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Processo n.º 309/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         A., L.da, apresentou, em 8 de Setembro de 2003, no 
 
 âmbito do processo de execução fiscal n.° 3492-03/100738.6, que corria termos 
 no 4.º Serviço de Finanças de Loures, com vista à cobrança de dívidas de IVA, 
 direitos aduaneiros e juros compensatórios, no montante total de € 249 462,27, 
 requerimento de suspensão desse processo executivo, ao abrigo do artigo 169.º 
 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto‑Lei 
 n.º 433/99, de 26 de Outubro (CPPT), devendo ser fixado o montante de garantia 
 a prestar para esse efeito.
 
                         Por despacho de 7 de Junho de 2004, o Chefe do 4.º 
 Serviço de Finanças de Loures indeferiu o referido requerimento, na parte 
 relativa à dívida de direitos aduaneiros, no montante de € 212 684,98 – com base 
 na informação prestada, em 24 de Maio de 2004, pela Direcção Regional de 
 Contencioso e Controlo Aduaneiro de Lisboa, no sentido da impossibilidade da 
 suspensão do processo executivo no que no diz respeito à dívida exequenda 
 relativa a direitos aduaneiros, além do mais, devido a não se encontrarem 
 satisfeitas nenhuma das duas condições exigidas para o efeito pelo artigo 244.º 
 do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), instituído pelo Regulamento (CEE) n.º 
 
 2913/92, do Conselho, de 12 de Outubro –, mas deferiu‑o no que se refere à 
 dívida de IVA e juros compensatórios, no montante de € 36 777,29, dado se tratar 
 de receitas tributárias nacionais.
 
                         A interessada apresentou, em 7 de Junho de 2004, no 
 Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures, reclamação contra o referido 
 despacho, na parte em que indeferiu a impetrada suspensão, suscitando, além do 
 mais, a questão da inconstitucionalidade, “por violação dos princípios 
 constitucionais da igualdade e da coerência do sistema”, da norma do artigo 
 
 169.º, n.º 6, do CPPT, que exclui a aplicação do disposto nesse artigo 
 
 (suspensão da execução mediante prestação de garantia) “às dívidas de recursos 
 próprios comunitários”.
 
                         A  reclamação foi julgada improcedente por sentença de 
 
 10 de Novembro de 2004. Essa sentença fundamentou‑se, desde logo, na 
 
 “extemporaneidade” da reclamação, “excepção que implica, desde logo, o seu não 
 conhecimento”, mas, passando, “no entanto, à apreciação do mérito da causa”, 
 concluiu pela conformidade constitucional da norma do artigo 169.º, n.° 6, do 
 CPPT, “atento o princípio da primazia das normas de direito comunitário, que 
 vigoram directamente no ordenamento jurídico interno”.
 
                         A reclamante interpôs recurso desta sentença para a 
 Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA), 
 sustentando, além do mais, que: (i) “a interpretação e aplicação da norma do n.° 
 
 6 do art. 169.º do CPPT, tal como são apresentadas pelo tribunal a quo é 
 incoerente, ilegal e inconstitucional, na medida em que desvirtua a ponderação 
 adequada de interesses (Administração/contribuintes) construída com a LGT e o 
 CPPT, e coloca os contribuintes/operadores económicos em posições diferenciadas 
 e desequilibradas (mesmo entre si) perante a mesma situação ou realidade 
 fiscal, lesando seriamente os operadores que arreda da aplicação original do 
 regime do artigo 169.º (sem o famigerado n.° 6), em violação dos princípios 
 constitucionais da igualdade e da não discriminação e da coerência do sistema” 
 
 (conclusão 3.ª); e (ii) “por outro lado, o princípio da primazia do direito 
 comunitário, no actual estado de desenvolvimento das relações entre os 
 ordenamentos jurídicos comunitário e português, torna inaplicáveis as leis 
 ordinárias nacionais contrárias ao direito originário ou derivado, mas não os 
 preceitos e princípios constitucionais (pelo menos o direito derivado, como é o 
 caso dos autos)” (conclusão 5.ª).
 
                         Por acórdão de 2 de Março de 2005, a Secção de 
 Contencioso Tributário do STA negou provimento ao recurso, expendendo, quanto à 
 questão da inconstitucionalidade do artigo 169.º, n.º 6, do CPPT, o seguinte:
 
  
 
             “Tal normativo regula a suspensão da execução fiscal e as garantias 
 a prestar para o efeito, dispondo, todavia, aquele n.° 6 que o aí disposto se 
 não aplica às dívidas de recursos próprios comunitários, que é o que está ora em 
 causa nos autos.
 
             (Em breve parêntesis, esclareça‑se que, ao contrário do que pretende 
 a recorrente, não foi «em manifesto estado de desespero e destempero» (sic) que 
 o Orçamento para 2003 aditou aquele n.° 6, «visando afastar esta possibilidade 
 
 (garantia) ao contribuinte» – cf. alegações a fls. 175.
 
             Tal n.° 6, como o n.° 5, constava já da redacção original; só que, 
 por mero lapso, haviam sido omitidos aquando da republicação do CPPT, operada 
 pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho – artigo 13.º. A «alteração» operada pela 
 Lei n.° 32‑B/2002, de 3 de Dezembro, limitou‑se a «repor» a normação 
 respectiva.
 
             Aliás, já o artigo 1.º, n.º 1, da LGT ressalvava do seu âmbito de 
 aplicação «o disposto no direito comunitário».)
 
             Na verdade, os actos tributários, como actos de natureza 
 administrativa, são susceptíveis de execução imediata, no caso através do 
 processo de execução fiscal, findo o prazo de pagamento voluntário dos 
 tributos, independentemente da respectiva impugnação graciosa ou contenciosa.
 
             O artigo 169.º prevê os actos e condicionalismos em que se verifica 
 a suspensão da execução.
 
             Quanto aos recursos próprios comunitários, igualmente cobrados 
 coercivamente na execução fiscal – cf. [Jorge de Sousa,] Código de 
 Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4.ª edição, p. 788, nota 10, e 
 artigo 148.º, n.º 1, alínea a) – o artigo 244.º do CAC prevê um regime especial 
 de suspensão da execução, face ao qual não basta – mas também não é 
 imprescindível – a prestação de garantia, antes se exigindo o condicionalismo 
 nele expresso.
 
             «Consequentemente, é de concluir que a forma de obtenção de 
 suspensão da eficácia e consequente execução de actos administrativos ou 
 tributários em matéria aduaneira a que é aplicável o Código Aduaneiro 
 Comunitário, será a prevista neste art. 244.°
 
             É o reconhecimento desta aplicação prioritária do Código Aduaneiro 
 Comunitário, quanto à suspensão da eficácia de actos de liquidação de receitas 
 tributárias aduaneiras que tem em vista o n.º 6 do presente artigo 169.º, ao 
 estabelecer que o regime previsto neste artigo não se aplica às dívidas de 
 recursos próprios comunitários.
 
             Assim, serão as autoridades aduaneiras, e não o órgão da execução 
 fiscal, quem pode decidir sobre a suspensão da execução dos actos de 
 liquidação de receitas tributárias aduaneiras.
 
             A decisão sobre a atribuição deste efeito suspensivo, seja ou não 
 provocada por requerimento do interessado na sua obtenção, é controlável 
 através de recurso contencioso (o que corresponde a um direito 
 constitucionalmente garantido pelo artigo 268.º, n.º 4, da CRP), a que são 
 aplicáveis as regras do direito interno português, conforme é determinado no 
 artigo 245.º do Código Aduaneiro Comunitário.» – cf. Jorge de Sousa, citado, p. 
 
 789, nota 10.
 
 (Assim e em outro breve parêntesis, esclareça‑se igualmente que, ainda ao 
 contrário do que pretende a recorrente, a alegada actuação das autoridades 
 aduaneiras – indeferindo «sistemática e sumariamente os pedidos de suspensão» – 
 cf. fls. 173/75 – tem remédio, não em termos da pretendida declaração de 
 inconstitucionalidade, mas do predito recurso contencioso, com pedido de 
 suspensão de eficácia do acto de indeferimento.)
 E é em tal diferença de regime que radicaria, na tese da recorrente, a 
 inconstitucionalidade daquele n.° 6 do art. 169.º do CPPT, por «violação dos 
 princípios constitucionais da igualdade e da não discriminação e da coerência do 
 sistema» – cfr. nomeadamente a conclusão 3.ª
 
             Mas cremos que sem razão.
 
             O Tribunal Constitucional tem‑se pronunciado variadíssimas vezes 
 sobre o princípio da igualdade, reconduzido, na vertente ora em causa, 
 essencialmente, à proibição do arbítrio.
 
             O princípio é acolhido no artigo 13.º da CRP e estruturante do 
 Estado de direito democrático e do próprio sistema constitucional global – cf. 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 
 
 3.ª edição, 1993, p. 125.
 
             Postula, em síntese, que se dê tratamento igual a situações 
 essencialmente iguais e tratamento desigual a situações desiguais, proibindo, 
 inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual de 
 situações desiguais.
 
             Proíbe‑se, assim, o arbítrio e afasta‑se a discriminação infundada.
 
             Por outro lado, o princípio da igualdade não funciona apenas na 
 vertente formal e redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo, 
 a aplicação igual de direito igual, «o que pressupõe averiguação e valoração 
 casuísticas da diferença, de modo que recebam tratamento semelhante os que se 
 encontrem em situações semelhantes e diferenciando os que se achem em situações 
 legitimadoras da diferenciação».
 
             Cf., por todos e por mais recentes, os Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional de 2 de Junho de 2004, n.º 403/04, in Diário da República, II 
 Série, de 22 de Julho de 2004, com larga citação doutrinal e jurisprudencial.
 
             Ora, há‑de reconhecer‑se como evidente a diversidade de situações.
 
             As receitas próprias de países membros da Comunidade Europeia 
 destinam‑se à satisfação de interesses próprios, segundo os ditames de política 
 económica e financeira de cada um e da satisfação das respectivas necessidades 
 públicas, de que é base fundamental o Orçamento do Estado e as Grandes Opções 
 do Plano.
 
             Ao passo que os recursos próprios comunitários destinam‑se à 
 satisfação de interesses próprios da Comunidade, segundo os ditames por esta 
 estabelecidos. De modo que se trata de situações diversas, a exigir normação 
 distinta: normação interna para aquelas, comunitária para estas.
 
             Aliás, nunca o artigo 169.º poderia aplicar‑se, mesmo sem o seu n.° 
 
 6, às dívidas de recursos próprios comunitários.
 
             Desde logo, seria incompatível com a LGT – dito artigo 1.º – e com o 
 próprio sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para 
 aprovar o CPPT – Lei n.º 87‑B/98, de 31 de Dezembro – pois ela estava já ínsita 
 na mesma LGT.
 
             Depois, seria incompatível com o direito comunitário – dito artigo 
 
 244.º do CAC –, sendo que as normas deste são hierarquicamente superiores ao 
 direito ordinário interno – artigo 244.º do Tratado de Roma.
 
             Daí que o artigo 8.º, n.° 3, da CRP venha sendo interpretado, de 
 modo largamente majoritário, tanto jurisprudencial como doutrinalmente, como 
 impondo o primado do direito comunitário sobre o direito interno nacional – cf. 
 Jorge de Sousa, citado, p. 468.
 
             Finalmente, refira‑se que, face ao exposto e mutatis mutandis e 
 mesmo para quem defenda a primazia do direito constitucional interno sobre o 
 direito comunitário, o artigo 244.º do CAC se harmoniza perfeitamente com o 
 conteúdo do dito princípio da igualdade, nos termos atrás enunciados, dada a 
 diferenciação legítima existente entre os tributos internos e os comunitários.”
 
  
 
                         É contra este acórdão que pela recorrente vem interposto 
 o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, 
 n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 
 alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), 
 pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade – por violação dos artigos 
 
 20.º e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, 
 designadamente, dos princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional 
 efectiva, da coerência do sistema, da igualdade, da proporcionalidade e da 
 justiça – da norma no n.º 6 do artigo 169.º do CPPT.
 
                         Neste Tribunal, a recorrente apresentou alegações, no 
 termo das quais formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
             “a) A questão central no presente recurso é a de saber se a norma do 
 n.º 6 do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 
 por si ou pela interpretação e aplicação que lhe é dada no acórdão recorrido, 
 se encontra ferida de inconstitucionalidade material por violação dos artigos 
 
 20.º e 266.º da CRP, designadamente dos princípios do acesso ao direito e 
 tutela jurisdicional efectiva, da legalidade, da igualdade, da equidade, da 
 proporcionalidade, da coerência do sistema e da justiça, uma vez que impõe um 
 tratamento diferenciado, mais complexo, mais gravoso e muito mais oneroso em 
 relação aos contribuintes que são notificados de liquidações fiscais aduaneiras 
 que comportam a cobrança de IVA (e, eventualmente, IEC) e direitos aduaneiros 
 
 (rectius, direitos de importação).
 
             b) A interpretação sistemática e a harmonia e coerência do sistema 
 jurídico implicam que se considere inconstitucional a norma do n.º 6 do artigo 
 
 169.º do CPPT (que torna inaplicável o regime da garantia suspensiva na fase 
 executiva previsto no n.º 1 do mesmo preceito quando estejam em causa recursos 
 próprios comunitários) por violar princípios constitucionais, como os 
 consagrados nos artigos 20.º e 266.º, n.º 2, da CRP e, bem assim, direitos e 
 garantias dos contribuintes de consagração constitucional, como os abraçados 
 nos artigos 20.º, n.º 4, e 268.º, n.º 4, também da CRP;
 
             c) Ou, ao menos, que aquela norma seja interpretada conjuntamente 
 com as dos artigos 244.º do CAC e 120.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do 
 CPTA e em conformidade com a Constituição, no sentido de só ser aplicável, pelas 
 autoridades aduaneiras, sob envio do requerimento apresentado pelo contribuinte 
 no respectivo Serviço de Finanças ou mesmo apresentado por aquele directamente 
 no Serviço Aduaneiro, quando não haja fundado receio da constituição de uma 
 situação de facto consumado, como o pagamento antecipado da dívida fiscal 
 aduaneira que se reclamou graciosamente ou impugnou judicialmente.
 
             d) De resto, a adopção de soluções que não diferenciam o uso pelos 
 contribuintes de meios de defesa, antecipatórios ou conservatórios, graciosos 
 ou contenciosos, consoante se esteja perante impostos nacionais ou comunitários 
 
 (receita nacional ou comunitária) – tornando muito mais gravosa, complexa e 
 onerosa a situação dos contribuintes quando pratiquem actos de comércio externo 
 
 – parece ser o paradigma dos restantes Estados membros, como, v. g., Espanha e 
 Itália.
 
             e) Pelo que também nas perspectivas da aplicação uniforme do direito 
 comunitário e da não discriminação concorrencial negativa em relação aos 
 operadores nacionais, se terá de alterar a interpretação seguida pela 
 Administração e sufragada no acórdão em análise.
 
             Nestes termos e nos mais de Direito, cujo suprimento desde já se 
 impetra a Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente 
 e, a final, ser decidido no sentido de:
 
             a) Ser declarada inconstitucional a norma do n.º 6 do artigo 169.º 
 do CPPT (que torna inaplicável o regime da garantia suspensiva previsto no n.º 1 
 do mesmo preceito quando estejam em causa recursos próprios comunitários) por 
 violar princípios constitucionais, como os consagrados nos artigos 20.º e 266.º, 
 n.º 2, da CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, igualdade, 
 proporcionalidade, coerência do sistema e da justiça) e, bem assim, direitos e 
 garantias dos contribuintes de consagração constitucional, como os abraçados nos 
 artigos 20.º, n.º 4 (decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo), 
 e 268.º, n.º 4 (reconhecimento dos direitos dos contribuintes, determinação da 
 prática dos actos administrativos legalmente devidos e adopção das medidas 
 cautelares adequadas), também da CRP;
 
             b) Ou, ao menos, ser decidido que aquela norma seja interpretada 
 conjuntamente com as dos artigos 244.º do CAC e 120.º, n.º 1, alínea b), 
 primeira parte, do CPTA e em conformidade com a Constituição, no sentido de só 
 ser aplicável, pelas autoridades aduaneiras sob envio do requerimento 
 apresentado pelo contribuinte no respectivo Serviço de Finanças ou mesmo 
 apresentado por aquele directamente no Serviço Aduaneiro, quando não haja 
 fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, como o 
 pagamento antecipado da dívida fiscal aduaneira que se reclamou graciosamente ou 
 impugnou judicialmente.”
 
  
 
                         A Fazenda Pública contra‑alegou, aduzindo:
 
  
 
             “– Está em causa uma norma de direito processual – o n.º 6 do artigo 
 
 169.º do CPPT – que determina que «o disposto no presente artigo não se aplica 
 
 às dividas de recursos próprios comunitários».
 
             – Por força desta norma não é aplicável aos recursos próprios 
 comunitários o regime de suspensão da execução, mediante prestação de garantia, 
 nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 169.° .
 
             – Desta opção legislativa não resulta a preterição do direito de 
 acção.
 
             – Assim é porque o executado por dívida proveniente de direitos 
 aduaneiros, como bem sublinha o douto acórdão recorrido, tem ao seu alcance as 
 vias contenciosas, que, de resto, a própria recorrente accionou, 
 designadamente, uma providência cautelar de suspensão de eficácia, ficando 
 assegurado meio idóneo para proceder à impugnação judicial da liquidação.
 
             – A situação de maior exigência que a recorrente atribui ao facto de 
 habitualmente a administração aduaneira não conceder a suspensão da execução 
 das liquidações acolhe‑se ao exercício do poder discricionário consagrado no 
 artigo 244.º do CAC, exercício contra o qual o contribuinte tem ao seu alcance 
 os meios de reacção próprios.
 
             – O n.º 6 do artigo 169.º do CPPT, ao determinar que «o disposto no 
 presente artigo não se aplica às dívidas de recursos próprios comunitários» 
 apenas se harmoniza com o artigo 244.º do CAC.
 
             – É, aliás, contra o artigo 244.º do CAC que a recorrente se 
 insurge, pretendendo a sua desaplicação mediante a desconsideração da norma do 
 n.º 6 do artigo 169.º do CPPT.
 
             – O essencial é que a aplicação do artigo 169.°, n.° 6, do CPPT não 
 conduz à preterição do direito de acção do contribuinte nem só por si cria 
 injustificável desigualdade do contribuinte que actua na prática de actos de 
 comércio externo, face aos demais contribuintes.
 
             – O artigo 169.°, n.° 6, do CPPT não ofende, assim, os princípios 
 constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, da 
 legalidade, da igualdade, da equidade, da proporcionalidade e da coerência do 
 sistema e da justiça.”
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         2.1. Dispõe o artigo 169.º do CPPT:
 
  
 
             “1 – A execução ficará suspensa até à decisão do pleito em caso de 
 reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por 
 objecto a legalidade da dívida exequenda desde que tenha sido constituída 
 garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a 
 penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será 
 informado no processo pelo funcionário competente.
 
             2 – Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou 
 os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, será ordenada 
 a notificação do executado para prestar a garantia referida no número anterior 
 dentro do prazo de 15 dias.
 
             3 – Se a garantia não for prestada nos termos do número anterior, 
 proceder‑se‑á de imediato à penhora.
 
             4 – O executado que não der conhecimento da existência de processo 
 que justifique a suspensão da execução responderá pelas custas relativas ao 
 processado posterior à penhora.
 
             5 – Se for recebida a oposição à execução, aplicar‑se‑á o disposto 
 nos n.ºs 1, 2 e 3.
 
             6 – O disposto no presente artigo não se aplica às dívidas de 
 recursos próprios comunitários.”
 
  
 
                         A recorrente questiona a conformidade constitucional da 
 norma do n.º 6 deste artigo 169.º, enquanto exclui as “dívidas de recursos 
 próprios comunitários” do regime de suspensão da execução fiscal previsto neste 
 preceito, tendo começado por invocar a violação dos princípios constitucionais 
 da igualdade e da coerência do sistema (na reclamação para o TAF de Loures), a 
 que depois sucessivamente aditou a violação do princípio da não discriminação 
 
 (na alegação para o STA), do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, 
 da proporcionalidade e da justiça, a par das normas dos artigos 20.º e 266.º, 
 n.º 2, da CRP (no requerimento de interposição do recurso de 
 constitucionalidade) e, por fim, da equidade e dos “direitos e garantias dos 
 contribuintes de consagração constitucional, como os abraçados nos artigos 20.º, 
 n.º 4 (decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo), e 268.º, n.º 
 
 4 (reconhecimento dos direitos dos contribuintes, determinação da prática dos 
 actos administrativos legalmente devidos e adopção das medidas cautelares 
 adequadas), também da CRP” (nas alegações apresentadas neste Tribunal).
 
                         A orientação acolhida no acórdão recorrido corresponde, 
 como nele se refere, ao entendimento da doutrina, desde sempre seguido pelo STA, 
 no sentido de que, após a entrada em vigor na ordem jurídica portuguesa, em 1 
 de Janeiro de 1994, do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), adoptado pelo 
 Regulamento (CEE) n.º 2913/92, do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, deixaram 
 de ter efeito suspensivo, logo que prestada caução, os recursos de actos 
 administrativos da competência dos tribunais fiscais quando estivessem em causa 
 dívidas a que se aplicasse esse Código (como até aí sucedera por força do 
 estatuído no artigo 130.º, n.º 2, da Lei de Processo nos Tribunais 
 Administrativos – Decreto‑Lei n.º 267/85, de 16 de Julho: “Os recursos de actos 
 administrativos da competência dos tribunais fiscais têm efeito suspensivo, logo 
 que prestada caução nos termos do Código de Processo das Contribuições e 
 Impostos”), passando a vigorar o regime estabelecido nos artigos 243.º a 245.º 
 do CAC, do seguinte teor:
 
  
 
             “Artigo 243.º
 
             1. Todas as pessoas têm o direito de interpor recurso das decisões 
 tomadas pelas autoridades aduaneiras ligadas à aplicação da legislação 
 aduaneira e lhe digam directa e individualmente respeito.
 Tem igualmente o direito de interpor recurso qualquer pessoa que, tendo 
 solicitado uma decisão relativa à aplicação da legislação aduaneira junto das 
 autoridades aduaneiras, delas não obtenha uma decisão no prazo fixado no n.º 2 
 do artigo 6.º
 O recurso será interposto no Estado membro em que a decisão foi tomada ou 
 solicitada.
 
             2. O direito de recurso pode ser exercido:
 
             a) Numa primeira fase, perante a autoridade aduaneira designada para 
 esse efeito, pelos Estados membros;
 
             b) Numa segunda fase, perante uma instância independente, que pode 
 ser uma autoridade judiciária ou um órgão especializado equivalente, nos termos 
 das disposições em vigor nos Estados membros. 
 
  
 
             Artigo 244.º 
 A interposição de recurso não tem efeito suspensivo da execução da decisão 
 contestada.
 Todavia, as autoridades aduaneiras suspenderão, total ou parcialmente, a 
 execução dessa decisão sempre que tenham motivos fundamentados para pôr em 
 dúvida a conformidade da decisão contestada com a legislação aduaneira ou que 
 seja de recear um prejuízo irreparável para o interessado.
 Quando a decisão contestada der origem à aplicação de direitos de importação ou 
 de direitos de exportação, a suspensão da execução dessa decisão fica sujeita à 
 existência ou à constituição de uma garantia. Contudo, essa garantia pode não 
 ser exigida quando possa suscitar, por força da situação do devedor, graves 
 dificuldades de natureza económica ou social.
 
  
 Artigo 245.º
 As disposições relativas à aplicação do procedimento de recurso serão adoptadas 
 pelos Estados membros.”
 
  
 
                         No sentido da substituição, quanto a direitos 
 aduaneiros, do regime do artigo 130.º, n.º 2, da LPTA pelo regime do art. 244.º 
 do CAC se pronunciou o acórdão do STA de 21 de Janeiro de 1998 (proc. n.º 22 
 
 315), que desde logo consignou que da decisão das autoridades aduaneiras sobre 
 a (não) suspensão da execução cabia recurso para os tribunais, tendo 
 anteriormente o acórdão de 30 de Abril de 1997 (proc. n.º 21 471) esclarecido 
 que o efeito suspensivo previsto no artigo 244.º do CAC determinava a 
 impossibilidade legal da instauração da execução fiscal, concretizando a 
 inexigibilidade da dívida exequenda, fundamento de oposição à execução fiscal, 
 nos termos do artigo 286.º, alínea h), do Código de Processo Tributário então 
 vigente.
 
                         Com mais desenvolvimento se pronunciou, sobre as 
 relações entre as regulamentações comunitária e nacional, o Acórdão de 28 de 
 Janeiro de 1998, proc. n.º 22 401 (publicado no Boletim do Ministério da 
 Justiça, n.º 473, p. 260; em Acórdãos Doutrinais, ano XXXVII, n.º 443, Novembro 
 de 1998, p. 1409; e em Ciência e Técnica Fiscal, n.º 389, p. 217), que indeferiu 
 
 – por entender que a interpretação do direito comunitário em causa não dava 
 lugar a qualquer dúvida razoável – pedido de reenvio prejudicial, nos termos do 
 artigo 177.º do Tratado da Comunidade Europeia, visando esclarecer se o artigo 
 
 244.º do CAC prevalecia ou não sobre a regulamentação nacional da suspensão da 
 eficácia das decisões tomadas pelas autoridades aduaneiras e se as decisões 
 referidas nos segundo e terceiro parágrafos da dita norma eram da exclusiva 
 competência das autoridades aduaneiras nacionais. Quanto à primeira questão, 
 entendeu‑se ser pacífico o reconhecimento da aplicabilidade directa dos 
 regulamentos comunitários e da sua prevalência sobre o direito interno 
 ordinário, pelo que “a disposição do artigo 244.º do CAC, como, aliás, as demais 
 do mesmo Código, terão de prevalecer na sua aplicação quando em confronto com o 
 direito interno estatuído e, nomeadamente, sobre a do n.º 2 do artigo 130.º da 
 LPTA, se houver oposição de regimes”. Também quanto à segunda questão foi 
 considerado desnecessário o reenvio prejudicial, com fundamento na “teoria do 
 acto claro”, pois, “se nos ativermos exclusivamente ao âmbito da norma 
 comunitária – e a ele se teria de cingir necessariamente o reenvio –, 
 constatamos que ela apenas prevê a competência das autoridades aduaneiras para 
 suspender a execução da decisão contestada”, desenvolvendo‑se as seguintes 
 considerações que, apesar de expendidas a propósito da desnecessidade do 
 reenvio, se mostram úteis para a compreensão do regime do artigo 244.º do CAC e 
 sua justificação:
 
  
 
             “Na verdade, depois de estipular (n.º 1) que a interposição de 
 recurso não tem efeito suspensivo da execução da decisão contestada – recurso 
 esse que pode ser exercido, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 
 anterior, «numa primeira fase perante a autoridade aduaneira designada para o 
 efeito pelos Estados membros», e «numa segunda fase perante uma instância 
 independente, que pode ser uma autoridade judiciária ou um órgão especializado 
 equivalente, nos termos das disposições em vigor nos Estados membros», o 2.º 
 parágrafo do artigo 244.º do citado Código afirma apenas: «Todavia, as 
 autoridades aduaneiras suspenderão, total ou parcialmente, a execução dessa 
 decisão sempre que tenham motivos fundamentados para pôr em dúvida a 
 conformidade da decisão contestada com a legislação aduaneira ou que seja de 
 recear um prejuízo irreparável para o interessado».
 
             E no 3.º parágrafo acrescenta‑se: «Quando a decisão contestada der 
 origem à aplicação de direitos de importação ou de direitos de exportação, a 
 suspensão da execução dessa decisão fica sujeita à existência ou à constituição 
 de uma garantia. Contudo, essa garantia pode não ser exigida quando possa 
 suscitar, por força da situação do devedor, graves dificuldades de natureza 
 económica ou social».
 
             É, pois, insofismável ou evidente, para se usar a terminologia 
 comunitária sobre o acto claro, que o CAC apenas prevê a competência das 
 autoridades aduaneiras para suspender a execução das decisões ligadas à 
 aplicação da legislação aduaneira.
 
             Em ponto algum dos seus preceitos se admite a competência do 
 tribunal ou de um órgão equivalente para suspender a execução do acto aduaneiro.
 
             Ora, como é consabido, toda a competência legal tem de estar 
 prevista na lei sob pena de não existir, de acordo com o princípio da 
 legalidade.
 
             Daqui resulta que só as autoridades aduaneiras podem suspender a 
 execução das suas decisões segundo um regime de autocontrolo, ficando a sua 
 decisão tomada sobre a matéria, a título oficioso, como lho permite o citado 
 preceito, ou em resposta a pedido do interessado, sujeita a recurso para a 
 autoridade judiciária ou equivalente.
 
             Compreende‑se perfeitamente este regime do direito comunitário. Ao 
 dispor sobre a matéria, este legislador apenas tinha que ter em conta o regime 
 mais adequado aos interesses comunitários a defender, até porque seriam 
 diversos os regimes nacionais.
 
             Ora, os interesses comunitários postulavam um regime de grande rigor 
 quanto à matéria do pagamento do montante dos direitos aduaneiros, quer para se 
 evitarem ofensas ao princípio da igualdade de tratamento decorrente de 
 diferenças de aplicação da lei comunitária, quer para garantir a segurança 
 financeiro‑tributária da Comunidade.
 
             Daí que os artigos 222.º e seguintes do CAC tenham regulado de forma 
 rígida tudo o que respeita ao cumprimento da obrigação tributária, tendo em 
 vista o seu real e efectivo cumprimento, desde os prazos de pagamento, 
 situações e condições em que ele pode ser diferido, juros de mora, facilidades 
 de pagamento e cobrança forçada.
 
             Interferindo a suspensão da execução da decisão aduaneira com esse 
 objectivo do efectivo cumprimento da obrigação aduaneira, seria incongruente que 
 o legislador comunitário não o regulasse em termos exaustivos, como o fez para 
 as restantes situações que interferiam com tal propósito.
 
             A questão de saber se, para além destas autoridades, também o 
 tribunal o poderá fazer na ordem jurídica interna por força de preceito vigente 
 nesta que o contemple extravasa já o domínio da interpretação do direito 
 comunitário, sendo uma questão de interpretação do direito interno, e como tal 
 não poderá fundamentar qualquer pedido de reenvio.
 
             A sua resposta obter‑se‑á pela resolução, à luz do direito interno, 
 mormente constitucional, da questão das relações de força vinculativa entre o 
 direito comunitário directamente vigente no ordenamento jurídico interno e os 
 preceitos deste que lhe são anteriores.
 
             Eis como se conclui pela desnecessidade do reenvio sobre a referida 
 questão.”
 
  
 
                         Passando de seguida a apreciar o mérito do recurso 
 
 (interposto pelo Subdirector‑Geral das Alfândegas contra acórdão do Tribunal 
 Tributário de 2.ª Instância que, julgando‑se competente para o efeito, 
 atribuíra efeito suspensivo ao recurso de acto daquela entidade), o referido 
 acórdão do STA, de 28 de Janeiro de 1998, expendeu o seguinte:
 
  
 
             “Temos, portanto, que a sorte do recurso contende, tal como já se 
 disse, com a resolução da questão de saber se, como decidiu o acórdão recorrido, 
 o regime estatuído pelo n.º 2 do artigo 130.º da LPTA não é incompatível com o 
 estabelecido no artigo 244.º do CAC.
 
             De acordo com o nosso direito constitucional, só poderá aplicar‑se, 
 como se viu, o regime daquele preceito de direito interno se e na medida em que 
 ele não esteja substituído pelo decorrente desta norma de direito comunitário.
 
             Tal equivale por dizer que se coloca aqui, ao fim e ao cabo, uma 
 questão de interpretação do direito interno em matéria da vigência das 
 diferentes leis que se sucedem no tempo.
 
             Trata‑se agora de saber se o n.º 2 do artigo 130.º da LPTA foi ou 
 não revogado pelo citado preceito do direito comunitário.
 
             Segundo se diz no n.º 2 do artigo 7.º do Código Civil, a revogação 
 pode resultar «(...) da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras 
 precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei 
 anterior».
 
             Ora, ao contrário do resultado a que chegou o acórdão recorrido, 
 tem‑se por seguro que o regime do n.º 2 do artigo 130.º da LPTA, segundo o qual 
 
 «os recursos dos actos administrativos da competência dos tribunais fiscais têm 
 efeito suspensivo, logo que prestada caução nos termos do Código de Processo das 
 Contribuições e Impostos» (hoje, Código de Processo Tributário), não é 
 harmonizável nem compatível, no âmbito da matéria regida pelo CAC, com o 
 estabelecido no seu artigo 244.º
 
             E não o é porque, sendo o efeito jurídico estabelecido em um e outro 
 caso a que nos atemos exactamente o mesmo – o da suspensão dos actos de 
 aplicação de legislação aduaneira –, são diferentes os pressupostos de cuja 
 verificação está o efeito dependente em uma e outra legislação.
 
             Enquanto no n.º 2 do artigo 130.º da LPTA a suspensão tem a natureza 
 de um efeito jurídico que ocorre automaticamente ou ope legis por força da 
 verificação de um único requisito, que é o da prestação da caução, sem 
 necessidade de o tribunal ou a autoridade aduaneira ou outra o constituir, mas 
 tão‑só de declarar a sua existência no caso concreto, no artigo 244.º do CAC 
 estamos perante um efeito que corresponde a uma estatuição das autoridades 
 aduaneiras e cuja conformação constitutiva requer a concorrência de diversos 
 pressupostos ou requisitos cuja verificação elas têm de verificar, a saber: a 
 existência de motivos fundamentados [para duvidar] sobre a conformidade da 
 decisão contestada com a legislação aduaneira ou o receio de um prejuízo 
 irreparável para o interessado e a constituição de uma garantia, que poderá ser 
 dispensada quando possa suscitar, por força da situação do devedor, graves 
 dificuldades de natureza económica ou social.
 
             Constata‑se, pois, que a aplicação da norma comunitária não deixa 
 espaço livre para a aplicação da norma interna.
 
             Sendo assim, não poderia o tribunal recorrido decretar a suspensão 
 de eficácia do acto recorrido, acobertando‑se no n.º 2 do artigo 130.º da LPTA.
 
             De acordo com o artigo 244.º do CAC, essa suspensão só poderia ser 
 decidida pela autoridade aduaneira e, consequentemente, só a ela deveria ter 
 sido requerida.
 
             O recurso a juízo sobre a matéria apenas poderá ter lugar para 
 sindicar a legalidade do acto administrativo que denegue a concessão do efeito.”
 
  
 
                         Este entendimento foi reiterado nos acórdãos do STA de 4 
 de Fevereiro de 1998, proc. n.º 22 429, e de 1 de Abril de 1998, procs. n.ºs 21 
 
 443 e 22 647, tendo este último expressamente consignado que, por um lado, o 
 regime decorrente do artigo 244.º do CAC não ofende o princípio constitucional 
 do acesso aos tribunais na vertente de direito à acção ou ao processo e direito 
 a uma decisão judicial de tutela efectiva em tempo útil, e que, por outro lado, 
 o artigo 245.º do CAC deixou ao legislador nacional a competência para regular o 
 procedimento do recurso gracioso e contencioso do acto administrativo 
 denegatório da suspensão de execução.
 
                         A conformidade constitucional do regime em causa – de 
 prevalência do artigo 244.º do CAC sobre o artigo 130.º, n.º 2, da LPTA –, face 
 ao princípio da igualdade e ao direito de acesso aos tribunais foi reafirmada 
 no acórdão do STA de 18 de Novembro de 1998, proc. n.º 23 066 (Acórdãos 
 Doutrinais, ano XXXVIII, n.º 451, Julho de 1999, p. 912), já que, por um lado, 
 os recorrentes de actos tributários, sejam ou não estes de índole aduaneira, 
 podem obter a suspensão da sua execução, e, por outro lado, por uma via ou 
 outra, está sempre assegurado o acesso aos tribunais, quer directamente, quer 
 precedendo recurso, numa primeira fase, perante a autoridade aduaneira.
 
                         Quanto aos prazos de modo de exercício da pretensão de 
 suspensão da decisão de imposição de direitos aduaneiros, o acórdão do STA de 15 
 de Janeiro de 2003, proc. n.º 824/02 (texto integral disponível em 
 
 www.dgsi.pt/jsta), sustentou que o mesmo não podia ser inferior ao da reclamação 
 graciosa ou recurso contencioso, ou seja, de 90 dias a contar do termo do prazo 
 de pagamento voluntário do tributo ou 2 meses a contar da notificação ou da 
 publicação do acto (artigos 97.º e 123.º do Código do Processo Tributário – 
 Decreto‑Lei n.º 154/91, de 23 de Abril (CPT) – e 28.º e 29.º da LPTA), que o 
 prazo de prestação da garantia era de 10 dias, por aplicação analógica do 
 disposto no artigo 255.º do CPT, e que, se tiver sido já instaurada execução 
 
 (possibilidade que resulta de o prazo de pagamento voluntário – artigo 108.º do 
 CPT – em geral ser inferior ao do recurso), a prestação da garantia suspenderá a 
 própria execução, nos termos do referido artigo 255.º do CPT (correspondente ao 
 artigo 169.º do CPPT), concluindo, assim, que “há uma larga margem de 
 coincidência entre o artigo 244.º do CAC e o artigo 255.º do CPT”, já que “ambos 
 pretendem evitar ao contribuinte uma situação irreparável, nomeadamente a venda 
 dos bens em processo executivo”, “pelo que a suspensão da execução da decisão a 
 que se refere aquele primeiro normativo corresponde, afinal, ao segundo”. Por 
 outro lado, o mesmo acórdão entendeu que a decisão da autoridade aduaneira que 
 indefira pedido de suspensão da decisão de imposição de direitos aduaneiros é 
 imediatamente recorrível para os tribunais, pois o recurso administrativo que da 
 mesma caiba deve ser qualificado como meramente facultativo, face ao disposto 
 no artigo 80.º da Lei Geral Tributária (Decreto‑Lei n.º 398/98, de 17 de 
 Dezembro), preceito que se aplica às relações jurídicas tributárias aduaneiras 
 
 (contrariamente ao que se entendia face aos correspondentes artigos 18.º e 92.º 
 do CPT – cf. acórdão do STA, de 18 de Novembro de 1998, proc. n.º 22 943).
 
                         Por último, o acórdão do STA, de 27 de Abril de 2005, 
 proc. n.º 1263/05 (texto integral disponível em www.dgsi.pt/jsta), reiterou o 
 entendimento de que a suspensão da execução de uma decisão de aplicação de um 
 direito aduaneiro deve ser feita nos termos do artigo 244.º do CAC (não sendo 
 meio idóneo para esse efeito a dedução de oposição à execução fiscal), podendo 
 os interessados requerer essa suspensão à autoridade aduaneira e, face a 
 eventual indeferimento deste pedido, interpor recurso contencioso deste 
 indeferimento, o que assegura a abertura da via judicial e o respeito pelo 
 direito constitucional de acesso aos tribunais.
 
  
 
                         2.2. Também o Tribunal de Justiça das Comunidades 
 Europeias foi, por diversas vezes, através de reenvios prejudiciais, chamado a 
 proceder à interpretação das disposições contidas no artigo 244.º do CAC, 
 designadamente (cf. http://curia.eu.int/jurisp):
 
                         – pelo acórdão de 17 de Julho de 1997, proc. C‑130/95 
 
 (Bernd Giloy), em que declarou: (i) “O artigo 244.º, segundo parágrafo, do 
 Regulamento (CEE) n.º 2913/92, do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que 
 estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, deve ser interpretado no sentido de 
 que as autoridades aduaneiras suspendem, no todo ou em parte, a execução de uma 
 decisão aduaneira contestada quando uma das duas condições mencionadas nessa 
 disposição estiver preenchida, devendo ser concedida a suspensão sempre que for 
 de temer um dano irreparável para o interessado sem que, no entanto, tenham de 
 existir razões para duvidar […] da conformidade da decisão contestada com a 
 legislação aduaneira”; (ii) “O facto de o interessado poder sofrer um prejuízo 
 irreparável no caso de execução imediata de uma decisão aduaneira contestada não 
 impede, de modo algum, as autoridades aduaneiras de subordinar a suspensão da 
 execução dessa decisão à constituição de uma garantia. Todavia, se a exigência 
 de constituir uma garantia for susceptível, devido à situação do devedor, de 
 suscitar graves dificuldades de ordem económica ou social, as autoridades 
 aduaneiras dispõem da faculdade de não exigir a constituição dessa garantia”; 
 
 (iii) “O facto de subordinar a suspensão da execução de uma decisão aduaneira 
 contestada à constituição de uma garantia pode suscitar graves dificuldades de 
 natureza económica ou social a um devedor que não disponha de meios suficientes 
 que lhe permitam constituir essa garantia”; (iv) “No caso em que a suspensão da 
 execução de uma decisão aduaneira é sujeita, nos termos do artigo 244.º, 
 terceiro parágrafo, do Regulamento n.º 2913/92, à constituição de uma garantia, 
 o montante dessa garantia deve ser fixado no montante exacto da dívida ou, se 
 esse montante não puder ser fixado de forma precisa, no montante mais elevado da 
 dívida constituída ou susceptível de se constituir, excepto se a exigência de 
 constituição de uma garantia for susceptível de causar ao devedor graves 
 dificuldades de natureza económica ou social; se tal for o caso, o montante da 
 garantia pode ser fixado, tendo em conta a situação financeira do devedor, num 
 montante inferior ao montante total da dívida em causa”;
 
                         – pelo acórdão de 11 de Janeiro de 2001, proc. C‑1/99 
 
 (Kofisa Italia), em que declarou: (i) “O artigo 243.º do Regulamento (CEE) n.º 
 
 2913/92, do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código 
 Aduaneiro Comunitário, deve ser interpretado no sentido de que compete ao 
 direito nacional determinar se os operadores devem, num primeiro tempo, 
 apresentar recurso à autoridade aduaneira ou se podem dirigir‑se directamente à 
 autoridade judicial”; (ii) “O artigo 244.º do Regulamento n.º 2913/92 deve ser 
 interpretado no sentido de que só atribui às autoridades aduaneiras a faculdade 
 de suspensão da execução de uma decisão impugnada. Todavia, esta disposição não 
 limita o poder de que dispõem as autoridades judiciais a quem é submetido um 
 litígio nos termos do artigo 243.º do mesmo Regulamento para ordenar essa 
 suspensão a fim de cumprirem a sua obrigação de garantir a plena eficácia do 
 direito comunitário”; e
 
                         – pelo acórdão de 11 de Janeiro de 2001, proc. C‑226/99 
 
 (Siples), em que declarou: “O artigo 244.º do Regulamento n.º 2913/92 deve ser 
 interpretado no sentido de que só atribui às autoridades aduaneiras a faculdade 
 de suspensão da execução de uma decisão impugnada. Todavia, esta disposição não 
 limita o poder de que as autoridades judiciais a quem é submetido um recurso 
 dispõem, nos termos do artigo 243.º do mesmo código, para ordenar essa suspensão 
 a fim de cumprirem a sua obrigação de garantir a plena eficácia do direito 
 comunitário”.
 
  
 
                         2.3. Do exposto resulta que a norma impugnada encontra a 
 sua fundamentação na necessidade de, estando em causa execução fiscal de dívidas 
 de recursos próprios comunitários, designadamente – como no presente caso 
 ocorre – direitos aduaneiros, acatar a regra, constitucionalmente aceite, da 
 prevalência da regulamentação comunitária sobre o direito ordinário interno. E 
 a intervenção da regulamentação comunitária justifica‑se – como se salientou no 
 citado acórdão do STA de 28 de Janeiro de 1998 – pela necessidade de defesa de 
 interesses próprios comunitários, que “postulavam um regime de grande rigor 
 quanto à matéria do pagamento do montante dos direitos aduaneiros, quer para se 
 evitarem ofensas ao princípio da igualdade de tratamento decorrente de 
 diferenças de aplicação da lei comunitária, quer para garantir a segurança 
 financeiro‑tributária da Comunidade”, e “daí que os artigos 222.º e seguintes 
 do CAC tenham regulado de forma rígida tudo o que respeita ao cumprimento da 
 obrigação tributária, tendo em vista o seu real e efectivo cumprimento, desde 
 os prazos de pagamento, situações e condições em que ele pode ser diferido, 
 juros de mora, facilidades de pagamento e cobrança forçada”; ora, “interferindo 
 a suspensão da execução da decisão aduaneira com esse objectivo do efectivo 
 cumprimento da obrigação aduaneira, seria incongruente que o legislador 
 comunitário não o regulasse em termos exaustivos, como o fez para as restantes 
 situações que interferiam com tal propósito”.
 
                         Esta regulamentação comunitária compreende, porém, a 
 remissão para a legislação dos Estados membros, designadamente, da designação 
 da autoridade aduaneira competente para apreciar, numa primeira linha, o 
 recurso das decisões ligadas à aplicação da legislação aduaneira, quer da 
 instância (autoridade judiciária ou órgão especializado independente) 
 competente para apreciar uma segunda linha desse recurso e sua tramitação (cf. 
 artigos 243.º, n.º 2, e 245.º do CAC).
 
                         Neste contexto de interpenetração das duas ordens 
 jurídicas, comunitária e nacional, os entendimentos jurisprudenciais, quer do 
 Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, quer do Supremo Tribunal 
 Administrativo, confluem no delinear de um sistema cujos traços fundamentais 
 foram descritos nos dois pontos anteriores deste acórdão.
 
                         Assim, apesar da inaplicabilidade directa do regime dos 
 n.ºs 1 a 5 do artigo 169.º do CPPT à suspensão da execução das decisões 
 aduaneiras, é entendimento jurisprudencial pacífico que assiste ao interessado, 
 caso a autoridade aduaneira competente não tome oficiosamente a iniciativa de o 
 fazer, o direito de lhe requerer essa suspensão, em prazo não inferior aos 
 prazos das impugnações administrativa ou contenciosa que no caso caibam, e a 
 fixação de prazo para prestação da garantia (se não for dispensada), prestação 
 de garantia esta que, no caso de já ter sido instaurada execução, tem o efeito 
 imediato de a suspender. Por outro lado, da eventual decisão da autoridade 
 aduaneira de indeferimento desse pedido de suspensão cabe impugnação imediata 
 para os tribunais tributários (uma vez que o recurso administrativo que no caso 
 caiba terá natureza facultativa), no âmbito da qual pode ser salvaguardado o 
 efeito útil do seu eventual provimento.
 
                         Embora a competência do Tribunal Constitucional, atenta 
 a definição do objecto do presente recurso, se cinja à apreciação da 
 constitucionalidade da norma do n.º 6 do artigo 169.º do CPPT, a tomada em 
 consideração dos traços essenciais do sistema que, em substituição do regulado 
 nos precedentes números desse preceito, é aplicável, por força desse n.º 6, à 
 suspensão da execução das decisões aduaneiras, é suficiente para concluir pela 
 total improcedência dos vícios de inconstitucionalidade arguidos pela 
 recorrente. A parcial diferenciação de regimes assenta em fundamentação 
 racional, que afasta a violação dos princípios da igualdade, da “coerência do 
 sistema” e da não discriminação. Por outro lado, a imediata impugnabilidade 
 judicial da decisão que indefira o pedido de suspensão da execução da decisão de 
 imposição de direitos aduaneiros, com os efeitos atrás referidos, assegura o 
 respeito dos direitos de acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional 
 efectiva, sem afronta aos princípios da proporcionalidade, da justiça e da 
 equidade e sem intolerável postergação dos direitos e garantias dos 
 contribuintes, como os consagrados nos artigos 20.º, n.º 4, e 268.º, n.º 4, da 
 CRP.
 
                         
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em:
 
                         a) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 6 do 
 artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo 
 Decreto‑Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, que exclui a aplicação do disposto 
 nesse artigo quanto à suspensão da execução fiscal quando se trate de “dívidas 
 de recursos próprios comunitários”, e, consequentemente,
 
                         b) Negar provimento ao presente recurso, confirmando a 
 decisão recorrida, na parte impugnada.
 
                         Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 18 de Janeiro de 2006.
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Silva Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos