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Processo n.º 842/06 
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
 1.1.        A. reclama, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82 de 
 
 15 de Novembro (LTC), nos seguintes termos:
 
  
 A douta decisão sob reclamação sustenta que este Venerando Tribunal não pode 
 conhecer da questão enunciada na alínea b) do requerimento de recurso interposto 
 porquanto se trata de matéria que tem a ver com a correcção das notificações 
 processuais efectuadas e não perante uma questão de constitucionalidade 
 normativa, uma vez que não há nenhuma interpretação normativa aplicada na 
 decisão recorrida de que este Venerando Tribunal possa e deva conhecer, mas tão 
 só uma alegada irregularidade ligada ao acto processual de notificação. 
 Porém tal irregularidade ligada ao acto processual de notificação teve como 
 efeito a não notificação ao arguido do douto parecer previamente emitido (nos 
 termos do artigo 416 do C.P.P.) relativamente à decisão que pôs termo à causa em 
 sede do digno tribunal de segunda instância, tendo assim sido coarctado o 
 direito de resposta do arguido previsto no artigo 417 n.º 2 do C.P.P. 
 Independentemente das razões que determinaram que o digno Tribunal de segunda 
 instância não notificasse o arguido do referenciado douto parecer do 
 Ilustríssimo Representante do M.P. nesse digno tribunal, a verdade é que não foi 
 observado, a este respeito, o princípio do contraditório. 
 Sobre esta matéria já se debruçou este Venerando Tribunal, sendo que a 
 jurisprudência recente fixada em sede desta questão (a titulo de exemplo 
 refere-se, o acórdão n.º 533/99, o acórdão n.º 279/01 e o acórdão n.º 137/02) 
 chegou sempre à mesma conclusão, que como é sabido, a de julgar inconstitucional 
 o artigo 416° do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de permitir a 
 emissão de parecer pelo Ministério Público junto do Tribunal superior, sem que 
 dele seja dado conhecimento ao arguido para se poder pronunciar ou então a de 
 não julgar inconstitucional a norma do artigo 416° do Código de Processo Penal, 
 interpretado no sentido de que, quando o Ministério Público, quando os recursos 
 lhe vão com vista, se pronunciar, deve ser dada aos réus a possibilidade de 
 responderem. 
 Deste modo, face ao ante exposto, salvo opinião mais esclarecida e com o devido 
 respeito pela posição assumida pelo Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro 
 Relator, entende o recorrente que o indicado na alínea B) do requerimento de 
 recurso interposto constitui matéria de que este Venerando Tribunal pode 
 conhecer atenta a mesma ser do foro constitucional e ter sido suscitada de modo 
 processualmente adequada, nos termos do artigo 70 n.º 1 b) da LTC. 
 Termos em que respeitosamente se requer que sejam os autos levados à conferência 
 para que esta decida da admissão do recurso e posterior tramitação do mesmo. 
 
  
 
 1.2.        O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, 
 notificado da reclamação deduzida no processo em epígrafe, respondeu nos termos 
 seguintes: 
 
  
 
 1°
 A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
 2º
 Na verdade – e como parece decorrer do despacho de p. 422 e subsequente 
 notificação ao arguido para os efeitos do artigo 417°, n.º 2, do Código Processo 
 Penal, enviando-se lhe cópia do parecer do Ministério Público – não se verificou 
 a interpretação normativa tida como inconstitucional. 
 
 3º
 Sendo evidente que – se alguma nulidade ou irregularidade se verificasse, 
 porventura, no acto concreto de notificação, documentado a p 423 – devia o 
 arguido tê-la suscitado previamente perante o Tribunal “a quo”.
 
  
 
 1.3.        A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:
 
  
 A. recorre, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de 
 Novembro (LTC), do acórdão da Relação do Porto de 28 de Junho de 2006. Invoca:
 
 “[…] a) Da interpretação e aplicação que o douto acórdão recorrido fez do artigo 
 
 25.º do decreto-lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, tendo assim violado este artigo, 
 o artigo n.º 1 do Código Penal, o artigo n.º 2 da Lei n.º 30/2000 de 29 de 
 Novembro e em consequência foi violado o artigo 29 n.º 1 da CRP. 
 b) De (certamente por mero lapso) o Defensor do arguido não ter sido notificado, 
 para os efeitos constantes no art. 417 n.º 2 do Código de Processo Penal, do 
 douto parecer lavrado pelo Ex.mo Sr. Procurador Geral Adjunto que incidiu sobre 
 o recurso interposto do douto acórdão condenatório recorrido (conf. doc. único 
 que constitui o original da referida notificação enviada para o Defensor do 
 recorrente) tendo tido apenas conhecimento do referenciado douto parecer aquando 
 da análise do douto acórdão proferido por este Venerando Tribunal, uma vez que o 
 citado douto parecer é mencionado a fls. 08 do sobredito douto acórdão, tendo o 
 Defensor do recorrente apenas sido notificado para os efeitos supra 
 identificados do anterior douto parecer do Ex.mo Sr. Procurador Geral Adjunto 
 que incidiu sobre o recurso interposto da medida de coacção detentiva de 
 liberdade aplicada ao arguido (a este propósito sempre se dirá que no sentido de 
 obter cópia do sobredito douto parecer que mereceu o recurso interposto da 
 decisão final do Tribunal “a quo”, no período da tarde de 06 de Julho de 2006, o 
 Defensor do arguido entrou em contacto telefónico com a Ex.ª Sr.ª Oficial de 
 Justiça a quem foi distribuído este processo no âmbito do exercício das suas 
 funções, pedindo que este fosse enviado para o seu escritório por fax atento 
 estar a correr o prazo para a interposição deste recurso, tendo a mesma - o que 
 não se questiona - lhe comunicado que só enviaria para o escritório deste, cópia 
 do designado parecer se o pedido do mesmo se materializasse através de 
 requerimento escrito deferido por magistrado judicial, o que o requerente não 
 efectuou porquanto entre a elaboração, eventual deferimento e envio deste para o 
 seu escritório, ficaria esgotado o prazo acima indicado) tendo assim sido 
 violado o artigo 417 n.º 2 do Código de Processo Penal e em consequência foi 
 violado o n.º 1 e n.º 5 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa. 
 A inconstitucionalidade da interpretação e aplicação das normas indicadas na 
 alínea a) do presente foi suscitada no recurso interposto para o Venerando 
 Tribunal da Relação do Porto. 
 A inconstitucionalidade da interpretação e aplicação das normas indicadas na 
 alínea b) do presente, é apenas suscitada no mesmo, pois atento o referenciado 
 nesta alínea, não teve o recorrente possibilidade de invocar a violação das 
 normas identificadas nesta em momento anterior ao recurso em apreço.”
 Convidado, nos termos do n.º 5 do artigo 75º-A da LTC, para enunciar o conteúdo 
 normativo das normas que pretende impugnar no presente recurso, respondeu: 
 
 “1 – No que respeita ao disposto na alínea a) do recurso interposto entende o 
 recorrente que deve ter-se por inconstitucional a norma do artigo 25.º do 
 decreto-lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, quando interpretada: 
 a) No sentido de criminalizar a detenção de cocaína e heroína por parte de um 
 toxicodependente que mantinha os hábitos aditivos desses mesmos produtos 
 estupefacientes e cuja detenção não excedia a quantidade necessária para o 
 consumo médio individual durante l0 dias quando estas substâncias não se 
 destinem à sua cedência ou transacção a terceiros, por violação do artigo 29 
 n.º1 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que com a entrada em vigor 
 dos artigos 2 e 28 da Lei na 30/2000, de 29/11, foi intenção do legislador 
 descriminalizar o consumo, a aquisição e a detenção para consumo de 
 estupefacientes, pelo que a interpretação restritiva de uma norma expressamente 
 revogatória (no caso do citado artigo 28) de uma norma incriminadora, 
 limitando-se o sentido e o alcance da revogação, constitui uma extensão da norma 
 incriminadora que permaneceria parcialmente apesar da revogação, o que de todo 
 não foi o que o legislador pretendeu com a supra mencionada descriminalização, 
 sendo certo que em matéria de definição e de criação de ilícitos não pode o 
 julgador, substituir-se ao legislador, sob pena de subversão e de violação do 
 indicado artigo 29 n.º 1 da CRP. 
 b) No sentido de criminalizar a detenção de heroína e cocaína por parte de um 
 consumidor destas substâncias que excedam a quantidade necessária para o consumo 
 médio individual durante l0 dias quando as mesmas não se destinavam à cedência 
 ou transacção a terceiros e que na altura da apreensão destas estava o 
 recorrente a consumi-las (pág. 4 do douto acórdão recorrido do Tribunal da 1ª 
 instância) por violação do artigo 29 n.º 1 da Constituição da República 
 Portuguesa, uma vez que com os artigos 2 e 28 da Lei na 30/2000, de 29/11, foi 
 descriminalizado o consumo, a aquisição e a detenção para consumo de 
 estupefacientes, pelo que qualquer interpretação restritiva do citado art. 28º 
 da Lei 30/2000, de 29N0V no sentido de se continuar criminalizar a detenção para 
 consumo de uma quantidade de droga superior à prevista no art. 2º, n°s 1 e 2 da 
 lei 30/2000 de 29-11, que considera contra-ordenação a detenção de uma 
 quantidade igual ou inferior ao consumo médio individual durante o período de 
 dez dias, afronta o princípio constitucional da legalidade (nula pena sine lege) 
 plasmado no referenciado artigo 29 n.º 1 da CRP. 
 
 2 – No que respeita ao constante na alínea b) do dito recurso, entende o 
 recorrente ter-se como inconstitucional a norma do art. 416° e do art. 417 n.º 2 
 do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de 
 Fevereiro, quando interpretadas no sentido de permitir a emissão de parecer pelo 
 M. P. junto do Tribunal Superior, sem que dele seja dado conhecimento ao arguido 
 para se poder pronunciar, por violação do direito de defesa garantido pelo art. 
 
 32°, n.º 1 e n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, cuja norma e 
 princípios dela decorrentes se consideram violados.”
 O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC tem natureza 
 normativa, isto é, visa apreciar a conformidade constitucional de normas 
 jurídicas aplicadas na decisão recorrida como razão de decidir e, para que o 
 Tribunal Constitucional possa dele conhecer, exige-se que o recorrente suscite 
 durante o processo, de modo processualmente adequado, a inconstitucionalidade da 
 norma que pretende ver apreciada e que tal norma seja aplicada na decisão 
 recorrida, não obstante a acusação de inconstitucionalidade que lhe é imputada. 
 Tal inconstitucionalidade reporta-se, necessariamente, a um critério normativo 
 dotado de generalidade, e não à aplicação da norma à especificidade do caso e a 
 ele indissociavelmente ligado; está, portanto, fora do objecto do recurso de 
 constitucionalidade a apreciação do raciocínio lógico-jurídico que tenha 
 presidido à aplicação no caso concreto de uma determinada norma, ainda que o 
 resultado surja como aparentemente desconforme com os princípios ou normas 
 constitucionais.
 Afirma o recorrente que suscitou a questão de inconstitucionalidade referida na 
 alínea a) do requerimento de interposição no recurso interposto para a Relação 
 de Lisboa. Ora, compulsando a motivação de tal recurso (fls. 336 a 347), 
 verifica-se que a desconformidade constitucional – conclusão 2 – se apresenta 
 ligada às circunstâncias do caso concreto, adjectivando a própria decisão 
 recorrida e não qualquer norma que a mesma haja aplicado.
 De igual forma, as considerações que, no requerimento apresentado em resposta ao 
 convite para enunciar o conteúdo normativo das normas que pretendia impugnar, o 
 recorrente tece a propósito destas questões, sem definir um critério normativo 
 dotado de generalidade que possa ser aplicado a outros casos, indicam claramente 
 que visa obter a apreciação da conformidade constitucional da subsunção dos 
 factos à norma efectuada na decisão recorrida. 
 Em suma, a censura de inconstitucionalidade dirige-se à própria decisão 
 recorrida, a qual, como se disse, não pode constituir o objecto do recurso de 
 constitucionalidade.
 Mas, ainda que fosse possível descortinar um critério normativo susceptível de 
 constituir o objecto do presente recurso, o certo é que a decisão recorrida não 
 aplicou a formulação que o recorrente invoca. Relativamente ao destino dos 
 produtos estupefacientes detidos pelo ora recorrente, o acórdão recorrido 
 considerou que:
 
 “(…) não foi dado como provado qual o destino dos estupefacientes que o arguido 
 detinha. Não ficou provado que os mesmos se destinassem ao seu consumo, assim 
 como não ficou provado que se destinassem a ser vendidos. Apenas ficou provada a 
 sua detenção. 
 O que o recorrente entende, mas não foi isso que foi dado como provado, é que, 
 sendo consumidor de estupefacientes há cerca de 18 anos, os estupefacientes que 
 detinha se destinavam ao seu consumo. 
 Não se tendo dado como provado que os estupefacientes se destinavam ao consumo 
 do recorrente está fora de causa a discussão sobre se aquela Lei 30/00 
 descriminalizou todo o consumo de estupefacientes, mesmo o excedente ao consumo 
 médio individual durante o período de 10 dias, ou apenas aquele que não o 
 excedesse (art. 2º, n°s 1 e 2).”
 Resulta, assim, que o acórdão não considerou provado que os produtos 
 estupefacientes “não se destinavam à sua cedência ou transacção a terceiros”como 
 invoca o recorrente, o que também impediria o conhecimento do objecto do recurso 
 por não aplicação na decisão recorrida da interpretação questionada.
 Acresce que o Tribunal Constitucional não pode conhecer da questão enunciada na 
 alínea b) do requerimento. Trata-se de matéria que tem a ver com a correcção das 
 notificações processuais efectuadas e não perante uma questão de 
 constitucionalidade normativa.
 De facto, não há aqui nenhuma interpretação normativa aplicada na decisão 
 recorrida de que o Tribunal Constitucional possa e deva conhecer, mas tão só uma 
 alegada irregularidade ligada ao acto processual de notificação.
 
 É assim de concluir que se não mostram verificados os pressupostos de 
 admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, 
 pelo que, ao abrigo do artigo 78º-A da citada LTC, decide-se não tomar 
 conhecimento do objecto do recurso. 
 
  
 
 2.            Esclarece o reclamante que a sua reclamação se restringe  à parte 
 da decisão sumária que respeita ao decidido quanto à alínea b) do requerimento 
 do recurso interposto, pelo que o recorrente se 'conforma' com o restante 
 decidido. Por esta razão, está unicamente em causa a decisão relativa ao recurso 
 cujo objecto  diz respeito a norma do artigo 416º e do artigo 417º n.º 2 do 
 Código de Processo Penal, interpretada no sentido 'de permitir a emissão de 
 parecer pelo Ministério Público junto do Tribunal Superior, sem que dele seja 
 dado conhecimento ao arguido para se poder pronunciar'.
 O reclamante não tem razão.
 Com efeito, radica esta parte do recurso na alegação de que o interessado não 
 fora notificado do parecer do Ministério Público antes de ter sido proferido, na 
 Relação do Porto, o acórdão recorrido.
 Ora – conforme oportunamente se sublinhou – o presente recurso não visa sindicar 
 directamente as decisões jurisdicionais proferidas no processo, pois tem 
 natureza normativa, isto é, visa apreciar a conformidade constitucional de 
 normas jurídicas aplicadas na decisão recorrida como razão de decidir. 
 O Tribunal recorrido deu como assente que o reclamante fora notificado do 
 aludido parecer do Ministério Público, razão pela qual se deve entender que a 
 decisão em causa não aplicou a norma impugnada no sentido 'de permitir a emissão 
 de parecer pelo Ministério Público junto do Tribunal Superior, sem que dele seja 
 dado conhecimento ao arguido para se poder pronunciar', conforme diz o 
 reclamante.
 Esclarecido que não cabe ao Tribunal Constitucional a tarefa de apurar se 
 ocorreu alguma irregularidade na aludida notificação, deve concluir-se que a 
 questão que, nesta parte, o reclamante apresenta ao Tribunal Constitucional, não 
 
 é uma questão normativa que seja possível conhecer nos termos da citada alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
 
  
 
 3.            Em face do exposto, indefere-se a reclamação. Custas pelo 
 recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 Lisboa, 8 de Fevereiro de 2007
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos