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Processo nº 944/2007
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Em 8 de Junho de 2005 a FENPROF – Federação Nacional de Professores 
 declarou, por pré-aviso entregue no mesmo dia ao Ministério da Educação e ao 
 Ministério do Trabalho e Segurança Social, greve dos professores e dos 
 educadores de infância para os dias 20 a 23 do mesmo mês, data em que se 
 deveriam realizar os exames do 9º e 12º anos de escolaridade. 
 Por ter em conta que a realização de tais exames configuraria, nos termos do nº 
 
 3 do artigo 57º da Constituição e do artigo 598º do Código do Trabalho, uma 
 
 «necessidade social impreterível» – e por não ter sido possível, quanto à 
 definição dos serviços mínimos indispensáveis para acorrer a tais necessidades, 
 nem alcançar o acordo com os representantes dos trabalhadores a que alude o nº 1 
 do artigo 599º do Código do Trabalho nem escolher o colégio arbitral a que alude 
 o nº 4 do mesmo artigo – o Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho e 
 Segurança Social emitiram, a 16 de Junho de 2005, um Despacho Conjunto com o 
 seguinte teor: 
 
  
 
 (…)
 
 “Considerando a urgência de definir os serviços mínimos a assegurar em caso de 
 greve que afecte a satisfação de necessidades sociais impreteríveis, como é o 
 caso, por conjugação dos artigos 43°, 73º e 74° da Constituição da República 
 Portuguesa com os números 1 e 2 do artigo 698º do Código do Trabalho (...); 
 Nos termos dos artigos 598° e 599º do Código do Trabalho, determina-se: Os 
 serviços mínimos necessários à satisfação da necessidade social impreterível que 
 
 é a realização dos Exames Nacionais do 9° e 12° anos, são os seguintes: 
 Assegurar a abertura da escola, a recepção e guarda dos enunciados e das provas 
 de exame em condições de segurança e confidencialidade; 
 Assegurar a vigilância rigorosa da realização dos exames sendo, para tal, 
 necessária a presença de dois vigilantes por sala”;
 
 (…)
 
 (fls. 1028 dos autos)
 
  
 Perante a iminência do início da greve, a FENPROF requereu então, junto do 
 Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e nos termos do artigo 131º do Código 
 de Processo nos Tribunais Administrativos, a suspensão de eficácia do Despacho 
 Conjunto, a título de decretamento provisório de providência cautelar. Após ter 
 convolado o requerido em [pedido de] Acção de Intimação para a Protecção de 
 Direitos, Liberdades e Garantias – e após ter procedido à audiência das partes, 
 conforme prevê o artigo 111º do CPTA –, o juiz de primeira instância veio a 
 proferir sentença, absolvendo do pedido os Ministérios da Educação e do Trabalho 
 e da Segurança Social. Fundamentos da absolvição foram, não apenas a natureza 
 limitada do direito à greve, mas também o facto de ocorrer, no caso, um conflito 
 entre este mesmo direito e o direito ao ensino; de não poder ser «cristalizado» 
 o conceito de necessidade social impreterível; e de não ser desproporcionado, 
 nem lesivo do conteúdo essencial do direito à greve, o decretamento, feito pelos 
 Ministérios acima referidos, dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à 
 necessidade social impreterível de realização dos exames do 9º e 12º anos. 
 Desta sentença recorreu a FENPROF para o Tribunal Central Administrativo Sul 
 que, depois de ter concluído pela existência de consequências decorrentes do 
 incumprimento dos serviços mínimos, decidiu conhecer do recurso, mantendo no 
 entanto a decisão recorrida e reiterando a sua fundamentação. 
 A FENPROF recorreu então para o Supremo Tribunal Administrativo.
 
  
 
 2.  Nas suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal suscitou a FENPROF a 
 inconstitucionalidade de duas normas. 
 Antes do mais, a da norma contida no nº 2 do artigo 598º do Código do Trabalho, 
 na interpretação que lhe fora dada pela sentença recorrida. Alegou, com efeito, 
 a FENPROF que tal interpretação -  segundo a qual a enumeração dos sectores 
 afectos à satisfação das necessidades sociais impreteríveis, constante do 
 referido nº 2 do artigo 598º, prefiguraria uma enumeração meramente 
 exemplificativa e não taxativa, de modo a nela se poder incluir ainda, em certos 
 casos, a actividade de «ensino» – seria contrária à Constituição, por consagrar 
 tal norma uma restrição a um direito fundamental (o direito à greve, consagrado 
 no artigo 57º da CRP), e por se não «[compadecer] a previsão do artigo 18º, nº 2 
 com a definição de tais possibilidades restritivas através da definição de 
 conceitos indeterminados» (fls. 919 dos autos). 
 Depois, alegou-se ainda a inconstitucionalidade da «norma» resultante do 
 disposições conjuntas do nº 3 e do  nº 4 do artigo 599º do Código do Trabalho, 
 com a interpretação que lhes fora conferida pela decisão de que se recorria. 
 Quanto a este ponto, sustentou efectivamente a FENPROF: 
 
 «[A]o contrário do decidido no Acórdão recorrido, a regra da fixação dos 
 serviços mínimos pelo Ministério da área laboral e pelo Ministério do sector de 
 actividade não é a “regra geral”. 
 O que o legislador definiu foram duas regras diferentes claramente presididas 
 pelo princípio da imparcialidade e que são:
 a) Nos casos de greves declaradas em sectores de actividade privados, quando não 
 exista acordo na fixação dos serviços mínimos, a definição cabe ao Ministério da 
 
 área laboral e ao Ministério do sector de actividade, assegurando-se por essa 
 forma a imparcialidade uma vez que aqueles Ministérios não são parte 
 directamente envolvida no conflito; 
 b) Nos casos de greves declaradas nos serviços da administração directa do 
 Estado ou em empresas do sector empresarial do Estado, quando não exista acordo 
 quanto aos serviços mínimos, a definição cabe ao colégio arbitral designado no 
 
 âmbito do Conselho Económico e Social. 
 E, não é por demais recordar que estamos no âmbito do art. 57º, nº 2 da 
 Constituição e do art. 18º, nº 2, da Constituição, razão pela qual não é lícito 
 ao intérprete suprir uma lacuna da lei (a de não estar ainda completa a lista 
 dos árbitros do Conselho Económico e Social) com o recurso a uma previsão 
 normativa que o legislador quis expressamente afastar.» (fls. 903 dos autos; 
 itálico nosso). 
 
  
 
 Às questões de constitucionalidade, assim colocadas, respondeu o Supremo 
 Tribunal Administrativo: 
 
  
 
 (…)
 Impõe-se (…) apreciar apenas as questão relativas à validade do Despacho 
 Conjunto do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho e da Segurança 
 Social que determinaram os serviços mínimos necessários à satisfação da 
 necessidade impreterível que é a realização dos Exames Nacionais do 9° e 12° 
 ano. A validade de tal Despacho Conjunto, como decorre das posições das partes 
 expostas no relatório, envolve por seu turno a apreciação de duas questões 
 diferentes: 
 
 (i) em primeiro lugar, a questão de saber se a realização dos exames configura 
 uma necessidade impreterível, pois só neste caso haverá lugar à prestação de 
 serviços mínimos; 
 
 (ii) em segundo lugar, e apenas se a questão anterior tiver uma resposta 
 afirmativa, saber se, perante o quadro legal vigente no momento da sua prática, 
 e a circunstância de não haver ainda uma lista de árbitros para formar o 
 
 “colégio” com competência para definir os serviços mínimo, os Ministros da 
 Educação e do Trabalho e da Solidariedade Social tinham atribuições para definir 
 tais serviços.
 
 (…)
 Devemos ainda ter em conta que o direito à greve é um direito dos trabalhadores 
 constitucionalmente garantido no art. 57°, n° 1 (“É garantido o direito à 
 greve”) incluído no âmbito dos “direitos liberdades e garantias dos 
 trabalhadores” (epígrafe do Capítulo III, do Título II – Direitos Liberdades e 
 Garantias –), e, nessa medida, sujeito ao regime do art. 18° da Constituição. 
 Assim, e como decorre do n.° 2 do referido art. 18° da Constituição, a lei só 
 pode “restringir” o direito à greve “nos casos expressamente previstos na 
 Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar 
 outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. 
 Com a revisão constitucional de 1997 foi adicionado um número (agora o n.° 3) ao 
 art. 57°, com a seguinte redacção: 
 
 “A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços 
 necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de 
 serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades 
 sociais impreteríveis”. 
 Está, como se vê, prevista na Constituição a possibilidade da lei ordinária 
 definir as condições da prestação, durante a greve, de serviços mínimos 
 indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis. 
 Ou seja, mesmo que a prestação de serviços mínimos seja vista como uma 
 
 “restrição” ou um constrangimento ao exercício do direito à greve, essa medida 
 está especialmente prevista na Constituição e portanto de acordo com o regime de 
 protecção dos direitos, liberdades e garantias previstos no art. 18°, 2 da 
 Constituição. 
 O legislador ordinário, no seguimento do citado art. 57°, 3 da Constituição, e 
 sobre a prestação dos aludidos serviços mínimos não procedeu a uma definição 
 legal do conceito “necessidades sociais impreteríveis”. Optou por uma enumeração 
 exemplificativa de alguns sectores, como decorre da expressão “nomeadamente” 
 usada no n.° 2 do art. 598º do Código do Trabalho, que de seguida descreveu. 
 Deste modo, necessidades sociais impreteríveis serão todas aquelas que o n.° 2 
 do citado preceito enumera nas alíneas a) a i) e ainda todas as outras 
 necessidades que, à luz dos direitos fundamentais em conflito, mereçam idêntica 
 protecção. Os serviços mínimos destinam-se, como diz o art. 57º, 3 da 
 Constituição, a “ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”, o 
 que implica, necessariamente, que esteja em causa a satisfação de uma 
 necessidade de impacto social, cuja não realização acarrete prejuízos 
 irreparáveis. Não se exige, no entanto, que estejam em causa apenas bens 
 jurídicos ligados à vida, saúde ou integridade física dos cidadãos, dado que 
 estão expressamente previstos sectores como os “correios” (al. a)) e o 
 
 “transporte de valores monetários” (al. f)) que não se destinam a garantir tais 
 bens. O que não pode deixar de se exigir é que os valores ou bens jurídicos a 
 proteger com os “serviços mínimos” tenham um relevo social que justifique a sua 
 subsistência mesmo durante uma greve. 
 A nosso ver o “sector” da educação não se inclui, em regra, neste tipo de bens 
 ou direitos sociais cuja satisfação seja impreterível num concreto e determinado 
 dia. O sacrifício da satisfação da “necessidade” social de aprender é compatível 
 com uma greve de 5 dias. 
 Mas, a questão não é essa. 
 O bem jurídico que no presente caso foi defendido com a definição de serviços 
 mínimos não foi esse, mas sim o interesse concreto da realização nas datas 
 previamente designadas para o mês de Junho dos exames nacionais do 9º e 12° ano. 
 Ora, esta concreta necessidade social de realizar os exames nacionais do 9° e 
 
 12° ano na data previamente marcada já se nos afigura uma necessidade social 
 cuja satisfação é impreterível. 
 Se é certo que as datas designadas, poderiam ter sido outras, não é menos 
 verdade que uma vez marcadas implicaram a adaptação das vidas de muitos milhares 
 de cidadãos a essa data (204.644 alunos no 12° ano e 167.315 alunos do 9° ano, 
 diz a entidade recorrida). Um adiamento da data tinha implicações devastadoras 
 na planificação das férias de centenas de milhar de famílias portuguesas, na 
 planificação de um novo calendário, tendo em conta que os alunos do 12° ano 
 estavam em vias de ingressar no ensino superior e de apresentar a sua 
 candidatura a tempo e horas e na preparação do novo ano lectivo. 
 Por outro lado, se considerarmos que a realização dos exames nas datas iniciais 
 
 é uma necessidade cuja satisfação se deva qualificar como preterível, nada 
 obstaria a que ao adiamento das datas dos exames, se seguisse um adiamento da 
 greve, tornando inviável a realização dos exames – como de resto argumentou o 
 acórdão do TCA-Sul. Para que se possa garantir a realização dos exames do 9° e 
 
 12° ano, em tempo oportuno quer para a planificação do novo ano escolar, quer 
 para permitir o ingresso no ensino superior dos alunos do 12° ano, é imperioso 
 admitir que tal realização corresponde a uma necessidade impreterível, pois de 
 outro modo, estaria aberta a possibilidade da greve ser marcada e desmarcada em 
 função das datas que viessem a ser escolhidas e re‑escolhidas para a realização 
 de tais exames. 
 Deste modo, o Despacho Conjunto está em conformidade com o art. 598° do C. 
 Trabalho, norma que interpretada neste sentido se conforma com o art. 57º, da 
 Constituição e, nessa precisa medida, sem violação do art. 18º, 2 da 
 Constituição.
 
 (…)
 
  
 E ainda:
 
  
 
 (…)
 Questão diversa é a de saber se as entidades recorridas – Ministério da Educação 
 e Ministério do Trabalho e da Solidariedade – tinham atribuições para definir os 
 serviços mínimos. 
 As recorrentes entendem que não, pois a lei manda definir os serviços mínimos – 
 nos casos como o presente – a um colégio arbitral –, sendo que, na altura em que 
 foi proferido o Despacho Conjunto em causa nos autos, não estavam ainda 
 elaboradas as listas a que refere o art. 599°, 4 do Código do Trabalho. 
 Como vimos no relatório o acórdão do TCA/SUL entendeu que, na falta de 
 instrumento de regulamentação colectiva e de acordo, o art. 599° continha uma 
 regra geral conferindo aos ministérios responsáveis pela área laboral e sector 
 de actividade o poder de definir os serviços mínimos (n.° 3). 
 As recorrentes insurgem-se contra este entendimento por entenderem que não se 
 pode falar nessa regra geral, mas sim um regime que também é geral e que regula 
 os casos em que estão em causa “serviços da administração directa do Estado”, em 
 nome do princípio da imparcialidade.
 
 (…)
 Julgamos inaceitável uma interpretação da lei que perante a impossibilidade de 
 constituir o colégio de árbitros infira a inexistência da obrigação de prestar 
 serviços mínimos, mesmo que a greve afecte necessidades sociais impreteríveis. A 
 evolução da legislação, designadamente da própria Constituição – com a 
 introdução do n.° 3 do art. 57º – e a posterior publicação do Código do Trabalho 
 
 – através do art. 599º – mostram uma clara opção pela protecção dos interesses 
 de terceiros afectados com a greve. (…)
 
 (…)
 Assente, – como nos parece necessário para que o próprio exercício do direito à 
 greve seja constitucionalmente adequado e equilibrado – a existência de serviços 
 mínimos, durante a greve, para assegurar a satisfação de necessidades sociais 
 impreteríveis, também julgamos correcta a interpretação da lei que conclua pela 
 atribuição da competência para os definir ao Governo. 
 
 É, com efeito, essa a solução da lei para todos os demais casos, incluindo os 
 conflitos que envolvem Administração Indirecta do Estado – art. 599°, 3 do 
 Código do Trabalho. Existindo uma regra atribuindo, em geral, competência ao 
 Governo, a resolução de uma situação transitória de “vazio literal”, como a que 
 ocorre quando não seja possível constituir o colégio de árbitros, integrando-a 
 no regime que vigora para os demais casos, encontra um mínimo de correspondência 
 na lei (no art. 599°, 3 do C. Trabalho). Esse mínimo de correspondência literal 
 
 é, apesar de tudo, suficiente para vincar a clara posição do legislador no 
 sentido de não querer atribuir às associações que declararam a greve a 
 competência para definir e decretar os serviços mínimos, já que em nenhuma das 
 situações previstas no art. 599º do C. do Trabalho lhe confere tal poder. 
 Por outro lado, a intervenção do Governo, na definição dos serviços mínimos, é 
 justificada por ser essa entidade que deve interpretar e defender a satisfação 
 de necessidades sociais impreteríveis. E ainda o Governo que fiscaliza o 
 cumprimento dos serviços mínimos (art. 601° do C. Trabalho), regra cuja razão de 
 ser radica na circunstância de caber ao Governo a defesa dos interesses de 
 terceiros sacrificados com a greve. Qualquer outra solução, deixaria sem defesa 
 os interesses de terceiros prejudicados com a greve mesmo quando tais interesses 
 fossem qualificados como “necessidades sociais impreteríveis”. Note-se que a 
 intervenção administrativa na definição dos serviços a prestar durante a greve 
 só existe, conforme decorre do art. 57º, 3 da Constituição, quando possa estar 
 em perigo a satisfação de necessidades sociais impreteríveis. A garantia de que 
 a controvérsia sobre a definição dos serviços mínimos tem uma solução (certeza 
 jurídica) e de que os interesses de terceiros prejudicados com a greve — 
 sujeitos de necessidades sociais impreteríveis — são salvaguardados, tornam 
 
 “mais acertada” a interpretação seguida no TCA-Sul, e nessa medida é essa a 
 interpretação que deve ser acolhida, nos termos do art. 9°, n.° 3 do C. Civil. 
 No presente caso devemos ainda ter em especial atenção que a definição dos 
 serviços mínimos não se reveste de maleabilidade ou flexibilidade, quanto ao 
 respectivo âmbito, pois destina-se a assegurar o serviço de exames e apenas 
 esse. Não há, neste caso, a possibilidade de uma intervenção lesiva da 
 
 “imparcialidade” na definição dos serviços mínimos, pois, não é admissível a 
 opção pela realização de alguns exames em detrimento de outros. A realização de 
 serviços mínimos, tinha um âmbito definido à partida (deveria ser assegurada a 
 realização de todos os exames), impossibilitando, assim, a violação do princípio 
 da imparcialidade, subjacente à regra do art. 4º do art. 599º do Código do 
 Trabalho. 
 Finalmente, este entendimento não colide com o disposto no art. 57º, 2 da 
 Constituição (como alegam os recorrentes) uma vez que neste preceito se referem 
 os “interesses a defender através da greve” e não os interesses de terceiros que 
 são sacrificados durante e por causa da greve. A estes últimos interesses 
 refere-se o n.° 3 do art. 57º – acima transcrito – segundo o qual cabe ao 
 legislador definir as condições de prestação de serviços mínimos. A definição 
 pelo Governo dos serviços mínimos a prestar durante a greve está de acordo com o 
 disposto no art. 57º, 3 da Constituição e nessa medida em conformidade material 
 com o art. 18°, 2 do mesmo Diploma Fundamental, (…)
 
 (…)
 
  
 
  
 
 3.  Desta decisão – que assim aplicou as normas cuja inconstitucionalidade havia 
 sido antes suscitada – recorreu a FENPROF para o Tribunal Constitucional. 
 No recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 
 
 28/82, pediu a recorrente que o Tribunal sindicasse as duas normas aplicadas 
 pelo acórdão recorrido: quer a constante do nº 2 do artigo 598º do Código do 
 Trabalho, quer a resultante dos nºs 3 e 4 do mesmo artigo, ambas «na indevida 
 interpretação que delas se fez, que viola os artigos 57º e 18º, nº 2 da 
 Constituição» (fls. 1045 dos autos) 
 
  
 Admitido o recurso no Tribunal Constitucional, nele apresentaram recorrente e 
 recorrido (o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social) as suas 
 alegações. 
 Sustentou a primeira, basicamente, que, face à versão aplicável ao tempo do 
 disposto no nº 2 do artigo 595º do Código de Trabalho, se tornava 
 particularmente evidente que o elenco das empresas ou estabelecimentos que se 
 destinam à satisfação das necessidades sociais impreteríveis, constante do nº 2 
 do artigo 598º do mesmo Código, se deveria ler como um elenco fechado e taxativo 
 e não como elenco meramente exemplificativo; e que, assim sendo, se não 
 incluiriam nunca nele as «empresas» ou «estabelecimentos» que se destinassem ao 
 
 «ensino», que, como tal, não poderia vir a ser considerado como um sector de 
 actividade ao qual fosse aplicável o conceito de «necessidade social 
 impreterível». Sublinhou sobretudo a recorrente que, face ao disposto, à altura, 
 no nº 2 do artigo 595º do Código – que, recorde-se, restringia literalmente a 
 necessidade de aviso prévio de 10 dias, só aplicável às greves efectuadas em 
 sectores de actividade susceptíveis de ser classificados como relevando de 
 
 «necessidades sociais impreteríveis», «para os casos das alíneas do nº 2 do 
 artigo 598º» - lhe não seria exigível a auto-qualificação da greve que declarara 
 como relevando das tais «necessidades impreteríveis», pelo que estaria assim 
 claramente delimitada a restrição determinada pelos artigos 57º, nº 3 e 18º, nº 
 
 2 da Constituição.  
 Quanto à segunda questão de constitucionalidade que fora colocada – a relativa à 
 
 «norma» resultante das disposições conjuntas dos nºs 3 e 4 do artigo 599º do 
 Código – voltou a recorrente, no essencial, a repetir o que já alegara perante o 
 Supremo Tribunal Administrativo. 
 Por seu turno, sustentou o Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, 
 recorrido, que não deveria o Tribunal «conhecer» daqueles pontos das alegações 
 da FENPROF que invocavam o disposto, à altura, no nº 2 do artigo 595º do Código 
 de Trabalho, por não ter sido essa a norma efectivamente aplicada pela decisão 
 recorrida; e que, quanto ao mais, não sofria tal decisão dos vícios de 
 inconstitucionalidade que lhe vinham assacados, por se não ter feito nela «uma 
 interpretação excessiva da protecção do direito ao ensino quando confrontado com 
 o exercício do direito à greve». Sobretudo, por se entender que, face à 
 impossibilidade «absoluta e objectiva» de recorrer ao procedimento fixado no nº 
 
 4 do artigo 599º do Código do Trabalho – a eleição do Colégio Arbitral 
 
 [competente para a definição dos serviços mínimos] – se verificaria «uma 
 situação grave e lesiva do interesse público ao não se definirem os serviços 
 mínimos que deviam ser assegurados para ocorrer à satisfação das necessidades 
 sociais impreteríveis» (fls. 1153 dos autos); mas também por se entender que, 
 dadas as circunstâncias concretas dos autos (a declaração da greve para o 
 período de tempo em que se deveriam realizar os exames do 9º e 10º anos de 
 escolaridade), se não poderia deixar de entender a actividade de ensino como 
 relevando de uma «necessidade social impreterível» (fls1154 e ss.).
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 4.  As normas sob juízo
 São duas as questões de constitucionalidade que o presente recurso coloca ao 
 Tribunal. 
 Incide a primeira sobre o disposto no artigo 598º do Código do Trabalho, 
 mormente sobre a «norma» contida no seu nº 2. 
 Sob a epígrafe «Obrigações durante a greve», determina o referido artigo 598º:
 
  
 
 1 – Nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de 
 necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os 
 trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços 
 mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades. 
 
 2 – Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se empresas ou 
 estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais 
 impreteríveis os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes 
 sectores: 
 a)  Correios e telecomunicações;
 b)  Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos; 
 c)  Salubridade pública, incluindo a realização de funerais: 
 d)  Serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis; 
 e)  Abastecimentos de águas;
 f)  Bombeiros;
 g)  Serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de 
 necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado;
 h)  Transportes, incluindo portos, aeroportos, estações de caminho-de-ferro e de 
 camionagem, relativos a passageiros, animais e géneros alimentares deterioráveis 
 e a bens essenciais à economia nacional, abrangendo as respectivas cargas e 
 descargas; 
 i)   Transporte e segurança de valores monetários 
 
 3 – As associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a prestar, 
 durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento 
 e instalações.
 
  
 Como decorre do relato atrás feito, a «norma» sob juízo é a decorrente do nº 2 
 do artigo, na interpretação que dela fez a decisão recorrida. Entendeu o 
 tribunal a quo que o elenco dos «sectores» nos quais se incluem as «empresas» ou 
 os «estabelecimentos» que, destinando-se a assegurar a satisfação de 
 necessidades sociais impreteríveis, obriguem os respectivos trabalhadores a 
 assegurar, durante a greve, os «serviços mínimos necessários» para a elas 
 ocorrer, não é um elenco taxativo mas meramente exemplificativo. Entende por seu 
 turno a recorrente que tal interpretação contende com os limites 
 constitucionalmente fixados para aquelas normas que sejam restritivas de 
 direitos, liberdades e garantias, pelo que através dela se terão lesado, quer o 
 direito à greve (artigo 57º da CRP), quer os limites fixados pelo nº 2 do artigo 
 
 18º. 
 
  
 Estes mesmos fundamentos são invocados para sustentar a inconstitucionalidade da 
 outra norma que se pretende que o Tribunal aprecie. Resulta ela da leitura 
 conjunta dos nºs 3 e 4 do artigo 599º do Código do Trabalho, que, sob a epígrafe 
 
 «Definição de serviços mínimos», dispõem: 
 
  
 
 3 – Na falta de um acordo até ao termo do terceiro dia posterior ao aviso prévio 
 de greve, a definição dos serviços e dos meios referidos no número anterior é 
 estabelecida,  sem prejuízo do disposto no nº 4, por despacho conjunto, 
 devidamente fundamentado, do Ministro responsável pela área laboral e do 
 Ministro responsável pelo sector de actividade. 
 
 4 – No caso de se tratar de serviços da administração directa do Estado ou de 
 empresa que se inclua no sector empresarial do Estado, e na falta de um acordo 
 até ao termo do terceiro dia posterior ao aviso prévio de greve, a definição dos 
 serviços e meios referidos no nº 2 compete a um colégio arbitral composto por 
 três árbitros constantes das listas de árbitros previstas no artigo 570º, nos 
 termos previstos em legislação espacial.
 
  
 No caso, fora declarada greve de trabalhadores da administração directa do 
 Estado. Não fora porém possível – por razões não imputáveis nem ao «empregador» 
 nem aos trabalhadores ou seus representantes – o recurso ao colégio arbitral 
 previsto no nº 4 do artigo 599º. Perante tais circunstâncias, entendeu a 
 sentença recorrida que era aplicável a regra geral do nº 3, pelo que seriam 
 competentes para a definição dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à 
 satisfação das necessidades sociais impreteríveis os Ministérios responsáveis 
 pela área laboral e pelo sector de actividade, não obstante se tratar de greve 
 ocorrida em «serviços da administração directa do Estado». Entende, em 
 contrapartida, a recorrente que tal interpretação (dos nºs 3 e 4 do artigo 599º 
 do Código de Trabalho) ofende quer o disposto no artigo 57º quer o previsto no 
 nº 2 do artigo 18º da CRP.
 
  
 Assim, as duas questões de constitucionalidade que por intermédio deste recurso 
 são colocadas ao Tribunal podem ser equacionadas do seguinte modo. Face à 
 Constituição, deve o conceito de «necessidade social impreterível» (a que alude, 
 como se verá já de seguida, o nº 3 do artigo 57º) ser determinado pelo 
 legislador ordinário através de um elenco fechado de «sectores» ou de 
 
 «actividades»? Caso se esteja perante uma «necessidade social impreterível»: 
 deve entender-se que é constitucionalmente censurável a definição pelo Governo, 
 através dos Ministérios responsáveis, dos serviços mínimos indispensáveis para 
 ocorrer a tal necessidade – tratando-se de greve de trabalhadores da 
 administração directa do Estado e não sendo possível, por motivos não imputáveis 
 a qualquer uma das «partes» em conflito, a constituição do colégio arbitral a 
 que alude o nº 4 do artigo 599º do Código do Trabalho?
 
  
 Como é bom de ver – e como já foi afirmada pela decisão recorrida – as duas 
 questões, embora distintas, estão estreitamente interligadas. A primeira é 
 subordinante da segunda. É que só faz sentido determinar quem deve ter, face à 
 Constituição, a competência para definir quais os serviços mínimos que são 
 indispensáveis para assegurar as «necessidades sociais impreteríveis» se se 
 tiver previamente resolvido a questão de saber que necessidades serão essas, ou 
 como deve o legislador determiná-las. Significa isto que, in casu, só se tratará 
 da segunda questão – relativa ao problema da competência para a definição dos 
 serviços mínimos – se for negativa a resposta a dar à primeira, isto é, se se 
 concluir que a Constituição não impõe ao legislador ordinário uma definição 
 exauriente (através de um elenco fechado de actividades) do conceito de 
 
 «necessidade social impreterível». 
 
  
 
  
 
 5. O conceito de «necessidade social impreterível»
 
 5.1.  O direito à greve (artigo 57º da CRP) surge sistematicamente inscrito no 
 Capítulo III do Título II da parte I da Constituição: é, pois, um direito, 
 liberdade e garantia dos trabalhadores. 
 O Tribunal já disse por que razão assim era. Os Acórdãos nºs 289/92, 868/96 e 
 
 199/2005 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) caracterizaram com 
 suficiente precisão a estrutura deste direito fundamental, justificando por isso 
 a sua pertença «natural» à categoria dos direitos, liberdades e garantias, 
 categoria essa que, no sistema da CRP, aparece modulada em função da condição 
 existencial da pessoa, do cidadão e do trabalhador. 
 Com efeito, o Tribunal disse, antes do mais, por que razão o nosso texto 
 constitucional configura a greve como uma liberdade ou como um «clássico» 
 direito de defesa. O que o artigo 57º da CRP confere a quem trabalha é a 
 faculdade (a liberdade) de recusa da prestação de trabalho contratualmente 
 devida, faculdade essa cujo exercício não pode ser obstaculizado pelo Estado ou 
 pelos poderes públicos, que têm portanto perante ela o dever primacial de não 
 fazer ou de não interferir que caracteriza precisamente a estrutura típica dos 
 
 «direitos, liberdades e garantias». Mas, para além disso, a liberdade de greve 
 apresenta características tais que a associam com estreiteza ao princípio de 
 socialidade inscrito na parte final do artigo 2º da CRP. Não apenas por se 
 tratar de um direito que, sendo embora de titularidade individual, é 
 necessariamente de exercício colectivo; mas, sobretudo, pelos efeitos 
 vinculativos que dela decorrem quanto a privados. Na verdade, a liberdade de 
 recusa da prestação de trabalho contratualmente devida opõe-se também (e desde 
 logo) aos próprios privados empregadores, que têm perante ela um igual dever de 
 tolerar, ou de não obstaculizar e de não interferir. 
 Quer isto dizer que, ao escolher consagrar a greve como um direito, liberdade e 
 garantia [dos trabalhadores], a Constituição escolheu também conferir ao 
 trabalho subordinado aquele especial meio de defesa (que se traduz na pressão 
 exercida pela recusa da prestação juslaboral) que a História mostrou ser um 
 instrumento adequado para a afirmação dos seus interesses. Tal significa que a 
 CRP reconhece que em Estado de direito democrático não deixam de existir 
 conflitos económicos e sociais; que, em tais conflitos, haverá seguramente uma 
 parte mais frágil; e que tal parte carece de maior protecção, pela 
 institucionalização de meios próprios e exclusivos de defesa que não são 
 reconhecidos à outra «parte». Assim sendo, o direito consagrado no artigo 57º – 
 não deixando de apresentar a estrutura típica de uma liberdade ou de um clássico 
 direito de defesa – tem uma razão de ser que o liga, estreitamente, ao princípio 
 da socialidade inscrito na parte final do artigo 2º da CRP. O direito de greve 
 
 é, entre nós, um direito, liberdade e garantia dos trabalhadores porque a 
 Constituição o concebeu como instrumento de realização da democracia económica e 
 social (artigo 2º, in fine), ou como meio para a realização dessa especialíssima 
 tarefa do Estado que é a de «[p]romover (…) a igualdade real entre os 
 portugueses (…)» (artigo 9º, alínea d). 
 
 5.2.  Formando, nestes termos, um direito, liberdade e garantia, o direito de 
 greve é limitável nos mesmos termos em que o são todos os restantes direitos que 
 integram a categoria, ou seja, de acordo com o previsto nos nºs 2 e 3 do artigo 
 
 18º da CRP. Assim, e desde logo, as restrições [ao direito] só poderão ser 
 efectuadas por lei (1º frase do nº 2 do artigo 18º); nos casos expressamente 
 autorizados pela Constituição (2º frase); e para salvaguardar outros direitos e 
 interesses constitucionalmente protegidos (3º e última frase). 
 Não restam dúvidas que as normas sob juízo, contidas nos artigos 598º e 599º do 
 Código de Trabalho, contêm verdadeiras restrições ao direito de greve 
 constitucionalmente consagrado. Por mais difícil que seja a distinção 
 apriorística e abstracta entre normas que restringem um direito e normas que 
 
 [apenas] conformam ou condicionam o seu modo de exercício – por ser o distinguo, 
 as mais das vezes, de natureza meramente gradativa – a verdade é que, no caso, 
 se trata inquestionavelmente de uma restrição ao direito.   Como as normas do 
 Código do Trabalho acima transcritas visam identificar as circunstâncias em que 
 se exigirão dos trabalhadores o cumprimento de certas obrigações durante a 
 greve, delas resulta uma indubitável «compressão» ou «amputação» do âmbito do 
 direito fundamental que a Constituição consagrou. Como vimos, tal direito – 
 consagrado no artigo 57º - faculta ao trabalhador a possibilidade de recusa de 
 todas as  prestações laborais contratualmente devidas. Ora, é precisamente o 
 exercício pleno dessa faculdade que as normas legais vêm, em certa medida e em  
 certas circunstâncias, impedir, nisso se corporizando a «compressão» ou 
 
 «restrição» do direito constitucionalmente consagrado. 
 A restrição conforma-se com as duas primeiras exigências que o nº 2 do artigo 
 
 18º da CRP impõe às normas que introduzem limites aos direitos: foi definida por 
 lei, e mediante autorização expressa da Constituição. 
 Com efeito – e como o sublinha a decisão recorrida – a autorização para 
 restringir o direito de greve consta hoje (depois da revisão constitucional de 
 
 1997) do nº 3 do artigo 57º da CRP. Não vale a pena colocar agora a questão de 
 saber se tal autorização já existiria antes, ainda que de forma implícita; o 
 problema é, para o que aqui nos interessa, de abordagem inútil. O que vale a 
 pena é atentar no seguinte. 
 Ao prever que a lei «defin[a] as condições de prestação, durante a greve (…) dos 
 serviços mínimos indispensáveis para acorrer à satisfação de necessidades 
 sociais impreteríveis», o nº 3 do artigo 57º consagra uma verdadeira reserva de 
 lei qualificada: a Constituição não apenas reserva ao legislador a tarefa de 
 restringir o direito, como, mais do que isso, identifica ela própria as 
 finalidades que, sendo prosseguidas pela lei restritiva, tornam legítima a 
 restrição. Há serviços mínimos que devem ser assegurados durante a greve 
 
 (autorização da restrição) porque há necessidades sociais impreteríveis que 
 tornam indispensáveis a sua realização (finalidade da restrição). Ou dizendo de 
 outro modo: sendo o direito à greve uma concretização do princípio da 
 socialidade, é ainda desse princípio, e das suas múltiplas manifestações, que se 
 hão-de extrair os limites do próprio direito. Sempre que a liberdade de recusa 
 da prestação de trabalho contratualmente devida contender com interesses sociais 
 especialmente prementes (ou «necessidades sociais impreteríveis»), o exercício 
 dessa liberdade deve ceder em favor da urgência, ou premência, das exigências 
 comunitárias. Como disse o Tribunal Constitucional espanhol, interpretando norma 
 
 [a do artigo 28º, 2, da Constituição espanhola) próxima da nossa: «[o preceito 
 significa que] o direito dos trabalhadores de defender os seus interesses 
 mediante a utilização de um instrumento de pressão no processo de produção de 
 bens ou serviços cede quando com ele se ocasiona ou pode ocasionar um mal mais 
 grave do que aquele que os grevistas experimentariam se a sua pretensão ou 
 reivindicação não tivesse êxito.» (Sentença nº 11/81, fundamento 18: 
 Jurisprudência Constitucional, Tomo Primero, p. 203). 
 A Constituição portuguesa partiu do princípio segundo o qual se ocasionará o 
 
 «mal mais grave» quando a greve contender com «necessidades sociais 
 impreteríveis»: o conceito – que a CRP não define, mas de cuja definição incumbe 
 o legislador ordinário – é assim a «chave», ou a «razão de ser», do regime legal 
 restritivo, autorizado pela Constituição.   
 
  
 
 5.3.  Sustenta a recorrente que a definição do conceito indeterminado 
 
 «necessidades sociais impreteríveis» deve ser feita, pelo legislador, através da 
 enumeração de um elenco fechado de «actividades» ou «sectores de actividade». 
 Di-lo porque entende que as normas restritivas de direitos, liberdades e 
 garantias não devem ter um teor indeterminado ou indeterminável, e porque 
 considera que só a técnica legislativa da enumeração exaustiva ou fechada será 
 capaz de reduzir, de acordo com as exigências constitucionais, a indeterminação 
 do conceito. 
 
 É certo – e o Tribunal já o disse – que as normas restritivas de direitos devem 
 preencher certas exigências de precisão e de determinabilidade de conteúdo. Como 
 se afirmou no Acórdão nº 289/92, «[a] reserva de lei, em matéria de direitos 
 fundamentais, leva implicada a exigência de precisão e determinabilidade 
 normativas (.) Constituindo um corolário do princípio do Estado de direito (…) e 
 do princípio democrático (…) à reserva de lei não pode corresponder uma escassa 
 densificação normativa, capaz de contornar a distribuição constitucional das 
 tarefas de legislação e administração e de inviabilizar, quanto a essas, um 
 controlo efectivo pelos tribunais.» (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 23º 
 Vol., pp. 31-32). Acresce que, em Estado de direito, devem os cidadãos poder 
 saber com o que contam; e que normas restritivas de direitos que não sejam 
 suficientemente precisas ou que não tenham um conteúdo suficientemente 
 determinado podem vir a contender com este princípio geral de confiança na (ou 
 de cognoscibilidade da) ordem jurídica. 
 No entanto, tal não significa que o conceito constitucional de «necessidade 
 social impreterível» deva ser determinado pelo legislador ordinário através da 
 técnica da enumeração exaustiva de «actividades» ou «sectores de actividade». 
 Com efeito, a determinação do que possa ser uma tal «necessidade» implica duas 
 alternativas essenciais: ou se densifica o conceito a partir de critérios 
 orgânico‑formais ou se determina o seu conteúdo utilizando para tanto critérios 
 materiais. Através da primeira alternativa, identificar-se-ão as «necessidades 
 sociais impreteríveis» tendo em conta a natureza das actividades levadas a cabo 
 em estabelecimentos ou empresas, e atendendo à sua relevância (pensada em termos 
 abstractos e gerais) para a satisfação dos interesses vitais da comunidade. Só 
 esta «técnica» de densificação do conceito, a partir de critérios 
 orgânico-formais, é compatível com a fixação de elencos «fechados» de 
 actividades ou sectores de actividade por parte do legislador ordinário. 
 De acordo com a segunda alternativa, porém, identificar-se-ão as «necessidades 
 sociais impreteríveis» tendo em conta, não a natureza das actividades, mas os 
 seus resultados face a circunstâncias concretas. Se se seguir este segundo 
 método, a «necessidade social» será tida por impreterível se impreteríveis 
 forem, nas circunstâncias concretas de cada caso, os bens ou interesses das 
 pessoas que deveriam ter sido satisfeitos através das prestações que a greve 
 suspende. 
 Entende em geral a doutrina que o método mais adequado para a concretização do 
 conceito constitucional é o segundo e não o primeiro. (Veja-se J.J. Gomes 
 Canotilho/Jorge Leite, «Ser ou não ser uma greve», em Questões Laborais, Ano 
 VI-1999, nº 13, p. 36). E com toda a razão o faz: é que a autorização 
 constitucional para restringir o direito, conferida ao legislador ordinário, 
 implica em si mesma uma «imposição expressa de balanceamento dos bens ou 
 direitos em conflito» (ibidem, p. 38), que não podem deixar de ser, por um lado, 
 o direito à greve, e, por outro – conforme dispõe a parte final do nº 2 do 
 artigo 18º – os outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos. 
 Ora, a técnica legislativa da enumeração, através de elenco fechado, das 
 
 «actividades» ou «sectores de actividade» que poderão ser tidas como relevando 
 da satisfação de necessidades sociais impreteríveis, embora comporte em si mesma 
 uma capacidade maior para a redução da indeterminação do conceito, não permite 
 que se proceda integralmente – justamente pelo seu carácter fechado – à 
 ponderação dos bens e direitos em conflito nas circunstâncias concretas dos 
 casos. A realização integral da ponderação só pode ser feita se se adoptar, para 
 a concretização do conceito, não o critério da «natureza da actividade» mas o 
 critério do seu resultado. É que só este permite que sejam considerados como 
 
 «bens» ou «interesses» impreteríveis justamente aqueles (e todos aqueles) que os 
 outros direitos fundamentais tutelam, assim se cumprindo a razão de ser da 
 autorização de restrição contida no nº 3 do artigo 57º da CRP. 
 Não tem por isso razão a recorrente, quando alega ter sido inconstitucional a 
 interpretação feita, pela decisão recorrida, da «norma» resultante do nº 2 do 
 artigo 598º do Código de Trabalho. É que – ao contrário do que sustenta – a 
 Constituição não impõe que o elenco aí contido seja «lido» como um elenco 
 taxativo ou fechado, dado ser precisamente o seu carácter aberto (ínsito na 
 expressão literal «nomeadamente») aquele que melhor se coaduna com as exigências 
 decorrentes do nº 3 do artigo 57º da CRP. Dele não consta a menção relativa à 
 
 «actividade» ou «sector» do ensino; mas, como bem salienta o tribunal a quo, a 
 questão não é essa. Decisiva é apenas a seguinte conclusão: a Constituição não 
 proíbe que, em circunstâncias contadas, os resultados das prestações laborais 
 relativas a actividades de ensino sejam consideradas como relevando de 
 
 «necessidades sociais impreteríveis». E foi justamente de acordo com este 
 entendimento que se interpretou, in casu, a norma pertinente do Código. 
 Não cabe, evidentemente, ao Tribunal Constitucional, julgar do mérito [ou da 
 constitucionalidade] da decisão judicial, em si mesma considerada. Certo é, 
 porém, que a ponderação de bens em conflito que foi feita no caso concreto se 
 fundamentou numa interpretação da «norma» contida no nº 2 do artigo 598º do 
 Código de Trabalho que não merece nenhuma censura constitucional. 
 
  
 
  
 
 6. A definição de serviços mínimos
 
 6.1.  A certo passo das suas alegações (e, de algum modo, também no recurso de 
 constitucionalidade) a recorrente vem aduzir uma outra argumentação, para 
 demonstrar ainda a «inconstitucionalidade» da interpretação feita, pelo tribunal 
 a quo, da norma contida no nº 2 do artigo 598º do Código do Trabalho. A 
 argumentação é a seguinte. Como, à altura dos factos, o nº 2 do artigo 595º do 
 mesmo Código dispunha, textualmente, que o aviso prévio de dez dias (válido, 
 apenas, para os casos em que a greve se faça em domínios de «necessidades 
 sociais impreteríveis») só seria exigível para os casos das alíneas do nº 2 do 
 artigo 598º, não poderia a FENPROF fazer daquele preceito uma «interpretação» 
 diversa daquela que entendeu ser conforme à Constituição. É que das vária 
 
 «alíneas» do nº 2 do artigo 598º não constava – nem consta ainda -, 
 expressamente, a actividade ou o sector de actividade «ensino»; assim sendo, 
 nada permitiria concluir que tal «actividade» 
 viesse a ser qualificada como relevando do cumprimento de necessidades sociais 
 impreteríveis. 
 O argumento não pode, evidentemente, alterar o juízo a que se chegou no ponto 
 anterior, quanto a qual seja, face à CRP, a leitura correcta da «norma» contida 
 no nº 2 do artigo 598º. Como não é a Constituição que deve ser interpretada em 
 conformidade com o disposto pela lei ordinária – sendo, pelo contrário, a lei a 
 dever ser interpretada em conformidade com a Constituição –, não procede nem 
 pode proceder a estratégia argumentativa seguida, neste ponto, pela recorrente: 
 
 é que o sentido (constitucionalmente conforme) do nº 2 do artigo 598º nunca 
 poderia vir a ser achado a partir da literalidade de outro preceito da lei 
 ordinária, tido – indevidamente – como parâmetro de interpretação.
 No entanto, esta alegação da recorrente pode ser interessante para a análise da 
 segunda questão que o presente recurso coloca ao Tribunal. 
 
  
 
 6.2.  O artigo 595º do Código do Trabalho dispõe sobre o aviso prévio da greve: 
 determina, não apenas a sua obrigatoriedade, mas ainda quem o deve fazer («as 
 entidades com legitimidade para decidirem o recurso à greve»), a quem deve ele 
 ser dirigido (« [o]empregador ou a associação de empregadores e o Ministro 
 responsável pela área laboral») e por que meios deve ele ser proferido («por 
 meios idóneos, nomeadamente por escrito ou através dos meios de comunicação 
 social»). A necessidade desta disposição compreende-se bem. Como a recusa da 
 prestação laboral, contratualmente devida, pode vir a afectar terceiros 
 
 (empregadores) e a própria comunidade, a decisão de a ela recorrer deve ser 
 antecipadamente comunicada, para que os terceiros afectados se preparem para 
 suportar (como, por imposição constitucional, não podem deixar de o fazer) os 
 efeitos decorrentes da greve. A isto acresce que, sendo a acção grevista um meio 
 institucionalizado de reivindicação de interesses de grupo, a sua notificação ao 
 empregador, ao Ministro responsável e a toda a comunidade serve também – 
 sobretudo pela publicitação dos seus fins – os propósitos daqueles que a ela 
 recorrem. Compreende-se por isso que o aviso prévio se possa fazer (também) 
 
 «através dos meios de comunicação social», e por via de regra com a antecedência 
 de cinco dias úteis face ao início da greve (nº 1 do artigo 595º do Código do 
 Trabalho). 
 Contudo, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que, nos casos em que seja necessário 
 assegurar serviços mínimos durante a greve para acorrer à satisfação de 
 necessidades sociais impreteríveis, o aviso prévio se deva fazer com 
 antecedência de dez dias úteis antes do início da mesma. 
 
 É igualmente compreensível que assim seja, para protecção dos interesses dos 
 terceiros afectados pela greve. Incidindo a acção concertada de recusa do 
 trabalho sobre áreas particularmente sensíveis da vida comunitária, deve poder 
 saber-se de antemão (e com maior antecedência) o que vai acontecer. 
 
  
 Significa tudo isto, porém – e este é o ponto fundamental que se pretende agora 
 sublinhar – que o legislador não deixou de devolver aos próprios trabalhadores a 
 iniciativa e a responsabilidade da «qualificação» da greve que pretendam 
 desencadear. A disciplina de aviso prévio contida nos nºs 2 e 3 do artigo 595º 
 quer dizer isso mesmo. Em princípio, são as «entidades com legitimidade para 
 decidirem o recurso à greve» que avaliam, em primeiro mão, o «impacto 
 comunitário» resultante da sua acção concertada. São por isso elas que, 
 interpretando a lei, decidem se o aviso prévio deve ser feito com a antecedência 
 de cinco dias (regime geral), ou de dez dias (regime especial aplicável para as 
 situações em que esteja em causa a «satisfação de necessidades socais 
 impreteríveis»); como são ainda elas que propõem, nesse mesmo aviso prévio e no 
 caso de lhe ser aplicado o regime especial, a definição do que sejam os serviços 
 mínimos indispensáveis para a satisfação de tais necessidades (nº 3 do artigo 
 
 595º). 
 Deter a iniciativa para «qualificar» a greve – e para avaliar em primeira mão o 
 seu impacto comunitário – é porém uma coisa; deter para tanto a competência 
 exclusiva é outra. 
 Determina o artigo 599º do Código do Trabalho que os trabalhadores não têm a 
 competência exclusiva para avaliar as repercussões sociais que a acção grevista 
 pode vir a ter. Segundo o regime do Código, a definição do que sejam os serviços 
 mínimos indispensáveis para assegurar a satisfação das necessidades sociais 
 impreteríveis é algo que deve ser, antes do mais, alcançado por acordo entre 
 empregadores e trabalhadores (nºs 1 e 2); e, na falta de acordo, por decisão 
 conjunta do Ministro responsável pela área laboral e do Ministro responsável 
 pelo sector de actividade (nº 3). Isto, se a greve não ocorrer em serviços da 
 administração directa do Estado. Caso ocorra – e por serem, nessas 
 circunstâncias, os Ministros a que alude o nº 3 também os empregadores – a falta 
 de acordo entre trabalhadores e entidades empregadoras deve ser suprida pelo 
 colégio arbitral a que se refere o nº 4 do artigo 599º. 
 
  
 
 6.3.  Como já se viu, foi declarada, in casu, uma greve no sector da 
 administração directa do Estado. Perante a ausência de acordo entre 
 trabalhadores e entidades empregadoras quanto à definição dos serviços mínimos, 
 não foi porém possível – por razões não imputáveis a qualquer uma das «partes» 
 em conflito – o recurso ao colégio arbitral a que alude o nº 4 do artigo 599; 
 por isso mesmo, procederam os próprios «empregadores» (neste caso, os Ministros 
 responsáveis pelo sector de actividade e pela área laboral)  à definição dos 
 referidos serviços. Decorre da fundamentação do seu Despacho Conjunto que o 
 fizeram pelo entendimento segundo o qual a regra contida no nº 3 do artigo 599º 
 do Código do Trabalho deveria valer como regra geral, aplicável portanto, ainda, 
 a casos em que, ocorrendo a greve em serviços de administração directa do 
 Estado, se tenha mostrado impossível – por motivos não imputáveis nem a 
 
 «empregadores» nem a trabalhadores – o recurso à composição arbitral do 
 conflito. É esta a «interpretação» da norma (contida no nº 3 do artigo 599º) que 
 a recorrente entende ser inconstitucional; é esta a «interpretação» da norma que 
 a sentença recorrida convalidou. 
 
   Sustenta a recorrente que tal «interpretação» lesa o direito consagrado no 
 artigo 57º da Constituição, e, do mesmo passo, os limites aos limites desse 
 direito, que a CRP fixa no nº 2 do artigo 18º. Não se vê, porém, como concordar 
 com semelhante alegação. 
 Todo o regime que o Código de Trabalho prevê quanto à definição dos serviços 
 mínimos (a serem cumpridos durante a greve) assenta em duas premissas 
 essenciais. Diz a primeira que tal definição deve fazer-se por acordo entre 
 trabalhadores e empregadores; diz a segunda que, na falta de acordo, devem as 
 questões relativas aos serviços mínimos – quais são; de que modo irão eles ser 
 prestados – ser resolvidas por uma «entidade terceira», imparcial face às 
 
 «partes» em conflito. Em áreas outras que não as dos serviços de administração 
 directa do Estado, a «entidade terceira» é naturalmente o Governo (através dos 
 Ministros responsáveis pela área laboral e pelo sector de actividade), por ser 
 ele, nos termos do artigo 182º da Constituição, o «órgão de condução da política 
 geral do país». Sempre que a greve ocorra em serviços de administração directa 
 do Estado – em que o Governo é, também, «empregador» – a «entidade terceira», 
 imparcial face às partes em conflito, é o colégio arbitral a que alude o nº 4 do 
 artigo 599º do Código. 
 Significa isto, porém, que, em casos como os dos autos – ou sempre que se mostre 
 impossível, por razões não imputáveis a qualquer uma das «partes» em conflito, o 
 recurso ao referido colégio arbitral – não possa o Governo, através dos 
 Ministros responsáveis, vir ele próprio a definir os serviços mínimos? 
 A Constituição não proíbe tal intervenção governativa. 
 Não o proíbe, desde logo, o nº 2 do artigo 57º. Quando aí se diz que «compete 
 aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, 
 não podendo a lei limitar esse âmbito», o que se quer firmar é o princípio da 
 autonomia finalística da greve. Quer isto dizer que a CRP não «legitima», 
 apenas, as acções concertadas de recusa de prestação de trabalho que tenham por 
 fins as reivindicações laborais; reconhece e protege a greve, quaisquer que 
 sejam os «interesses» por ela defendidos (políticos, ideológicos, ou de 
 solidariedade), cuja «definição» – diz – «compete» apenas aos trabalhadores. 
 Perante este largo âmbito de protecção, os poderes públicos estão sujeitos a um 
 especial dever de neutralidade perante a acção concertada da greve: devem 
 respeitar os seus fins, quaisquer que eles sejam. Tal especial dever de 
 neutralidade não deixa porém de ser cumprido no caso dos autos: é que, nele, não 
 está em causa a liberdade da definição dos fins a prosseguir através da greve, 
 que o nº 2 do artigo 57º tutela e que permanece (na interpretação normativa em 
 juízo) perfeitamente intocado. O que está em causa, no caso, é a competência 
 para a definição dos serviços mínimos a prestar durante a greve, sempre que esta 
 se realize em domínios que relevem da «satisfação de necessidades sociais 
 impreteríveis». A norma constitucional aplicável ao caso é portanto – e como já 
 se viu – a contida especialmente no nº 3 do artigo 57º da CRP. 
 Ora, decorre de tudo quanto atrás se disse que o preceito constitucional não 
 proíbe a interpretação feita, pela decisão recorrida, da «norma» contida nos nºs 
 
 3 e 4 do artigo 599º do Código de Trabalho. E isto, por duas razões 
 fundamentais. 
 Primeira, porque decorre do nº 3 do artigo 57º da CRP que a ideia de «satisfação 
 de necessidades sociais impreteríveis» é a ideia chave, subordinante do conceito 
 de «definição de serviços mínimos». 
 Como já se viu, o “telos” da disposição constitucional pode ser resumido da 
 seguinte maneira: se há serviços mínimos que devem ser assegurados durante a 
 greve, nos termos a definir por lei (o que consubstancia a autorização 
 constitucional para a restrição legal do direito), tal sucede porque há 
 interesses comunitários impostergáveis, que tornam absolutamente necessária a 
 realização de tais serviços. 
 O conceito constitucional de «necessidades sociais impreteríveis» é assim 
 subordinante do conceito de «serviços mínimos», ou de «definição» desses 
 serviços. Assim sendo, a normas legais que aplicam ou desenvolvem ambos os 
 conceitos não podem deixar de ser interpretadas de acordo com esta orientação 
 constitucional: a questão da competência para a definição dos serviços mínimos é 
 instrumental, face à prévia qualificação de uma necessidade como «necessidade 
 social impreterível». Ora, foi precisamente nesse sentido que a decisão 
 recorrida interpretou os nºs 3 e 4 do artigo 599º do Código do Trabalho. 
 Em segundo lugar – e como também já se disse – a autorização constitucional, 
 endereçada ao legislador ordinário no nº 3 do artigo 57º da CRP, para que este 
 restrinja o direito de greve sempre que estejam em causa «necessidades sociais 
 impreteríveis», implica em si mesma uma imposição expressa de balanceamento de 
 bens ou interesses em conflito. O que a Constituição pretende é que se ponderem, 
 nos casos concretos, por um lado, o peso dos interesses dos trabalhadores a 
 defender através de greve; e, por outro, o peso dos interesses comunitários que 
 a recusa concertada de prestação de trabalho pode vir a afectar. As normas 
 legais que concretizam a disposição constitucional devem, portanto, ser 
 interpretadas de modo a permitir, e não a impedir, tal tarefa de «balanceamento» 
 e «ponderação»; ora, foi precisamente neste sentido, e não noutro, que a decisão 
 recorrida interpretou os nºs 3 e 4 do artigo 599º do Código de Trabalho. 
 
 
 III
 Decisão
 
  
 Pelos motivos expostos, decide-se não conceder provimento ao recurso, 
 mantendo-se a decisão recorrida quanto ao juízo de constitucionalidade. 
 
  
 Sem custas. 
 
 
 Lisboa, 26 de Novembro de 2008.
 
  
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão