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Processo n.º 1069/06                                                     
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.            Por decisão sumária de fls. 3801 e seguintes, não se tomou 
 conhecimento do recurso interposto para este Tribunal por A., pelos seguintes 
 fundamentos:
 
  
 
 “[…]
 
 7. Não indica o requerimento de interposição do presente recurso para o Tribunal 
 Constitucional qual é o seu objecto, pois nele não vem identificada a norma que 
 a recorrente pretende submeter à apreciação deste Tribunal. Apenas se afirma que 
 o recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, porque a recorrente não se pode conformar com o 
 decidido no «acórdão proferido [nos autos] em 22.11.2006», «relativamente às 
 questões de inconstitucionalidade oportunamente suscitadas».
 Resulta assim com toda a clareza do requerimento de interposição do presente 
 recurso de constitucionalidade que a decisão recorrida é o acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 2006 (supra, 5.).
 Verifica-se portanto que o acórdão recorrido decidiu sobre um pedido de 
 aclaração. Ora, nos termos do artigo 666º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o 
 poder jurisdicional do Supremo Tribunal de Justiça quanto à matéria da causa – 
 isto é, quanto ao objecto do recurso interposto perante esse tribunal, que 
 integrava uma questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente – 
 esgotou-se quando o Supremo proferiu o acórdão de 11 de Outubro de 2006 (supra, 
 
 3.).
 Quer isto dizer que se a ora recorrente pretendia colocar perante o Tribunal 
 Constitucional «questões de inconstitucionalidade oportunamente suscitadas», não 
 podia ter interposto o presente recurso do acórdão de 22 de Novembro de 2006, 
 pois que este acórdão, por definição, nunca podia ter aplicado norma cuja 
 desconformidade constitucional tivesse sido suscitada durante o processo, 
 requisito exigido pelo artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional: essa aplicação, quando muito, teria ocorrido no acórdão de 11 de 
 Outubro de 2006. Com efeito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de 
 Novembro de 2006 – que, repete-se, decidiu sobre um pedido de aclaração deduzido 
 pela ora recorrente – apenas aplicou as normas do Código de Processo Civil 
 relativas ao esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade eventualmente 
 contida na decisão antes proferida pelo Supremo.
 Não tendo a decisão ora recorrida aplicado norma cuja inconstitucionalidade 
 tenha sido suscitada durante o processo – no sentido em que, no artigo 70º, n.º 
 
 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, tal aplicação é entendida –, 
 não pode, por falta de preenchimento de um dos seus pressupostos processuais, 
 conhecer-se do objecto do presente recurso.
 Aliás, outro motivo existiria para o não conhecimento do objecto do presente 
 recurso de constitucionalidade: a recorrente não suscitou, durante o processo, 
 qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, em sentido próprio, o que 
 também é exigido pelos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do 
 Tribunal Constitucional.
 Nomeadamente a questão de inconstitucionalidade que, perante o tribunal ora 
 recorrido, a recorrente reportou ao artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 
 de Janeiro (supra, 2.) – e que, atento o teor do pedido de esclarecimento 
 
 (supra, 4.), provavelmente pretenderia que o Tribunal Constitucional viesse a 
 apreciar –, não traduz qualquer questão de inconstitucionalidade de norma ou 
 interpretação normativa, mas mera questão de inconstitucionalidade da própria 
 decisão que considerou preenchida a previsão daquele artigo 21º e que foi, 
 afinal, o objecto do juízo de censura pela recorrente.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 2.            Desta decisão sumária veio A. deduzir a presente reclamação para a 
 conferência, dizendo o seguinte (fls. 3820 e seguintes):
 
 “[…]
 
 8 – Salvo o devido respeito, que é muito, nem sequer conseguimos descortinar, 
 atendendo ao disposto no art.º 686º n.º 1 do CPC (Se alguma das partes requerer 
 a rectificação, aclaração ou reforma da sentença... o prazo para o recurso só 
 começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento – 
 sobre o pedido de aclaração), como é possível ficarem dúvidas sobre qual o 
 Acórdão foi interposto o recurso agora levado a esse Superior Tribunal. 
 
 9 – Aliás, ainda que erroneamente no requerimento de interposição de recurso 
 apresentado no STJ em 11.12.2006, tenhamos por lapso feito menção ao Acórdão de 
 
 22.11.2006, tal menção foi para que não restassem dúvidas sobre o prazo de 
 interposição de recurso para esse Tribunal Superior, reportado a 22.11.2006. 
 Ainda assim, 
 
 10 – O que não deixa de ser certo e manifesto, são duas circunstâncias 
 inequívocas: 
 a) O Acórdão proferido em 22.11.2006 é parte integrante daquele que foi 
 proferido em 11.10.2006 – tanto assim é que o prazo para dele interpor recurso, 
 conta-se da notificação do segundo; e, 
 b) Mesmo no Acórdão proferido em 22.11.2006, teve que necessariamente ter 
 recaído decisão sobre o requerimento apresentado em 21.10.2006, também na parte 
 em que era suscitada, mais uma vez, a inconstitucionalidade do art.º 21º n.º 1 
 do Dec. Lei n.º 15/93 (conforme resulta da pág. 5) – sic: 
 Agora a questão decidida por Vossas Excelência relativamente à 
 constitucionalidade do art.º 21º n.º 1 do DL 15/93, nos moldes em que foi 
 suscitada e respondida e da correcta e suficiente integração dos factos apurados 
 na conduta típica de tal norma; 
 Aparentemente, terão Vossas Excelências decidido que para o enquadramento da 
 tipicidade contida no art.º 21º n.º 1 do DL 15/93, é suficiente que sejam 
 apurados os seguintes factos: 
 a) Que a droga em causa, seja «dura»; 
 b) Que as vendas apuradas pelas instâncias, terão ocorrido entre 15 de Junho de 
 
 2001 e 8 de Março de 2002; 
 c) Que de 15 de Junho de 2001 até ao Natal de 2001, vendeu, cedeu e distribuiu a 
 B.; 
 d) Que entre 21 de Dezembro de 2001 e 26 de Fevereiro de 2002, sucedeu com C. e 
 com D.; 
 e) Que é de todo irrelevante, apurar-se as concretas quantidades vendidas ou 
 cedidas; 
 f) Que é de todo irrelevante, apurar-se se a Arguida vendeu ou cedeu 1 grama, 10 
 gramas, 100 gramas, 1 kilo, 100 Kilos ou uma tonelada de drogas «duras»; 
 g) Que é de todo irrelevante, apurar-se se a Arguida obteve benefícios 
 económico-financeiros, na ordem dos 5 Euros, dos 100 euros, dos 1000 euros, ou 
 dos milhões de euros. 
 Ou seja, nos termos decididos por Vossas Excelências, para o enquadramento 
 jurídico-penal da conduta concretamente apurada, na tipicidade e punibilidade 
 previstas no art.º 21º do DL 15/93, basta apurar apenas a factualidade enumerada 
 sob as al.s a) a d) supra referidas? 
 Importará tornar bem clara e inequívoca essa parte da decisão, pois como bem se 
 compreenderá, será esse segmento da decisão e a norma contida no art.º 21º n.º 1 
 do DL levado a juízo de conformidade com o disposto na CRP, junto do Tribunal 
 Constitucional. – Fim de citação. 
 
 11 – Inequivocamente, ao longo de todo o processo, sempre suscitamos com clareza 
 a inconstitucionalidade do art.º 21º n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93 do seguinte 
 modo: 
 Com tal entendimento e dimensão interpretativa do crime previsto no art.º 21º do 
 Dec. Lei n.º 15/93, resulta que tal artigo se torna inconstitucional à luz do 
 princípio da presunção de inocência (art.º 32º n.º 2 da CRP) e da norma 
 constitucional que assegura aos arguidos todas as garantias de defesa (art.º 32º 
 n.º 1 da CRP) – a «factualidade» com que o Tribunal a quo preencheu o tipo de 
 crime é absolutamente ilegal/inconstitucional, por não permitir que nenhum 
 cidadão se possa defender de tais imputações. 
 Resumindo e concluindo: 
 I – O Acórdão impugnado para esse Superior Tribunal, inequivocamente que foi o 
 Acórdão proferido pelo STJ em 11.10.2006, tanto mais que o Acórdão de 22.11.2006 
 
 é mera parte integrante e decorrente da decisão anterior – 10 dias após a 
 notificação da decisão a que alude o art.º 686º n.º 1 do CPC. 
 II – Efectivamente, até podia ter sido mais claro o requerimento apresentado em 
 
 11.12.2006, bastando ter-se referido que a alusão a 22.11.2006, dizia respeito 
 tão-somente à correcta contagem do respectivo prazo, por ser esta decisão 
 complemento da de 11.10.2006. Contudo, 
 III – No nosso humilde entendimento, não poderá deixar de se considerar 
 impugnado o Acórdão de 11.10.2006 (na parte em que foi suscitada e decidida a 
 inconstitucionalidade do art.º 21º n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93), não obstante o 
 nosso aparentemente manifesto lapso na concreta identificação do Acórdão sobre o 
 qual pretendíamos interpor recurso para o Tribunal Constitucional. 
 IV – A norma cuja conformidade constitucional se pretende que recaia decisão 
 desse Tribunal Superior, foi clara e inequivocamente suscitada perante o aqui 
 Tribunal a quo – cfr. 8 que antecede e pág. 6 da decisão ora reclamada. 
 V – A bem da Justiça, e porque está em causa a liberdade de uma arguida, pode e 
 deve ser relevado o aparentemente manifesto lapso por nós cometido na indicação 
 da correcta data do Acórdão que queríamos impugnar. 
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 3.            A esta reclamação respondeu o representante do Ministério Público 
 junto do Tribunal Constitucional nos seguintes termos (fls. 3830):
 
  
 
 “1º - A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
 2º - Na verdade – e mesmo admitindo que o recorrente pretendesse impugnar o 
 acórdão proferido sobre o mérito da causa – é evidente que não se mostra 
 suscitada, durante o processo e em termos processualmente adequados, qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa. 
 
  
 
  
 
                  Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II
 
  
 
  
 
 4.            São dois os fundamentos de não conhecimento do recurso constantes 
 da decisão sumária ora reclamada (supra, 1.): por um lado, a não aplicação, na 
 decisão recorrida, da norma cuja conformidade constitucional a recorrente 
 pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, atendendo a que tal decisão 
 versou sobre um pedido de aclaração; por outro lado, a não invocação durante o 
 processo, pela recorrente, de qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa, mas apenas de inconstitucionalidade de uma decisão.
 
                  Relativamente ao primeiro fundamento de não conhecimento do 
 presente recurso de constitucionalidade, sustenta a reclamante (supra, 2.) a 
 existência de um lapso na menção do acórdão de que pretendera interpor recurso 
 para o Tribunal Constitucional: teria indicado o acórdão que decidiu sobre o 
 pedido de aclaração, quando efectivamente pretendera interpor recurso do acórdão 
 aclarando.
 
  
 
                  A existência de um tal lapso torna-se, porém, especialmente 
 duvidosa quando se verifica que a própria reclamante aduz razões para a menção, 
 no requerimento de interposição do presente recurso, do acórdão que decidiu 
 sobre o pedido de aclaração, em vez do acórdão aclarando: assim, por exemplo, 
 alega que teria mencionado o acórdão que decidiu sobre o pedido de aclaração 
 para que não restassem dúvidas sobre o prazo do recurso para o Tribunal 
 Constitucional; alega, ainda, que neste acórdão se decidiu sobre uma questão de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
                  Mas, mesmo que se entenda que houve lapso – o que, como se 
 disse, é especialmente duvidoso, atendendo a que a reclamante, ao apresentar 
 justificações para a menção do acórdão que decidiu sobre o pedido de aclaração, 
 indicia que era deste que pretendia efectivamente interpor recurso –, a verdade 
 
 é que tal lapso só à recorrente é imputável, não só porque se encontra (aliás, 
 obrigatoriamente) representada por advogado, como também porque tal lapso não 
 configura legalmente qualquer hipótese de justo impedimento.
 
  
 
                  Improcede, portanto, a argumentação da reclamante quanto ao 
 primeiro fundamento em que se alicerçou a decisão sumária.
 
  
 
                  Relativamente ao segundo fundamento, também improcede 
 totalmente o alegado pela reclamante.
 
  
 
                  E isto porque é a própria reclamante a reforçar a conclusão de 
 que, durante o processo, não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa: assim, quando afirma que, durante o processo, sustentou que “[…] a 
 
 «factualidade» com que o Tribunal a quo preencheu o tipo de crime é 
 absolutamente ilegal/inconstitucional […]”.
 
  
 
                  Desta referência decorre, de modo inequívoco, que durante o 
 processo a recorrente apenas censurou a subsunção dos factos ao artigo 21º do 
 Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o que não configura uma censura a 
 qualquer norma ou interpretação normativa, mas apenas à correspondente decisão 
 judicial, em si mesma considerada.
 
  
 
                  Não há, assim, motivo para alterar a decisão sumária reclamada.
 
  
 
  
 III
 
  
 
  
 
 5.            Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a 
 presente reclamação, mantendo-se a decisão sumária de fls. 3801 e seguintes que 
 não tomou conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
                  Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 
 
 (vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 8 de Fevereiro de 2007
 Maria Helena Brito
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Rui Manuel Moura Ramos