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Processo n.º 846/09
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
 
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 
             I – Relatório
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é 
 recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso de 
 constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do 
 Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações 
 posteriores, adiante designada LTC), nos seguintes termos: 
 
 «A., recorrente nos presentes autos, não se conformando com o douto acórdão 
 proferido, vem dele interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, o que faz 
 nos termos da alínea b) do n.°1 do artigo 70.º da Lei n.° 28/82: 
 I
 
 1
 Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma ínsita na alínea f) 
 do n.°1 do art.º 400.° do CPP, na redacção introduzida pela Lei 48/2007 de 29 de 
 Agosto, na medida em que, ao contrario do que resultava da redacção anterior a 
 esta Lei , impede o arguido de exercer o seu direito de defesa, nomeadamente o 
 direito ao recurso, relativamente a um acórdão proferido pelo Tribunal da 
 Relação confirmativo da 1.ª instancia. É assim inconstitucional, por violação 
 das normas contidas nos artigos 18.°, 20.º e 32.° da Constituição da Republica 
 Portuguesa e ofensa dos princípios da igualdade e proporcionalidade. 
 Com efeito, na anterior redacção do art.º 400.°, n.° 1, alínea f), do CPP, a 
 admissibilidade do recurso era avaliada em função da pena abstractamente 
 aplicada ao crime que estivesse em causa, sendo que com a nova redacção a 
 admissibilidade do recurso é aferida em função da pena concretamente aplicada no 
 caso. 
 No caso concreto do arguido A., a pena aplicada foi inferior a 8 anos, mas a 
 aplicável era bem superior — art.º 21.° do DL 15/93 — sendo que no regime 
 processual penal anterior, o arguido tinha direito ao recurso para o STJ nas 
 mesmas condições. 
 Tal significa, no caso concreto, que a norma que agora se censura, afectou de 
 forma parcial, mas substancial, o sistema de recurso em matéria penal, 
 extinguindo o direito deste arguido recorrer para o STJ. 
 A decisão agora censurada discute esta questão no seu último parágrafo, 
 concluindo pela inexistência de qualquer ofensa ao art. 18.°, 20.º e 32.° da 
 C.R.P. 
 A alínea f) do n.°1 do art. 400.° do CPP, na redacção introduzida pela Lei 
 
 48/2007 de 29 de Agosto, com a interpretação dada pela decisão agora censurada, 
 viola os artigos 18.°, 20.° e 32.°, todos da C.R.P. 
 Tal parece resultar ainda do pensamento dos Professores Jorge Miranda e Rui 
 Medeiros, quando escrevem: 
 
 É possível, por isso, fundar constitucionalmente um genérico direito de recorrer 
 das decisões jurisdicionais. E, se é certo que cabe ao legislador ordinário 
 concretizar, com maior ou menor amplitude, o seu âmbito de aplicação e conteúdo, 
 está-lhe vedado abolir o sistema de recursos in totó ou afectá-lo 
 substancialmente através da consagração de soluções que restrinjam de tal modo o 
 direito de recorrer que, na prática, se traduzam na supressão tendencial dos 
 recursos (acórdãos n.ºs 489/95, 673/95, 377/96 e 490/9 7 — cfr. Ainda Jorge 
 Miranda, Manual..., IV cit. pág. 269 e 270). 
 
 2. 
 Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das norma nos artigos 5.° n.°2 
 e 400.° n.°1 al. f) do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela 
 Lei 48/2007 de 29 de Agosto, com a interpretação com que foram aplicadas na 
 decisão agora recorrida, ou seja, de que não considera violador da Constituição, 
 a circunstancia de o regime aplicável ser aquele que vigorar no momento em que 
 for proferida a decisão da primeira instância — no caso, posterior a 15 de 
 Setembro de 2007 — e não quando da constituição de arguido — anterior a 15 de 
 Setembro de 2007. 
 Com efeito, a decisão recorrida interpretou e aplicou as normas dos artigos do 
 C.P.P. acima referidas, no seguinte quadro factual: 
 
 -          O arguido foi constituído antes de 15 de Setembro de 2007; 
 
 -          Em 10.2.2009 foi proferido acórdão condenatório em primeira 
 instância. 
 
             Como se refere nas declarações de voto dos Senhores Juízes 
 Conselheiros Santos Cabral e Oliveira Mendes no acórdão de fixação de 
 jurisprudência 4/20092 : 
 Porém, tal estatuto não pode assumir uma diferenciação cromática em função do 
 momento da prática do acto que consubstancia o seu exercício, ou seja, 
 entendemos que o acto que consubstancia o exercício do direito de defesa não é 
 mais do que a concretização de um direito que já está inscrito no estatuto do 
 arguido e que lhe assiste pelo simples facto de o ser. É da constituição como 
 arguido que geneticamente nascem os direitos que se irão conformar e exercitar 
 ao longo do processo. 
 Tentando explicitar o exposto na sua relação com a hipótese vertente dir-se-á 
 que o direito a recorrer não nasce pelo facto de, em concreto, se recorrer de 
 uma determinada decisão. Ele constava já do estatuto do arguido desde o momento 
 da sua constituição como tal e pelo simples facto de o ser. Daqui deriva que o 
 momento em relação ao qual se deve aferir da maior ou menor amplitude 
 qualitativa do direito de defesa com vista aplicar no processual artigo 5.º do 
 CPP- é aquele em que é formatado o estatuto do arguido em função da sua 
 constituição como tal. 
 Na outra declaração de voto: 
 O direito ao recurso, como direito fundamental de defesa que é, nasce, pois, 
 pelo menos, no momento em que o arguido é como tal constituído, e não no momento 
 em que é proferida a decisão condenatória em 1ª  instância. 
 Aliás, como expressamente resulta do texto do n.° 2 do artigo  5° - (9)». , e 
 entramos agora na análise da letra da lei, o legislador foi ainda mais longe na 
 salvaguarda das garantias de defesa do arguido, de todas as suas garantias de 
 defesa, impondo que a lei (nova) não se aplique aos processos iniciados 
 anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa 
 resultar agravamento sensível da situação processual do arguido, nomeadamente 
 uma limitação do seu direito de defesa ou quebra da harmonia e unidade dos 
 vários actos do processo. 
 Certo é que a expressão concretamente utilizada pelo legislador “processos 
 iniciados” é unívoca, não suscitando a menor dúvida de interpretação. 
 Iniciar, quer para o jurista quer para o leigo, para quem quer que seja, 
 significa começar, principiar, inaugurar (10), o que relativamente ao processo 
 tem o sentido inequívoco de instaurado, pelo que é inquestionável que o texto 
 legal veda, nos casos expressam ente referidos nas alíneas a) e b) do n.° 2 do 
 artigo 50.º, a aplicação da lei processual a todos os processos que foram 
 instaurados antes da sua entrada em vigor. 
 Interpretar o inciso “processos iniciados” como o fez a orientação vencedora, ou 
 seja, fazer coincidir aquele momento ou fase processual com o da decisão 
 condenatória proferida em i” instância é, pois, subverter o direito, com grave 
 postergação do que a Constituição da República impõe em matéria de garantias de 
 defesa do arguido. 
 A decisão agora censurada discute esta questão no seu último parágrafo, 
 concluindo pela inexistência de qualquer ofensa ao art. 18.°, 20.º e 32.° da 
 C.R.P. 
 As norma dos artigos 5.° n.° 2 e 400.° n.°1 al. f) do Código de Processo Penal, 
 na redacção introduzida pela Lei 48/2007, com a interpretação dada pela decisão 
 agora censurada, estão inquinadas de inconstitucionalidade material, pois 
 diminuiu-se a extensão e alcance do conteúdo essencial da norma do artigo 32.° 
 n.°1 da Constituição da Republica, uma vez que se nega garantias de defesa e 
 afronta o principio da proporcionalidade. 
 II
 As questões de inconstitucionalidade foram suscitadas na reclamação apresentada 
 nos termos do art.º 405.° do CPP para o presidente do Supremo Tribunal de 
 Justiça — alíneas b) e c). 
 III
 O presente recurso tem subida imediata, nos próprios autos e com efeito 
 suspensivo. 
 Nestes termos se requer a V. Ex.ª que se digne admitir o presente recurso, 
 seguindo-se os demais termos legais.»
 
