposição do Assento).
 
  
 
                  Revogou-se, assim, a decisão recorrida estabelecendo-se, como 
 consequência processual dessa revogação, a remessa dos autos ao STJ a fim de que 
 este, dando cumprimento ao nº. 2 do artigo 80º. da LTC, reformasse em 
 conformidade com tal decisão de provimento, o Acórdão recorrido nesse trecho 
 processual.
 
  
 
                  Podemos sintetizar essa decisão na seguinte passagem do 
 Acórdão nº 340/90:
 
  
 
 ' ... num sistema, como o instituído pelo Código de que estamos a falar, em 
 que, (...), a prova produzida perante o Tribunal colectivo não é reduzida a 
 escrito (artº. 466º.) e as respostas aos quesitos não são fundamentadas 
 
 (artº.469º), o artigo 665º., entendido no sentido de as Relações só poderem 
 
 «alterar as decisões dos tribunais colectivos de 1ª. instância em face de 
 elementos do processo que não pudessem ser contrariados pela prova apreciada no 
 julgamento e que haja determinado as respostas aos quesitos», não constitui 
 suficiente garantia para o arguido e ofende, portanto, o nº. 1 do artigo 32º. 
 da Constituição'.
 
  
 
                              O Tribunal Constitucional 'inconstitucionalizou', 
 assim, a leitura interpretativa (e neste Acórdão apenas essa) que do artigo 
 
 665º. fez o Assento.
 
  
 
                              Tratando-se este, como sem dúvida se trata, de um 
 
 'assento interpretativo' e sendo certo que nestes 'a norma visada sofre 
 
 «profunda recomposição: é uma norma, deste modo recomposta, que passa a existir 
 no direito positivo» (...), verificando-se como que uma fusão entre a norma 
 interpretada e aquela que, afinal, o assento acaba por modular e redefinir 
 
 (Acórdão nº. 810/93, DR-II de 2/3/94), sendo isto certo, dizíamos, o que o 
 acórdão veio determinar foi afinal uma nova recomposição dessa norma que lhe 
 tirasse essa redefinição operada pelo Assento.
 
  
 
                  Ocorre ainda sublinhar, no Acórdão 340/90, a referência 
 particularmente significativa (reiterada no Acórdão nº. 401/91 - DR-I-A de 
 
 8/1/92 - proferido em processo de fiscalização abstracta sucessiva), de que o 
 julgamento de inconstitucionalidade não poderia ser entendido como expressando 
 a ideia de que só a repetição da prova em audiência pública perante as Relações 
 não estaria em conflito com o texto constitucional, acrescentando-se a 
 propósito:
 
  
 
 ' Entre o sistema em questão, que, na prática, e na grande maioria das 
 situações, reduz a zero os poderes das Relações nos recursos penais em matéria 
 de facto, e o que ordenasse a repetição da prova em audiência pública perante o 
 Tribunal de recurso outros há certamente -- não compete a este Tribunal 
 indicá-los -- que não porão em causa as garantias de defesa que o processo 
 criminal deve assegurar.
 
  
 
                     7.2. Foram estas as coordenadas fornecidas ao STJ para 
 reforma da decisão em conformidade com o julgamento da questão de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
                  Ao levar a cabo essa operação entendeu o Supremo Tribunal que a 
 redacção do artigo 665º. do CPP/1929 ficou, em função da decisão do Tribunal 
 Constitucional, reduzida, 'para os fins deste processo', à seguinte formulação:
 
  
 
 ' As Relações conhecerão de facto e de direito nas causas que julguem em 
 primeira instância, nos recursos interpostos das decisões proferidas pelos 
 juízes da primeira instância e das decisões finais dos Tribunais colectivos'.
 
  
 
                  Ou seja, consignou ainda o Supremo Tribunal:
 
  
 
 ' Advieram, assim, para as Relações poderes acrescidos de cognição em matéria de 
 facto ficando investidas, quanto às decisões dos Tribunais colectivos, de total 
 amplitude de cognição em matéria de facto, com a mesma latitude de movimentação 
 em matéria de direito'.
 
  
 
                  A anulação do julgamento da Relação de Évora ficou assim a 
 dever-se à circunstância de o mesmo se ter processado (no Acórdão subsequente ao 
 julgamento em 1ª. Instância) 'em bases restritivas', havendo que o repetir para 
 
 - usando esses 'poderes acrescidos' - 'apreciação sem quaisquer embaraços de 
 outros elementos de prova que antes não constavam do processo'.
 
  
 
                  Quanto à escolha dos meios processuais adequados a este 
 objectivo consignou o STJ:
 
  
 
 ' O preenchimento de um tal caso omisso, porque sem regulamentação legal 
 directa relativamente aos actuais poderes de cognição da Relação é, para já, 
 da competência específica daquele mesmo Tribunal, a quem pertence, por isso, 
 eleger a medida integrativa mais consentânea à obtenção do objectivo 
 determinado '.
 
  
 
                     7.3. Da decisão nesta sequência proferida, pelo Tribunal da 
 Relação de Évora, salientamos o seguinte trecho:
 
  
 
    ' Estaremos todos de acordo que no caso será de excluir a repetição da prova 
 em audiência pública perante as Relações.  E diremos nós que será de excluir 
 também a repetição do julgamento na 1ª. instância a não existir qualquer 
 nulidade de que ainda possa conhecer-se e que conduzisse à anulação do 
 processado incluindo aquele julgamento (artºs. 98 e 99º), ou a concluir-se pela 
 inexistência de qualquer vício a que alude o artº. 712º do C. Proc. Civil.  Com 
 efeito, não tendo sido pedida ou declarada a inconstitucionalidade do artº. 466º 
 e tendo sido declarada a constitucionalidade do artº. 469º ambos do C.P.Penal 
 de 1929, a repetição do julgamento fora das hipóteses anunciadas seria não só 
 manifestamente inútil como ilegal.  Sacrificar-se-ia quanto a nós o princípio da 
 verdade material que deve presidir a toda a acção processual em relação ao qual 
 as normas processuais devem apenas ser instrumento, inclusivé aquelas que 
 estabelecem as garantias de defesa do arguido.
 
  
 
 ----------------------------------------------
 
  
 
                                Assim, e muito embora se reconheça que os poderes 
 da Relação no domínio da legislação de 1929 relativamente aos recursos penais em 
 matéria de facto são reduzidos, e ainda bem, eles continuarão a sê-lo com a 
 declaração de inconstitucionalidade atrás referida, uma vez que na apreciação da 
 matéria de facto a Relação apenas poderá basear-se nos documentos, respostas 
 aos quesitos, e todos os outros elementos constantes dos autos; se assim não 
 fosse, pôr-se-ia em causa não só a verdade material, como as próprias 
 garantias de defesa do Réu '.
 
  
 
                  Depois de transcrever a matéria de facto dada como provada pelo 
 colectivo consignou ainda o Tribunal da Relação:
 
  
 
    ' Consultados os elementos dos autos; e feita a sua análise em conjunto com 
 a matéria de facto fixada pelo Colectivo, nada existe que conduza à modificação 
 desta matéria de facto, considerando-se não provado o que provado ficou ou 
 vice-versa.  Por outro lado, o recorrente não acusa um só facto dado como 
 provado na 1ª. instância de o ter sido sem prova ou com insuficiência de prova e 
 não indicou um só elemento dos autos do qual resulte ou possa resultar a 
 alteração da matéria de facto.'
 
  
 
                  Tendo-se, finalmente, pronunciado quanto às deficiências e 
 obscuridades que o recorrente invocara existirem nas respostas aos quesitos, 
 concluiu a Relação pela improcedência do recurso, mantendo as penas aplicadas.
 
  
 
                     7.4. Inconformado, o recorrente A., interpôs recurso para o 
 STJ.
 
  
 
                  Da argumentação que expendeu nas alegações (as de fls. 
 
 3062/3072) importa reter a afirmação de que o STJ no seu Acórdão de 4/4/91 (a 
 referência a 4/11/91 constitui lapso manifesto) fez uma leitura correcta, em 
 função do Acórdão 340/ /90, dos poderes de cognição da Relação quanto a matéria 
 de facto (v. ponto 3 de fls. 3066).  Porém, no entender do recorrente, 
 aplicando essa leitura ao caso dos autos, 'como não há registo de prova, 
 impõe-se, por exclusão de partes, a repetição da prova em audiência pública'.
 
  
 
                  Ou seja, o recorrente entende que a Relação de Évora 
 
 'desaplicou' os anteriores Acórdãos proferidos no processo pelo Tribunal 
 Constitucional e pelo STJ.
 
  
 
                     7.4.1. A este respeito o STJ, através do Acórdão de 21/1/93, 
 sublinhando a passagem do Acórdão n.º 340/90 em que se rejeita que a solução 
 diversa da repetição da prova em audiência pública, não cumpra a declaração de 
 inconstitucionalidade dele constante, refere, antes de negar provimento ao 
 recurso:
 
  
 
    ' O acórdão ora recorrido não se afasta da posição que vem sendo sufragada 
 neste Supremo Tribunal de Justiça - a de que nenhuma ofensa ao texto 
 constitucional e ao direito de defesa se verifica se a Relação aplica a norma do 
 artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, sem a restrição do Assento de 
 
 29 de Junho de 1934, ou a posição mais exigente de que a Relação, face às 
 dificuldades de interpretação do artigo 665º mencionado, criaria a norma 
 adequada à realização do julgamento (artigo 10º, nº 3 do Código Civil - 
 suprindo assim a lacuna sem que tal norma se pudesse afastar da contida no 
 artigo 410º do actual Código de Processo Penal de 1987, em qualquer caso dos 
 apontados sempre se podendo afirmar que o aresto ora recorrido não violou o 
 direito de defesa consagrado constitucionalmente que, como bem demonstra tal 
 aresto e este Supremo Tribunal de Justiça vem sustentando, não exige ou 
 pressupõe a repetição da prova na Relação. '
 
  
 
                     7.5. É esta decisão a que se refere o presente recurso, 
 reportado pelo recorrente à 'aplicação de norma cuja inconstitucionalidade foi 
 suscitada durante o processo', o artigo 665º. do CPP/1929, com a sobreposição 
 interpretativa do Assento.  Tal inconstitucionalidade reconhece o recorrente já 
 ter sido julgada pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 340/90, proferido 
 nos autos, mas entende não ter sido a mesma aplicada pela Relação de Évora e 
 pelo STJ na decisão recorrida.
 
  
 
                  8. Da sequência processual atrás relatada decorre que a questão 
 da inconstitucionalidade do artigo 665º., com a sobreposição interpretativa do 
 Assento, ou seja, aquela que, quanto aos poderes de cognição das Relações, 
 estabelece que eventuais alterações do decidido em matéria de facto pela 1ª. 
 Instância só podem basear-se em elementos do processo insusceptíveis de ser 
 contrariados pela prova apreciada no julgamento e que tenha determinado as 
 respostas aos quesitos, tal questão de ilegitimidade constitucional, dizíamos, 
 já foi objecto de decisão nestes autos pelo Acórdão n.º 340/90.
 
  
 
                  Ora, sendo evidente que o STJ, na decisão visando dar 
 cumprimento a este Acórdão n.º 340/90 - como o próprio recorrente reconhece - 
 já retirou à norma em causa essa sobreposição interpretativa do Assento (em 
 rigor, indo mesmo além do que resultava dessa sobreposição, já que conferiu à 
 Relação 'total amplitude de cognição em matéria de facto, com a mesma latitude 
 de movimentação em matéria de direito'), o que agora poderia estar em causa, 
 porque não abrangido pela anterior julgamento de inconstitucionalidade 
 proferido no processo, seria aquilo que 'sobeja' (digamo-lo assim) do artigo 
 
 665.º, sem a sobreposição do Assento.  Enfim, o que nesta sequência processual 
 poderia relevantemente suscitar-se seria a inconstitucionalidade do artigo 
 
 665.º mesmo sem a referida sobreposição do Assento de 29/6/34.
 
  
 
                              Como se viu, o recorrente não é isso o que 
 pretende com o presente recurso, mas antes, como diz expressamente no 
 requerimento de interposição (e resulta das alegações que produziu neste 
 Tribunal), a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 665.º, com a 
 mesmíssima sobreposição interpretativa do Assento, já apreciada.
 
  
 
                  Sendo evidente que o STJ, ao cumprir o Acórdão n.º 340/90, como 
 já se sublinhou, retirou claramente o que o Assento interpretativamente 
 acrescentara ao artigo 665.º, fica o presente recurso sem uma invocação 
 relevante de inconstitucionalidade para o efeito estabelecido na alínea b), do 
 nº. 1, do artigo 70º. da LTC.
 
  
 
                  De tudo o que se referiu resulta não estar o Tribunal 
 Constitucional legitimado a conhecer do recurso interposto.
 
  
 III
 
  
 DECISÃO
 
  
 
                  9. Assim, decide-se não tomar conhecimento do presente 
 recurso, condenando-se o recorrente nas custas, fixando-se em 5 unidades de 
 conta a taxa de justiça.
 
  
 
                  Lisboa, 29 de Novembro de 1995
 
  
 José de Sousa e Brito
 Armindo Ribeiro Mendes
 Bravo Serra
 Antero Alves Monteiro Dinis
 Maria da Assunção Esteves
 Luís Nunes de Almeida
 Alberto Tavares da Costa
 Guilherme da Fonseca
 Vítor Nunes de Almeida
 Maria Fernanda Palma
 Messias Bento
 José Manuel Cardoso da Costa