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Processo n.º 720/05                            
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
                                                                                  
 
  
 
  
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.         A., SA. deduziu, junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância do 
 Porto, impugnação judicial das liquidações e cobranças da taxa de salubridade 
 que lhe foram efectuadas em 30 de Setembro de 2001 pela Câmara Municipal da 
 Póvoa de Varzim. No requerimento respectivo, depois de transcrever a regra 12. 
 do Tarifário de Saneamento Básico do Concelho da Póvoa de Varzim (cfr. fls. 2. 
 v.º e 3), sustentou, para o que aqui releva, que “o montante liquidado e cobrado 
 pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim a título de «taxa de salubridade» não é 
 devido, por ser aquele acto de liquidação ilegítimo, dada a ilegalidade e 
 inconstitucionalidade dos preceitos de que resulta a criação da receita 
 respectiva – as normas do Regulamento de Saneamento Básico e do Tarifário de 
 Saneamento Básico que estabelecem o pagamento da taxa referida – vício que se 
 argui para todos os efeitos” (fls. 6).
 
  
 
  
 
 2.         A Câmara Municipal da Póvoa de Varzim contestou (fls. 23 e v.º), 
 tendo nomeadamente defendido que, contrariamente ao alegado pela impugnante, a 
 taxa de salubridade estaria prevista no n.º 2 do artigo 7º do Regulamento de 
 Saneamento Básico e não na regra 12. do Tarifário de Saneamento Básico e, bem 
 assim, que a taxa de salubridade não configurava um imposto.   
 
  
 
             O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da 
 impugnação (fls. 84 e seguinte).
 
  
 
  
 
 3.         Por sentença de 27 de Maio de 2004, o juiz do Tribunal Administrativo 
 e Fiscal do Porto julgou a impugnação improcedente, pelos seguintes fundamentos 
 
 (fls. 91 e seguintes):
 
  
 
 “[…]
 A questão a decidir nestes autos já foi decidida no processo de impugnação que 
 corre termos na 1ª secção do 3° Juízo deste Tribunal sob o n.º 21/02, em que era 
 também autor a aqui impugnante, versando sobre a mesma questão de direito embora 
 referente a liquidações relativas a períodos posteriores.
 Uma vez que concordamos inteiramente com os argumentos ali sustentados, pela 
 inexistência de outros que possa ter interesse para a decisão da causa de acordo 
 com a posição por nós sufragada e pela inutilidade em que se traduziria estar a 
 sustentar por outras palavras a posição ali defendida, passamos a citar aquela 
 decisão, cujos fundamentos para aqui importamos.
 
 «A tese que a impugnante traz a pleito para sustentar a sua pretensão 
 estriba-se, no essencial, na alegação de que a impugnante não recebe qualquer 
 contrapartida por parte da CMPV em resultado do pagamento da taxa de salubridade 
 aqui impugnada.
 Ora, tal falta de sinalagma retiraria, na tese da impugnante, o carácter de taxa 
 ao tributo aqui em causa e conferir-lhe-ia contornos de verdadeiro imposto e daí 
 que os preceitos regulamentares que prevêem a dita taxa sejam inconstitucionais 
 e ilegais. Vejamos.
 Decorre da norma contida no art. 16° n.º 1 alínea d) da Lei 42/98, de 6 de 
 Agosto, que, entre as receitas dos municípios, se conta ‘o produto da cobrança 
 de taxas, tarifas e preços resultantes da prestação de serviços pelo município’.
 A taxa é definida pela doutrina como ‘uma prestação tributária (ou tributo) que 
 pressupõe, ou dá origem a uma contraprestação específica, resultante de uma 
 relação concreta (que pode ser ou não de benefício) entre o contribuinte e um 
 bem ou serviço púbico’ – cfr. António de Sousa Franco, Finanças Públicas e 
 Direito Financeiro, pág. 63.
 Na tarefa de definir aquilo que pode constituir a contraprestação específica a 
 doutrina portuguesa identifica três situações diversas: a da prestação de 
 serviços públicos; a de utilização do domínio público e a de remoção de limites 
 jurídicos impostos à actividade dos particulares – cfr. artº  4° n.º 2 da LGT.
 No caso vertente, o cerne da questão está em saber se existe ou não uma 
 contrapartida a cargo do município em resultado do pagamento da taxa de 
 salubridade. 
 A este propósito, não nos iremos alongar em considerações doutrinárias sobre o 
 tema mas retomar por se nos afigurar de flagrante relevância, o discurso 
 judicativo-decisório ensaiado pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão 
 
 410/2000, de 3 de Outubro de 2000, DR I Série, de 22 de Novembro de 2000.
 Ali se considerou que, ‘o Tribunal Constitucional, ao distinguir o imposto da 
 taxa, tem surpreendido unilateralidade naquele e nesta carácter bilateral ou 
 sinalagmático (...).
 No entanto, e recorrendo às características doutrinariamente assinaladas na 
 figura da taxa, como sejam a sinalagmaticidade e a correspectividade das 
 prestações, também já se observou no Acórdão 1108/96 não serem estas invocáveis 
 como critérios com o mero objectivo de subsunção conceptual quando está em causa 
 um juízo de constitucionalidade.
 Independentemente da resposta da doutrina fiscal, o arquétipo do raciocínio 
 jurídico naquele plano de constitucionalidade deverá ser, no essencial, uma 
 distinção funcional determinada pelos fundamentos e objectivos constitucionais 
 da reserva de lei.
 A subordinação do imposto à reserva de lei exprime (sempre nesse plano) a 
 exigência de um controlo democrático que tem a ver com o respeito da igualdade e 
 da justiça tributárias aferidas em função da capacidade contributiva de cada 
 cidadão. Já a taxa se insere numa outra lógica, não necessariamente justificada 
 pelo exacto custo da prestação ou do benefício, se bem que juridicamente 
 estruturada através da sinalagmaticidade e correspectividade da prestação, tendo 
 como causa uma prestação de que é beneficiário o cidadão vinculado ao seu 
 pagamento.
 Assim, para a função da taxa pode ser menos relevante o custo e, por exemplo, 
 mais relevante a contenção da utilização de um serviço o que significa que o 
 carácter sinalagmático da taxa não exige a correspondência do seu montante ao 
 custo do bem ou serviço prestado (...).
 Já se o valor for manifestamente desproporcionado, ‘completamente alheio ao 
 custo do serviço prestado’, então pode duvidar-se se a taxa não há-de ser 
 encarada, de um ponto de vista jurídico-constitucional, como verdadeiro imposto, 
 porque, desse modo, se afectaria a correspectividade. Assim, a 
 desproporcionalidade, desvirtuante da correspectividade, lesaria o critério 
 legitimante da taxa (...).
 Ou seja (...) a base funcional da distinção entre taxa e imposto não impõe uma 
 sinalagmaticidade pré-jurídica, mas sim uma sinalagmaticidade construída 
 juridicamente e um sentido de correspectividade susceptível de ser entendido e 
 aceite como tal pelos cidadãos atingidos’.
 Ora, segundo consta do art. 7° n.º 2 do ‘Regulamento do Saneamento Básico’ do 
 Município da Póvoa de Varzim, ‘a taxa de salubridade consubstancia a 
 comparticipação do utente nos custos de exploração e conservação dos sistemas, 
 correspondentes aos encargos da sua disponibilidade e utilização’.
 O citado normativo regulamentar enuncia de modo muito claro qual o sentido da 
 taxa de salubridade e qual a contraprestação a cargo do município que lhe está 
 associada.
 Do que se trata é de cobrar receitas com vista a assegurar os custos de 
 exploração e conservação dos sistemas de saneamento municipais, implicadas pela 
 utilização dos mesmos por parte dos munícipes. Tal utilização determina a 
 necessidade, actual ou futura, da realização de obras de conservação ou o 
 lançamento de novas redes e sistemas de saneamento, residindo aí a 
 contraprestação da autarquia, o serviço prestado pela autarquia conexionado com 
 o pagamento da taxa – cfr. Ac. TC n.º 357/99, DR II série, de 2 de Março de 
 
 2000.
 Eis porque, ao contrário do que sustenta a impugnante, as liquidações em causa 
 não padecem dos vícios que a mesma lhes aponta».
 Termos em que, pelos fundamentos expostos julga-se a impugnação improcedente 
 porque não provada e em consequência absolve-se a Câmara Municipal da Póvoa de 
 Varzim do pedido.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 4.         Inconformada, A., SA. recorreu para a Secção de Contencioso 
 Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (fls. 103), tendo nas alegações 
 respectivas (fls. 114 e seguintes) concluído do seguinte modo:
 
  
 
 “1. Estando em causa a eventual desconformidade da «taxa de salubridade», 
 importa proceder à qualificação da aludida figura;
 
 2. A «taxa de salubridade» tem o seu fundamento legal no art. 20° da Lei das 
 Finanças Locais e no art. 7° n.º 2 do Regulamento de Saneamento Básico;
 
 3. A questão suscitada perante este Tribunal é a de saber se o dito regulamento 
 apenas concretizou a lei habilitante ou se, pelo contrário, criou um verdadeiro 
 imposto;
 
 4. Os Municípios têm competência legislativa para a criação de taxas em áreas do 
 seu interesse específico;
 
 5. As taxas revestem carácter sinalagmático, que deriva funcionalmente da 
 natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que não 
 consiste na prestação de uma actividade pública especialmente dirigida ao 
 respectivo particular ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção 
 de um limite jurídico à actividade dos particulares;
 
 6. O imposto é uma prestação pecuniária, singular e reiterada, que não apresenta 
 conexão com qualquer contraprestação retributiva;
 
 7. O critério de diferenciação entre imposto e taxa, segundo a jurisprudência 
 constitucional, consiste na unilateralidade ou bilateralidade dos tributos em 
 causa;
 
 8. Sendo a ora recorrente utente do sistema público de saneamento básico, não há 
 qualquer outro serviço prestado para além dos serviços de fornecimento de água, 
 da taxa de saneamento relativamente aos esgotos e à recolha de resíduos sólidos, 
 que possa justificar a liquidação da «taxa de salubridade»;
 
 9. Fica assim precludido o vínculo de reciprocidade que caracteriza as taxas, 
 uma vez que a ora recorrente não recebeu, nem recebe, qualquer contrapartida 
 económica proporcional por parte da Câmara;
 
 10. O tributo cobrado pela Câmara apresenta-se como uma forma de 
 autofinanciamento da autarquia e, como tal, reveste contornos de verdadeiro 
 imposto;
 
 11. Atenta a sua natureza jurídica, de verdadeiro imposto, só poderia ser criada 
 pela Assembleia da República (já não por deliberação da Assembleia Municipal da 
 Póvoa de Varzim) o que configura uma inconstitucionalidade orgânica e formal das 
 respectivas normas do Regulamento de Saneamento Básico e do Tarifário de 
 
 (Saneamento Básico, nos termos dos arts. 103° n.º 3 e 165° n.º 1 al. i) da 
 Constituição.”.
 
  
 
  
 
             O Ministério Público sustentou que o recurso não merecia provimento 
 
 (fls. 141).
 
  
 
  
 
 5.         Por acórdão de 1 de Junho de 2005, o Supremo Tribunal Administrativo 
 negou provimento ao recurso, pelos seguintes fundamentos (fls. 148 e seguintes):
 
  
 
 “[…]
 
 3.1. Os actos de liquidação impugnados respeitam a taxa de salubridade a favor 
 da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, fundamentando-se a impugnação, 
 essencialmente, na inexistência de contrapartida por parte do Município, o que 
 faria da denominada taxa um verdadeiro imposto, ilegal por ter sido instituído 
 por deliberação daquela Câmara […].
 A sentença recorrida entendeu, ao invés, que a «utilização [dos sistemas de 
 saneamento municipais] determina a necessidade, actual ou futura, da realização 
 de obras de conservação ou o lançamento de novas redes e sistemas de saneamento, 
 residindo aí a contraprestação da autarquia, o serviço prestado pela autarquia 
 conexionado com o pagamento da taxa». E por isso julgou a impugnação 
 improcedente.
 No recurso jurisdicional que ora se nos apresenta a recorrente usa, para 
 contrariar a sentença, razões que se não afastam das que invocara na petição de 
 impugnação, e que condensa nas conclusões acima transcritas.
 Já o Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal assume posição próxima 
 da que adoptou a sentença, por isso que propõe a sua confirmação.
 
 3.2. A única questão em debate é a de saber se os tributos liquidados à 
 recorrente devem considerar-se verdadeiras taxas, como são denominados, por 
 haver contrapartida por parte da autarquia, ou se tal contrapartida inexiste, 
 caso em que estaremos perante um imposto, cujo ilegal nascimento implica a 
 ilegalidade das liquidações.
 Não se controverte, no processo, por onde passa a linha separadora dos conceitos 
 de taxa e imposto; nem que este só pode ser criado pela Assembleia da República, 
 sob pena de ilegalidade da respectiva liquidação. Desnecessário é, pois, que nos 
 ocupemos do que respeita à distinção entre taxa e imposto, à reserva de lei da 
 Assembleia da República, e às consequências do seu desrespeito. As considerações 
 a tais propósitos feitas no processo, seja pela recorrente, seja pelo Mmº. Juiz 
 que proferiu a sentença recorrida, acompanham o que repetida e uniformemente tem 
 afirmado a jurisprudência, designadamente, a do Tribunal Constitucional – na 
 qual, aliás, confessadamente se inspiram – e a deste Supremo Tribunal 
 Administrativo.
 Ora, em sede de matéria de facto – ainda que fora do capítulo especialmente 
 dedicado à enunciação dos factos provados e não provados –, estabelece-se na 
 sentença que «do que se trata é de cobrar receitas com vista a assegurar os 
 custos de exploração e conservação dos sistemas de saneamento municipais, 
 implicadas pela utilização dos mesmos por parte dos munícipes. Tal utilização 
 determina a necessidade, actual ou futura, da realização de obras de conservação 
 ou o lançamento de novas redes e sistemas de saneamento, residindo aí a 
 contraprestação da autarquia, o serviço prestado pela autarquia conexionado com 
 o pagamento da taxa».
 Perante tal factualidade, fica de todo desapoiada a tese da recorrente, quando 
 afirma que «não recebeu, nem recebe, qualquer contrapartida económica 
 proporcional por parte da Câmara»; e que, assim, a taxa exigida «apresenta-se 
 como uma forma de autofinanciamento da autarquia e, como tal, reveste contornos 
 de verdadeiro imposto» – vejam-se as conclusões n.ºs 9 e 10.
 Diferentemente do que diz a recorrente, a sentença estabeleceu que o município 
 dispõe de sistemas de saneamento municipais, os quais são utilizados pelos 
 munícipes, e que «tal utilização determina a necessidade, actual ou futura, da 
 realização de obras de conservação ou o lançamento de novas redes e sistemas de 
 saneamento». Estabelece, ainda, a sentença, que a taxa em discussão se destina a 
 proporcionar «receitas com vista a assegurar os custos de exploração e 
 conservação» daqueles sistemas.
 Daí que não possa deixar de se concluir, como na sentença, que, ao proporcionar 
 
 à recorrente a utilização dos falados sistemas de saneamento, que explora e 
 conserva, o município lhe presta um serviço, «residindo aí a contraprestação da 
 autarquia, o serviço prestado pela autarquia conexionado com o pagamento da 
 taxa» liquidada.
 Acrescente-se que a recorrente, embora se refira, na conclusão n.º 9, à 
 inexistência de «qualquer contrapartida económica proporcional por parte da 
 Câmara», não quer, como se extrai do conjunto das suas alegações, afirmar que a 
 taxa em causa é contrapartida desproporcional do serviço que lhe é prestado, 
 pretendendo, antes, que não há contraprestação nenhuma, proporcional ou 
 desproporcional, por parte do município, ou seja, que falta, de todo, o 
 sinalagma que caracteriza a taxa e permite distingui-la do imposto.
 De todo o modo, e ainda que se entendesse que a recorrente argui a desproporção 
 entre a taxa e a contraprestação do município, a questão não poderia aqui 
 apreciar-se, por a recorrente não indicar, e o processo não fornecer, quaisquer 
 elementos que possam servir de parâmetro para aferir dessa 
 
 (des)proporcionalidade.
 
 3.3. Mas, verdadeiramente, a questão suscitada pela recorrente tem contornos 
 diversos daqueles que balizaram o que até aqui se afirmou.
 A recorrente não sustenta que o município lhe não presta quaisquer serviços, 
 afirmando, pelo contrário, que é «utente do sistema público de saneamento 
 básico» (artigo 12° das alegações de recurso). Nem contesta que tal sistema foi 
 instituído pelo município, que o explora e conserva, e que tudo isso implica 
 custos. Consequentemente, também não recusa que, como contrapartida dessa sua 
 utilização, lhe possa ser exigida uma verdadeira taxa.
 O que diz é que a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim cobra, além daquela que 
 nos ocupa, «taxa de saneamento relativamente aos esgotos e à recolha de resíduos 
 sólidos», como a autoriza o artigo 20° da Lei das Finanças Locais, e «não há 
 qualquer outro serviço prestado para além dos serviços de fornecimento de água, 
 da taxa de saneamento relativamente aos esgotos e à recolha de resíduos sólidos, 
 que possa justificar a liquidação da ‘taxa de salubridade’».
 Afirma, pois, a recorrente, que já lhe são cobradas taxas (ou tarifas) como 
 contrapartida de todas as prestações que recebe do município: fornecimento de 
 
 água, esgotos, e recolha de resíduos sólidos. Não havendo outro qualquer 
 serviço, a denominada taxa de salubridade a nenhum corresponde, e outra coisa 
 não é senão um imposto, criado para além da autorização dada pelo artigo 20° da 
 Lei das Finanças Locais.
 Vale aqui a certeira observação do Exmº. Procurador-Geral Adjunto: se for 
 verdadeira a afirmação da recorrente, então poderemos estar perante um caso de 
 dupla tributação, isto é, o município está a tributar por duas vezes, com taxas 
 diferentes, e com fundamento em normas diversas, o mesmo facto tributário.
 Mas a dupla tributação, que «configura uma situação em que o mesmo facto 
 tributário se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias 
 diferentes, o que implica, de um lado, a identidade do facto tributário e, do 
 outro, a pluralidade de normas tributárias» (José Casalta Nabais, Direito 
 Fiscal, 2ª edição, pág. 230/231), não integra o elenco dos vícios invalidantes 
 do acto tributário.
 E não prejudica a verificação, como acontece no caso, da existência de um 
 sinalagma entre o serviço prestado ao sujeito passivo e a taxa liquidada a esse 
 propósito.
 De todo o modo, não vem estabelecido, em sede factual, que à recorrente tenham 
 sido liquidadas, relativamente ao mesmo período temporal, e a pretexto da mesma 
 prestação de serviços, outras taxas além da impugnada.
 Daí a improcedência, também, deste fundamento.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 6.         A., S.A. recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo 
 a apreciação da “norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o 
 processo, [que] consta do Regulamento do Saneamento Básico, aprovado pela 
 Assembleia Municipal da Póvoa de Varzim em sessão 27/06/1996 entretanto 
 sucessivamente alterado” (requerimento de fls. 157).
 
  
 
             O recurso foi admitido por despacho de fls. 158.   
 
  
 
  
 
 7.         Notificada, nos termos do artigo 75º-A, n.º 6, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, para completar o requerimento de interposição do recurso, A., 
 S.A. veio esclarecer que pretende a apreciação da inconstitucionalidade da norma 
 constante do artigo 7º do Regulamento de abastecimento de água, serviço de 
 saneamento e lixo, aprovado pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim em 17 de 
 Junho de 1996 e pela respectiva Assembleia Municipal em 27 de Janeiro de 1996, e 
 dizendo ainda que a inconstitucionalidade dessa norma havia sido suscitada na 
 petição inicial da impugnação (cfr. requerimento de fls. 166).
 
  
 
 8.         Proferido despacho para a produção de alegações, a recorrente A., 
 S.A. concluiu assim as que apresentou neste Tribunal (fls. 170 e seguintes):
 
  
 
             “[…]
 
 1. Estando em causa a eventual desconformidade da «taxa de salubridade», importa 
 proceder à qualificação da aludida figura;
 
 2. A «taxa de salubridade» tem o seu fundamento legal no art. 20º da Lei das 
 Finanças Locais e no art. 7° n.º 2 do Regulamento de Saneamento Básico;
 
 3. A questão suscitada perante este Tribunal é a de saber se o dito regulamento 
 apenas concretizou a lei habilitante ou se, pelo contrário, criou um verdadeiro 
 imposto;
 
 4. Os Municípios têm competência legislativa para a criação de taxas em áreas do 
 seu interesse específico;
 
 5. As taxas revestem carácter sinalagmático, que deriva funcionalmente da 
 natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que não 
 consiste na prestação de uma actividade pública especialmente dirigida ao 
 respectivo particular ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção 
 de um limite jurídico à actividade dos particulares;
 
 6. O imposto é uma prestação pecuniária, singular e reiterada, que não apresenta 
 conexão com qualquer contraprestação retributiva;
 
 7. O critério de diferenciação entre imposto e taxa, segundo a jurisprudência 
 constitucional, consiste na unilateralidade ou bilateralidade dos tributos em 
 causa;
 
 8. Sendo a ora recorrente utente do sistema público de saneamento básico, não há 
 qualquer outro serviço prestado para além dos serviços de fornecimento de água, 
 da taxa de saneamento relativamente aos esgotos e à recolha de resíduos sólidos, 
 que possa justificar a liquidação da «taxa de salubridade»;
 
 9. Fica assim precludido o vínculo de reciprocidade que caracteriza as taxas, 
 uma vez que a ora recorrente não recebeu, nem recebe, qualquer contrapartida 
 económica proporcional por parte da Câmara;
 
 10. O tributo cobrado pela Câmara apresenta-se como uma forma de 
 autofinanciamento da autarquia e, como tal, reveste contornos de verdadeiro 
 imposto;
 
 11. Atenta a sua natureza jurídica, de verdadeiro imposto, só poderia ser criada 
 pela Assembleia da República (já não por deliberação da Assembleia Municipal da 
 Póvoa de Varzim) o que configura uma inconstitucionalidade orgânica e formal das 
 respectivas normas do Regulamento de Saneamento Básico e do Tarifário de 
 Saneamento Básico, nos termos dos arts. 103° n.º 3 e 165° n.º 1 al. i) da 
 Constituição.
 Deve assim, e em consequência, conceder-se provimento ao presente recurso, em 
 conformidade com o juízo de inconstitucionalidade das normas referidas, 
 revogando-se a decisão recorrida, com todas as legais consequências.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
             Por sua vez, a recorrida Câmara Municipal da Póvoa de Varzim 
 formulou as seguintes conclusões nas suas contra-alegações (fls. 178 e 
 seguintes):
 
  
 
             “[…]
 I - A impugnante, ora Recorrente, assenta a sua pretensão de anulação dos actos 
 de liquidação em causa nos presentes actos numa pretensa inconstitucionalidade 
 orgânica e formal dos preceitos regulamentares com fundamento nos quais aqueles 
 actos foram praticados, uma vez que, por alegada inexistência de 
 sinalagmaticidade, estaria em causa um tributo com contornos de verdadeiro 
 imposto.
 II - Conforme doutamente decidido nas anteriores instâncias e, entretanto, 
 clara, categórica e irrepreensivelmente firmado no douto Acórdão desse Venerando 
 Tribunal Constitucional, de 16/11/2005, produzido nos Autos de Recurso n.º 
 
 1094/04 (mesma 1ª Secção), que teve por objecto a exacta questão e os concretos 
 normativos em causa, a tese defendida pela ora Recorrente não é merecedora de 
 acolhimento.
 III - A tarifa de salubridade, prevista no n.º 2 do art. 7° do Regulamento de 
 Saneamento Básico, aprovado pela Assembleia Municipal da Póvoa de Varzim, 
 funda-se no art. 22° in fine do Decreto-Lei n.º 207/94, de 6 de Agosto, e no 
 art. 20° da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto – normas habilitantes, expressamente 
 constantes do preâmbulo ou introdução do Regulamento –, não se verificando, 
 pois, a invocada inconstitucionalidade formal da norma regulamentar em questão.
 IV - A tarifa de salubridade consubstancia «a comparticipação do utente nos 
 custos de exploração e conservação dos sistemas municipais de distribuição de 
 
 água e de drenagem de águas residuais, correspondentes aos encargos da sua 
 disponibilidade e utilização».
 V - Além de pagar os preços correspondentes aos concretos volumes de água e de 
 
 águas residuais consumidos e drenados, respectivamente, a que se reportam as 
 verbas debitadas nas correspectivas parcelas constantes da factura/recibo 
 mensal, terá o utente dos sistemas de comparticipar nos custos de funcionamento 
 dos serviços e equipamentos necessários à prestação daqueles serviços – conforme 
 expressamente previsto no n.º 3 do art. 20° da já referida Lei das Finanças 
 Locais, o preço total pago pelo utente dos sistemas públicos de distribuição de 
 
 água e de drenagem de águas residuais não deverá ser inferior aos custos directa 
 e indirectamente suportados com o fornecimento dos bens e a prestação dos 
 serviços.
 VI - Sendo disso, e apenas disso, que se trata na liquidação e cobrança da 
 tarifa de salubridade, a conclusão que se impõe é a de que esta tem natureza e 
 estrutura sinalagmática e correspectiva, não se configurando como «imposto».
 VII - Não estando em causa um imposto, não padece a concreta norma regulamentar 
 posta em crise, produzida pelo município no exercício do respectivo poder 
 regulamentar, do assacado vício de inconstitucionalidade orgânica.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
             Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 
  
 
  
 
 9.         Através do presente recurso, a recorrente pretende que o Tribunal 
 Constitucional aprecie a conformidade constitucional do artigo 7º do Regulamento 
 de Saneamento Básico [na resposta ao despacho de aperfeiçoamento a recorrente 
 atribui-lhe outra designação: supra, 7.], aprovado pela Assembleia Municipal da 
 Póvoa de Varzim em sessão de 27 de Junho de 1996, na redacção introduzida por 
 deliberação da mesma Assembleia, de 1 de Março de 2001 (cfr. documento de fls. 
 
 36 e seguintes).
 
  
 O referido preceito dispõe o seguinte:
 
  
 
 “Artigo 7º
 Regime tarifário
 
 1. Compete à Câmara Municipal estabelecer, nos termos legais, as tarifas 
 correspondentes aos serviços prestados no âmbito do saneamento básico e a tarifa 
 de salubridade.
 
 2. A tarifa de salubridade consubstancia a comparticipação do utente nos custos 
 de exploração e conservação dos sistemas, correspondentes aos encargos da sua 
 disponibilidade e utilização.
 
 3. A facturação será mensal e o seu montante será determinado em função do 
 consumo médio mensal de água em termos definidos pela Câmara Municipal””.
 
  
 
  
 
             Embora no requerimento de interposição do recurso de 
 constitucionalidade, a recorrente indique genericamente o artigo 7º do 
 Regulamento de Saneamento Básico, apenas o n.º 2 pode constituir objecto do 
 presente recurso – e não as normas constantes de outros números do mesmo 
 preceito – pois que só em relação a esse n.º 2 foi suscitada, durante o 
 processo, a questão da sua inconstitucionalidade (cfr. artigo 72º, n.º 2, da Lei 
 do Tribunal Constitucional).
 
  
 
             A inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 7º – por 
 violação dos artigos 103°, n.º 3, e 165°, n.º 1, alínea i), da Constituição – 
 foi invocada pela recorrente nas alegações para o Supremo Tribunal 
 Administrativo (supra, 4.), não obstante na resposta ao despacho de 
 aperfeiçoamento se ter afirmado que tal ocorrera na petição inicial da 
 impugnação (supra, 7.).
 
  
 
  
 
 10.       O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre 
 a conformidade constitucional da norma que constitui objecto do presente 
 recurso. Fê-lo no Acórdão n.º 652/05, de 16 de Novembro, da 1ª Secção (publicado 
 no Diário da República, II série, n.º 4, de 5 de Janeiro de 2006, p. 159 ss.), 
 tendo concluído no sentido de que a norma impugnada não viola a Constituição da 
 República Portuguesa.
 
             É a seguinte a fundamentação desse acórdão:
 
  
 
 “[…]
 
 2. Da leitura dos preceitos transcritos ressalta, desde logo, a circunstância 
 de, nas referências ao tributo em causa, ser utilizada quer a expressão taxa 
 quer a expressão tarifa. Não impressiona, porém, do ponto de vista da questão a 
 resolver, tal duplicidade de designação. Como se escreveu no Acórdão n.º 76/88 
 
 (Diário da República, I Série, de 21 de Abril de 1988): «(...) a tarifa, no 
 campo das finanças locais [não se] delineia como uma figura tributária em 
 absoluto nova, ou seja, como uma espécie de tertium genus entre a taxa e o 
 imposto. Ela, de facto, e sob todos os aspectos, apresenta-se como uma simples 
 taxa, embora taxa sui generis, cuja especial configuração lhe advém apenas da 
 particular natureza dos serviços a que se encontra ligada (...). A tarifa, se ao 
 nível da lei ordinária pode ter significação própria, não releva, porém, numa 
 perspectiva constitucional, como categoria tributária autónoma. Nesta óptica, 
 ela constitui apenas uma modalidade especial de taxa, e nada mais».
 
 3. Não oferece dúvida que, caso venha a concluir-se estar em causa um imposto, a 
 norma se apresentará ferida de inconstitucionalidade, por violação do disposto 
 nos artigos 103º, n.ºs 2 e 3, e 165º, n.º 1, alínea i), da Constituição da 
 República Portuguesa (CRP). Na verdade, a matéria de criação de impostos e 
 sistema fiscal integra a reserva relativa de competência legislativa da 
 Assembleia da República, estando em absoluto vedado às autarquias locais, 
 através dos seus órgãos, a intervenção normativa neste âmbito. Por esta razão, 
 já o Tribunal Constitucional se pronunciou pela inconstitucionalidade de 
 diversas normas criadas pelos municípios, considerando que, pese embora não 
 assumissem tal denominação, estavam em causa verdadeiros impostos (assim, v. g., 
 Acórdãos n.ºs 313/92, 63/99 e 113/04, Diário da República, II Série, 
 respectivamente de 18 de Fevereiro de 1993, de 31 de Março de 1999 e de 31 de 
 Março de 2004).
 Por outro lado, também é isento de dúvida que assiste às autarquias o poder de 
 criarem e cobrarem taxas, que constituem receitas próprias, pelos serviços por 
 si prestados (artigo 238º, n.ºs 1, 3 e 4, da CRP e 19º e 20º da Lei n.º 42/98, 
 de 6 de Agosto).
 
 4. A extensa jurisprudência do Tribunal Constitucional que analisou já a questão 
 da distinção entre taxa e imposto, tem vindo a eleger como critério distintivo 
 entre as duas figuras a nota da sinalagmaticidade. Enquanto o imposto tem 
 carácter unilateral, a taxa apresenta-se sempre com a característica da 
 bilateralidade. Deste critério dá conta, entre vários outros, o Acórdão n.º 
 
 115/02 (Diário da República, II Série, de 28 de Maio de 2002):
 
 «O Tribunal Constitucional já por diversas vezes foi chamado a pronunciar-se 
 sobre o problema da distinção constitucional entre imposto e taxa.
 O critério básico de diferenciação com que tem operado consiste na 
 unilateralidade ou bilateralidade dos tributos: enquanto o imposto tem estrutura 
 unilateral, a taxa caracteriza-se pelo seu carácter bilateral e sinalagmático.
 Assim, a estrutura das taxas supõe a existência de uma correspectividade entre a 
 prestação pecuniária a pagar e a prestação de um serviço pelo Estado ou por 
 outra entidade pública.
 Como se escreveu no acórdão n.º 558/98, publicado no Diário da República, II 
 Série, de 11 de Novembro de 1998, que se debruçou sobre a natureza jurídica das 
 
 ‘taxas de publicidade’ previstas em regulamento de taxas e licenças municipais, 
 a relação sinalagmática característica da taxa implica uma contrapartida do ente 
 público, sendo entendimento da doutrina que ‘são essencialmente três os tipos de 
 situações em que essa contrapartida se verifica e que se consubstanciam na 
 utilização de um serviço público de que beneficiará o tributado, na utilização, 
 pelo menos, de um bem público ou semi-público ou de um bem do domínio público e, 
 finalmente, na remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas 
 actividades por parte dos particulares’ (assim, Teixeira Ribeiro, Lições de 
 Finanças Públicas, 5ª ed., Coimbra, 1995, págs. 252 e segs. e ‘Noção Jurídica de 
 Taxa’ in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 117º, págs. 289 e segs.; 
 Paulo de Pitta e Cunha, José Xavier de Basto e António Lobo Xavier, ‘Os 
 Conceitos de Taxa e Imposto A Propósito de Licenças Municipais’, in Fisco, n.ºs 
 
 51/52, págs. 3 e segs.).
 Mas, como então se escreveu, ‘quando em causa se encontra a terceira daquelas 
 situações (rememore-se, a que consiste no levantamento do obstáculo jurídico ao 
 exercício de determinada actividade por parte do tributado), defende a doutrina 
 que o encargo pela remoção – in casu, a concessão de licenciamento para a 
 afixação ou inscrição de publicidade – só pode configurar‑se como ‘taxa’ se com 
 essa remoção se vier a possibilitar a utilização de um bem semipúblico (v. 
 autores por último citados e Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito 
 Financeiro, 4ª ed., vol. 1, p. 33, que, em vez de bens semipúblicos, fala de 
 bens colectivos, quer públicos ou privados de uma perspectiva de provisão 
 pública, quer de bens colectivos impuros)’».
 Importa também ter presente que o Tribunal tem vindo a referir, embora nem 
 sempre em decisões unânimes, outras notas na definição do critério distintivo 
 procurado. Assim, para qualificação do tributo, entendeu-se que não é relevante 
 a designação adoptada pelo autor da norma (Acórdãos n.ºs 29/83 e 357/99, Diário 
 da República, II Série, respectivamente, de 23 de Abril de 1984 e de 2 de Março 
 de 2000); que, no que concerne ao sinalagma, este não tem que corresponder a uma 
 equivalência económica entre as prestações, mas antes apenas a uma equivalência 
 jurídica (para além do já referido Acórdão n.º 76/88, cfr. os arestos com os 
 n.ºs 205/87 – Diário da República, I Série, de 3 de Julho de 1987 –, e 410/00 – 
 Diário da República, II Série, de 22 de Novembro de 2000); que não é necessária 
 a utilização efectiva e imediata da prestação em causa, bastando a possibilidade 
 da sua utilização (Acórdãos n.ºs 357/99 e 410/00, já citados); finalmente, que 
 deve utilizar-se na distinção um critério funcional, que atenda aos fundamentos 
 e objectivos constitucionais da reserva de lei (Acórdãos n.ºs 1108/96, Diário da 
 República, II Série, de 20 de Dezembro de 1996 e 410/00, já mencionado).
 
 5. No caso presente, uma primeira aproximação ao conteúdo da norma em causa pode 
 fazer-se pela negativa, partindo de uma leitura conjunta das normas transcritas 
 do Regulamento e do Tarifário. 
 Na verdade, deste ponto de vista, é possível identificar, desde logo, o que não 
 
 é a tarifa de salubridade: ela não corresponde nem ao valor do consumo de água, 
 nem ao da drenagem de esgotos, nem ao da recolha de resíduos sólidos (ponto 12. 
 das Normas Tarifárias); tão pouco corresponde ao valor de qualquer serviço 
 específico, identificado no ponto 13. das mesmas normas (de que são exemplo a 
 limpeza de fossas, a desobstrução de colectores e caixas particulares e a 
 desinfecção de cisternas).
 Também resulta líquido, agora já face ao teor da norma, mas ainda considerando 
 os demais preceitos, que o tributo em causa, tendo sido criado no âmbito do 
 saneamento básico, não se reporta apenas ou ao fornecimento de água ou à 
 drenagem de esgotos, estando, contudo, relacionado com estas duas vertentes do 
 saneamento básico. Neste sentido, depõe a inserção sistemática da referência à 
 tarifa nas disposições comuns e, depois, o teor do artigo 16º, n.º 3, do 
 Regulamento, inserido no Capítulo relativo a fornecimento de água e drenagem de 
 
 águas residuais.
 
 6. A norma em causa refere que a tarifa de salubridade consubstancia a 
 comparticipação do utente nos custos de exploração e conservação dos sistemas, 
 correspondentes aos encargos da sua disponibilidade e utilização. 
 Face à delimitação efectuada, é ainda possível descortinar a que se refere a 
 norma em análise? 
 A resposta não pode deixar de ser positiva, não acompanhando, por conseguinte, a 
 conclusão da decisão recorrida, no sentido de que «não se pode definir qualquer 
 contrapartida directa, a um sujeito passivo em concreto, à qual possa 
 corresponder uma taxa de salubridade». De facto, importa considerar, como se 
 referiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 76/88, em termos que, nesta 
 parte, se têm por inteiramente transponíveis para a situação dos autos, que não 
 invalida a conclusão de que se está perante uma taxa
 
 «(...) o facto de a parcela em causa da ‘tarifa de saneamento’ (...) se destinar 
 a financiar os encargos de exploração e de administração dos respectivos 
 serviços, acrescidos do montante necessário à reintegração do equipamento. De um 
 lado, porque, como atrás se notou, o decisivo, neste campo, não é o destino 
 financeiro da receita, mas a prestação ou não do um serviço. E, de outro lado, 
 porque, se tal destinação tivesse ainda aqui algum relevo, então sempre se 
 observaria que o custo da reintegração do equipamento é ainda custo do serviço, 
 como, aliás, era reconhecido expressamente pelo artigo 9º, n.º 2, do Decreto-Lei 
 n.º 98/84, e continua a sê-lo pelo artigo 12º, n.º 2, da Lei n.º 1/87, de 6 de 
 Janeiro, que praticamente o reproduz (neste sentido, v. ainda Marcelo Caetano, 
 Manual de Direito Administrativo, 9ª ed., t. II, p. 1060, que, 
 significativamente, e a este respeito, escreve: ‘Os preços das prestações dos 
 serviços públicos são calculados a partir do custo de produção, mas 
 acrescentando a este os encargos gerais e administrativos, de maneira a cobrir 
 os gastos de exploração e de equipamento do serviço’)» (itálico aditado).
 Também no caso presente se considera que os custos de exploração e conservação 
 dos sistemas são ainda custos dos serviços (de saneamento básico). Aliás, a Lei 
 n.º 42/98, que revogou a Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, mencionada na decisão 
 citada, continua a sustentar, de forma expressa, a doutrina que se extrai do 
 aresto, estabelecendo, no n.º 3 do seu artigo 20º, que «As tarifas e os preços, 
 a fixar pelos municípios, relativos aos serviços prestados e aos bens fornecidos 
 pelas unidades orgânicas municipais e serviços municipalizados, não devem, em 
 princípio, ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com o 
 fornecimento dos bens e com a prestação dos serviços» (itálico aditado).
 Acresce que a leitura do Decreto-Lei n.º 207/94, de 6 de Agosto, que aprova o 
 regime de concepção, instalação e exploração dos sistemas públicos e prediais de 
 distribuição de água e drenagem de águas residuais, revela esses outros 
 encargos, com evidente expressão económica, que não se reconduzem ao mero custo 
 do fornecimento da água. Estabelece, designadamente, que cabe à entidade gestora 
 dos sistemas públicos, nomeadamente aos municípios (artigo 4º, n.º 2), 
 providenciar pela elaboração dos estudos e projectos dos sistemas públicos; 
 promover o estabelecimento e manter em bom estado de funcionamento e conservação 
 os sistemas públicos de distribuição de água e de drenagem e desembaraço final 
 de águas residuais e de lamas; submeter os componentes dos sistemas de 
 distribuição de água e de drenagem de águas residuais, antes de entrarem em 
 serviço, a ensaios que assegurem a perfeição do trabalho executado; garantir que 
 a água distribuída para consumo doméstico, em qualquer momento, possua as 
 características que a definam como água potável e, ainda, promover a instalação, 
 substituição ou renovação dos ramais de ligação (artigo 4º, n.º 3, alíneas b), 
 c), d), e) e h)). Tais encargos, sendo necessários para a prestação dos serviços 
 em causa, para a garantia da sua continuidade e qualidade, são diversos do mero 
 valor, v.g., da água fornecida. Daí que, no Regulamento em apreço, apenas a 
 denúncia do contrato de saneamento, não a suspensão do fornecimento de água, 
 determine a cessação do seu pagamento (artigo 16º).
 Em reforço do carácter sinalagmático do tributo em causa, importa considerar, 
 também, a respectiva fórmula de cálculo, por referência ao consumo de água. Na 
 verdade, existe «afectação das condições de fornecimento de água (o seu 
 aprovisionamento e tratamento), através da medida da solicitação do seu 
 fornecimento (...). É assim claro que quem mais consome mais exige da empresa 
 que fornece um bem relativamente escasso e dispendioso, na perspectiva do 
 tratamento e distribuição de tal bem (...)» (Acórdão n.º 1108/96, já referido).
 Finalmente, diga-se, ainda, acompanhando o Acórdão do Tribunal Constitucional 
 n.º 357/99 (já citado), que a circunstância de a exploração e conservação dos 
 sistemas poderem gerar utilidade para a generalidade da população não contende 
 com o facto de elas serem efectuadas no interesse do onerado, que delas retira, 
 ou pode retirar, uma utilidade própria (o serviço prestado é, nesta dimensão, 
 específico e divisível).
 Reconhecido o carácter sinalagmático do tributo criado pela norma em apreciação 
 nos presentes autos de recurso, resta, pois, afirmar, como bem sustenta o 
 Ministério Público, que a mesma não viola a Constituição.
 
 […]”.
 
  
 
  
 
 11.       É esta jurisprudência que aqui se reitera. Pelos fundamentos 
 constantes do Acórdão n.º 652/05 deste Tribunal, conclui-se que não viola os 
 artigos 103°, n.º 3, e 165°, n.º 1, alínea i), da Constituição a norma constante 
 do n.º 2 do artigo 7º do Regulamento de Saneamento Básico aprovado pela 
 Assembleia Municipal da Póvoa de Varzim em sessão de 27 de Junho de 1996, na 
 redacção introduzida por deliberação da mesma Assembleia, de 1 de Março de 2001. 
 
 
 
  
 
  
 III
 
  
 
  
 
 12.       Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional 
 decide negar provimento ao recurso.
 
  
 
             Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em  vinte  
 unidades  de conta.
 
  
 
  
 Lisboa, 17 de Janeiro de 2006
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria João Antunes
 
                                         Carlos Pamplona de Oliveira – vencido, 
 nos termos da declaração que junto
 Artur Maurício
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
  
 Vencido. Mantenho o entendimento que expressei nos Acórdãos 256/05 e 652/05:
 O Tribunal Constitucional tem entendido (v.g., Acórdão n.º 1108/96, in DR 2ª 
 série de 20 de Dezembro de 1996), que o critério essencial de distinção entre a 
 unilateralidade do imposto e a bilateralidade da taxa reside na exigência de uma 
 relação sinalagmática, e que essa correspectividade se estende à relação entre o 
 valor pecuniário a pagar e a qualidade do serviço prestado, sendo que uma 
 flagrante desproporção desta relação afecta o carácter sinalagmático da 
 imposição pecuniária. Impor-se-ia, portanto, uma reflexão sobre o valor 
 
 (utilidade económica) do acto que determinou o pagamento da quantia em causa, 
 para poder concluir se ele é ou não totalmente alheio ao custo do serviço 
 prestado. Na verdade, se o elemento caracterizador da taxa reside na sua 
 sinalagmaticidade, afigura-se-me essencial que a contraprestação devida ocorra – 
 e se manifeste – em cada situação concreta, ao proporcionar ao particular 
 pagador a utilidade económica especificamente equivalente. Ora, quando a 
 utilidade proporcionada se dilui em tarefas que cabem nas competências 
 administrativas da pessoa pública e representa um benefício genericamente 
 atribuído, a correspectividade desaparece. Aliás, no presente caso é até muito  
 difícil aferir da proporcionalidade da taxa, pois a falta de concretização da 
 utilidade proporcionada prejudica de forma irreversível a possibilidade da sua 
 avaliação.
 
                                       
 Carlos Pamplona de Oliveira