  
 
 2. O recorrente apresentou alegações, onde conclui o seguinte:
 
 «1. Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma ínsita na alínea 
 f) do n.°1 do art. 400.° do CPP, na redacção introduzida pela Lei 48/2007 de 29 
 de Agosto, na medida em que, ao contrario do que resultava da redacção anterior 
 a esta Lei, impede o arguido de exercer o seu direito de defesa, nomeadamente o 
 direito ao recurso, relativamente a um acórdão proferido pelo Tribunal da 
 Relação confirmativo da 1.ª instancia. 
 
 2. A pena aplicada ao arguido foi inferior a 8 anos, mas a aplicável era bem 
 superior — art.º 21.º do DL 15/93 — sendo que no regime processual penal 
 anterior, o arguido tinha direito ao recurso para o STJ nas mesmas condições. 
 
 3. Tal significa, no caso concreto, que a norma que agora se censura, afectou de 
 forma parcial, mas substancial, o direito do arguido aceder ao Supremo Tribunal 
 de Justiça. 
 
 4. Assim, a alínea f) do n.°1 do art. 400.° do CPP, na redacção introduzida pela 
 Lei 48/2007 de 29 de Agosto, com a interpretação dada pela decisão agora 
 censurada, viola os artigos 18.° , 20.° e 32.°, todos da C.R.P. 
 
 5. Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das norma nos artigos 5.° 
 n.°2 e 400.° n.°1 al. f) do Código de Processo Penal, na redacção introduzida 
 pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto, com a interpretação com que foram aplicadas na 
 decisão agora recorrida, ou seja, de que não considera violador da Constituição, 
 a circunstancia de o regime aplicável ser aquele que vigorar no momento em que 
 for proferida a decisão da primeira instância. 
 
  6. O arguido foi assim constituído antes de 15 de Setembro de 2007 e só em 
 
 10.2.2009 foi proferido acórdão condenatório em primeira instância. 
 
 7. O acórdão recorrido defendeu que o momento em que se definiram os limites do 
 direito de recurso do arguido foi com a prolação do acórdão de 1a instancia, e 
 não com a constituição de arguido. 
 
 8. Interpretar o inciso “processos iniciados” como o fez a orientação vencedor 
 ou seja, fazer coincidir aquele momento ou fase processual com o da decisão 
 condenatória proferida em 1.ª instância é, pois, subverter o direito, com grave 
 postergação do que a Constituição da República impõe em matéria de garantias de 
 defesa do arguido. 
 
 9. Pelo que, em conclusão, estão as normas dos artigos 5.° n.º 2 e 400.° n.°1 
 al. f) do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei 48/2007, 
 com a interpretação dada pela decisão agora censurada, inquinadas de 
 inconstitucionalidade material, pois diminuiu-se a extensão e alcance do 
 conteúdo essencial da norma do artigo 32.° n.°1 da Constituição da Republica, 
 uma vez que se nega garantias de defesa e afronta o principio 
 Nestes termos e demais de direito, deverá o presente recurso obter provimento e 
 declararem-se inconstitucionais as normas supra referidas quando assim 
 interpretadas.»
 
  
 
 3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 contra-alegou, concluindo o seguinte:
 
 «1- Tem sido jurisprudência unânime e uniforme do Tribunal Constitucional que o 
 direito constitucional ao recurso em processo penal, por parte do arguido, se 
 basta com a existência de um duplo grau de jurisdição.
 
 2- Assim, a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, na redacção dada 
 pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, enquanto faz defender a admissibilidade 
 do recurso do acórdão da relação para o Supremo Tribunal de Justiça, de a pena 
 de prisão aplicada ser superior a oito anos, não é inconstitucional.
 
 3- A norma do artigo 5.º, n.º 2, em conjugação com a do artigo 400.º, n.º 1, 
 alínea f) do CPP, esta na redacção da lei n.º 48/2007, interpretada no sentido 
 de que aos processos pendentes quando da entrada em vigor daquela Lei, se aplica 
 a versão daquele artigo vigente à data de decisão de 1.ª instância, não é 
 inconstitucional, não violando o artigo 32.º, n.º 1, nem qualquer outro preceito 
 ou princípio constitucional.
 
 4- Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso.»
 
  
 
 4. Dos autos emergem os seguintes elementos, relevantes para a presente decisão:
 Por sentença do Tribunal do Circulo Judicial de Loulé, o ora recorrente, A. foi 
 condenado, entre outros arguidos, como co-autor material de um crime de tráfico 
 de estupefacientes, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.
 Inconformado, o arguido A., conjuntamente com outro dos arguidos, interpôs 
 recurso para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 2.6.2009, julgou 
 o recurso parcialmente procedente, na parte respeitante à factualidade dada como 
 provada sob os n.ºs 23 e 24 e, quanto ao demais, julgou o recurso improcedente, 
 mantendo a condenação.
 Ainda inconformados, o arguido A. e outro arguido interpuseram recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça.
 Por despacho do relator no Tribunal da Relação de Évora, de 10.8.2009, o recurso 
 interposto pelo arguido A. foi rejeitado, ao abrigo do disposto no artigo 414.º, 
 n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), com fundamento no disposto no artigo 
 
 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, por aquele ter sido condenado em pena de prisão 
 não superior a oito anos, tendo o acórdão recorrido confirmado decisão da 1.ª 
 Instância.
 Ainda inconformado, o arguido A. reclamou deste despacho para o Presidente do 
 Supremo Tribunal de Justiça.
 A reclamação foi indeferida por despacho de 17.9.2009, onde se lê, na parte que 
 agora releva:
 
 «(…) Para efeitos da conjugação do regime dos recursos com o artigo 5.º, n.º 2, 
 alínea a), do CPP, o regime aplicável será o que vigorar no momento em que ficam 
 definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao 
 recurso, isto é, no momento em que for primeiramente proferida uma decisão sobre 
 a matéria em causa, ou seja, a decisão da primeira instância.
 No caso, a decisão primeiramente proferida teve lugar, como se referiu, já na 
 vigência do novo regime de recursos resultante das alterações introduzidas pela 
 Lei nº 48/2007, donde ser este o regime aplicável. Aliás, esta solução resulta 
 também da argumentação e decisão do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do 
 Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2009 (…).
 
 (…)
 Deste modo, nos termos da mencionada alínea f) [do n.º 1 do artigo 400.º do 
 CPP], o acórdão questionado ao ter confirmado a decisão condenatória da 1.ª 
 instância é insusceptível de recurso, tendo em conta a pena aplicada ao arguido 
 que, no caso, não foi superior a 8 anos.
 E a redacção actual do art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, não é 
 inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais referidos pelo 
 reclamante.
 Com efeito, não pode considerar-se infringido o art. 20.º da CRP tendo em conta 
 que o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva se 
 concretiza, em regra, através da instância única. Também não se mostra 
 desrespeitado o art. 18.º da CRP, porquanto o direito que o reclamante considera 
 restringido seria o do recurso, especificamente previsto no n.º 1 do artigo 32.º 
 da Constituição como garantia de defesa. No entanto, a garantia do direito ao 
 recurso tem a dimensão constitucional de exigência de único grau, que foi 
 garantido através do recurso interposto para a Relação pelo reclamante (cf., 
 v.g. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 189/01 e 377/2003 de 3 de Maio de 
 
 2001 e de 15 de Julho de 2003, respectivamente). (…). »
 Novamente inconformado, o arguido A. interpôs o presente recurso de 
 constitucionalidade.
 
  
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II - Fundamentação
 
  
 
 5. O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade das seguintes 
 normas:
 
 (i) norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na redacção introduzida 
 pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, «na medida em que, ao contrário do que 
 resultava da redacção anterior a esta Lei, impede o arguido de exercer o seu 
 direito de defesa, nomeadamente, o direito ao recurso, relativamente a um 
 acórdão proferido pelo Tribunal da Relação confirmativo da 1.ª instância»;
 
 (ii) norma resultante da conjugação dos artigos 5.º, n.º 2, e 400.º, n.º 1, 
 alínea f), do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 48/2007, quando 
 interpretados no sentido de considerar que regime aplicável é aquele que vigorar 
 no momento em que for proferida a decisão da primeira instância (no caso, 
 posterior a 15.09.2007) e não o que vigorar à data da constituição de arguido 
 
 (no caso, anterior a 15.09.2007).
 Segundo o recorrente, as normas referidas seriam inconstitucionais por violação 
 dos artigos 18.º, 20.º e 32.º da Constituição e ofensa dos princípios da 
 igualdade e proporcionalidade.
 
  
 
 6. A primeira questão é a da constitucionalidade da norma da alínea f) do n.º 1 
 do artigo 400.º do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, na medida em que 
 condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos 
 
 “acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem 
 decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.
 No que respeita à primeira questão, importa lembrar que a norma da alínea f) do 
 n.º 1 do artigo 400.º do CPP, mesmo na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 
 
 29 de Agosto, foi diversas vezes sujeita ao escrutínio de constitucionalidade na 
 perspectiva da violação do direito ao recurso, tendo o Tribunal Constitucional 
 decidido reiteradamente no sentido da não inconstitucionalidade de dimensões 
 normativas em que igualmente estava em causa a restrição do direito ao recurso, 
 traduzida na limitação do acesso a um duplo grau de recurso ou triplo grau de 
 jurisdição.
 O fundamento de não inconstitucionalidade é comum às várias pronúncias do 
 Tribunal sobre esta matéria, e pode resumir-se no seguinte entendimento, 
 expresso no Acórdão n.º 64/2006, tirado em Plenário, que julgou não 
 inconstitucional a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do 
 Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é admissível 
 recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça de um 
 acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1ª Instância, o tenha condenado 
 numa pena não superior a oito anos de prisão, pela prática de um crime a que 
 seja aplicável pena superior a esse limite:
 
 «(…) como repetidamente o Tribunal  tem afirmado, a Constituição não impõe um 
 triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal. 
 Não se pode, portanto, tratar a questão de constitucionalidade agora em causa na 
 perspectiva de procurar justificação para uma limitação introduzida pelo direito 
 ordinário a um direito de recurso constitucionalmente tutelado.
 A norma que constitui o objecto do presente recurso, e que define, nos termos 
 expostos, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 releva, assim, do âmbito da liberdade de conformação do legislador. 
 Como se afirmou no acórdão n.º 640/2004, não é arbitrário nem manifestamente 
 infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de 
 recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no 
 caso, possa ser aplicada. 
 A norma em apreciação não viola, pois, qualquer direito constitucional ao 
 recurso ou qualquer regra de proporcionalidade.
 
 7. Também não ocorre uma eventual violação do princípio da igualdade, 
 considerado isolada ou conjugadamente com o direito ao recurso.
 Com efeito, e para além do que se disse já, o critério utilizado para definir a 
 admissibilidade de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça – a possibilidade 
 de ser aplicada uma pena mais grave do que um determinado limite – torna 
 irrelevante saber quem pode ou não tomar a iniciativa de a provocar (o arguido, 
 o Ministério Público, ou o assistente).
 Acresce que, interposto recurso com o objectivo do agravamento da pena aplicada 
 em 2ª instância, o arguido, como recorrido, tem as mesmas possibilidades de 
 pugnar pela redução da pena ou pela absolvição de que disporia se fosse ele o 
 recorrente. 
 
 8. Finalmente, e também pelas razões já apontadas, também não procede o 
 argumento de que seria constitucionalmente imposto que o arguido soubesse, no 
 momento em que é notificado do acórdão da 2ª instância, se tem ou não direito de 
 recorrer e em que condições o pode exercer. Note-se, aliás, que se não vê como a 
 norma em apreciação o impeça.
 O mesmo se diga, aliás, da hipótese de se considerar constitucionalmente exigido 
 esse conhecimento em momento ainda anterior. (…)»
 
  
 Como salienta o Ministério Público, as declarações de voto contra a solução da 
 não inconstitucionalidade, constantes deste Acórdão n.º 64/2006, expressam o 
 entendimento de que a norma, na redacção anterior, não permitiria a 
 interpretação que estava em causa. Ora, precisamente, a actual redacção da 
 alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 
 
 29 de Agosto, veio consagrar na letra da lei a limitação do direito ao recurso 
 que resultava da interpretação questionada, pois passou a condicionar a 
 admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça à aplicação de 
 pena de prisão superior a oito anos, enquanto que a redacção anterior se referia 
 
 à aplicabilidade de tal pena.
 
  
 O Tribunal Constitucional também já se pronunciou sobre esta norma, na sua 
 actual redacção, no Acórdão n.º 263/2009, que julgou não inconstitucional a 
 norma dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do Código 
 de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, em conjugação 
 com o disposto no artigo 5.º, n.º 1, e n.º 2, alínea a), do mesmo Código, 
 interpretada no sentido de que, em processos iniciados anteriormente à vigência 
 da Lei n.º 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios 
 proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, 
 proferida após a entrada em vigor da referida lei, e apliquem pena de prisão não 
 superior a 8 anos.  
 
  Os fundamentos deste Acórdão n.º 263/2009, na parte agora relevante, podem ser 
 assim sumariados:
 
 «I - Não obstante a interpretação normativa em questão no presente recurso não 
 coincidir exactamente com nenhuma das que foi objecto de anteriores Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional a propósito da norma do artigo 400.º n.º 1 alínea f) do 
 Código do Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007 de 29 de 
 Agosto, a razão de ser da norma, mesmo após a redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 48/2007, continua a ser a necessidade de limitar a intervenção do Supremo 
 Tribunal de Justiça aos casos de maior gravidade, pelo que nada impede que as 
 razões aduzidas nos anteriores arestos, designadamente no Acórdão n.º 189/01, 
 sejam transponíveis para o caso.
 II - Na verdade, é no confronto da norma com as garantias de defesa do arguido 
 em processo penal, designadamente o direito ao recurso, e com garantia de acesso 
 ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, que a questão de 
 inconstitucionalidade se coloca, decorrendo a solução, uma vez mais, dos limites 
 com que a Constituição vincula o legislador ordinário em matéria de processo 
 penal, e do reconhecimento de que, nesta área, lhe conferiu liberdade de 
 conformação, não impondo o estabelecimento de um triplo grau de jurisdição; a 
 restrição ao recurso é, em suma, constitucionalmente admissível, desde que não 
 se configure como desrazoável, arbitrária ou desproporcionada, pelo que haverá 
 que concluir no sentido de que a interpretação normativa sindicada não viola as 
 garantias de defesa do arguido em processo criminal, incluindo o direito ao 
 recurso, nem o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.»
 Esta jurisprudência, a que aderimos integralmente − como já tivemos ocasião de 
 expressar no Acórdão n.º 599/2007, a propósito de outra dimensão normativa do 
 mesmo preceito legal, que colocava problema idêntico − é inteiramente aplicável 
 ao caso em apreço, devendo aqui ser reiterada.
 Conclui-se, por isso, pela não inconstitucionalidade da norma da alínea f) do 
 n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto.
 
  
 
 5. A segunda questão colocada pelo recorrente é a da inconstitucionalidade da 
 norma resultante da conjugação dos artigos 5.º, n.º 2, e 400.º, n.º 1, alínea 
 f), do CPP (na redacção introduzida pela Lei n.º 48/2007), quando interpretados 
 no sentido de considerar que regime aplicável é aquele que vigorar no momento em 
 que for proferida a decisão da primeira instância (no caso, posterior a 
 
 15.09.2007) e não o que vigorar à data da constituição de arguido (no caso, 
 anterior a 15.09.2007), por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
 Ou seja, está em causa a constitucionalidade da interpretação que considera 
 aplicável ao presente caso a versão do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), conferida 
 pela Lei n.º 48/2007, por ser essa a que vigorava à data em que foi proferida a 
 decisão de 1.ª instância, não obstante o processo ter início em inquérito 
 anterior à vigência da referida lei.
 Também sobre esta questão se pronunciou o citado Acórdão n.º 263/2009, 
 igualmente no sentido da não inconstitucionalidade de interpretação normativa 
 que entendeu ser aplicável a nova redacção conferida à alínea f) do n.º 1 do 
 artigo 400.º do CPP nos processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 
 
 48/2007, em que a sentença de 1.ª instância foi proferida após a entrada em 
 vigor dessa lei. 
 Escreveu-se aí:
 
 «Deve entender-se o critério fixado no aludido artigo 29º da Constituição, 
 quanto à aplicação da lei de processo penal no tempo, em sintonia com o que se 
 dispõe no artigo 5º do Código de Processo Penal: a lei nova não se aplica aos 
 processos iniciados anteriormente à sua vigência, quando possa resultar, dessa 
 aplicação, uma limitação dos direitos de defesa do arguido. Todavia, o Tribunal 
 também tem entendido, como já se fez notar, que a garantia consagrada no n.º 1 
 do artigo 32º da Constituição, quanto ao recurso, não implica, obrigatoriamente, 
 um duplo grau de recurso, designadamente perante acórdãos condenatórios 
 proferidos em recurso pelas relações, confirmativos de decisão da 1ª instância 
 na qual o arguido foi condenado em pena de prisão não superior a 8 anos.
 Deste modo, do aludido artigo 29º da Constituição não é possível retirar uma 
 proibição absoluta de aplicação imediata de lei 'nova', em matéria de recursos 
 em processo penal, da qual resulte a referida limitação, impedindo o acesso ao 
 Supremo Tribunal de Justiça de recursos de acórdãos condenatórios proferidos 
 pelas relações nas aludidas circunstâncias.
 
 É certo que o aludido princípio constitucional proíbe que da aplicação da lei 
 nova possa resultar uma inesperada e imprevisível alteração do regime de 
 recursos, em processos pendentes, que afecte o exercício do direito de defesa do 
 arguido; mas o certo é que o momento relevante para o exercício do direito de 
 defesa do arguido, designadamente no que respeita à estratégia processual a 
 adoptar, coincide com a prolação da sentença condenatória em primeira instância 
 e a sua notificação ao arguido, pois só então se estabilizam os elementos 
 essenciais a atender no exercício do aludido direito de defesa. Mostra-se, por 
 isso, preservado, no essencial, o exercício do direito de defesa do arguido 
 quanto à oportunidade da estratégia processual a adoptar.
 Não pode, por isso, afirmar-se que, a norma constitui uma desproporcionada 
 limitação das garantias de defesa do arguido, restringindo de forma inadmissível 
 o seu direito ao recurso e, nessa medida, o direito de acesso à justiça.»
 
  
 Esta orientação foi confirmada e desenvolvida no Acórdão n.º 551/2009, de 
 
 27.10.09, pelo qual se julgou não inconstitucional a norma extraída do n.º 1 e 
 da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º, em conjugação com a alínea f) do n.º 1 do 
 artigo 400.º do Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, 
 interpretada no sentido de que não é admissível recurso de acórdão proferido em 
 recurso pelas relações que confirme decisão de 1.ª instância proferida após a 
 entrada em vigor da referida lei e que aplique pena de prisão não superior a 8 
 anos, quando por aplicação do regime vigente à data da instauração do processo 
 esse recurso seria admissível.  
 Nesta última decisão afirma-se, além do mais, o seguinte:
 
 «Essa norma elege como critério de determinação da lei aplicável em matéria de 
 admissibilidade de recurso de acórdão das relações para o Supremo o momento em 
 que tenha sido proferida a sentença de 1ª instância que seja confirmada pelo 
 acórdão de que se pretende recorrer. Foi este, aliás, o critério adoptado no 
 acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/2009, do Supremo Tribunal de Justiça, 
 publicado no Diário da República, I Série, de 19 de Março de 2009, embora 
 aplicado a uma situação inversa daquela que agora está em consideração (a 
 decisão de 1ª instância era anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007). 
 Este critério não pode ser censurado por abrir a porta aos riscos que levam a 
 estender as consequências do princípio constitucional da legalidade penal a 
 certas normas de processo penal respeitantes à situação processual do arguido. 
 Na verdade, só com a sentença fica definida a resposta judicial à pretensão 
 punitiva do Estado. O direito de recorrer, nos termos da lei, das decisões que 
 lhe forem desfavoráveis que passa a integrar o estatuto do arguido (alínea i) do 
 n.º 1 do artigo 61.º do CPP) só se define perante uma concreta decisão que lhe 
 seja desfavorável. É perante o conteúdo desta que se fixam os elementos 
 determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o exercício do 
 direito de recorrer, os pressupostos e o âmbito possível do recurso. Até aí o 
 direito de recorrer, o âmbito do recurso e a sua extensão possível na hierarquia 
 dos tribunais constituem uma mera potencialidade no estatuto do sujeito 
 processual, que se ignora se virá a concretizar-se e em que termos. Perante essa 
 situação de incógnita – para o arguido, para os restantes sujeitos processuais, 
 para o poder legislativo –, não se verificam as razões que levam a proibir 
 soluções legislativas que comportem o risco de um possível arbítrio ou excesso 
 do poder estatal, diminuindo o legislador (ou gerando objectivamente a suspeita 
 de diminuir), de forma direccionada e intencional, o nível de protecção da 
 liberdade e dos direitos fundamentais de defesa dos arguidos em processos 
 concretos já iniciados. 
 Por outro lado, a eleição do momento em que é proferida a sentença condenatória 
 como factor de determinação do regime de admissibilidade dos recursos para o 
 Supremo acautela suficientemente os direitos de defesa, também na perspectiva de 
 que o arguido é livre de escolher e adequar a sua estratégia processual aos 
 meios legais existentes no momento em que exerce determinado direito. Só perante 
 a sentença o arguido saberá se dela discorda e em que termos pode ou lhe convém 
 atacá-la. Se a lei vigente nesse momento lhe permitir levar o recurso até ao 
 Supremo Tribunal, é legítimo que opte por reservar a discussão de algum aspecto 
 da questão ou a apresentação de determinados argumentos para a fase de recurso 
 perante o Supremo. Ora, a fixação da extensão admissível dos recursos de acordo 
 com a lei vigente no momento da sentença de 1ª instância preserva integralmente 
 essa liberdade e a tutela da confiança no seu exercício, que a escolha da lei 
 vigente em momento posterior, designadamente o do acórdão da relação, poderia 
 vulnerar.
 Mas só isso pode reclamar-se em nome da preservação dos direitos de defesa, não 
 sendo legítimo que o arguido confie em que o sistema de recursos vigente no 
 momento em que o processo é instaurado se mantenha inalterado. Não se concebe a 
 existência de estratégia processual que venha a ser comprometida pela alteração 
 do regime de recursos antes de ter sido proferida a decisão que se pretende 
 atacar, porque só perante esta surge, em concreto, o interesse em recorrer e se 
 define o seu âmbito possível.»
 A fundamentação destes arestos, que subscrevemos na íntegra, é inteiramente 
 aplicável ao caso em apreço, devendo aqui ser reiterada.
 De facto, a interpretação em causa – no sentido de considerar momento 
 processualmente relevante para aferir dos pressupostos da recorribilidade para o 
 Supremo Tribunal de Justiça aquele em que foi proferida a sentença condenatória 
 da 1.ª instância – não atenta contra as garantias de defesa do arguido, 
 constitucionalmente consagradas, uma vez que estas não envolvem a existência 
 obrigatória de um duplo grau de recurso e o momento processualmente relevante 
 para a fixação dos pressupostos do direito ao recurso coincide com a prolação da 
 sentença condenatória em 1.ª instância. 
 
  
 III − Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
 a)      Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), 
 do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, na 
 medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que 
 confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 
 anos.
 b)      Não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do artigo 
 
 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 
 
 48/2007 de 29 de Agosto, e artigo 5.º, n.º 2, do mesmo Código, interpretada no 
 sentido de que, em processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 
 
 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em 
 recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, proferida após 
 a entrada em vigor da referida lei, e apliquem pena de prisão não superior a 8 
 anos.  
 c)      Consequentemente, negar provimento ao recurso.
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) 
 unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 15 de Dezembro de 2009
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 João Cura Mariano
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos