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Processo nº 940/05
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
   
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal de Trabalho de Bragança, 
 em que é recorrente o Ministério Público e recorrida a Companhia de Seguros A., 
 SA foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo 
 do Tribunal Constitucional (LTC), da sentença daquele Tribunal, de 19 de Outubro 
 de 2005.
 
 2. O Tribunal de Trabalho de Bragança indeferiu pedido de remição obrigatória da 
 pensão fixada à sinistrada B., recusando a aplicação da norma resultante do 
 artigo 56º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, quando 
 interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é 
 independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades 
 parciais permanentes superiores a 30% ou por morte, por violação do artigo 59º, 
 nº 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.
 
 É o seguinte o teor da decisão recorrida:
 
  
 
 “Veio a seguradora responsável, a fls. 49, requerer a remição da pensão devida à 
 sinistrada B., alegando que a mesma se tornou obrigatoriamente remível por ser 
 inferior a seis vezes a remuneração mínima nacional garantida à data da sua 
 fixação e por se enquadrar no regime previsto no art. 74° do D.L. 143/99, de 
 
 30/4, na redacção do D.L. 382-A/99 de 23/9.
 
             Notificada para se pronunciar, a sinistrada declarou que não aceita 
 a remição da sua pensão, pretendendo que esta lhe seja paga mensalmente.
 
             A Digna Magistrada do M.ºP.º emitiu parecer desfavorável à pretensão 
 da requerente, conforme douta promoção de fls. 61, face à oposição da 
 sinistrada.
 
             Cumpre decidir.
 
             Nos termos dos artigos 33° n.º 1 da Lei 100/97 de 13/9 e 56° n.º 1 
 als. a) e b) do D.L. 143/99 de 30/4, aplicável às pensões resultantes de 
 acidentes ocorridos antes da sua entrada em vigor, por força do disposto no 
 artigos 41º n.º 2 al. a) da Lei, passaram a ser obrigatoriamente remíveis as 
 pensões anuais devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões 
 vitalícias que não sejam superior a seis vezes a remuneração mínima mensal 
 garantida mais elevada à data da fixação da pensão e as devidas a sinistrados, 
 independentemente do valor da pensão anual, por incapacidade permanente e 
 parcial inferior a 30%.
 
             Alinhamos com a posição expressa no Ac. do STJ de 13/7/2004 (n.º 
 convencional JSTJ000, in http://www.dgsi.pt), no sentido de que a data da 
 fixação da pensão não pode ser entendida como a data da decisão judicial que a 
 fixou, mas antes a data a partir da qual a pensão é devida. Esta tese não 
 colide, salvo melhor entendimento, com a uniformização de jurisprudência fixada 
 pelo STJ no seu Acórdão n° 4/2005, publicado no DR I-A de 2/5/2005.
 
             Ora, no caso dos autos a sinistrado está afectada de incapacidade 
 permanente parcial para o trabalho de 35%, sendo a pensão em causa devida desde 
 
 5/1/1980. Por sua vez, o seu valor era de 15.960$00 (E 79,61), ou seja, era 
 inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada 
 estabelecida pelo D.L. 480/80 de 15/10, que era de 9.000$00 (E 44,89).
 
             Estariam, pois, à partida, reunidos os pressupostos necessários à 
 remição obrigatória da pensão.
 
             Contudo, como vem sendo entendido pelo Tribunal Constitucional, as 
 normas dos artigos 56° n° 1 al. a) e 74° do D.L. 143/99 de 30/4 são 
 inconstitucionais por violação do direito à justa reparação por acidente de 
 trabalho ou doença profissional, consagrado no art. 59° n° 1 al. f) da 
 Constituição, quando interpretadas no sentido de imporem a remição obrigatória 
 total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes 
 nos casos em que estas excedam 30%.
 
             Transcreve-se, por elucidativa, parte da fundamentação do Acórdão n° 
 
 56/2005 do Tribunal Constitucional publicado no Diário da República, II Série, 
 n° 44 de 3/5/2005, doutamente relatado pelo Exmº Conselheiro Paulo Mota Pinto, 
 no qual se apreciou a inconstitucionalidade material do citado art. 74° do D.L. 
 
 143/99, quando interpretado no sentido de abranger no conceito de pensões de 
 reduzido montante todas as pensões infortunísticas laborais, incluindo nelas as 
 situações de total ou elevada incapacidade permanentes:
 
             «(...).
 
             5- No Acórdão n.º 379/2002 (publicado em Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 54, págs. 313-321) escreveu-se, a propósito, então, do 
 artigo 56° do Decreto-Lei n.º 143/99, que a “filosofia subjacente” à remição 
 obrigatória de pensões prevista no seu n.° 1, segundo dois diferentes critérios 
 
 – o do montante diminuto da pensão, segundo a alínea a), e o do grau de 
 incapacidade laboral, nos termos da alínea b) – e à remição facultativa de 
 pensões, prevista no seu n.º 2, era:
 
             “[...] a de permitir que a compensação correspondente à pensão 
 fixada ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional, 
 não impeditivos de posterior exercício da sua actividade, possa converter-se em 
 capital e, assim, ser aplicada porventura de modo mais rentável do que a 
 permitida pela mera percepção de uma renda anual.
 
             Se a via que o legislador encontrou é válida perante uma 
 incapacidade diminuta, a que corresponda montante de pensão reduzido, já não o 
 será em casos de maior gravidade, de modo a colocar, porventura, em causa, dada 
 a álea inerente, a aplicação do capital. Daí o não se aceitar que, nos casos de 
 incapacidade de trabalho fixada em maior percentagem, com natural repercussão no 
 montante da pensão, se estabeleça uma limitação ao poder de o trabalhador pedir 
 ou não a remição, reflectida na obrigatoriedade de a esta se proceder.”
 
             Tal interpretação da teleologia das normas é corroborada pela 
 salvaguarda, no n.º 2 do artigo 33° da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, de um 
 limite máximo à remição parcial em situações de “incapacidade igual ou superior 
 a 30%” (“desde que a pensão sobrante seja igual ou superior a 50% do valor da 
 remuneração mínima mensal garantida mais elevada”), e pela inexistência de 
 previsão de “ um capital de remição”, no artigo 17° da Lei n.º 100/97, para 
 situações em que a incapacidade fosse superior a 30%. (...)
 
             Em todo o caso, o argumento mais relevante apresentado pela decisão 
 recorrida contra a conformidade constitucional da norma do artigo 74° do 
 Decreto-Lei n.º 143/99 (na redacção dada pelo artigo 2°, do Decreto-Lei n.º 
 
 382-A/99, e na interpretação que foi efectuada pela decisão recorrida, que o 
 Tribunal Constitucional tem de aceitar como um dado no presente recurso) foi, 
 justamente, o dos limites à teleologia da remição: nesses casos de incapacidade 
 elevada, “só a subsistência de uma pensão vitalícia poderá precaver o sinistrado 
 contra o destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição 
 obrigatória, em casos como o sub judice”.
 
             Neste ponto, a decisão recorrida foi também ao encontro da 
 ponderação reiterada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 302/99 (publicado 
 em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 43, págs. 597-603), no qual se pode 
 ler:
 
             “o estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a 
 compensação pela perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a 
 infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor.
 
             E, por isso, compreende-se que, se uma tal perda não foi por demais 
 acentuada, o que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho ou a doença 
 profissional não implicou a futura continuação do desempenho de labor por parte 
 do trabalhador (ainda que tenha reflexo, mesmo em medida não muito relevante, na 
 retribuição por aquele desempenho, justamente pela circunstância de não 
 apresentar uma total capacidade de trabalho), se permita que a compensação 
 correspondente à pensão que lhe foi fixada - e sabido que é que, de uma banda, o 
 montante das pensões é de pouco relevo e, de outra, que o quantitativo fixado se 
 degrada com o passar do tempo - possa ser ‘transformada’ em capital, a fim de 
 ser aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que 
 a mera percepção de uma ‘renda’ anual cujo quantitativo não pode permitir 
 qualquer subsistência digna a quem quer que seja.
 
             Transformação essa que ocorrerá a requerimento do trabalhador ou da 
 entidade responsável pelo pagamento da pensão, ou, até, obrigatoriamente, por 
 força da própria lei, neste último caso quando a incapacidade for diminuta (até 
 
 10%) e o montante da pensão for reduzido. Outrotanto se não passará quando em 
 causa se postarem acidentes de trabalho ou doenças profissionais cuja gravidade 
 seja de tal sorte que vá acentuadamente diminuir a capacidade laboral do 
 trabalhador e, reflexamente, a possibilidade de auferir salário condigno com, ao 
 menos, a sua digna subsistência. Nestas situações, e porque a pensão é, 
 necessariamente, de mais elevado montante, servirá ela de complemento à parca (e 
 por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de 
 trabalho.
 
             Se o montante dessas pensões se perspectivar como algo que actua (ou 
 actuaria desejavelmente) como um mínimo de asseguramento de subsistência, então 
 compreende-se que o legislador pretenda, como assinala o Ex.mo Procurador-Geral 
 Adjunto na sua alegação, “colocar o trabalhador a coberto dos riscos de 
 aplicação do capital de remição”.
 
             Efectivamente, a aplicação de um capital - ainda que no momento em 
 que essa intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, 
 porquanto proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o 
 correspondente à percepção da pensão anual - é sempre alguma coisa que, em 
 virtude de ser aleatória, comporta riscos.
 
             E daí se aceitar que, nos casos em que a incapacidade de trabalho se 
 situa em maior percentagem (com o consequente maior montante da pensão), o 
 legislador, para ressalva do próprio trabalhador que dessa incapacidade padece, 
 não autorize a remição das respectivas pensões, desta sorte estabelecendo uma 
 limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição.”
 
             Neste acórdão n.º 302/99 (bem como no Acórdão n.º 482/99, disponível 
 em www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre 
 a conformidade constitucional de disposições que vedam a remição de certas 
 pensões “a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis”, e 
 julgou-as inconstitucionais por violação das disposições conjugadas dos artigos 
 
 13°, n.º 1, 59°, n.º 1, alínea f), e 63°, n.º 3, da Constituição.
 
             No presente caso, o problema é de certa forma inverso, pois não está 
 em causa a limitação ao poder de o trabalhador ponderar se, atento o diminuto 
 quantitativo da pensão, não seria mais compensador a efectivação da remição {que 
 redundava – disse-se –, “verdadeiramente, na consagração de uma discriminação 
 materialmente infundada, actuando como um obstáculo a que o sistema de segurança 
 social proteja adequadamente [...] o direito dos trabalhadores à justa 
 reparação, quando vítimas de acidentes de trabalho ou de doença profissional 
 
 [artigo 59°, n° 1, alínea f), do diploma básico]”}, mas antes a limitação a 
 continuar a receber a pensão, pela imposição de uma remição obrigatória, para 
 todas as pensões infortunísticas laborais, mesmo que por incapacidades parciais 
 permanentes que excedam 30%.
 
             Todavia, também no presente caso a interpretação em causa redunda 
 numa limitação do poder de o trabalhador ponderar se é menos arriscado continuar 
 a receber a pensão e recusar a remição – numa imposição do risco do capital a 
 receber –, a qual, com a extensão que a dimensão normativa admite, tomaria 
 precário e limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando 
 vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional.
 
             (...).
 
             Pode, assim, concluir-se, como nos acórdãos citados, que a remição 
 total obrigatória –isto é, independentemente da vontade do beneficiário – de uma 
 pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente superior a 
 
 30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por acidente de 
 trabalho ou doença profissional, consagrado no artigo 59°, n.º 1, alínea f), da 
 Constituição.
 
 (...).»
 
             Os ensinamentos resultantes da jurisprudência constitucional citada 
 valem igualmente para o art. 56° n° 1 al. a) quando interpretado no sentido de 
 impor a remição obrigatória total, isto é independentemente da vontade do 
 titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores 
 a 30% ou por morte, na medida em que, ao impor uma limitação ao direito do 
 sinistrado ou do beneficiário legal poder optar, ou pela remição, ou, antes, 
 pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda anual, tal interpretação põe 
 em causa o principio constitucional do direito à justa reparação por acidente de 
 trabalho ou doença profissional estabelecido no art. 59° n° 1 al. f) da 
 Constituição.
 
             Pelo exposto, considerando que a sinistrada nestes autos declarou 
 não aceitar a remição da sua pensão, decide-se não aplicar, por 
 inconstitucional, por violação do art. 59° n° 1 al. f) da Constituição, a norma 
 resultante do art. 56° n° 1 al. a) do D.L. 143/99 de 30/4, quando interpretada 
 no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é independentemente da 
 vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes 
 superiores a 30% ou por morte, e, consequentemente, indeferir a requerida 
 remição obrigatória da pensão fixada nestes autos à sinistrada B..
 
  
 
 3. Notificado para alegar, o Ministério Público formulou as seguintes 
 conclusões:
 
  
 
             «1 – Face à firme corrente jurisprudencial, formada na esteira do 
 decidido no acórdão n° 56/05, não se conforma com o princípio constitucional da 
 justa reparação dos danos emergentes de acidentes laborais, estabelecido no 
 artigo 59°, n° 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa o regime que 
 se traduz em impor ao trabalhador/sinistrado – contra a sua vontade expressa no 
 processo – a obrigatória remição das pensões vitalícias que – independentemente 
 do seu montante pecuniário – visam compensar graus elevados – superiores a 30% – 
 de incapacidade laboral.
 
             2 – Tal entendimento tanto se justifica quanto às pensões fixadas 
 anteriormente à vigência do Decreto-Lei n° 143/99 (previstas no artigo 74°), 
 como às pensões decorrentes de acidentes já ocorridos após vigorar este diploma 
 legal, cuja remição obrigatória está prevista e regulada no artigo 56°.
 
             3 – Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – em 
 consequência da remição da pensão – certos trabalhadores receberem um capital 
 indemnizatório, que passam a administrar livremente, enquanto os restantes 
 continuam a receber uma indemnização expressa em pensão ou renda vitalícia, não 
 objecto de remição.
 
             4 – Porém, a norma constante do artigo 56°, n° 1, alínea a) do 
 Decreto-Lei n° 143/99, ao impor, independentemente da vontade do trabalhador, a 
 remição obrigatória total de pensões atribuídas por incapacidades parciais 
 permanentes superiores a 30%, ofende o princípio constitucional da justa 
 reparação de danos causados por acidentes laborais.
 
             5 – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de 
 inconstitucionalidade constante da decisão recorrida».
 
  
 
 4. A recorrida não alegou, depois de notificada para o efeito.
 
  
 II. Fundamentação
 O presente recurso tem como objecto a norma resultante do artigo 56º, nº 1, 
 alínea a), do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, quando interpretada no 
 sentido de impor a remição obrigatória total, isto é independentemente da 
 vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes 
 superiores a 30%.
 O Tribunal de Trabalho de Bragança recusou a aplicação desta norma, com 
 fundamento no disposto no artigo 59º, nº 1, alínea f), da Constituição da 
 República Portuguesa, num processo em que a sinistrada, afectada de incapacidade 
 permanente parcial para o trabalho de 35%, por via de acidente laboral ocorrido 
 em 1980, declarou não aceitar a remição da pensão por si auferida, na sequência 
 de requerimento feito pela seguradora responsável.
 Sobre a questão de constitucionalidade que é objecto do presente recurso, pode 
 ler-se no Acórdão o Tribunal Constitucional nº 58/2006 (não publicado) o 
 seguinte:
 
  
 
 «Conforme se refere nas alegações do Ministério Público, era sustentável – face 
 
 à situação de facto subjacente à decisão recorrida, reportada a acidente de 
 trabalho ocorrido em 18 de Junho de 1975 – que se considerasse aplicável o 
 disposto no artigo 74.º, e não directamente o estatuído no artigo 56.º, n.º 1, 
 alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.
 
             No entanto, foi esta última a norma cuja aplicação foi expressamente 
 recusada, com fundamento na sua inconstitucionalidade, pela decisão recorrida, 
 pelo que é a questão da sua conformidade constitucional que constitui objecto do 
 presente recurso, embora circunscrita à dimensão susceptível de aplicação ao 
 caso concreto, isto é, enquanto determina a remição obrigatória de pensões 
 anuais devidas a sinistrados de acidentes de trabalho que não sejam superiores 
 a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da 
 fixação da pensão, em casos em que do acidente resultou incapacidade parcial 
 permanente do sinistrado superior a 30%. Ficam, assim, excluídas as dimensões 
 normativas reportadas a situações em que o beneficiário da pensão não seja o 
 sinistrado e/ou aos casos em que ocorreu a morte do sinistrado.
 
             Relativamente à dimensão que constitui objecto do presente recurso, 
 há apenas que reconhecer que são para aqui inteiramente transponíveis as 
 considerações que levaram à emissão de juízos de inconstitucionalidade, por 
 violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República 
 Portuguesa, da norma do artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, 
 na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 382‑A/99, de 22 de Setembro, interpretado 
 no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas 
 por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em 
 que estas incapacidades excedam 30%, constantes do Acórdão n.º 56/2005 (cuja 
 fundamentação foi transcrita na sentença recorrida, em passagem reproduzida no 
 precedente relatório) e das Decisões Sumárias n.ºs 234/2005 e 247/2005, e que 
 culminaram com a declaração, com força obrigatória geral, da 
 inconstitucionalidade dessa norma constante do Acórdão n.º 34/2006.
 
             Na verdade, tendo o estabelecimento de pensões por incapacidade em 
 vista a compensação pela perda de capacidade de trabalho dos trabalhadores 
 devida a infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do 
 respectivo labor, compreende‑se que, se uma tal perda não foi por demais 
 acentuada e, assim, não afecta significativamente a continuação do desempenho 
 da sua actividade laboral, se permita que a compensação correspondente à pensão 
 que lhe foi fixada (cujo quantitativo, em regra, de pouco relevo, se degrada 
 com o passar do tempo) possa ser “transformada” em capital, a fim de ser 
 aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a 
 mera percepção de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir 
 qualquer subsistência digna a quem quer que seja; porém, quando em causa 
 estiverem acidentes de trabalho cuja gravidade acentuadamente diminuiu a 
 capacidade laboral do sinistrado e, reflexamente, a possibilidade de auferir 
 salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência, servindo a pensão de 
 complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da 
 reduzida capacidade de trabalho, então a aplicação de um capital, mesmo que no 
 momento em que é feito aparente ser um investimento adequado, porquanto 
 proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à 
 percepção da pensão anual, é sempre algo que, por ser aleatório, comporta 
 riscos. Neste último tipo de situações, tornar legalmente obrigatória a remição 
 significaria privar o trabalhador da faculdade de ponderar se é menos 
 arriscado continuar a receber a pensão e recusar a remição, impondo‑lhe a 
 assunção de um risco que, com a extensão que a dimensão normativa admite, torna 
 precário e limita o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando 
 vítimas de acidente de trabalho.
 
             Assim, a remição total obrigatória – isto é, independentemente da 
 vontade do beneficiário – de uma pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade 
 parcial permanente superior a 30% é inconstitucional por violação do direito à 
 justa reparação por acidente de trabalho, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, 
 alínea f), da Constituição.
 
             Resta consignar, relativamente aos Acórdãos n.ºs 379/2002, 21/2003 e 
 
 60/2003, citados na alegação do Ministério Público, que os juízos de não 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei 
 n.º 143/99, neles emitidos, se reportaram apenas à alegada violação do princípio 
 da igualdade, tendo o Acórdão n.º 60/2003 reproduzido a fundamentação do Acórdão 
 n.º 379/2002, que, tal como o Acórdão n.º 21/2003, incidiu sobre caso em que 
 ocorrera a morte do sinistrado e o beneficiário da pensão era um seu familiar, 
 constituindo, assim situação diversa da ora em apreço».
 
  
 
 É esta jurisprudência – para cuja fundamentação se remete – que agora se 
 reitera.
 
  
 III. Decisão
 
             Em face do exposto, decide-se:
 
    a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 59º, nº 1, alínea f), da 
 Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), 
 do Decreto‑Lei nº 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor a 
 remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades 
 parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas 
 incapacidades excedam 30%; 
 
             b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no 
 que diz respeito ao juízo de inconstitucionalidade.
 
  
 
             Sem custas.
 
  
 Lisboa, 22 de Março de 2006
 Maria João Antunes
 
                                   Carlos Pamplona de Oliveira – com declaração
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
  
 Votei a decisão ao entender que a norma impugnada, impondo a remição obrigatória 
 total de uma pensão resultante de acidente de trabalho ocorrido em 1980, ofende 
 o artigo 59º n.º 1 alínea f) da Constituição, por atingir elementos essenciais 
 da pensão infortunística que fora já fixada, prejudicando de forma inadmissível 
 a segurança e a previsibilidade do direito à justa reparação. Com efeito, a 
 forma como a pensão foi integrada no património do beneficiário durante o 
 período de tempo durante o qual foram sendo regularmente pagas as prestações 
 pecuniárias devidas a este título, condiciona, de certa forma, o próprio modo de 
 vida do interessado, conferindo-lhe o direito a não sofrer, independentemente da 
 sua vontade ou da ocorrência de uma causa superveniente, inesperadas alterações 
 no montante, na periodicidade, e na regularidade do processamento desses abonos.
 Foi, aliás, nesta perspectiva que assinei o Acórdão n.º 34/2006, no qual estava 
 em causa o artigo 74º do mesmo Decreto-Lei n.º 143/99, ou seja, o regime 
 transitório para a remição obrigatória de pensões anteriormente atribuídas.
 
  
 Carlos Pamplona de Olioveira