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Processo n.º 918/06
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
 1.            Em 28 de Novembro de 2006 foi proferida a seguinte decisão 
 sumária:
 
  
 
 “A. recorre do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 13 de 
 Setembro de 2006, nos seguintes termos: 
 I
 No seu requerimento de interposição de recurso do douto acórdão da Relação de 
 Coimbra para o Supremo Tribunal de Justiça o recorrente, in fine, requereu, nos 
 termos do n.º 4 do artigo 411° do C. P. Penal, que as alegações fossem 
 produzidas por escrito. 
 Porém não foi notificado para produzir alegações por escrito. 
 Mais tarde foi notificado de um douto acórdão em que se dizia, a fls. 4, que 
 
 “neste Supremo Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto opôs-se à produção de 
 alegações escritas requeridas pelo recorrente”. 
 Ficou assim o recorrente a saber que, na vista a que se refere o artigo 416° do 
 C. P. Penal, o M.P. não se limitou a apor o seu visto, pelo que o recorrente 
 devia ter sido notificado para, querendo, responder no prazo de dez dias, como 
 impõe o n.º 2 do artigo 417° do mesmo diploma. 
 Ora essa notificação não foi feita. 
 Ainda hoje o recorrente desconhece o que disse o Exmo. Procurador-Geral Adjunto. 
 Sabe porém que nem sequer se terá limitado a opor-se às alegações por escrito, 
 pois que no douto acórdão de que agora se recorre se diz que também “se 
 pronunciou sobre as questões que iriam ser objecto de exame preliminar do 
 relator”. 
 Não há dúvida pois que o M.P. não se limitou a apor o seu visto, pelo que o 
 recorrente deveria ter sido notificado nos termos do n.º 2 do artigo 417º do 
 C.P.P., o que não aconteceu. 
 Foi assim omitida uma formalidade essencial, pois que é imposta pelo princípio 
 do contraditório previsto no artigo 32º da Constituição da República, 
 nomeadamente nos seus números 1 e 5. 
 Apesar dessa omissão, procedeu-se à audiência de julgamento, sem a presença do 
 arguido nem do seu mandatário constituído, e foi proferido acórdão negando 
 provimento ao recurso. 
 O recorrente arguiu a nulidade desse acórdão, por preterição daquela formalidade 
 essencial, requerendo que fossem considerados inválidos todos os actos 
 praticados após a emissão do parecer do M.P., e que este fosse notificado ao 
 recorrente, seguindo-se os demais termos. 
 Sobre essa arguição de nulidade recaiu o douto acórdão de que agora se recorre, 
 que indeferiu aquela arguição, essencialmente com fundamento em que a 
 formalidade omitida não era essencial nem a sua omissão violava o disposto no 
 artigo 32 da Constituição. 
 II
 O recorrente não pode conformar-se com tal decisão, pois continua a pensar que a 
 referida formalidade é essencial, uma vez que é imposta por um princípio - o do 
 contraditório - com assento constitucional. 
 Tanto assim é que a referida norma do n.º 2 do art. 417 do C.P.P. só foi 
 introduzida pela Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto, antes da entrada em vigor desta 
 lei, porém, já a jurisprudência, designadamente a do S.T.J., vinha entendendo 
 que, apesar de não existir norma expressa nesse sentido, se o MP. não se 
 limitasse, a apor o seu visto, o arguido teria de ser notificado, por imposição 
 do referido artigo 32 da Constituição. 
 Foi assim manifestamente violado este preceito constitucional. 
 III
 Assim, a norma jurídica constante do artigo 417 n.º 2 do Código de Processo 
 Penal, interpretada -  como o acórdão recorrido a interpretou -  no sentido de 
 que, se, na vista a que se refere o art. 416 do mesmo código, o M.P. não se 
 limitar a apor o seu visto, nem sempre o arguido tem de ser notificado para 
 responder, querendo, no prazo de dez dias, é inconstitucional, por violar o 
 princípio do contraditório consagrado no artigo 32, n. 1 e 5, da Constituição da 
 República. 
 IV
 O recorrente suscitou esta inconstitucionalidade durante o processo, 
 designadamente no seu requerimento em que arguiu a nulidade do primeiro acórdão 
 do S.T.J. em termos de este estar obrigado a conhecer desta questão, como 
 conheceu. Tem pois legitimidade para recorrer. 
 
  
 Importa decidir sobre a admissibilidade do recurso interposto. 
 Sobre esta matéria o acórdão recorrido ponderou o seguinte: 
 
  
 
 “[…]
 II. Na motivação do recurso o recorrente requereu que, nos termos do artigo 
 
 411°, n.º 4, do Código de Processo Penal, as alegações fossem produzidas por 
 escrito. 
 Aquando da vista a que alude o artigo 416.° do mesmo diploma, o Ministério 
 Público declarou opor-se a alegações escritas, o que é permitido pelo artigo 
 
 417°, n.º 5, também do citado Código. 
 Designado o dia 14-06-2006 para a audiência, para o qual o recorrente foi 
 notificado por carta registada expedida em 02-06-2006, o requerente não suscitou 
 qualquer questão, tendo sido proferido naquela data o acórdão cuja validade ora 
 se impugna. 
 Sustenta o requerente que, ao não notificar-se o arguido para responder, nos 
 termos do artigo 4l7.°, n.º 2, foi omitida uma «formalidade essencial», o que 
 envolve a nulidade dos actos processuais posteriores à emissão do parecer do 
 Ministério Público. 
 Estabelece esse preceito que, se na vista a que se refere o artigo anterior, o 
 Ministério Público não se limitar a apor o seu visto, o arguido e os demais 
 sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso são notificados 
 para, querendo, responder no prazo de 10 dias. 
 Todavia, não se pode considerar que qualquer tomada de posição do Ministério 
 Público aquando da vista do processo envolve a necessidade de proceder a essa 
 notificação para resposta dos interessados. 
 O que se pretende, no âmbito do objecto do recurso, é garantir o princípio do 
 contraditório, de forma a que os demais interessados possam responder às 
 questões novas suscitadas pelo Ministério Público. 
 Não é seguramente o caso da oposição à produção de alegações por escrito, que a 
 lei prevê, já que não está em causa o objecto do recurso. 
 Acresce que não faz sentido consentir-se uma «oposição» a uma «oposição», sob 
 pena de intolerável arrastamento dos processos, num entendimento que já nada tem 
 a ver com o princípio do contraditório. 
 E, não se mostrando, no caso, postergado tal princípio, não se vê como possa  
 considerar-se violado o disposto no artigo 32.º da Constituição. 
 Por último ainda se dirá que a ter havido preterição de alguma formalidade, 
 tratar-se-ia de uma mera irregularidade, sanada por falta de oportuna arguição, 
 nos termos do artigo 123º, n.º 1, do Código de Processo Penal. 
 Com efeito, o recorrente, notificado para a audiência, significando que não 
 havia lugar a alegações por escrito, nada disse. E no acto da audiência, onde 
 esteve representado pelo defensor nomeado, bem como nos três dias seguintes, 
 também nada disse. 
 Em suma: não se verifica qualquer invalidade, pelo que o requerimento deve ser 
 indeferido.” 
 
  
 Como se alcança da leitura deste trecho, a norma que o recorrente invoca no 
 requerimento de interposição de recurso não constitui o único fundamento da 
 decisão recorrida. Ou seja, embora o acórdão se tenha pronunciado sobre a 
 eventual violação do princípio do contraditório, afastando-a, o Supremo Tribunal 
 de Justiça invocou outro fundamento para indeferir o requerido: “a ter havido 
 preterição de alguma formalidade, tratar-se-ia de uma mera irregularidade, 
 sanada por falta de oportuna arguição, nos termos do artigo 123.°, n.º 1, do 
 Código de Processo Penal.” 
 Resulta, assim, que mesmo que se mostrasse procedente a questão de 
 inconstitucionalidade normativa invocada pelo recorrente, sempre se havia de 
 manter a decisão impugnada, pois outro motivo existe para que a arguição de 
 nulidade fosse indeferida e que, por não integrar o objecto do presente recurso, 
 o Tribunal Constitucional não pode apreciar. 
 Ora, atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, o 
 Tribunal Constitucional só deve conhecer do respectivo objecto quando a decisão 
 a proferir possa ter uma repercussão útil no julgamento da questão discutida no 
 processo. 
 Nestes termos decide-se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78°-A da LTC, não conhecer 
 do objecto do recurso.” 
 
  
 
 2.            Contra esta decisão reclama o recorrente, dizendo:
 
  
 
 “[...] 
 I
 Dá-se aqui por integralmente reproduzido tudo quanto se alegou no recurso sobre 
 o qual recaiu a douta decisão sumária acima referida. 
 II
 Esta decisão sumária decidiu que não devia conhecer-se do objecto do recurso 
 porque “a norma que o requerente invoca no requerimento de interposição de 
 recurso não constitui o único fundamento da decisão recorrida”, pois o S.T.J. 
 invocou outro fundamento para indeferir o requerido: “a ter havido preterição de 
 alguma formalidade, tratar-se-ia de uma mera irregularidade, sanada por falta de 
 oportuna arguição, nos termos do artigo 123, n.º 1, do Código de Processo 
 Penal”. 
 Ora no seu recurso para o Tribunal Constitucional o recorrente alegou que a 
 formalidade omitida era essencial, dizendo designadamente: “o recorrente não 
 pode conformar-se com tal decisão, pois continua a pensar que a referida 
 formalidade é essencial, uma vez que é imposta por um princípio - o do 
 contraditório - com assento constitucional”. 
 Assim sendo, se o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso, 
 dando-lhe provimento, terá necessariamente de reconhecer que a formalidade em 
 questão é uma formalidade essencial, e não uma “mera irregularidade”; cairá 
 assim automaticamente por terra o segundo “fundamento” pelo qual o acórdão 
 recorrido indeferiu a arguição de nulidade. 
 Por consequência, o Tribunal Constitucional deveria revogar o acórdão recorrido, 
 por, em consequência da inconstitucionalidade invocada, ter sido omitida uma 
 formalidade que é essencial, por ser imposta por princípios constitucionais 
 inarredáveis. 
 O recorrente entende portanto, e salvo o devido respeito, que se o Tribunal 
 Constitucional conhecer do objecto do recurso e lhe der provimento tal decisão 
 terá “uma repercussão útil no julgamento da questão discutida no processo”. 
 Por tais razões, o recorrente requer que o Tribunal Constitucional tome 
 conhecimento do objecto do seu recurso, reiterando tudo quanto nele alegou.”
 
  
 O representante do Ministério Público, notificado para o efeito, respondeu da 
 seguinte forma:
 
  
 
 “1 - A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
 2 - Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da 
 decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do 
 recurso interposto.” 
 
  
 
 3.            Cumpre decidir.
 
  
 O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da 
 inconstitucionalidade perante o Tribunal que proferiu a decisão (n.º 2 do artigo 
 
 72º da LTC). A questão deve reportar-se a normas jurídicas aplicadas na decisão 
 recorrida, apesar de o recorrente haver anteriormente suscitado a sua 
 desconformidade constitucional.
 
 É, assim, necessário ter em conta que estamos em presença de um recurso de 
 carácter exclusivamente normativo, uma vez que o controlo de constitucionalidade 
 que, nos recursos das decisões dos outros tribunais, é atribuído ao Tribunal 
 Constitucional, só pode ter por objecto as normas que tais decisões tenham 
 aplicado. Não podem, pois, incluir-se no objecto destes recursos directamente as 
 decisões jurisdicionais, uma vez que o Tribunal Constitucional não pode apreciar 
 a validade substancial e formal do julgamento operado nos outros tribunais.
 O reclamante elegeu como objecto do seu recurso de constitucionalidade a norma 
 do n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal numa interpretação 
 alegadamente aplicada na decisão recorrida. Não imputou à norma que também 
 integra o fundamento da decisão recorrida e que respeita ao regime das 
 irregularidades do processo – o n.º 1 do artigo 123º do Código de Processo Penal 
 
 – qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
 Ora, o carácter instrumental do recurso de constitucionalidade impõe a solução 
 adoptada na decisão sumária. 
 Na verdade, não foi impugnada a norma que, embora subsidiariamente, determina, 
 ou condiciona, a aplicação do aludido n.º 2 do artigo 417º do citado Código, 
 pois, naquele entendimento, a irregularidade estaria 'sanada por falta de 
 oportuna arguição, nos termos do artigo 123º n.º 1 do Código de Processo Penal'. 
 
  Ocorre, portanto, inutilidade do julgamento uma vez que a subsistência desta 
 norma determina a não repercussão, na decisão, do julgamento da questão de 
 constitucionalidade.
 Acresce, ainda, que as considerações que tece acerca da “formalidade em questão” 
 revelam que o recorrente está a tentar colocar no âmbito do recurso a própria 
 decisão recorrida e não as normas nela aplicadas e porventura ofensivas da 
 Constituição, o que, como já se disse, é inadmissível neste recurso.
 
  
 
 4.            Nestes termos, o Tribunal indefere a presente reclamação, mantendo 
 a decisão sumária de não conhecimento do recurso. Custas pelo reclamante, 
 fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 Lisboa, 8 de Fevereiro de 2007
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos