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Processo n.º 995/2005
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto                 
 
                 (Conselheira Maria Fernanda Palma)
 
  
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.Pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2005 foi negado a 
 A., na acção que intentara contra Companhia de Seguros B., AS, o direito a 
 
 “indemnização por danos não patrimoniais” sofridos pela morte da vítima de um 
 acidente de viação com quem convivia em união de facto. Pode ler-se nesse 
 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:
 
 «1. – A. intentou contra “Companhia de Seguros B., AS” acção declarativa, para 
 efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, 
 reclamando da Ré o pagamento de € 49.879,79, dos quais € 42.771,92 por danos não 
 patrimoniais, quer decorrentes do abalo que sofreu com o acidente quer com a 
 morte da sua companheira.
 A final, a Seguradora foi condenada a pagar a quantia de € 26.436,28, a título 
 de indemnização pelos danos não patrimoniais – sendo € 1.496,39 referentes aos 
 danos sofridos directamente pelo A. e € 24.939,89 pela morte da companheira – e, 
 a título de danos patrimoniais, o que vier a ser liquidado em execução de 
 sentença, decisão de que ambas as Partes interpuseram recurso.
 A Relação reduziu a indemnização pelos danos sofridos pelo A. com o acidente 
 para € 500,00, absolveu a R. do pedido indemnizatório fundado na morte da 
 companheira do A. e manteve, no mais, o decidido na 1ª Instância.
 Pede ainda revista o Autor, que sustenta nas conclusões:
 
 - A questão prende-se apenas com os danos directamente sofridos pelo Recorrente, 
 primeiro quanto à conformidade com a Constituição do art. 496.º-2 do C. Civil e 
 depois quanto à fixação do quantum indemnizatório;
 
 - A inconstitucionalidade decorre do facto de a não abrangência do unido de 
 facto sobrevivo pela norma do n.º 2 do art. 496.º violar a 1.ª parte do n.º 1 do 
 art. 36.º da CRP quando prevê expressamente o direito de constituir família para 
 além da relação matrimonial;
 
 - O art. 496.º-2 deve, portanto, ser objecto de uma interpretação extensiva pelo 
 argumento a pari, por paridade de razão;
 
 - Assim, deve a indemnização pelos danos não patrimoniais ser fixada em não 
 menos de € 42.771,92, acrescida de juros legais desde a citação.
 
 - Quando assim se não entenda deve ser fixada indemnização não inferior a € 
 
 12.500,00 para ressarcimento dos danos morais próprios emergentes do acidente em 
 causa.
 A Recorrida apresentou resposta em que pugna pela manutenção do julgado.
 
 2. – Das conclusões formuladas resulta serem duas as questões propostas e para 
 decidir:
 
 - A inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do art. 496.º do C. Civil, quando 
 interpretada no sentido de excluir o “cônjuge da facto” do direito a ser 
 indemnizado pela morte do companheiro; e,
 
 - A fixação da compensação pelos danos não patrimoniais reclamados pelo Autor.
 
 3. – Das Instâncias vem assente a seguinte factualidade:
 A 30/01/00, pelas 1,45h., na EN 347, no sentido Alfarelos-Condeixa, ocorreu um 
 acidente de viação que consistiu num despiste e colisão com uma árvore do 
 veículo ligeiro de passageiros de matrícula PJ----, que era conduzido por C. e 
 no qual seguiam como passageiros o Autor e D.;
 Em consequência do embate, D. sofreu lesões corporais, das quais resultou a sua 
 morte;
 O Autor trabalha na Embaixada de Espanha, em Portugal como funcionário 
 administrativo;
 No momento imediatamente anterior ao acidente, o A. pensou que poderia ficar 
 gravemente ferido ou mesmo morrer em consequência do mesmo, o que lhe causou 
 angústia e terror;
 O Autor receou que todos os seus projectos de vida pessoais e profissionais 
 pudessem ser interrompidos em consequência do acidente;
 O Autor também exercia a actividade de tradutor por conta própria;
 Em consequência do acidente, deixou de fazer trabalhos de tradução que já tinha 
 ajustado, facto que lhe causou prejuízo;
 Estragou o seu blusão, as calças e perdeu o seu relógio;
 O A. foi imediatamente assistido no Hospital dos Covões, em Coimbra, e 
 posteriormente no de Santa Maria, em Lisboa;
 Ainda em consequência do acidente, o A. sofre de falta de concentração no 
 trabalho;
 
 À data do acidente o Autor vivia maritalmente com a D., desde Novembro de 1997, 
 e projectavam casar e ter filhos;
 Entre os dois existia amor, união e carinho;
 O A. sofreu um choque e uma grande dor com a morte da D., vivendo hoje com 
 tristeza e recordando-a constantemente;
 O Autor nasceu em 07/02/961;
 A responsabilidade civil por danos causados pelo veículo PJ--- encontrava-se 
 transferida para a Seguradora Ré.
 
 4. – Mérito do recurso.
 
 4. 1. – A constitucionalidade e interpretação do n.º 2 do art. 496.º do Código 
 Civil.
 O Recorrente funda a sua pretensão de interpretação extensiva da norma do n.º 2 
 do art. 496.º e correspondente afastamento da interpretação literal, por forma a 
 nela incluir as pessoas que viviam com a vítima numa situação de união de facto, 
 na violação do direito de constituir família para além da relação matrimonial, 
 acolhido pelo n.º 1 do art. 36.º da Constituição da República, que não já no 
 princípio da igualdade que o art. 13.º da mesma Lei Fundamental consagra.
 O preceito em causa dispõe assim: “Por morte da vítima, o direito à indemnização 
 por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado 
 judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta 
 destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos 
 que os representem”.
 Trata-se de um caso em que a lei atribui a determinadas pessoas ou grupos de 
 pessoas, sucessivamente, a titularidade do direito a indemnização por danos 
 próprios, mas por factos em que considera lesado alguém que não é o titular do 
 direito violado.
 Desaparecido, pela produção do dano-morte, o sujeito do direito de personalidade 
 violado, a quem pelos princípios gerais da responsabilidade civil caberia o 
 direito à indemnização, a lei elege como titulares originários desta certos 
 terceiros em atenção às suas relações familiares com a vítima.
 A opção pela indicação taxativa e graduada das pessoas cujos danos são 
 atendíveis deve-se a razões de certeza e segurança, apesar de poder verificar-se 
 que o facto cause danos, porventura mais graves, a outras pessoas ou mesmo que 
 as pessoas contempladas sofram dor ou desgosto por forma não coincidente com a 
 ordem de precedências estabelecida no preceito. O legislador quis sacrificar “as 
 excelências da equidade (...) às incontestáveis vantagens do direito estrito” 
 
 (P. DE LIMA e A. VARELA, C. Civi Anotado, 4ª ed., p. 501).
 A letra da lei exclui, pois, da titularidade do direito, quer quaisquer pessoas 
 nela não referidas, quer, de entre as referidas, as que resultem afastadas pela 
 precedência da respectiva graduação.
 Exclui-o também, quanto ao “cônjuge de facto”, como se refere no Acórdão deste 
 Tribunal de 4/11/03 (CJ, XI-III, p. 135), “o enquadramento histórico da norma, 
 nascida num tempo e num espaço de absoluta rejeição dos valores que suportam as 
 uniões de facto”.
 Mas, será que a norma deve ser interpretada extensivamente, incluindo na classe 
 do cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens, filhos ou outros 
 descendentes, o unido de facto ou companheiro do falecido, relevando os 
 elementos teleológico e actualista postulados pelo direito constitucionalmente 
 reconhecido de constituir família para além da relação matrimonial (art. 36.º, 
 n.º 1, 1ª parte) e pela evolução legislativa sobre o reconhecimento das uniões 
 de facto?
 O art. 36.º, n.º 1, da CRP, revelando abertura à “pluralidade e diversidade das 
 relações familiares”, admite expressamente o direito de constituir família sem 
 casamento, inculcando claramente adoptar o conceito de “família” como uma 
 realidade mais ampla que a da família conjugal, resultante do casamento.
 A Constituição da República reconhece uma relevância fundamental à família 
 assente no casamento e ainda, independentemente do vínculo conjugal, à família 
 constituída por pais e filhos. É o que resulta da autonomização do direito de 
 contrair casamento e do estatuto e efeitos da sociedade conjugal aludidos nos 
 n.ºs 1 e 2 do art. 36.º, por um lado, e da preocupação com o estatuto da 
 filiação e da família constituída por pais e filhos, nascidos ou não de 
 casamento, por outro lado – arts. 36.º, n.ºs 3, 4, 5 e 6, 68.º e 69.º.
 Deste modo, como escrevem JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS ( CRP Anotada, Tomo I, p. 
 
 399), “nesta perspectiva, no direito de constituir família, o art. 36.º-1 
 abrange, ao lado da família conjugal, a família constituída por pais e filhos, 
 podendo extrair-se do preceito um direito fundamental, não apenas a procriar, 
 mas também ao conhecimento e reconhecimento da paternidade e maternidade”.
 Para além disso, o art. 36.º, não excluindo do seu âmbito de previsão outras 
 relações de tipo familiar ou parafamiliar e a respectiva tutela jurídica, 
 nomeadamente quanto às uniões de facto, também não conduz a que nele se veja, 
 sem mais, a consagração do direito a estabelecer a união de facto como 
 alternativa ao casamento, exigindo um tratamento indiferenciado para cônjuges e 
 unidos de facto, apesar de, como dito, o direito de constituir família poder 
 resultar de uma união de facto estável e duradoura, nos termos que o legislador 
 ordinário fixar, dentro da liberdade de conformação (cfr. ob. cit., p. 402).
 Da diferença entre a situação de cônjuges e “cônjuges de facto” ou unidos de 
 facto – para além do âmbito da protecção específica do casamento e da família 
 constituída por pais e filhos, como se deixou referido – resulta, pois, que não 
 possam ser excluídas discriminações de tratamento entre uns e outros.
 Ponto é averiguar se umas tais discriminações, quando existam, carecem de “uma 
 justificação razoável”, revelando-se, à luz do princípio da proporcionalidade, 
 vedadas pelo conteúdo das normas fundamentais, o que poderá acontecer quanto a 
 disposições que 'directamente contendam com a protecção dos membros da família, 
 protegendo designadamente o membro enfraquecido e que não sejam aceitáveis como 
 instrumento de eventuais políticas de incentivo à família que se funda no 
 casamento” (id. ib., 404, citando o Ac. TC n.º 275/02 – DR, II, de 24/7/02, pg. 
 
 12901).
 Ora, também se aceita que, em abstracto, não haverá uma justificação atendível 
 para a solução de excluir de plano todos e quaisquer danos não patrimoniais 
 sofridos pessoalmente por quem não convivia com a vítima de um homicídio doloso 
 em condições análogas à dos cônjuges, à luz do preceito constitucional em apreço 
 e dos princípios subjacentes à Lei n.º 7/2001, de 11/5, estranhos que são os 
 objectivos da indemnização aos mencionados meios e desígnios de incentivo à 
 família assente no casamento, como se ponderou e escreveu no douto acórdão 
 citado.
 Acontece que perante a concreta inconstitucionalidade arguida, a decisão não 
 pode ser desligada da também concreta situação substantiva em análise, ou seja, 
 dos específicos contornos e fisionomia do caso retratado no processo.
 A Lei apenas atribui relevância às relações decorrentes da união de facto em 
 casos pontuais, referindo taxativamente esses casos e respectivos efeitos, todos 
 com incidência na área das normas de protecção (alimentos, transmissão da casa 
 de morada de família e benefícios sociais) – arts. 3.º a 7.º da Lei n.º 7/01.
 E, apesar disso, só o faz quando a situações em que a relação de facto se 
 apresente com carácter de estabilidade e durabilidade, numa situação análoga à 
 dos cônjuges, que “convença” da sua tendência para a perpetuidade, numa “ficção 
 de casamento” (FRANÇA PITÃO, “Os novos Casamentos ...”, in Comemorações dos 35 
 Anos do Código Civil, vol. I, p. 192).
 Como se faz notar no acima citado aresto deste Tribunal, o também invocado 
 acórdão do T.C. foi tirado sobre um caso de homicídio doloso e a solução nele 
 encontrada tem confessadamente a marca da gravidade extrema do ilícito e tem, 
 acrescentamos nós, a particularidade de contemplar uma situação de facto da qual 
 havia filhos.
 Vale isto por dizer que ali está presente uma família constituída por pais e 
 filhos, a situação que o art. 36º directamente confere tutela. No caso sub 
 juditio, diversamente, sabe-se apenas que o Autor e a falecida “viviam 
 maritalmente desde Novembro de 1997 (dois anos e dois meses antes do acidente), 
 projectavam casar e ter filhos” sem que algo mais se saiba, designadamente 
 quando ao facto impeditivo aludido na al. c) do art. 2.º da Lei 7/01, apesar de 
 se saber, porque alegado pelo Autor, haver um casamento anterior (seria 
 divorciado quando instaurou a acção) e uma filha dele e de Clara Garcia da 
 Silva, nascida em 16/10/2000, muito depois do acidente (cfr. p.i e fls. 335).
 Ora, no concreto circunstancialismo reflectido nos autos, não nos parece que, na 
 enunciada perspectiva da proporcionalidade, o reconhecimento do direito à 
 compensação por danos não patrimoniais atribuído pelo n.º 2 do art. 496.º C. 
 Civil seja reclamado pelo sistema jurídico como uma medida de protecção exigível 
 para o unido de facto, malgrado a tutela constitucional directa imposta para a 
 família natural constituída por pais e filhos, com carácter de estabilidade.
 Como também já se deixou referido, o direito conferido ao cônjuge no falado 
 preceito do Código Civil encontra a sua razão de ser na vontade legislativa de 
 evitar a apresentação de uma multiplicidade de pretensões indemnizatórias por 
 danos morais por morte da vítima, ainda que, não fora essa opção, se mostrassem 
 atendíveis.
 Por isso, como se argumenta no voto de vencido lavrado no mesmo Ac. T.C. 275/02, 
 em tese, nada obstaria a que, com o mesmo objectivo e na mesma perspectiva 
 limitadora, o legislador viesse a reconhecer o direito à indemnização a quem 
 estivesse mais proximamente ligado à vítima, designadamente por via da união de 
 facto. Porém, não o quis fazer, concedendo a sua titularidade apenas às pessoas 
 taxativamente indicadas e pela ordem de preferência que, repete-se, bem pode não 
 coincidir com a gravidade do dano realmente sofrido.
 Ora, uma vez mais, se esse comportamento do legislador não pode considerar-se 
 constitucionalmente imposto, na medida em que não encontra fundamento directo na 
 exigência no direito à protecção da família, aceitando‑se como razoável o escopo 
 prosseguido com a limitação e graduação vertidas na norma de direito ordinário, 
 não caberá falar de violação do princípio da proporcionalidade.
 Em conclusão, entende-se que a interpretação feita pelo acórdão impugnado da 
 norma do n.º 2 do art. 496.º C. Civil, no sentido de excluir o Recorrente da 
 titularidade do direito a indemnização por danos não patrimoniais por morte da 
 sua companheira não merece censura e não padece da inconstitucionalidade que lhe 
 
 é assacada.
 
 4. 2. – Os danos morais próprios do Autor emergentes do acidente.
 A este título o Recorrente reclama a quantia de € 12.500,00, insurgindo-se 
 contra a exiguidade da verba de € 500,00 que a Relação lhe atribuiu.
 A factualidade relevante, recorde-se, diz respeito à angústia e terror que o A. 
 sentiu, receando a morte ou ferimentos graves, ao aperceber-se do acidente; a 
 ter recebido assistência em dois hospitais – Coimbra e Lisboa; e, como sequela, 
 a ter ficado a sofrer de falta de concentração no trabalho.
 Não se questiona a gravidade dos danos, para efeito de merecimento da tutela do 
 direito, devendo a compensação a atribuir abranger tanto as consequências 
 passadas como as futuras resultantes do evento danoso – art. 496.º-1 do C. 
 Civil.
 Trata-se de compensar prejuízos de natureza infungível, em que não é possível a 
 reintegração por equivalente, em que o critério de fixação assenta na equidade.
 Tais compensações não devem, como é hoje jurisprudência firme, ter um alcance 
 que não se restrinja à atribuição de valores meramente simbólicos, mas que 
 efectivamente permitam ao beneficiário obter as satisfações que, de algum modo, 
 constituam um lenitivo para o mal sofrido.
 Assim, tudo ponderado, mas atendendo a que não se sabe, por não alegado, em que 
 grau e medida se reflectiu ou reflecte na vida do A. a dita falta de 
 concentração, tem-se por equitativa a compensação de 4.000 euros, para a qual se 
 eleva a que, já actualizada, vem arbitrada pela Relação.
 
 5. – Decisão.
 Pelo exposto, decide-se:
 
 - Conceder parcialmente a revista;
 
 - Alterar o decidido no acórdão recorrido quanto à quantia em que a Ré foi 
 condenada a pagar ao Autor 'a título de danos morais', fixando-a, agora, em € 
 
 4.000,00 (quatro mil euros), com juros moratórios, à taxa legal, desde a data do 
 acórdão impugnado (12/10/04), mantendo-se, em tudo o mais, a decisão proferida
 
 […].»
 
 2.O demandante interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, 
 com um requerimento em que diz pretender ver apreciada conformidade à 
 Constituição da norma do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, interpretada “no 
 sentido em que não admite que a pessoa que vive em união de facto com uma vítima 
 de acidente de viação, do qual resulte a morte dessa vítima, tem o direito a 
 receber uma indemnização por danos não patrimoniais”, e que o recurso de 
 constitucionalidade foi interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do nº 1 do 
 artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, invocando o decidido no Acórdão do 
 Tribunal Constitucional nº 275/2002.
 
 3.O recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
 
 «1 – O recorrente é divorciado desde o dia 4 de Maio de 1999, cfr. certidão 
 judicial constante de fls. ... que aqui se dá por integralmente reproduzida;
 
 2 – As suas filhas nasceram em 16/11/1990 e 8/6/1994 (muito antes do acidente 
 ocorrido em 30/01/2000 ), cfr. respectivas certidões de nascimento constantes de 
 fls. ... e que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
 
 3 – A matéria de facto provada, supra discriminada e que com a devida vénia aqui 
 se dá por integralmente reproduzida, consubstancia uma situação de união de 
 facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges;
 
 4 – O recorrente ASSISTIU (à morte da companheira) e ele próprio foi também 
 vítima do acidente de que veio a resultar o decesso daquela e a dor e o 
 sofrimento do recorrente não seriam maiores caso com fossem casados e não foram 
 menores pelo facto de não o serem;
 
 5 – A dor e o sofrimento – danos não patrimoniais – não dependem de vínculos 
 familiares e matrimoniais formais e, simultaneamente, as pessoas que optam por 
 viver em união de facto não se tomam por isso portadoras de um estigma que as 
 diminua, sendo essa uma das formas de constituir família;
 
 6 – A improcedência do pedido de condenação da recorrida em indemnização ao 
 recorrente por danos morais decorrentes da morte da sua companheira, D., com 
 quem vivia em união de facto é injusta, ilegal e inconstitucional;
 
 7 – O art. 496.°, n.º 2, do CC, interpretado no sentido de excluir a 
 indemnização por danos não patrimoniais próprios sofridos por aquele que vivia 
 com a vítima mortal numa situação de união de facto, estável e duradoura, em 
 condições análogas às dos cônjuges, é inconstitucional, por violação do art. 
 
 36.°, n.º 1, da CRP, conforme aliás já decidiu o Tribunal Constitucional no 
 acórdão n.º 275/02 (DR, II, 24/07/00);
 
 8 – E, simultaneamente, é outrossim inconstitucional por violação do princípio 
 da igualdade previsto no art. 13.° da Constituição;
 
 9 – A questão em apreço prende-se apenas com os danos directamente sofridos pelo 
 recorrente - pessoa que vivia em união de facto com a vítima - limitando-se 
 inicialmente à prévia apreciação da inconstitucionalidade supra alegada e 
 posteriormente à fixação do quantum indemnizatório, isto é, da conformidade com 
 a Constituição do art. 496.º, n.º 2, do Cód. Civil, na parte em que, em caso de 
 morte da vítima, exclui a atribuição de um direito de 'indemnização por danos 
 não patrimoniais' pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em 
 situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas à dos 
 cônjuges - ou seja, uma indemnização que seria adquirida originariamente por tal 
 pessoa e por danos não patrimoniais (dor, sofrimento, etc.) sofridos por ela 
 própria;
 
 10 – A inconstitucionalidade decorre, por um lado, do facto da não abrangência 
 do unido de facto sobrevivo pela norma civil constante do n.º 2 do art. 496.° do 
 Cód. Civil, violar claramente a primeira parte do n.º 1 do art. 36.° da CRP 
 quando prevê expressamente o direito de constituir família para além da relação 
 matrimonial;
 
 11 – E, por outro, da distinção entre casados e não casados que o princípio da 
 igualdade proíbe;
 
 12 – Não ignoramos, que o citado acórdão desse mui douto Tribunal Constitucional 
 foi objecto de dois votos de vencidos, dos Exmos. Srs. Juízes Conselheiros Bravo 
 Serra e Cardoso da Costa, no sentido de que o escopo da norma – art. 496.°, n.º 
 
 2 – é o limite da possível multiplicidade dos pedidos e não a protecção da 
 família na esteira aliás da doutrina da Escola de Coimbra também amplamente 
 citada no douto acórdão recorrido;
 
 13 – Contudo, tal argumento não colhe, uma vez que, na realidade, o art. 456.°, 
 n.° 2, do Cód. Civil limita as pretensões indemnizatórias ao delimitar classes 
 preferenciais de beneficiários, no entanto, tais classes têm exclusivamente por 
 beneficiários familiares: na primeira classe beneficia em conjunto o cônjuge e 
 os descendentes; na falta destes, irão beneficiar os ascendentes, enquanto 
 segunda classe de beneficiários; e por fim na falta de qualquer um destes 
 membros da família da vítima, beneficiam os seus colaterais no 2.° ou 4.° grau. 
 Existe aqui, inquestionavelmente, um claro paralelismo com as regras que 
 encontramos no âmbito do Direito das Sucessões, nomeadamente no artigo 2133.° no 
 que refere à ordem dos beneficiários e com o artigo 85.° do RAU, que tem como 
 escopo a protecção da casa de morada de família, sendo certo que neste último 
 caso o legislador contemplou directamente os unidos de facto circunstância a que 
 não é alheio o facto de ser norma mais recente;
 
 14 – Admitimos que o legislador tenha pretendido delimitar as pretensões 
 indemnizatórias, no entanto, não aceitamos que este seja o escopo principal e 
 fundamental de tal preceito, considerando antes que a protecção da família é um 
 valor que ali manifestamente se sobrepõe ao referido objectivo delimitativo e ao 
 legislador ordinário;
 
 15 – Neste sentido, deve o intérprete, em conformidade com a Constituição e com 
 a evolução legislativa actual, fazer uma interpretação actualista do preceito em 
 análise e incluir na mesma classe que o cônjuge não separado de pessoas e bens, 
 o unido de facto sobrevivo;
 
 16 – O art. 496.º, n.º 2, do Cód. Civil deve, portanto, ser objecto de uma 
 interpretação extensiva pelo argumento a pari, por paridade de razão. Ou seja, a 
 interpretação extensiva assume normalmente a forma de extensão teleológica, 
 i.e., a própria ratio do preceito postula a obrigação de aplicação a casos que 
 não são directamente abrangidos pela letra da lei, mas são‑no pela finalidade 
 da mesma. O argumento por paridade de razão postula que se a lei explicitamente 
 contempla certas situações, às quais atribui um certo regime, há-de forçosamente 
 pretender abranger outras situações cuja justificação de aplicação seja 
 exactamente a mesma;
 
 17 – Ora, se a lei contempla os ascendentes, os irmãos, os sobrinhos, bem como 
 outros parentes de grau mais afastado, é imperativo que contemple também o unido 
 de facto, na medida em que entre este e a vítima existe uma comunhão plena de 
 vida em condições análogas às dos cônjuges, cuja protecção enquanto entidade 
 familiar se coloca num plano superior das restantes relações de parentesco supra 
 enunciadas. O próprio preceito assim o reconhece ao garantir o direito 
 indemnizatório em primeiro lugar ao cônjuge sobrevivo e descendentes;
 
 18 – Actualmente a lei consagra expressamente ao unido de facto sobrevivo, entre 
 os demais discriminados no saliente id. acórdão n.° 275/02 e previstos 
 designadamente nas Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, e n.° 7/2001, de 11 de Maio, 
 direito a:
 
 -     Exigir alimentos da herança do falecido desde que verificadas as 
 circunstâncias previstas na lei;
 
 -     Transmissão do arrendamento da casa de habitação onde residiam em 
 condições análogas às dos cônjuges;
 
 -     Protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do 
 regime geral da segurança social e da lei;
 
 -     Prestação por morte resultante de acidente de trabalho ou doença 
 profissional, nos termos da lei.
 
 -     Pensão de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes 
 prestados ao País, nos termos da lei;
 
 19 – Inexistindo qualquer razão para que o unido de facto sobrevivo não tenha 
 também direito à indemnização prevista no art. 496.°, n.º 2, do Cód. Civil;
 
 20 – Iguais são as razões que levaram o legislador a criar o comando inscrito na 
 al. e) do n.° 1 do art. 85.° do RAU- aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de 
 Outubro – argumento de igualdade de razão.
 
 21 – Assim, enquanto nada for legislado quanto à norma objecto do presente 
 recurso, deve esse mui douto Tribunal Constitucional, mais uma vez, julgar 
 inconstitucional, por violação, não só do art. 36.° da Constituição mas, também 
 por violação do princípio da igualdade garantido no art. 13.° da Lei Fundamental 
 
 (proibição de diferenciações ou discriminações), a norma do n.° 2 do artigo 
 
 496.° do Código Civil, na parte em que não admite que a pessoa que vive em união 
 de facto com uma vítima de acidente de viação de que resulte a morte dessa 
 vítima, tem direito a receber uma indemnização por danos não patrimoniais;
 Termos em que e sempre com o douto suprimento de V. Exas. no mais de Direito 
 deve conceder-se provimento ao recurso e determinar‑se a reforma da decisão 
 recorrida em conformidade com o juízo de constitucionalidade e com as legais 
 consequências.
 Assim confiadamente se espera ver julgado, porque assim se mostra ser de
 Lei, Direito e Justiça.»
 A recorrida contra‑alegou, concluindo o seguinte:
 
 «(…)
 a)        Está adquirida na doutrina e na jurisprudência desse Alto Tribunal que 
 o noção do princípio de igualdade, apesar do imperativo de tratamento idêntico 
 de situações idênticas, postula o tratamento diferenciado de situações 
 substancialmente distintas;
 b)        Tem também o douto Tribunal Constitucional decidido, em conformidade 
 com este conteúdo de princípio de igualdade, que o casamento e a união de facto 
 são situações jurídicas distintas, de cuja existência decorrem consequências 
 jurídicas diversas e que esta diversidade não colide com o princípio da 
 igualdade constitucionalmente consagrado;
 c)         Essa distinção de situações jurídicas não só permite como postula, 
 atento o princípio da igualdade, diferenças no tratamento legislativo;
 d)        Ou seja, o legislador ao determinar diferenças de regime entre o 
 estado de casado e o estado de união de facto agiu em conformidade com os 
 imperativos constitucionais, no quadro dos quais definiu opções concretas de 
 conformação normativa:
 e)         Assim, a opção legislativa constante do n.º 2 do artigo 496.º do 
 Código Civil de não reconhecer também ao unido de facto o direito de 
 indemnização por danos não patrimoniais não merece, no que à compatibilidade com 
 o princípio da igualdade respeita, qualquer censura;
 f)          Também o n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil não viola o principio 
 da igualdade;
 g)        Efectivamente, as relações especiais que o legislador elegeu como 
 relevantes no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil são, apenas, o “vínculo 
 conjugal” e o “parentesco” até ao 4.º grau da linha colateral;
 h)        O que significa que esse mesmo legislador no âmbito da sua liberdade 
 de coordenação normativa optou por reconhecer o direito de indemnização sub 
 judice à por vezes designado por família-estirpe ou família-linhagem e ao 
 cônjuge;
 i)           Compreende-se a opção pela família-estirpe porquanto a morte de 
 alguém é, antes do mais, um fenómeno que se repercute na esfera familiar 
 afectando a comunhão de vida que caracteriza este tipo de família;
 j)          Justifica-se a opção pelo cônjuge porquanto, através do complexo de 
 direitos e deveres que derivam do casamento, a vida pessoal e patrimonial dos 
 cônjuges fica radicalmente integrada na plena comunhão de vida a que se refere o 
 artigo 1577.º do Código Civil;
 k)        Ora, ao invés do casamento, a união de facto não gera juridicamente, 
 qualquer comunhão de vida nem, juridicamente, determinados efeitos relevantes, 
 como, por exemplo, o fenómeno sucessório, são desencadeados;
 l)            A tese “ex adverso” sustentada só poderia ser relevante se o 
 legislador tivesse erigido o sofrimento como critério fundamental para o 
 reconhecimento do direito a indemnização, o que não é, manifestamente, o caso;
 m)     Em resumo, portanto, a opção do legislador, constante do n.º 2 do artigo 
 
 496.º do Código Civil, não colide com a consagração constitucional de família 
 fundada no casamento, ou seja, não viola o princípio da igualdade, nem contende 
 com o artigo 36.º do C.R.P;
 n)        Por outro lado, o princípio da autonomia de vontade é um dos 
 princípios estruturantes de ordenamento jurídico português e está inscrito na 
 concepção de pessoa humana reconhecida e consagrada no art. 2.º do C.R.P. 
 
 (dignidade da pessoa humana) e no artigo 26.º do C.R.P. (especificamente o 
 preceito da capacidade civil), tendo, portanto, dignidade e protecção 
 constitucional;
 o)        Assim, o casamento é uma manifestação de vontade dos sujeitos de 
 direito e a união de facto é uma outra forma dessa manifestação de vontade, só 
 que, nele, os sujeitos recusam a produção de efeitos jurídicos decorrentes da 
 celebração do contrato de casamento;
 p)        Passando ao caso dos autos, essa opção voluntariamente tomada pelo 
 Recorrente e pela sua falecida Companheira deve ser reflectida na decisão 
 jurisdicional;
 q)        Em resumo, o legislador ordinário goza da liberdade na conformação 
 normativa, liberdade da qual, sempre que constituída nos limites legalmente 
 impostos, o Tribunal Constitucional não sindica;
 r)         Sendo esse o caso dos autos, deve, portanto, negar-se provimento ao 
 recurso e confirmar-se a constitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 496.º 
 do Código Civil por não violação dos princípios da Constituição da Republica 
 Portuguesa, como é de 
 
                                                                                  
 
                                     JUSTIÇA.»
 Após mudança de relator, por vencimento, cumpre decidir.
 II. Fundamentos
 
 4.O presente recurso foi interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, visando, nos termos do respectivo 
 requerimento, a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 496.º, n.º 
 
 2, do Código Civil, interpretada “no sentido em que não admite que a pessoa que 
 vive em união de facto com uma vítima de acidente de viação, do qual resulte a 
 morte dessa vítima, tem o direito a receber uma indemnização por danos não 
 patrimoniais”.
 Ora, a inconstitucionalidade desta norma foi suscitada pelo recorrente nas 
 alegações do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que deu origem ao 
 Acórdão recorrido, de 24 de Maio de 2005, no qual se fez aplicação dessa mesma 
 norma, como ratio decidendi. Estão, pois, verificados os requisitos 
 indispensáveis para se poder tomar conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da 
 Lei do Tribunal Constitucional.
 Já o mesmo não pode dizer-se, porém, do recurso interposto ao abrigo da alínea 
 g) do mesmo preceito, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal 
 Constitucional de decisões dos tribunais que “apliquem norma já anteriormente 
 julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional”, 
 exigindo, pois, identidade entre a norma impugnada e a norma anteriormente 
 julgada inconstitucional ou ilegal. 
 
 É certo que o Tribunal Constitucional já tratou, em várias decisões, da 
 constitucionalidade da distinção de regime jurídico, em vários aspectos, entre 
 as posições do cônjuge e de quem vive com outrem numa situação de união de facto 
 
 – v. as decisões cits. no Acórdão n.º 275/2002, de 19 de Junho (Diário da 
 República [DR], II Série, n.º 169, de 24 de Julho de 2002, p. 12896, e Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional [ATC], vol. 53.º, p. 479), e, posteriormente, em 
 matéria de requisitos para atribuição de pensão de sobrevivência, os Acórdãos 
 n.ºs 195/2003, 88/2004, 233/2005 e 159/2005, este último confirmado em recurso 
 para o Plenário do Tribunal Constitucional pelo Acórdão n.º 614/2005 (publicados 
 respectivamente em ATC, respectivamente vol. 55.º, p. 897, e vol. 58.º, p. 423, 
 DR, II série, n.º 149, de 4 de Agosto de 2005, p. 11132, ATC, vol. 61.º, p. 535, 
 e DR,  n.º 249, de 29 de Dezembro de 2005, p. 18116, e todos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). E o Tribunal Constitucional teve já mesmo 
 ocasião de apreciar uma dimensão normativa em que estava em causa a distinção 
 entre o cônjuge e o convivente em união de facto para o efeito previsto no 
 artigo 496.º, n.º 2, isto é, para o reconhecimento de uma “indemnização” de 
 danos não patrimoniais por morte da vítima.
 No entanto, o Tribunal Constitucional não procedeu nunca à apreciação da 
 constitucionalidade da mesma dimensão normativa impugnada no presente recurso de 
 constitucionalidade.
 O recorrente invoca nesse sentido o Acórdão n.º 275/2002, de 19 de Junho. 
 Todavia, neste não esteve então em causa dimensão normativa idêntica à agora 
 impugnada no presente recurso, antes o que o Tribunal Constitucional decidiu foi 
 julgar inconstitucional a “norma do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, na 
 parte em que, em caso de morte da vítima de um crime doloso, exclui a atribuição 
 de um direito de ‘indemnização por danos não patrimoniais’ pessoalmente sofridos 
 pela pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e 
 duradoura, em condições análogas às dos cônjuges”.
 O objecto do presente recurso é diverso: não é questionada, como no caso do 
 Acórdão n.º 275/2002, a consequência, no plano da compensação por danos não 
 patrimoniais, da prática de um crime (de um homicídio), e de um crime doloso, 
 mas antes a consequência de um acidente de viação que se deveu a negligência do 
 lesante (v. a sentença de 1.ª instância, de 20 de Novembro de 2003, fls. 206 e 
 v. dos autos), cuja responsabilidade fora transferida para a companhia de 
 seguros demandada.
 Não tendo objecto a apreciação da mesma dimensão normativa, não poderá, pois, 
 tomar-se conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea g), mas apenas 
 do interposto nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 
 5.É óbvio que a referida diferença de objecto dos recursos de 
 constitucionalidade (o decidido pelo Acórdão n.º 275/2002 e o presente, 
 interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional) não é logo bastante para conduzir a qualquer solução sobre a 
 questão de constitucionalidade.
 Não só há que apurar se a norma impugnada no presente recurso é, ela própria, 
 conforme com as normas e princípios constitucionais, como se impõe averiguar se, 
 sob o ponto de vista da fundamentação expendida (e não do objecto do recurso), a 
 questão ora trazida ao Tribunal Constitucional é, ou não, substancialmente 
 idêntica à decidida, no Acórdão n.º 275/2002 – designadamente, se os fundamentos 
 desta decisão são transponíveis para os presentes autos. Apenas em caso de 
 resposta afirmativa a esta pergunta se pode remeter, para fundamentar um juízo 
 de inconstitucionalidade, para esse Acórdão n.º 275/2002.
 A análise dos fundamentos do citado Acórdão n.º 275/2002, para os confrontar com 
 o presente caso, impõe-se, aliás, tanto mais quanto este aresto é considerado na 
 decisão recorrida bem como já pela decisão do Tribunal da Relação de Coimbra 
 então recorrida, e é invocado pelo recorrente no sentido da solução de 
 inconstitucionalidade que defende. Esse Acórdão do Tribunal Constitucional foi, 
 aliás, objecto de discussão jurisprudencial (v., além das declarações de voto a 
 ele apostas e das decisões constantes dos presentes autos, os Acórdãos do 
 Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2005 e 11 de Julho de 2006, ambos 
 acessíveis em www.dgsi.pt) e doutrinal (v., em sentido crítico, Francisco 
 Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, Curso de direito da família, vol. I, 3.ª 
 ed., Coimbra, Coimbra Ed., 2003, pp. 134-136, e Nuno de Salter Cid, A comunhão 
 de vida à margem do casamento: entre o facto e o direito, Coimbra, Almedina, 
 
 2005, pp. 526-544, bem como, substancialmente, Américo Marcelino, Acidentes de 
 viação e responsabilidade civil, Lisboa, Petrony, 2005, pp. 446-454; em sentido 
 favorável, a anot. de M. J. Aguiar Pereira ao Acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça de 4 de Dezembro de 2003, in Maiajurídica – Revista de Direito, ano II, 
 n.º 2, Julho-Dezembro de 2004, pp. 127 e ss.; e, questionando a extensão da 
 solução a outros casos, António Abrantes Geraldes, Temas da responsabilidade 
 civil, II: indemnização dos danos reflexos, Coimbra, Almedina, 2005, p. 27). E 
 esta discussão incidiu, em parte, justamente, sobre as consequências 
 alegadamente justificadas (ou até impostas) pela fundamentação do juízo de 
 inconstitucionalidade então alcançado, no Acórdão n.º 275/2002 – assim, além de 
 M. J. Aguiar Pereira e A. A. Geraldes, locs. cits., F. Pereira Coelho/G. de 
 Oliveira, ob. cit., pp. 135 e s., e N. Salter Cid, ob. cit., pp. 534 (e n. 65), 
 
 544.
 Não é, porém, uma “reanálise” ou reapreciação dos fundamentos do Acórdão n.º 
 
 275/2002 que pode estar em causa no presente recurso, em que é, como se disse, 
 impugnada diversa dimensão normativa do artigo 496.º, n.º 2, apenas importando 
 recordar essa fundamentação na medida em que a referida decisão foi invocada 
 como precedente.
 
 6.Recorde-se, pois, a fundamentação expendida do Acórdão n.º 275/2002 para se 
 concluir pelo julgamento de inconstitucionalidade, “por violação do artigo 36.º, 
 n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade”, da 
 
 “norma do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, na parte em que, em caso de 
 morte da vítima de um crime doloso, exclui a atribuição de um direito de 
 
 ‘indemnização por danos não patrimoniais’ pessoalmente sofridos pela pessoa que 
 convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em 
 condições análogas às dos cônjuges”. Depois de se delimitar o objecto do recurso 
 e de, para enquadrar a questão de constitucionalidade, se referir a evolução do 
 regime jurídico da união de facto (com a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, e a 
 Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio) e a jurisprudência do Tribunal Constitucional 
 então existente sobre normas que previam uma diferenciação de tratamento entre 
 pessoas casadas e pessoas em situação de união de facto, disse-se:
 
 «(…)
 
 10. Numa certa perspectiva, segundo a qual a distinção entre pessoas casadas e 
 pessoas em situação de união de facto, para efeitos de atribuição de uma 
 compensação por danos não patrimoniais sofridos por morte da vítima, se afigura 
 destituída de fundamento razoável, constitucionalmente relevante, poder-se-ia 
 chegar, no presente recurso, logo a uma conclusão de inconstitucionalidade por 
 violação do princípio da igualdade.
 A aplicação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado tem sido 
 reconduzida à censura de distinções sem fundamento racional, justo ou objectivo 
 
 (veja-se, no direito privado, e a propósito do direito da família, Carlos 
 Alberto da Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 3ª ed., Coimbra, 1985, 
 págs. 78-80 e 148, nota 2). Como se disse no Acórdão n.º 14/2000 (DR, II série, 
 de 19 de Outubro de 2000):
 
 “A propósito do princípio da igualdade, teve já este Tribunal, por inúmeras 
 vezes, oportunidade de sobre o mesmo discretear, citando‑se, a título de exemplo 
 o Acórdão n.º 1007/96 (publicado no Diário da República, 2ª Série, de 12 de 
 Dezembro de 1996), onde, uma vez mais, se realçou que o princípio da igualdade 
 
 ‘obriga que se trate como igual o que for necessariamente igual e como diferente 
 o que for essencialmente diferente; não impede a diferenciação de tratamento, 
 mas apenas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade, ou seja, o que aquele 
 princípio proíbe são as distinções de tratamento que não tenham justificação e 
 fundamento material bastante. Prossegue-se assim uma igualdade material, que não 
 meramente formal’. E acrescentou-se nesse aresto que ‘[p]ara que haja violação 
 do princípio constitucional da igualdade, necessário se torna verificar, 
 preliminarmente, a existência de uma concreta e efectiva situação de 
 diferenciação injustificada ou discriminação’.
 Nas palavras de Maria da Glória Ferreira Pinto (in Boletim do Ministério da 
 Justiça, n.º 358, pág. 44), ‘[o] critério valorativo a que o princípio da 
 igualdade, enquanto princípio jurídico, apela, não deve ser, em consequência, um 
 critério de valores subjectivos, mas, pelo contrário, um critério retirado do 
 quadro de valores vigentes numa sociedade, interpretados objectivamente. É certo 
 que tais valores vivem no âmbito das alterações históricas e civilizacionais, só 
 sendo materialmente determináveis em presença de uma sociedade em concreto, mas 
 nem por isso deixa de ser um quadro de valores objectivo’.”
 E pode, ainda, recordar-se o que, recentemente, se escreveu a propósito no 
 Acórdão n.º 187/2001 (DR, II série, de 26 de Junho de 2001):
 
 «(...)
 
 É sabido que o princípio da igualdade, tal como tem sido entendido na 
 jurisprudência deste Tribunal, não proíbe ao legislador que faça distinções – 
 proíbe apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem 
 uma justificação razoável, segundo critérios objectivos e relevantes. É esta, 
 aliás, uma formulação repetida frequentemente por este Tribunal (cf., por 
 exemplo, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 39/88, 325/92, 210/93, 302/97, 12/99 e 
 
 683/99, publicados, nos ATC, respectivamente, vol. 11º, pp. 233 e ss.,vol. 23º, 
 pp. 369 e ss., vol. 24º, pp. 549 e ss., vol. 36º, pp. 793 e ss., e no Diário da 
 República, II Série, de 25 de Março de 1999 e de 3 de Fevereiro de 2000).
 Como princípio de proibição do arbítrio no estabelecimento da distinção, tolera, 
 pois, o princípio da igualdade a previsão de diferenciações no tratamento 
 jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, 
 idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento 
 razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante.
 Ao impor ao legislador que trate de forma igual o que é igual e desigualmente o 
 que é desigual, esse princípio supõe, assim, uma comparação de situações, a 
 realizar a partir de determinado ponto de vista. E, justamente, a perspectiva 
 pela qual se fundamenta essa desigualdade, e, consequentemente, a justificação 
 para o tratamento desigual, não podem ser arbitrárias. Antes tem de se poder 
 considerar tal justificação para a distinção como razoável, constitucionalmente 
 relevante.
 O princípio da igualdade apresenta-se, assim, como um limite à liberdade de 
 conformação do legislador. Como se salientou no Acórdão n.º 425/87 (ATC, vol. 
 
 10º, pp. 451 e ss.), 
 
 “O âmbito de protecção do princípio da igualdade abrange diversas dimensões: 
 proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer a diferenciação de tratamento 
 sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos 
 constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações 
 manifestamente desiguais; proibição de discriminação, não sendo legítimas 
 quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias 
 meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; obrigação de diferenciação, 
 como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a 
 eliminação pelos poderes públicos de desigualdades fácticas de natureza social, 
 económica e cultural (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, I vol., 2ª ed., Coimbra, 1984, pp. 149 e segs.).
 A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação 
 ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como 
 princípio negativo do controlo.
 Todavia, a vinculação jurídico-material do legislador a este princípio não 
 elimina a liberdade de conformação legislativa, pois lhe pertence, dentro dos 
 limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as 
 relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar 
 igual ou desigualmente.
 Só existe violação do princípio da igualdade enquanto proibição de arbítrio 
 quando os limites externos da discricionariedade legislativa são afrontados por 
 carência de adequado suporte material para a medida legislativa adoptada.
 Por outro lado, as medidas de diferenciação devem ser materialmente fundadas sob 
 o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da 
 solidariedade, não se baseando em qualquer razão constitucionalmente imprópria.”
 Mais recentemente, no Acórdão n.º 409/99 (DR, II série, de 10 de Março de 1999) 
 disse-se que:
 
 “O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República 
 Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e 
 que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o 
 princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade 
 legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. 
 Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções 
 discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas 
 ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da 
 igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de 
 proibição do arbítrio (cf., quanto ao princípio da igualdade, entre outros, os 
 Acórdãos nºs 186/90, 187/90, 188/90, 1186/96 e 353/98, publicados in ‘Diário da 
 República’, respectivamente, de 12 de Setembro de 1990, 12 de Fevereiro de 1997, 
 e o último, ainda inédito).”
 E no Acórdão n.º 245/2000 (DR, II série, de 3 de Novembro de 2000) salientou-se 
 que
 
 “(...) tem, de há muito, vindo a afirmar este Tribunal que é ‘sabido que o 
 princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionaridade 
 legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a 
 adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias – e assumem, 
 desde logo, este carácter as diferenciações de tratamentos fundadas em 
 categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, 
 no n.º 2 do artigo 13º da Lei Fundamental –, ou seja, desigualdades de 
 tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável 
 
 (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa 
 expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da 
 lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot)’ (cfr., 
 por entre muitos outros, o Acórdão nº 1186/96, publicado no Diário da República, 
 
 2ª Série, de 12 de Fevereiro de 1997), ou, dito ainda de outra forma, o 
 
 ‘princípio da igualdade (...) impõe se dê tratamento igual ao que for 
 essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for. Não proíbe 
 as distinções de tratamento, se materialmente fundadas; proíbe, isso sim, a 
 discriminação, as diferenciações arbitrárias ou irrazoáveis, carecidas de 
 fundamento racional’ (verbi gratia, Acórdão nº 1188/96, ob. cit., 2ª Série, de 
 
 13 de Fevereiro de 1997).”»
 Ora, admitir-se-á que, na perspectiva referida, se entenda que a diferenciação 
 entre o cônjuge e a pessoa que convivia com a vítima em união de facto estável e 
 duradoura, para o efeito de excluir a possibilidade de compensar os danos não 
 patrimoniais sofridos por esta última com a morte da vítima, é destituída de 
 fundamento razoável. 
 Na verdade, como destituída de fundamento razoável não há que considerar apenas 
 a diferenciação de tratamento que possa considerar-se verdadeiramente 
 arbitrária, mas também aquela que se baseie num critério que não possa ser 
 relevante, considerando o efeito jurídico visado.
 E, na referida perspectiva, aceitar-se-á que a existência de um vínculo 
 matrimonial, por contraposição à convivência em união estável e duradoura, não 
 constitui só por si um fundamento razoável para excluir a compensação do 
 sofrimento e da dor sofridos com a morte pela(o) companheira(o) da vítima de um 
 homicídio doloso.
 Designadamente, o fundamento apontado em geral para a previsão de um conjunto de 
 pessoas cujos danos não patrimoniais, resultantes da morte da vítima, são 
 susceptíveis de ser levados em conta, consistente em evitar a multiplicação das 
 pretensões indemnizatórias em consequência desta lesão (razão pela qual as 
 
 “excelências da equidade” teriam de ser “sacrificadas às incontestáveis 
 vantagens do direito estrito” – Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil 
 anotado, vol. I, 4ª ed., com a colab. de Henrique Mesquita, pág. 501), não é 
 aplicável à dimensão normativa em causa, em que está em causa a compensação da 
 dor e do sofrimento da pessoa que convivia em união estável e duradoura, em 
 condições análogas às dos cônjuges, da qual existiam até dois filhos menores, 
 com a vítima de um homicídio doloso.
 
 É certo que a morte de uma pessoa é um evento que é susceptível de causar danos 
 não patrimoniais a um círculo alargado de pessoas. E pode também concordar-se 
 com a conveniência em evitar que o lesante por mera culpa se veja assoberbado 
 por pretensões indemnizatórias deduzidas por um número ilimitado de pessoas. Por 
 estas razões, compreende-se que no n.º 2 do artigo 496º o legislador se tenha 
 preocupado em enumerar o círculo de pessoas cujos danos não patrimoniais, 
 causados pela morte da vítima, são atendíveis, e que se tenha mesmo preocupado 
 em dividir tais pessoas em três grupos (primeiro, o cônjuge não separado 
 judicialmente de pessoas e bens e os filhos ou outros descendentes; “na falta 
 destes”, os pais ou outros ascendentes; e, “por último”, os irmãos ou sobrinhos 
 que os representem). Isto, aliás, diversamente do que acontecia no anteprojecto 
 do articulado relativo ao direito das obrigações, para o Código Civil de 1966, o 
 qual previa, no seu artigo 759º, n.º 3, que no caso de morte de uma pessoa, 
 
 “quando as circunstâncias o impuserem, pode reconhecer-se direito de satisfação 
 a outros parentes, a afins ou estranhos à família, desde que tais pessoas 
 estivessem ligadas à vítima de maneira a constituírem de facto família dela” – 
 Adriano Vaz Serra, Direito das obrigações (com excepção dos contratos em 
 especial) – Anteprojecto, Lisboa, 1960, artigo 759.º, n.º 3, pág. 624.
 Na dimensão normativa em causa, porém, não só o beneficiário da indemnização se 
 encontra perfeitamente delimitado, e é apenas um (pretendendo ser colocado no 
 mesmo plano do cônjuge, e, portanto, no primeiro grupo dos titulares de 
 indemnização), como – conforme bem nota o Ministério Público – não merece 
 certamente tutela o eventual interesse do homicida doloso em se eximir à 
 compensação de todos os danos que provocou com o homicídio.
 Por outro lado, sob a perspectiva do fundamento para o reconhecimento da 
 compensação – que reside, obviamente, na verificação da dor e do sofrimento por 
 causa do falecimento da vítima, e na justeza de uma compensação por tais danos 
 
 –, não se vê como possa relevar a existência de um vínculo matrimonial, em lugar 
 apenas de uma convivência em união estável e duradoura com outra pessoa, em 
 condições análogas às dos cônjuges, para excluir completamente a atendibilidade 
 dos padecimentos sofridos por esta. Estes não são, na verdade, nem qualitativa 
 nem quantitativamente menos merecedores da tutela do direito por não existir um 
 vínculo matrimonial.
 Não se divisando, pois, fundamento razoável na exclusão da ressarcibilidade dos 
 danos não patrimoniais sofridos por quem vivia em união de facto com a vítima, 
 chegar-se-ia, por esta via, a uma conclusão de inconstitucionalidade, por 
 violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição.
 
 11. Entende-se, porém, que, mesmo a não se perfilhar tal entendimento do 
 princípio da igualdade, não se é por isso necessariamente conduzido a uma 
 solução de compatibilidade com a Constituição da solução normativa em apreciação 
 no presente recurso de constitucionalidade. 
 Segundo uma outra perspectiva, não se pode excluir a liberdade do legislador de 
 prever um regime jurídico específico para os cônjuges, visando, por exemplo, a 
 prossecução de objectivos políticos de incentivo ao matrimónio. Considerando 
 desde logo a existência de especiais deveres entre os cônjuges, dir-se-ia, como 
 se afirmou no citado Acórdão n.º 14/2000, que “(...) de harmonia com o nosso 
 ordenamento (ainda suportado constitucionalmente), o regime das pessoas unidas 
 pelo matrimónio confrontadamente com a união de facto não permite sustentar que 
 nos postamos perante situações idênticas à partida e, consequentemente, que 
 requeiram tratamento igual”. E, portanto, não se divisaria na norma em apreço 
 violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Lei Fundamental.
 Ainda quem adopta tal perspectiva, há-de, porém, necessariamente interrogar-se 
 sobre a existência de uma justificação atendível para a solução de excluir de 
 plano e em abstracto todos e quaisquer danos não patrimoniais sofridos 
 pessoalmente por quem convivia com a vítima de um homicídio doloso em condições 
 análogas às dos cônjuges.
 Na verdade, como este Tribunal já afirmou, o legislador constitucional dispensa 
 no artigo 36º, n.º 1, protecção à família, enquanto “elemento fundamental da 
 sociedade”, distinguindo-a, no n.º 1 e no n.º 2 desse artigo, do casamento. E, 
 portanto, dispensa protecção a uma realidade social que se não funda 
 necessariamente no matrimónio – uma família não fundada no casamento. Tal 
 
 “distinção constitucional entre família, por um lado, e matrimónio por outro”, 
 que “parece espelhar um entendimento e reconhecimento da família como uma 
 realidade mais ampla do que aquela que resulta do casamento, que pode ser 
 denominada de família conjugal”, foi referida por este Tribunal, recentemente, 
 no Acórdão n.º 690/98 (ATC, vol. 41º, págs. 579 e segs.); na doutrina 
 civilística, veja-se C. Mota Pinto, ob. cit., pág. 149.
 No artigo 36º, n.º 1, a Constituição da República consagra, na verdade, o 
 
 “direito de constituir família e de contrair casamento”, distinguindo as duas 
 realidades – e regista-se, a propósito, que também a recente Carta dos Direitos 
 Fundamentais da União Europeia (a qual, apesar de não ter eficácia jurídica 
 obrigatória, pode aqui ser convocada por exprimir princípios comuns aos 
 ordenamentos europeus) consagra diferenciadamente, no seu artigo 9º, o “direito 
 de contrair casamento e o direito de constituir família”, podendo ler-se, nas 
 anotações explicativas pela mesa da Convenção que elaborou a Carta, que a 
 redacção deste artigo, fundada no artigo 12º da Convenção Europeia dos Direitos 
 do Homem, “foi modernizada de modo a abranger os casos em que as legislações 
 nacionais reconhecem outras formas de constituir família além do casamento”.
 A Constituição da República Portuguesa, depois de reconhecer o direito a 
 constituir família, que se não funda necessariamente no casamento, reconhece no 
 artigo 67º, n.º 1, à “família, como elemento fundamental da sociedade”, o 
 
 “direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as 
 condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.”
 Ainda que se entenda que daquela distinção e desta norma não resulta uma 
 imposição para o legislador de reconhecer e proteger, em geral, a união de facto 
 estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges, e a família nela 
 fundada, em termos idênticos aos da família baseada no casamento, há-de 
 certamente extrair-se daí, pelo menos, o dever de não desproteger, sem uma 
 justificação razoável, a família que se não fundar no casamento – isto, pelo 
 menos quanto àqueles pontos do regime jurídico que directamente contendam com a 
 protecção dos seus membros e que não sejam aceitáveis como instrumento de 
 eventuais políticas de incentivo à família que se funda no casamento.
 
 12. Ora, é justamente tal justificação que não se divisa para a dimensão 
 normativa em análise, permitindo tal falta distinguir também a situação presente 
 de outras, já apreciadas por este Tribunal.
 Na verdade, já se disse que não procede, em relação à compensação dos 
 sofrimentos e da dor sofrida por quem convivia com a vítima de um homicídio 
 doloso em condições análogas às dos cônjuges, nem a justificação consistente na 
 necessidade de limitar as pretensões indemnizatórias, nem a que valoriza a 
 necessidade de uma solução certa, já que a expectativa do lesante de se não ver 
 confrontado com um número não definido de pretensões indemnizatórias não merece 
 protecção e que o titular do direito à compensação se encontra perfeitamente 
 determinado. E já se disse também que, para o fundamento do reconhecimento da 
 compensação por danos não patrimoniais – a verificação da dor e do sofrimento 
 por causa do falecimento da vítima, e a justeza de uma compensação por tais 
 danos –, a existência de um vínculo matrimonial, em lugar apenas de uma 
 convivência em união estável e duradoura com outra pessoa, em condições análogas 
 
 às dos cônjuges, é irrelevante.
 Acresce, com relevo para a determinação dos limites da discricionariedade 
 legislativa, que a solução normativa em apreço se reporta a um problema que se 
 afigura como inadequado para a prossecução de eventuais objectivos políticos de 
 protecção ou incentivo ao casamento. Basta, para o concluir, considerar que não 
 está em causa a concessão de um benefício em relação ao qual se verifique a 
 previsibilidade necessária para se poder descortinar qualquer efeito de 
 incentivo (ao contrário do que, em certa perspectiva, poderia ser o caso de 
 outras medidas, como, por exemplo, a concessão de uma preferência para as 
 pessoas casadas, por exemplo, na colocação como funcionário).
 Na norma em questão trata-se, antes, de compensar um dano – e um dano 
 normalmente de grande gravidade, consistente em sofrimentos e dores, cuja 
 compensação “merece a tutela do direito”, sendo “indemnizável” nos termos do 
 regime geral do artigo 496º, n.º 1, do Código Civil. E trata-se de um dano que 
 resulta de um evento que é evidentemente imprevisível (um homicídio doloso).
 Pelo que, mesmo dispensando outras considerações, não se afiguraria adequada e 
 aceitável, à luz do reconhecimento constitucional de protecção também da família 
 não fundada no casamento – e do próprio valor da dignidade humana –, a 
 utilização do regime da “indemnização” pela dor e pelo sofrimento resultantes da 
 morte para as pessoas que conviviam com a vítima em condições análogas às dos 
 cônjuges, como instrumento para a prossecução de eventuais objectivos políticos 
 de incentivo à família fundada no casamento.
 Nesta linha, cumpre anotar, por último, que, se já se não encontra justificação 
 atendível para a desprotecção da família não fundada no casamento, que 
 resultaria da proibição de consideração dos danos não patrimoniais sofridos pela 
 pessoa que convivia em união estável e duradoura, em condições análogas às dos 
 cônjuges, com a vítima de um homicídio doloso, menos ainda será divisável tal 
 justificação no actual normativo, considerando o regime de protecção da união de 
 facto actualmente em vigor, previsto na Lei n.º 7/2001. Na verdade, não se 
 encontra justificação para se reconhecer a tais pessoas variados direitos (cfr. 
 o artigo 3º do citado diploma), que podem ter como destinatários também 
 particulares, mas limitar aos cônjuges a protecção que, em caso de morte, 
 resulta da compensabilidade dos danos não patrimoniais pessoalmente sofridos – 
 que se refere a danos de grande gravidade e pessoais, que por natureza revestem 
 sempre uma dimensão individual e de incomensurabilidade.
 Também nesta perspectiva – próxima da que, nas suas contra-alegações, adopta o 
 Ex.mº representante do Ministério Público neste Tribunal – se chegará, pois, a 
 uma solução de inconstitucionalidade, por violação do artigo 36º, n.º 1, da 
 Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade, da norma do n.º 2 
 do artigo 496º do Código Civil por, em caso de morte da vítima de um crime 
 doloso, excluir o direito de “indemnização por danos não patrimoniais” sofridos 
 pela pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e 
 duradoura, em condições análogas às dos cônjuges.»
 Como resulta da fundamentação transcrita, no Acórdão n.º 275/2002 não se 
 considerou inconstitucional a norma do artigo 496.º, n.º 2, na interpretação 
 então questionada, por violação do princípio da igualdade, mas antes, e apenas, 
 
 “por violação do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio 
 da proporcionalidade” (fundamentos distintos, mas não incompatíveis, para o 
 juízo de inconstitucionalidade a que se chegou). Esta distinção de fundamentos 
 resulta claramente, além da fórmula decisória adoptada, do confronto com este 
 segundo parâmetro (n.ºs 11 e seg. do aresto), exposto “mesmo a não se perfilhar 
 tal entendimento do princípio da igualdade”, segundo “uma outra perspectiva”, 
 que não exclui “a liberdade do legislador de prever um regime jurídico 
 específico para os cônjuges, visando, por exemplo, a prossecução de objectivos 
 políticos de incentivo ao matrimónio”, considerando “desde logo a existência de 
 especiais deveres entre os cônjuges”, para se dizer “como se afirmou no citado 
 Acórdão n.º 14/2000, que ‘(...) de harmonia com o nosso ordenamento (ainda 
 suportado constitucionalmente), o regime das pessoas unidas pelo matrimónio 
 confrontadamente com a união de facto não permite sustentar que nos postamos 
 perante situações idênticas à partida e, consequentemente, que requeiram 
 tratamento igual’”.
 A ratio decidendi do juízo de inconstitucionalidade do Acórdão n.º 275/2002 
 acha‑se, pois, ainda para “quem adopta tal perspectiva” segundo a qual “não se 
 divisaria na norma em apreço violação do princípio da igualdade consagrado no 
 artigo 13º da Lei Fundamental”, apenas na “violação do artigo 36.º, n.º 1, da 
 Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade”.
 
 7.Afigura-se, porém, essencial recordar a forma como se concretizou o confronto 
 com o princípio da proporcionalidade. Com efeito, depois de se observar que o 
 legislador constitucional não quis reduzir a noção de família à união conjugal 
 baseada no casamento, e que impõe a protecção da “família, como elemento 
 fundamental da sociedade”, com “um dever de não desproteger, sem uma 
 justificação razoável, a família que se não fundar no casamento”, a apreciação 
 da conformidade com o princípio da proporcionalidade não se centrou em qualquer 
 
 “desproporção” das consequências do regime jurídico (que, efectivamente, podem 
 ser tão ou mais gravosas, por exemplo, no não reconhecimento da qualidade de 
 sucessível na sucessão legitimária). O iter seguido para o confronto com o 
 princípio da proporcionalidade, passou, antes, pela averiguação daquela 
 
 “justificação razoável” especificamente para a solução normativa em questão, 
 atentando, precisamente, na relação entre a justificação que para ela é 
 adiantada e os dados do caso em que a dimensão normativa impugnada fora aplicada 
 
 (e recorde-se que se tratou de decisão proferida em fiscalização concreta e 
 incidental da constitucionalidade).
 No contexto dessa averiguação da conformidade com o princípio da 
 proporcionalidade, enquanto princípio geral atinente à relação entre meios e 
 fins da actuação do poder público (conjugada com a protecção constitucional 
 também da “família não fundada no casamento”), logo se pôde verificar a total 
 desadequação da dimensão normativa então em apreçiação às justificações ou 
 finalidades para ela adiantadas. Salientou-se, assim, que, para a “compensação 
 dos sofrimentos e da dor sofrida por quem convivia com a vítima de um homicídio 
 doloso em condições análogas às dos cônjuges”, não podia proceder, nem a 
 justificação da solução do artigo 496.º, n.º 2, “consistente na necessidade de 
 limitar as pretensões indemnizatórias, nem a que valoriza a necessidade de uma 
 solução certa, já que a expectativa do lesante de se não ver confrontado com um 
 número não definido de pretensões indemnizatórias não merece protecção e que o 
 titular do direito à compensação se encontra perfeitamente determinado” 
 
 (itálicos aditados – e cf. também já antes, a propósito do princípio da 
 igualdade, no n.º 10 da fundamentação do Acórdão n.º 275/2002). E ainda se 
 verificou, “com relevo para a determinação dos limites da discricionariedade 
 legislativa”, que a solução normativa em apreço se reporta a um problema que se 
 afigura como “inadequado para a prossecução de eventuais objectivos políticos de 
 protecção ou incentivo ao casamento”, não só por estar em causa compensar um 
 dano, normalmente de grande gravidade, como por este resultar de “um evento que 
 
 é evidentemente imprevisível (um homicídio doloso)”.
 Só estes passos permitiram concluir pela existência de “violação do artigo 36.º, 
 n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio da proporcionalidade” no caso 
 decidido pelo Acórdão n.º 275/2002, como resulta logo da leitura da sua 
 fundamentação.
 E note-se, ainda, que as considerações expendidas na fundamentação do Acórdão 
 n.º 275/2002, relevantes, nos termos expostos, à luz do princípio da 
 proporcionalidade não dependeram de qualquer tomada de posição na discussão 
 sobre a verdadeira natureza ou função da “indemnizaçao”, “compensação” ou 
 
 “satisfação” (“Genugtuung”) por danos não patrimoniais (nos termos do artigo 
 
 496.º, n.º 1, apenas dos que “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”), 
 isto é, numa discussão em que, como é sabido, tem também sido defendida, entre 
 outras posições, a da atribuição de uma função sancionatória ou punitiva, ou 
 pelo menos de uma dupla função, compensatória e punitiva, a tal “satisfação” – 
 dando nota desta posição, v. António Pinto Monteiro, “Sobre a reparação dos 
 danos morais”, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, ano 1.º, 1, 1992, pp. 
 
 17-25 (20 e s.); Júlio Gomes, “Uma função punitiva para a responsabilidade civil 
 e uma função reparatória para a responsabilidade penal?”, Revista de Direito e 
 Economia, Coimbra, ano 15, 1989, pp. 105-144 (116 e ss.); recentemente, v. Paula 
 Meira Lourenço, A função punitiva da responsabilidade civil, Coimbra, Coimbra 
 Ed., 2006, pp. 278 e ss., e Mafalda Miranda Barbosa, “Reflexões em torno da 
 responsabilidade civil: teleologia e teleonomologia em debate”, Boletim da 
 Faculdade de Direito, Coimbra, vol. , 2005, pp. 511-600 (565 e ss., contra o 
 reconhecimento de uma função punitiva).
 
 8.A decisão proferida no Acórdão n.º 275/2002 foi objecto de análise sobretudo 
 no plano da comparação entre a posição do cônjuge e de quem vive em “união de 
 facto” com outrem, à luz das normas e princípios constitucionais sobre a família 
 e o casamento. É certo que, como se disse, se aceitou então a relevância, para a 
 noção constitucional de família, também da “família não fundada no casamento”, 
 rejeitando a redução da família à que assenta no matrimónio (contra tal redução 
 
 à família “matrimonializada”, v. também J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa anotada, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Ed., 
 
 2006, art. 36.º, anot. II, p. 561), e que se afirmou “um dever de não 
 desproteger, sem uma justificação razoável”.
 Nos presentes autos, pode reiterar-se este entendimento, que só por si está, 
 porém, longe de implicar qualquer equiparação geral do regime da família fundada 
 no casamento e da família não assente no matrimónio (v. também J. J. Gomes 
 Canotilho/Vital Moreira, ob. e loc. cits.). Antes tem mesmo sido defendido entre 
 nós que uma tal equiparação geral esbarraria também com obstáculos 
 jurídico‑constitucionais (v. F. Pereira Coelho/G. de Oliveira, Curso…, cit., p. 
 
 106, F. Pereira Coelho, “Casamento e divórcio no ensino de Manuel de Andrade”, 
 in Ciclo de conferências em homenagem póstuma ao Prof. Manuel de Andrade, 
 Coimbra, Almedina, 2002, pp. 55-72, 67 e s., falando de violação do direito de 
 não casar; e N. Salter Cid, ob. cit., pp. 540 e s.), ou que seria contrariada 
 pela própria ideia de igualdade perante a lei (António Arnaut, Ética e Direito, 
 Coimbra, Livraria Mateus, 1999, p. 26).
 
 9.Mais do que uma comparação “transversal” entre a posição do cônjuge e de quem 
 vive em “união de facto” com outrem, a “revisitação” efectuada à decisão do 
 Tribunal Constitucional que o recorrente invoca impõe, porém, que se recorde e 
 aprofunde a referência, contida já no Acórdão n.º 275/2002, especificamente à 
 ratio da delimitação, pelo n.º 2 do artigo 496.º dos titulares de um direito a 
 uma “indemnização” (compensação ou “satisfação”) por danos não patrimoniais por 
 morte da vítima, e em particular no que toca ao problema da exclusão daqueles 
 que de facto, tendo em conta as circunstâncias do caso, eram mais próximos 
 desta.
 O problema é – contrariamente ao que se poderia pensar – bastante anterior ao 
 reconhecimento legislativo de efeitos jurídicos da “união de facto”, entre nós e 
 lá fora. Adriano Vaz Serra tratou-o assim já em 1959, nos trabalhos 
 preparatórios do Código Civil (“Reparação do dano não patrimonial”, Boletim do 
 Ministério da Justiça, n.º 83, pp. 69-111, esp. 96-98), depois de perguntar a 
 quem deve ser reconhecido o direito à compensação em causa (e baseando-se em 
 doutrina alemã e suíça da primeira metade do século XX):
 
 «Não parece que deva ser reconhecido aos herdeiros como tais, os quais podem ser 
 estranhos à família, caso em que não terão, em regra, dor moral suficiente para 
 justificar uma compensação.
 Tal direito deve ser reservado para os familiares da vítima, que são as pessoas 
 nas quais é de presumir a existência de sentimentos de afeição bastante fortes. 
 Mas, por um lado, esses sentimentos podem ser ainda mais fortes da parte de 
 pessoas estranhas à família juridicamente entendida; e, por outro lado, o facto 
 de ser membro da família não implica necessariamente a existência de uma afeição 
 suficiente.
 Pareceria assim, que por família, para este efeito, deveriam entender-se aquelas 
 pessoas que, segundo as circunstâncias materiais do caso concreto, desempenham 
 de facto as funções de família [citando, neste sentido, A. von Tuhr]. Essas 
 pessoas seriam as que, pelas especiais relações com a vítima, é de presumir 
 sofrerem mais, na sua afeição, com a morte dela. O critério não seria, pois, 
 jurídico, mas de facto.
 No entanto, poderia também entender-se que só às pessoas ligadas juridicamente 
 por laços de família (Cônjuge, parentes e afins) deveria reconhecer-se o direito 
 
 à satisfação de danos não patrimoniais. As outras não tinham o direito de contar 
 com a continuação da situação de facto em que se encontravam com o falecido e 
 não poderiam, portanto, alegar danos, patrimoniais ou não, resultantes da morte 
 dele.
 Assim, a concubina ou a noiva não poderiam reclamar a referida satisfação, nem o 
 poderiam fazer outras pessoas colocadas de facto na situação de familiares.
 Dadas as razões que podem ser invocadas num sentido e no outro, talvez seja 
 preferível usar uma fórmula que permita à jurisprudência decidir como lhe 
 parecer melhor, ou, reconhecendo, em princípio, o direito de satisfação aos 
 parentes, permitir que se atribua tal direito a pessoas estranhas à família mas 
 ligadas à vítima de modo a constituírem de facto família dela.
 
 (…)
 Se não se limitasse assim o direito à satisfação do dano não patrimonial, 
 poderia ele ser invocado por vezes por um número considerável de pessoas, com o 
 resultado de o responsável ter que pagar quantia avultadíssima ou com o de a 
 cada um dos prejudicados se dar uma importância tão diminuta que seria 
 praticamente nula.»
 Vaz Serra referia ainda, em nota, que, “quanto à concubina”, poderia intervir, 
 para excluir o direito à compensação, a consideração da “atitude tomada a 
 respeito da união livre” (p. 98, n. 58, e pp. 91-92). Mas concluía propondo 
 
 (também como alternativa) que no caso de morte de uma pessoa, quando as 
 circunstâncias de facto o impusessem, poderia “reconhecer-se direito de 
 satisfação a outros parentes, a afins ou estranhos à família, desde que tais 
 pessoas estivessem ligadas à vítima de maneira a constituírem de facto família 
 dela” – ob. cit., p. 107, e Adriano Vaz Serra, Direito das obrigações (com 
 excepção dos contratos em especial) – Anteprojecto, Lisboa, 1960, artigo 759º, 
 n.º 3, p. 624 (itálico aditado).
 O projecto de Código Civil (artigo 498.º, n.º 2) veio, porém, a fixar-se na 
 alternativa de reconhecimento da “indemnização por danos não patrimoniais” por 
 morte “em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e 
 aos filhos ou outros descendentes, na falta destes, aos pais ou outros 
 ascendentes, e, por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem”, numa 
 solução em que (segundo Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, 
 vol. I, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Ed., 1987, art. 496.º, anot. 5, p. 501), as 
 
 “excelências da equidade tiveram de ser sacrificadas às incontestáveis vantagens 
 do direito estrito”.
 Considerando que a morte de uma pessoa é um evento lesivo susceptível de causar 
 danos não patrimoniais a um círculo alargado de pessoas, a delimitação dos 
 possíveis titulares da compensação por danos não patrimoniais (próprios) em caso 
 de morte da vítima obedeceu, fundamentalmente, já a uma razão de certeza, 
 evitando-se a multiplicação indeterminada de pretensões indemnizatórias em 
 consequência da morte, já à conveniência em evitar que o lesante por mera culpa 
 se visse assoberbado por pretensões indemnizatórias deduzidas por um número 
 alargado, ou mesmo ilimitado, de pessoas, com as quais não poderia contar. Por 
 estas razões, no n.º 2 do artigo 496º o legislador limitou o leque de pessoas 
 cujos danos não patrimoniais, causados directamente pela morte da vítima, são 
 atendíveis, e dividiu mesmo tais pessoas em dois grupos, segundo uma presunção 
 assente na proximidade familiar (primeiro, o cônjuge não separado judicialmente 
 de pessoas e bens e os filhos ou outros descendentes; “na falta destes”, os pais 
 ou outros ascendentes; e, “por último”, os irmãos ou sobrinhos que os 
 representem).
 Disse-se no Acórdão n.º 275/2002 que tais justificações se revelavam 
 desajustadas à dimensão normativa em questão nesse caso, por o beneficiário da 
 indemnização se encontrar então perfeitamente delimitado e ser apenas um, e por 
 não merecer “certamente tutela o eventual interesse do homicida doloso em se 
 eximir à compensação de todos os danos que provocou com o homicídio”.
 Há que apurar se é igualmente assim no presente caso.
 
 10.Revertendo então ao caso dos autos – em que (recorde-se) o que está em causa 
 
 é a constitucionalidade do artigo 496.º, n.º 2, na medida “em que não admite que 
 a pessoa que vive em união de facto com uma vítima de acidente de viação, do 
 qual resulte a morte dessa vítima, tem o direito a receber uma indemnização por 
 danos patrimoniais”–, pode igualmente proceder-se a um confronto com os 
 parâmetros constitucionais relevantes em dois momentos, e desdobrando a análise 
 segundo o invocado pelo recorrente – que é, recorde-se também, a “violação, não 
 só do art. 36.° da Constituição mas também por violação do princípio da 
 igualdade garantido no art. 13.° da Lei Fundamental (proibição de diferenciações 
 ou discriminações)”.
 Assim, quem não acompanhasse a decisão proferida no Acórdão n.º 275/2002 (tirado 
 com dois votos de vencido) dificilmente chegará a uma solução de 
 inconstitucionalidade no presente caso, considerando que se não está perante um 
 crime doloso, mas perante um acidente de viação provocado por negligência, com 
 violação de deveres de cuidado, isto é, não só perante diferentes graus de 
 culpa, mas perante ilícitos também de diverso tipo e gravidade, como se notou na 
 decisão recorrida; e considerando, ainda, que, sob a perspectiva (se não da 
 normal previsibilidade, pelo menos) da frequência dos ilícitos e dos eventos 
 lesivos em questão, se estava, no caso então decidido, perante um evento 
 
 (homicídio doloso) muito pouco frequente, o que, infelizmente, já se não pode 
 seguramente dizer do que deu origem ao acidente de viação ocorrido no caso dos 
 autos.
 Não existem, com efeito, na dimensão normativa em apreciação no presente 
 recurso, outras particularidades que, para quem não acompanhasse o juízo de 
 inconstitucionalidade a que se chegou no Acórdão n.º 275/2002, possam conduzir a 
 uma conclusão de desconformidade com a Constituição da República, por violação 
 dos princípios da igualdade ou de outros princípios ou normas constitucionais.
 
 11.Mas mesmo quem tenha subscrito o julgamento de inconstitucionalidade do 
 Acórdão n.º 275/2002 não é necessariamente conduzido, pelo seus fundamentos, a 
 uma solução de incompatibilidade com a Constituição da solução normativa em 
 apreciação no presente recurso de constitucionalidade 
 Quanto ao princípio da igualdade, já se notou que ele não constituiu o 
 fundamento decisivo para a decisão tomada maioritariamente no Acórdão n.º 
 
 275/2002. E recorde‑se, a propósito, o que se disse no citado Acórdão n.º 
 
 195/2003:
 
 «Ora, como este Tribunal tem reconhecido, existem diferenças importantes, que o 
 legislador pode considerar relevantes, entre a situação de duas pessoas casadas, 
 e que, portanto, voluntariamente optaram por alterar o estatuto jurídico da 
 relação entre elas – mediante um “contrato celebrado entre duas pessoas de sexo 
 diferente que pretendem constituir familía mediante uma plena comunhão de vida, 
 nos termos das disposições deste Código”, como se lê no artigo 1577.º do Código 
 Civil –, e a situação de duas pessoas que (embora convivendo há mais de dois 
 anos “em condições análogas às dos cônjuges”) optaram, diversamente, por manter 
 no plano de facto a relação entre ambas, sem juridicamente assumirem e 
 adquirirem as obrigações e os direitos correlativos ao casamento.»
 E, posteriormente, no também citado Acórdão n.º 159/2005:
 
 «Assim, na óptica do princípio da igualdade, a situação de duas pessoas que 
 declaram a intenção de conceder relevância jurídica à sua união e a submeter a 
 um determinado regime (um específico vínculo jurídico, com direitos e deveres e 
 um processo especial de dissolução) não tem de ser equiparada à de quem, 
 intencionalmente, opta por o não fazer. O legislador constitucional não pode ter 
 pretendido retirar todo o espaço à prossecução, pelo legislador 
 infra-constitucional, cujo programa é sufragado democraticamente, de objectivos 
 políticos de incentivo ao matrimónio enquanto instituição social, mediante a 
 formulação de um regime jurídico próprio – por exemplo, distinguindo entre a 
 posição sucessória do convivente em união de facto (reduzida ao referido direito 
 a exigir alimentos da herança) e a do cônjuge.»
 O regime da indemnização por danos não patrimoniais em caso de morte da vítima 
 
 é, justamente, um desses pontos submetidos a um regime jurídico distinto, tal 
 como distintas são, também, as relações entre a vítima e quem pede a 
 indemnização.
 Não existe, pois, violação do princípio da igualdade na norma em apreciação.
 
 12.Como resulta do que se disse, e também se afirmou no citado Acórdão n.º 
 
 159/2005, 
 
 «Superada a objecção que se pudesse pretender extrair do princípio da igualdade, 
 e admitida a presente diferenciação à luz da política legislativa que o 
 legislador democrático entenda dever prosseguir, não ficam, porém, dissipados 
 todos os argumentos conducentes a uma conclusão de inconstitucionalidade. Aliás, 
 o acórdão recorrido [dir-se-á, agora, o Acórdão n.º 275/2002] baseou o seu 
 julgamento de inconstitucionalidade, decisivamente, na invocação do princípio da 
 proporcionalidade (conjugado com o reconhecimento constitucional da “família não 
 fundada no casamento”) […].»
 Sobre o confronto com o princípio da proporcionalidade conjugado com o 
 reconhecimento constitucional da “família não fundada no casamento” importa 
 novamente recordar que, como também já se notou (e se disse igualmente no 
 Acórdão n.º 159/2005), 
 
 «[…]o que está em causa no confronto de uma solução normativa com o princípio da 
 proporcionalidade não é simplesmente a gravidade ou a dimensão das desvantagens 
 ou inconvenientes que pode acarretar para os visados (com, por exemplo, a 
 necessidade da prova da carência de alimentos, ou, mesmo, a exclusão total de 
 certos direitos). O recorte de um regime jurídico – como o da destruição do 
 vínculo matrimonial ou o dos seus efeitos sucessórios – pela hipótese do 
 casamento, deixando de fora situações que as partes não pretenderam 
 intencionalmente submeter a ele, tem necessariamente como consequência a 
 exclusão dos respectivos efeitos jurídicos. O que importa apurar é se tal 
 recorte é aceitável – se segue um critério constitucionalmente aceitável – tendo 
 em conta o fim prosseguido e as alternativas disponíveis – sem deixar de 
 considerar a ampla margem de avaliação de custos e benefícios e como de escolha 
 dessas alternativas, que, à luz dos objectivos de política legislativa que ele 
 próprio define dentro do quadro constitucional, tem de ser reconhecida ao 
 legislador (e que este Tribunal reconheceu, por exemplo, no Acórdão n.º 
 
 187/2001, publicado no Diário da República, II série, de 26 de Junho de 2001).»
 Mas lembre-se, também, o que este Tribunal tem afirmado sobre o alcance do 
 princípio da proporcionalidade como parâmetro de controlo jurisdicional da 
 actividade legislativa. Afirmou-se, assim, citando anterior jurisprudência, no 
 citado Acórdão n.º 187/2001, o seguinte:
 
 «Não pode contestar-se que o princípio da proporcionalidade, mesmo  que 
 originariamente relevante sobretudo no domínio do controlo da actividade 
 administrativa, se aplica igualmente ao legislador. Dir-se-á mesmo – como o 
 comprova a própria jurisprudência deste Tribunal – que o princípio da 
 proporcionalidade cobra no controlo da actividade do legislador um dos seus 
 significados mais importantes. Isto não tolhe, porém, que as exigências 
 decorrentes do princípio se configurem de forma diversa para a actividade 
 administrativa e legislativa – que, portanto, o princípio, e a sua prática 
 aplicação jurisdicional, tenham um alcance diverso para o Estado‑Administrador e 
 para o Estado-Legislador. 
 Assim, enquanto a administração está vinculada à prossecução de finalidades 
 estabelecidas, o legislador pode determinar, dentro do quadro constitucional, a 
 finalidade visada com uma determinada medida. Por outro lado, é sabido que a 
 determinação da relação entre uma determinada medida, ou as suas alternativas, e 
 o grau de consecução de um determinado objectivo envolve, por vezes, avaliações 
 complexas, no próprio plano empírico (social e económico). É de tal avaliação 
 complexa que pode, porém, depender a resposta à questão de saber se uma medida é 
 adequada a determinada finalidade. E também a ponderação suposta pela 
 exigibilidade ou necessidade pode não dispensar essa avaliação.
 Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador – diversamente da 
 administração –, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as 
 suas finalidades, uma “prerrogativa de avaliação”, como que um “crédito de 
 confiança”, na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas 
 entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela 
 resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução 
 dos objectivos visados com a medida (que, como se disse, dentro dos quadros 
 constitucionais, ele próprio também pode definir). Tal prerrogativa da 
 competência do legislador na definição dos objectivos e nessa avaliação (com o 
 referido “crédito de confiança” – falando de um “Vertrauensvorsprung”, v. Bodo 
 Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte. Staatsrecht II, 14.ª ed., Heidelberg, 
 
 1998, n.ºs 282 e 287) afigura-se importante sobretudo em casos duvidosos, ou em 
 que a relação medida-objectivo é social ou economicamente complexa, e a 
 objectividade dos juízos que se podem fazer (ou suas hipotéticas alternativas) 
 difícil de estabelecer.
 Significa isto, pois, que, em casos destes, em princípio o Tribunal não deve 
 substituir uma sua avaliação da relação, social e economicamente complexa, entre 
 o teor e os efeitos das medidas, à que é efectuada pelo legislador, e que as 
 controvérsias geradoras de dúvida sobre tal relação não devem, salvo erro 
 manifesto de apreciação – como é, designadamente (mas não só), o caso de as 
 medidas não serem sequer compatíveis com a finalidade prosseguida –, ser 
 resolvidas contra a posição do legislador.
 Contra isto não vale, evidentemente, o argumento de que, perante o caso 
 concreto, e à luz do princípio da proporcionalidade, ou existe violação – e a 
 decisão deve ser de inconstitucionalidade – ou não existe – e a norma é 
 constitucionalmente conforme. Tal objecção, segundo a qual apenas poderia 
 existir “uma resposta certa” do legislador, conduz a eliminar a liberdade de 
 conformação legislativa, por lhe escapar o essencial: a própria averiguação 
 jurisdicional da existência de uma inconstitucionalidade, por violação do 
 princípio da proporcionalidade por uma determinada norma, depende justamente de 
 se poder detectar um erro manifesto de apreciação da relação entre a medida e 
 seus efeitos, pois aquém desse erro deve deixar-se na competência do legislador 
 a avaliação de tal relação, social e economicamente complexa.»
 As considerações que precedem afiguram-se relevantes no caso dos autos: o 
 legislador goza de uma considerável margem de discricionariedade na delimitação, 
 no artigo 496.º, n.º 2, do círculo das pessoas que podem pedir indemnização por 
 morte da vítima. 
 E a apreciação da conformidade com o princípio da proporcionalidade, nos termos 
 referidos, não deve, também, deixar de tomar em conta – sobretudo em 
 fiscalização concreta e incidental da constitucionalidade – as particularidades 
 da dimensão normativa ora em apreciação, e o diverso recorte do caso a que foi 
 aplicada.
 E há, ainda, que recordar que, como este Tribunal tem repetidamente afirmado, 
 não está em causa, no controlo da constitucionalidade a que procede, a 
 qualificação do “melhor direito” (e a “desqualificação” do “pior direito”) em si 
 mesmo, isto é, o juízo sobre qual seria a solução mais conveniente ou que melhor 
 concilia todos os interesses em presença. Tal é missão do legislador. Ao 
 Tribunal Constitucional compete apenas um controlo de constitucionalidade, ou 
 seja, ajuizar sobre a questão de saber se uma solução ou dimensão normativa 
 viola normas ou princípios constitucionais: não, neste sentido, avaliar o 
 
 “melhor direito”, mas apenas dizer o “não direito”, porque incompatível com a 
 Constituição da República (cf. os seus artigos 3.º, n.º 3, 204.º, 223.º, n.º 1, 
 e 277.º, n.º 1).
 
 13.Ora, entende-se que o confronto, que levou no citado aresto de 2002 a afirmar 
 a “violação do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio da 
 proporcionalidade”, entre a justificação da delimitação operada no artigo 496.º, 
 n.º 2, e a dimensão normativa em análise no presente recurso conduz a resultados 
 diversos dos alcançados naquele aresto. Falta, pois, identidade substancial, 
 neste aspecto constitucionalmente relevante, entre as normas ou dimensões 
 normativas em apreciação nos dois.
 Não é, com efeito, possível detectar no presente caso qualquer falta grosseira 
 ou evidente de adequação entre a dimensão normativa ora em apreço e as 
 finalidades dessa delimitação, resultante do artigo 496.º, n.º 2 (note-se, 
 aliás, e como se referiu, que o legislador goza, neste âmbito, de uma 
 considerável margem de discricionariedade para ponderar os vários interesses 
 envolvidos, e sem que se possa retirar da Constituição um certo e único regime 
 constitucionalmente admissível, e que, na dúvida, sobre tal inadequação sempre 
 seria de decidir no sentido da inexistência de inconstitucionalidade).
 
 É o que facilmente se conclui, desde logo, para a justificação consistente na 
 necessidade de limitar as pretensões indemnizatórias, por razões de certeza, que 
 se pode revelar procedente para lesões que se verificam com uma frequência 
 diária, e sem qualquer relação prévia entre lesante e lesado (diversamente do 
 que acontecia com a lesão provocada pelo homicídio no caso do Acórdão n.º 
 
 275/2002). Sem tal limitação, os prejuízos não patrimoniais resultantes da morte 
 poderiam ser invocados frequentemente, e “por vezes por um número considerável 
 de pessoas, com o resultado de o responsável ter que pagar quantia avultadíssima 
 ou com o de a cada um dos prejudicados se dar uma importância tão diminuta que 
 seria praticamente nula” (nas palavras citadas de Vaz Serra). 
 O que é reforçado pela consideração da expectativa do lesante de se não ver 
 assoberbado com um número não definido de pretensões indemnizatórias. Na 
 verdade, afirmou-se, no caso decidido pelo Acórdão n.º 275/2002, que “não merece 
 certamente tutela o eventual interesse do homicida doloso em se eximir à 
 compensação de todos os danos que provocou com o homicídio”. Tal posição do 
 lesante, se não merecia protecção, dada a “gravidade extrema do ilícito” e o 
 dolo do lesante, no caso do Acórdão n.º 275/2002, não tem de ser considerada 
 irrelevante – sob pena de erro grosseiro de avaliação do legislador – num caso 
 como o dos autos, em que está em causa a infracção de regras legais de 
 circulação rodoviária e de deveres de cuidado, com negligência do lesante, da 
 qual veio a resultar o acidente que provocou a morte. Não pode, com efeito, 
 excluir-se que o legislador atenda à conveniência em que os lesantes por mera 
 culpa se não vejam assoberbados por pretensões indemnizatórias deduzidas por um 
 número ilimitado de pessoas, dada a frequência estatística de situações como a 
 dos autos.
 Neste sentido pode, pois, dizer-se que a solução encontrada no Acórdão n.º 
 
 275/2002 assentou, confessadamente, na gravidade extrema do ilícito e da culpa, 
 num crime de homicídio doloso, diversamente do que acontece no presente caso, em 
 que está em causa a negligência que provocou o acidente do qual resultou a 
 morte, sendo que tais diferenças não podem ser reduzidas à mera forma como a 
 vítima morreu. E pode concordar-se também com quem considera questionável a 
 extensão dessa solução “às situações, mais frequentes, em que a pretensão 
 indemnizatória se insere no quadro da responsabilidade civil por negligência ou 
 pelo risco” (como A. A. Geraldes, ob. cit., p. 27). E isto, repete-se, quer para 
 quem não subscrevesse o juízo de inconstitucionalidade a que se chegou no 
 Acórdão n.º 275/2002, quer para quem adoptasse a posição que nele fez 
 vencimento.
 
 14.Conclui-se, pois, que a norma do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, na 
 medida em que não admite que a pessoa que vive em união de facto com uma vítima 
 de acidente de viação, do qual resulte a morte dessa vítima, tem o direito a 
 receber uma indemnização por danos patrimoniais, não viola nem o princípio da 
 igualdade nem o artigo 36.º, n.º 1, da Constituição conjugado com o princípio da 
 proporcionalidade, parâmetros constitucionais invocados pelo recorrente.
 Não se descortinando outros fundamentos para um juízo de inconstitucionalidade, 
 há, pois, que negar provimento ao presente recurso.
 III. Decisão
 Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)           Não tomar conhecimento do recurso interposto ao abrigo do artigo 
 
 70.º, n.º 1, alínea g), da Lei do Tribunal Constitucional;
 b)           Não julgar inconstitucional a norma do artigo 496.º, n.º 2, do 
 Código Civil, na medida em que não admite que a pessoa que vive em união de 
 facto com uma vítima de acidente de viação, do qual resulte a morte dessa 
 vítima, tem o direito a receber uma indemnização por danos não patrimoniais;
 c)            Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a 
 decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita;
 d)           Condenar o recorrente em custas, com 20 (vinte) unidades de conta 
 de taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 6 de Fevereiro de 2007
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres (Vencido quanto à decisão contida na precedente 
 alínea b), pelas razões constantes da declaração de voto junta)
 Maria Fernanda Palma (vencida nos termos de declaração de voto junta)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
                                  Votei vencido, não especificamente por 
 considerar constitucionalmente intolerável qualquer diferenciação de tratamento 
 entre casados e unidos de facto, mas antes por entender que a estatuição do n.º 
 
 2 do artigo 496.º do Código Civil, ao restringir às classes de familiares nele 
 previstas, escalonados em três grupos, é susceptível de não respeitar o direito 
 
 à reparação dos “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a 
 tutela do direito”, que, a meu ver, constitui uma imposição do princípio do 
 Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP).
 
                                  Afigura‑se‑me que o artigo 36.º, n.º 1, da CRP 
 não constitui suporte adequado ou suficiente para o reconhecimento 
 constitucional da união de facto e, muito menos, para a imposição ao legislador 
 ordinário da obrigação de atribuir à união de facto efeitos idênticos ao 
 casamento, seguindo, neste ponto, a posição de Francisco Pereira Coelho e 
 Guilherme de Oliveira (Curso de Direito da Família, vol. I, 3.ª edição, 2003, 
 pp. 103‑105 e 161‑166). Ao invés, sendo o estabelecimento de uma união de facto 
 uma manifestação ou forma de exercício do direito ao desenvolvimento da 
 personalidade, que a revisão constitucional de 1997 reconheceu de modo explícito 
 no n.º 1 do artigo 26.º, “a legislação que proibisse a união de facto, que a 
 penalizasse, impondo sanções aos membros de relação e coarctando de modo 
 intolerável o direito de as pessoas viverem em união de facto, seria pois 
 manifestamente inconstitucional” por violação deste artigo 26.º, n.º 1 (e não do 
 artigo 36.º, n.º 1).
 
                                  Mas, para além desta vertente “negativa” (isto 
 
 é: aquilo que a Constituição diz que a lei não pode fazer), cabe à liberdade de 
 conformação do legislador a eventual extensão à união de facto de direitos e 
 deveres tradicionalmente ligados à relação matrimonial. Na vertente “positiva” 
 
 (isto é: aquilo que a Constituição impõe que o legislador faça), a aferição da 
 conformidade constitucional das soluções legislativas deve fazer‑se com apelo ao 
 concreto direito constitucional em causa (direito à habitação, direito à saúde, 
 direito à segurança social, direito à protecção da maternidade e da paternidade, 
 etc.), conjugado com o princípio da proporcionalidade, e não com suporte no 
 artigo 36.º, n.º 1, da CRP.
 
                                  No que especificamente concerne ao direito à 
 reparação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela 
 do direito, a inconstitucionalidade da solução consagrada no n.º 2 do artigo 
 
 469.º do Código Civil não se resume à exclusão desse direito quanto aos unidos 
 de facto, mas, mais amplamente, à não previsão de uma “válvula de segurança” que 
 permita aos tribunais o reconhecimento desse direito a pessoas que 
 comprovadamente tenham sofrido um dano dessa intensidade mas que não figurem 
 nos três grupos de familiares contemplados nessa norma (1.º – cônjuge não 
 separado judicialmente de pessoas e bens e filhos ou outros descendentes; 2.º – 
 na falta destes, pais ou outros ascendentes; 3.º – na falta de membros dos dois 
 anteriores grupos, os irmãos ou os sobrinhos que os representem).
 
                                  A injustiça dessa solução legal foi logo 
 reconhecida, no âmbito dos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, por 
 Adriano Paes da Silva Vaz Serra (“Reparação do dano não patrimonial”, Boletim do 
 Ministério da Justiça, n.º 83, pp. 69‑109, em especial pp. 106‑109), quando, a 
 propósito do direito à reparação pela dor sofrida com a morte de alguém (iure 
 proprio, e não iure hereditate, este ligado à transmissão do direito à reparação 
 do sofrimento ou angústia sofridos pela própria vítima), interrogava e 
 respondia:
 
  
 
                  “A quem deve ser reconhecido?
 
                  Não parece que deva ser atribuído aos herdeiros como tais, os 
 quais podem ser estranhos à família, caso em que não terão, em regra, dor moral 
 suficiente para justificar uma compensação. Tal direito deve ser reservado para 
 os familiares da vítima, que são as pessoas nas quais é de presumir a existência 
 de sentimentos de afeição bastante fortes. Mas, por um lado, esses sentimentos 
 podem ser ainda mais fortes da parte de pessoas estranhas à família 
 juridicamente entendida; e, por outro lado, o facto de ser membro da família 
 não implica necessariamente a existência de uma afeição suficiente.
 
                  Pareceria, assim, que por família, para este efeito, deveriam 
 entender‑se aquelas pessoas que, segundo as circunstâncias materiais do caso 
 concreto, desempenham de facto as funções de família.
 
                  Essas pessoas seriam as que, pelas especiais relações com a 
 vítima, é de presumir sofrerem mais, na sua afeição, com a morte dela. O 
 critério não seria, pois, jurídico, mas de facto.
 
                  No entanto, poderia também entender‑se que só às pessoas 
 ligadas juridicamente por laços de família (cônjuge, parentes e afins) deveria 
 reconhecer‑se o direito à satisfação de danos não patrimoniais. As outras não 
 tinham o direito de contar com a continuação da situação de facto em que se 
 encontravam com o falecido e não poderiam, portanto, alegar danos, patrimoniais 
 ou não, resultantes da morte dele.
 Assim, a concubina ou a noiva não poderiam reclamar a referida satisfação, nem 
 o poderiam fazer outras pessoas colocadas de facto na situação de familiares.
 Dadas as razões que podem ser invocadas num sentido e no outro, talvez seja 
 preferível usar uma fórmula que permita à jurisprudência decidir como lhe 
 parecer melhor, ou, reconhecendo, em princípio, o direito de satisfação aos 
 parentes, permitir que se atribua tal direito a pessoas estranhas à família mas 
 ligadas à vítima de modo a constituírem de facto família dela.
 Os parentes (legais ou de facto, conforme a orientação que se adoptar) ou afins 
 com direito à satisfação do dano não patrimonial seriam, não quaisquer 
 parentes, mas os próximos parentes, entendendo‑se como tais aqueles que, pela 
 proximidade do parentesco, é de presumir tivessem pelo falecido uma afeição tal 
 que justifique a satisfação.
 Poderia pensar‑se que deveriam indicar‑se precisamente quais são esses parentes. 
 
 À semelhança do nosso Código actual (artigo 2384.°), poderiam ser os 
 descendentes e os ascendentes, além do cônjuge.
 Mas pode haver outros parentes, a quem parece razoável conceder a satisfação, v. 
 g., um irmão ou irmã que vivesse com a vítima. Talvez, por conseguinte, seja 
 preferível não indicar, com carácter exaustivo, os parentes a quem pode ser 
 reconhecido o direito à satisfação de prejuízos não patrimoniais. Bastará aludir 
 aos próximos parentes, dependendo depois das circunstâncias de cada caso o saber 
 se se encontravam em situação que faça presumir a dor. Todavia, poderia 
 porventura indicar‑se certa ordem entre os parentes, a qual o juiz poderia 
 alterar, no caso concreto, se as circunstâncias o impusessem.
 Se não se limitasse assim o direito à satisfação do dano não patrimonial, 
 poderia ele ser invocado por vezes por um número considerável de pessoas, com o 
 resultado de o responsável ter que pagar quantia total avultadíssima ou com o de 
 a cada um dos prejudicados se dar uma importância tão diminuta que seria 
 praticamente nula.”
 
  
 
                                  E depois de aludir aos termos em que o direito 
 deveria ser consagrado relativamente aos cônjuges (viúva e viúvo), filhos 
 
 (menores ou menores, nascidos fora ou dentro do casamento), pais (incluindo os 
 
 “naturais”), avós e netos (mesmo que existam pais ou filhos, pois “não se trata 
 aqui de transmissão de indemnização de dano, mas de dar uma compensação pela 
 dor pessoalmente sofrida; ora, os avós ou os netos podem ter uma dor bastante 
 forte, não obstante a existência de pais ou de filhos”, pelo que “se as 
 circunstâncias o justificarem, deve poder o juiz alterar a ordem de precedência 
 ou lei sucessória”), acrescenta: 
 
  
 
 “O que se diz desta hipótese pode dizer‑se de outras, em que existam vários 
 parentes: todos eles, desde que nas suas pessoas se verifiquem os pressupostos 
 do direito de satisfação, devem poder exigir esta, pois esse direito, baseado na 
 dor pessoal sofrida, não depende de não existirem outras pessoas em condições 
 análogas.
 O tribunal, porém, a fim de que os parentes mais próximos (e que são aqueles que 
 presumivelmente terão sofrido maior dor) não sejam prejudicados injustamente com 
 a concorrência dos outros, parece dever dar, em princípio, preferência aos 
 parentes mais próximos e proporcionar as satisfações à dor de cada um, além de 
 excluir aqueles em relação aos quais não se verifiquem os sentimentos de afeição 
 bastantes.”
 
  
 
                                  Em sintonia com estas considerações, propôs, 
 como formulação legal alternativa, a seguinte:
 
  
 
                  “No caso de morte de uma pessoa, podem as pessoas de família 
 dela exigir a satisfação do dano não patrimonial a elas causado. Essas pessoas 
 são, em conjunto, o cônjuge e os descendentes, observando‑se, quanto a estes: a 
 precedência da lei sucessória; na falta de cônjuge ou de descendentes, os 
 descendentes ou o cônjuge, respectivamente; na falta de cônjuge e de 
 descendentes, os ascendentes; na falta de cônjuge, descendentes e ascendentes, 
 os irmãos e os descendentes destes, segundo a ordem da lei sucessória. O direito 
 de satisfação destas pessoas supõe a existência de laços afectivos que o 
 justifiquem, e as regras de precedência podem ser alteradas quando as 
 circunstâncias de facto o impuserem. Quando estas circunstâncias o impuserem, 
 pode reconhecer‑se direito de satisfação a outros parentes, a afins ou estranhos 
 
 à família, desde que tais pessoas estivessem ligadas à vítima de maneira a 
 constituírem de facto família dela. (…)” (sublinhado acrescentado).
 
  
 
                                   Como é sabido, não foi esta a solução que veio 
 a ser acolhida na versão final do Código Civil, por se haver entendido que as 
 
 “excelências da equidade” deviam ser “sacrificadas às incontestáveis vantagens 
 do direito estrito” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. 
 I, 4.ª edição, p. 501).
 
                                  Afigura‑se, porém, que a prevenção de uma 
 incontrolável responsabilidade do causador do dano (“poder‑se‑ia mesmo dizer, no 
 limite, que a morte de uma pessoa vem prejudicar a Humanidade” – António 
 Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral, Tomo III 
 
 – Pessoas, Coimbra, 2004, p. 138) pode operar‑se por outros mecanismos 
 
 (estabelecimento de limites máximos legais, previsão do recurso à equidade, 
 etc.) que não pela negação da justa reparação de danos não patrimoniais 
 merecedores da tutela do direito e comprovadamente sofridos por quem reclama tal 
 reparação.
 
                                  Trata‑se de solução que, apesar da orientação 
 contrária que parece ser preconizada no n.º 19 da Resolução (75)7 do Comité de 
 Ministros do Conselho da Europa (cf. Nuno de Salter Cid, A comunhão de vida à 
 margem do casamento: entre o facto e o direito, Coimbra, 2005, pp. 542‑543, nota 
 
 83), é legal ou jurisdicionalmente reconhecida em diversas ordens jurídica 
 próxima da nossa. Em Espanha, face ao artigo 113.º do Código Penal, inserido no 
 título relativo à responsabilidade civil derivada da criminal (que estatui: “La 
 indemnización de perjuicios materiales y morales comprenderá no sólo los que se 
 hubieren causado al agraviado, sino también los que se hubieren irrogado a sus 
 familiares o a terceros” – sublinhado acrescentado), tem sido sustentada a 
 legitimidade, para efeitos de reparação de danos não patrimoniais derivados da 
 morte, de pessoas que, não estando ligadas à vítima por vínculos familiares ou 
 parafamiliares, a ela estejam ligados por laços de especial afeição (cf. Laura 
 Gázquez Serrano, La indemnización por causa de morte, Dykinson, Madrid, 2000, 
 pp. 86‑87). O mesmo se passando em Itália, como assinala Giuseppe Cricenti (Il 
 danno non patrimoniale, Cedam, Milão, 1999, pp. 276‑277), com diversas 
 referências jurisprudenciais.
 
                                  Na verdade, embora seja normal que os 
 familiares mais próximos da vítima sejam os que maior sofrimento sintam com a 
 sua perda, não se pode excluir que em vários casos assim não seja, quer dentre o 
 grupo de familiares em sentido jurídico, quer mesmo fora deles, sejam ou não de 
 qualificar como familiares “de facto”. Um exemplo dessa realidade, embora a 
 propósito da legitimidade para constituição como assistente em processo penal, 
 pode ver‑se no Acórdão n.º 690/98 deste Tribunal, que julgou inconstitucional, 
 por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 1, conjugado com o artigo 67.º, n.º 
 
 1, da CRP, a norma constante do artigo 68.º, n.º 1, alínea c), do CPP, quando 
 interpretada no sentido de não admitir a constituição como assistentes, em 
 processo penal, aos ascendentes do ofendido falecido, quando lhe haja sobrevivo 
 cônjuge separado de facto, embora não separado judicialmente de pessoas e bens, 
 e não tenha descendentes. Como aí se constatou, apesar da preferência legal, era 
 muito mais forte a ligação afectiva, e consequentemente maior o sofrimento com a 
 perda da vítima, entre o pai e o filho do que entre este e o seu cônjuge, de 
 quem estava separado de facto.
 
                                  Em suma, o carácter taxativo da enumeração das 
 pessoas com direito a reparação por danos não patrimoniais derivados da morte 
 de outrem (agravada pelo estabelecimento de classes de precedência), constante 
 do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, sem previsão da possibilidade de o 
 tribunal, em casos especiais, uma vez efectivamente comprovada a existência 
 desses danos, com gravidade merecedora da tutela do direito, reconhecer o 
 direito a reparação a terceiros, surge, a meu ver, como constitucionalmente 
 insolvente.
 
  
 
                                  Mário José de Araújo Torres
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Tendo sido a primitiva relatora nos presentes autos, voto vencida o Acórdão 
 considerando o seguinte:
 O Tribunal Constitucional já procedeu à apreciação da questão de  
 constitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso de 
 constitucionalidade.
 No Acórdão nº 275/2002, de 19 de Junho (D.R., II Série, de 24 de Julho de 2002) 
 o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional a norma do artigo 
 
 496º, nº 2, do Código Civil, na parte em que, em caso de morte da vítima de um 
 crime doloso, exclui a atribuição de um direito de indemnização por danos não 
 patrimoniais pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em 
 situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos 
 cônjuges.
 A questão objecto do presente recurso é substancialmente idêntica à então 
 decidida. Com efeito, é agora submetida à apreciação do Tribunal Constitucional 
 a norma do artigo 496º, nº 2, do Código Civil, na parte em que nega o direito 
 indemnizatório à pessoa que vivia em união de facto, estável e duradoura, com a 
 vítima de acidente de viação exclusivamente resultante de culpa de outrem. Os 
 fundamentos do Acórdão nº 275/2002 são, a meu ver, e diferentemente do que é 
 considerado no presente Acórdão, transponíveis para os presentes autos. 
 Ao contrário do que parece ser afirmado no acórdão recorrido (fls. 771), “a 
 marca da gravidade extrema do ilícito” que originou a morte da vítima no caso 
 subjacente ao Acórdão nº 275/2002 (tratou‑se de um homicídio doloso) não exclui 
 a identidade substancial entre a questão de constitucionalidade normativa então 
 apreciada e a que constitui objecto dos presentes autos. Nesse aresto o Tribunal 
 Constitucional não configurou o direito indemnizatório da pessoa que vivia em 
 união de facto com a vítima como sanção do ilícito penal doloso cometido pelo 
 obrigado à indemnização, não sendo tal circunstância ratio decidendi daquele 
 Acórdão. Também as expectativas do responsável exclusivo de um acidente de 
 viação mortal de não vir a ser confrontado com o dever de indemnizar a pessoa 
 que vivia em condições análogas às dos cônjuges com a vítima de acidente por si 
 provocado não merecem tutela, quando confrontadas com o interesse do membro 
 sobrevivente da união de facto ao ressarcimento dos danos não patrimoniais por 
 si efectivamente sofridos.
 Discordo da linha de argumentação expendida no Acórdão do Tribunal 
 Constitucional quanto à não verificação de semelhança para efeitos de reparação 
 por danos morais entre a situação dos cônjuges e a das pessoas em união de facto 
 estável, já que entendo que, nesse plano – o da dor pelo falecimento do parceiro 
 
 íntimo – não relevam as diferenças legais e jurídicas entre a situação do 
 casamento e a de união de facto. Verifica‑se, sim, uma essencial analogia da 
 relação, na sua base (sexual), e na sua finalidade social (relação familiar). 
 Finalmente, parece‑me injustificada a diferenciação entre a relevância da 
 posição do unido de facto sobrevivo quando o outro elemento da relação foi 
 vítima de um crime doloso e quando se trate de crime negligente (no caso de 
 acidente de viação). Trata‑se, em ambos os casos, de factos ilícitos e fatais 
 para a vítima.
 A lógica civilística da protecção da entidade seguradora não tem qualquer apoio 
 em valores constitucionalmente relevantes, nem a diferença entre a união de 
 facto e o casamento se reflecte, minimamente, no que está em causa – a 
 responsabilidade do agente por danos morais relativamente às pessoas em união de 
 facto estável e duradoura com a vítima. Não há qualquer círculo de risco e 
 expectativas do agente de crime negligente que possam fundamentar uma solução 
 diferente para o cônjuge sobrevivo e para quem vive, comprovadamente, em 
 situação análoga.
 Discordo, por estas razões, do presente Acórdão, mantendo a convicção de que 
 nada distingue, na sua essência jurídica, este caso da situação do cônjuge de 
 vítima de crime negligente.
 
                                          Maria Fernanda Palma