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Processo n.º 192/04
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
                                                                           
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.A., melhor identificado nos autos, intentou acção declarativa de condenação, 
 emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra B., 
 S.A., C. e D., também com os sinais nos autos, pedindo a declaração de nulidade 
 do processo disciplinar de que fora alvo, ou, ao menos, a declaração de 
 ilicitude do seu despedimento, bem como a condenação dos réus a indemnizar 
 prejuízos materiais e não patrimoniais de diversa ordem, com juros desde a 
 citação.
 Tendo os 2.º e 3.º réus sido absolvidos da instância por ilegitimidade, 
 prosseguiu a acção contra a ex-entidade patronal do autor, vindo o 2.º Juízo do 
 Tribunal do Trabalho de Lisboa, em sentença de 15 de Julho de 2002, a condená-la 
 ao pagamento de diversos montantes referentes a férias vencidas em 1994 e 1995 e 
 subsídio de férias e de Natal referentes a 1995, julgando a acção, no mais, 
 improcedente.
 O autor recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 22 de 
 Maio de 2003, deliberou negar provimento ao recurso e confirmar a sentença 
 recorrida.
 Inconformado, recorreu o autor para o Supremo Tribunal de Justiça alegando, 
 entre o mais, que
 
 “os art.ºs 10.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 12.º, n.º 3, alíneas a), b), da Lei dos 
 Despedimentos são interpretados de forma contrária à Constituição, visto que a 
 irrelevância da inclusão na decisão disciplinar de infracções dadas como 
 provadas e não constantes da Nota de Culpa tem de decorrer de uma interpretação 
 dessas normas manifestamente inconstitucional por violação do n.º 10 do art.º 
 
 32.º da Lei Fundamental (norma essa que, de resto, veio a explicitar garantia 
 idêntica constante do art.º 269.º, n.º 3, da Lei Fundamental);”
 e que
 
 “no contexto factual apurado pelas instâncias, considerar que a 
 categoria-habilitação é determinante da categoria-função corresponde a 
 interpretar os n.ºs 1 e 2 do art.º 22.º LCT com ofensa do princípio da segurança 
 de emprego consagrado no art.º 53.º da Constituição;”
 Por decisão de 4 de Fevereiro de 2004, o Supremo Tribunal de Justiça considerou, 
 quanto à primeira questão de constitucionalidade, que as infracções dadas como 
 provadas constavam todas da nota de culpa e, quanto à segunda, que o facto de o 
 autor ter sido contratado em função da categoria-habilitação a que a entidade 
 patronal pretendeu reconduzi-lo “respeita exactamente assim o acordo havido”, 
 confirmando o acórdão impugnado.
 
 2.Veio então o autor interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do 
 disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, 
 pretendendo a apreciação das seguintes normas:
 
 «I) As normas conjugadas dos artigos 10.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 12.º, n.º 3, alíneas 
 a) e b), da Lei dos Despedimentos (Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro), 
 interpretadas no sentido da irrelevância da inclusão na decisão disciplinar de 
 infracções dadas como provadas e não constantes da Nota de Culpa (in casu, “ter 
 faltado à verdade” ao fazer certa afirmação de que, na vigência do contrato de 
 trabalho, nunca actuar na Companhia como Engenheiro, ao passo que na Nota de 
 Culpa lhe fora apenas imputada uma “notória falta de lealdade para com a sua 
 entidade patronal, já que bem sabe o Arguido que é Engenheiro Civil, que foi 
 como Engenheiro Civil que se candidatou e que caricato se torna que ‘deite às 
 urtigas’ os anos que passou na universidade, dizendo, absurdamente, que apesar 
 de Engenheiro Civil, não se sente habilitado para o ser” art.º 36.°).
 II) As normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 22.º, versão originária (vigente à data 
 do despedimento, em 1994) do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho 
 de 1969, interpretadas no sentido de que a categoria-habilitação (no caso, o 
 diploma de licenciatura em engenharia civil) é determinante da categoria-função 
 
 (técnico de marketing).» 
 Determinada a produção de alegações, concluiu assim o recorrente:
 
 «A) O ora Recorrente, ao serviço da B., não podia negar, nem negou, que fora 
 contratado em 1983, em regime de profissão liberal, para exercer funções de 
 Engenheiro Civil na Empresa; 
 B) Simplesmente, em 1985 passou a exercer funções de técnico de Marketing na 
 empresa, tendo sido admitido, como trabalhador por conta de outrem, na B. com a 
 categoria-habilitação de Engenheiro Civil, continuando a desempenhar funções na 
 
 área de Marketing;
 C) Na sequência de uma “queda em desgraça” na Empresa, foi lhe dada ordem de 
 transferência para a área da Engenharia Civil na B., ao fim de um período de 
 nove anos em que não exerceu estas funções; 
 D) Na sequência de uma fase litigiosa em que foi discutida pelo trabalhador a 
 licitude da ordem de transferência, foi instaurado um processo disciplinar ao 
 trabalhador, foi suspenso preventivamente e foi, finalmente, despedido com justa 
 causa;
 E) Enquanto que, na Nota de Culpa do Processo Disciplinar, o trabalhador era 
 acusado de falta de lealdade para com a Entidade Patronal - por não acatar a 
 ordem desta de o transferir para a área da Engenharia Civil, onde já exercera 
 funções como profissional liberal – no Relatório Final e na Decisão Disciplinar 
 passou a ser tido por autor de uma mentira deliberada, por ter negado que fora 
 admitido como Engenheiro Civil na B., ENQUANTO TRABALHADOR POR CONTA DE OUTREM; 
 F) A Decisão do Supremo Tribunal de Justiça, ora recorrida, considerou que a 
 falta de lealdade continha em si só a acusação de mentira, por esta ser um 
 desenvolvimento de outra imputação, concluindo no sentido da improcedência da 
 nulidade suscitada; 
 G) Ao decidir como decidiu, o Supremo Tribunal de Justiça adoptou uma 
 interpretação do disposto nas normas conjugadas dos art.ºs 10.°, n.ºs 1, 4 e 5, 
 e 12.°, n.° 3, alíneas a) e b), da Lei dos Despedimentos de 1989 (Decreto-Lei 
 n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro) contrária às garantias do processo disciplinar 
 constantes do art.º 32.°, n.° 10, da Constituição, revisão de 1997, as quais já 
 se continham na versão anterior da Constituição (art.º 269.°, n.º 3, aplicável 
 por analogia), sendo a nova disposição interpretativa da versão anterior da 
 Constituição;  
 H) Por outro lado, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que a 
 categoria-habilitação define o trabalhador-tipo a que se refere o contrato de 
 trabalho em concreto, tanto bastando para que a transferência ordenada do 
 Recorrente da área de Marketing para a área de Engenharia fosse lícita;
 I) Ao decidir como decidiu, o Supremo Tribunal de Justiça adoptou um 
 entendimento do art.º 22.°, n.ºs 1 e 2, do Regime do Contrato Individual de 
 Trabalho (versão originária) que é contrário ao art.º 53.° da Constituição, por 
 admitir um ius variandi sem restrições, nomeadamente a de desvalorização do 
 trabalhador em termos sócio-profissionais.”
 Não houve contra-alegações por parte da recorrida.
 Na sequência das alegações do recorrente, o relator proferiu despacho em que 
 advertiu o recorrente para a eventualidade de se não poder vir a tomar do 
 recurso, reportado à constitucionalidade de dimensões normativas tal como elas 
 foram, por último, representadas nas alegações de recurso, tendo o recorrente 
 sido notificado para se pronunciar sobre tal possibilidade.
 O recorrente veio, então, dizer que se lhe afigura indiscutível que o Supermo 
 Tribunal de Justiça aceitou como ratio decidendi “a norma retirada da conjugação 
 dos arts. 10.º, n.º 1, 4 e 5, e 12.º, n.º 3, alíneas a) e b), da Lei dos 
 Despedimentos de 1989, interpretada no sentido da irrelevância da inclusão na 
 decisão disciplinar de infreacções dadas como provadas e não constantes da nota 
 de culpa”. Para o recorrente,
 
 “(…) o Supremo Tribunal de Justiça considerou equivalente, como facto indiciador 
 de uma infracção disciplinar, um juízo de valor – “falta de lealdade”, ilustrada 
 por afirmações constantes de exposições subscritas pelo Recorrente – e um facto 
 concreto, traduzido no proferimento de afirmações conscientemente falsas, ou 
 seja, ter faltado à verdade.”
 
  
 E concluiu ainda (ponto III – Conclusões) o seguinte:
 
 “Ora, independentemente da procedência da apreciação de mérito ou de fundo, da 
 questão de constitucionalidade, é patente que a ratio decidendi da decisão do 
 Supremo tem a ver com as normas do art.º 22.º, n.ºs 1 e 2, da referida Lei do 
 Contrato de Trabalho, na interpretação referida, abundantemente demonstrada e 
 denunciada como inconstitucional pelo Recorrente, sendo certo que a decisão 
 sobre esta matéria condiciona o juízo sobre se houve ou não desobediência 
 ilegítima por parte do Recorrente em relação à sua entidade patronal.”
 Cumpre apreciar a decidir.
 III. Fundamentos
 
 3.Começando pela questão de constitucionalidade referida às normas dos n.ºs 1 e 
 
 2 do artigo 22.º do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho (LCT), na versão 
 originária (por vigente à data do despedimento, ocorrido em 1994), nota-se que, 
 no requerimento de interposição de recurso, essa questão surgia como decorrente 
 da sua interpretação “no sentido de que a categoria-habilitação (no caso, o 
 diploma de licenciatura em engenharia civil) é determinante da categoria-função 
 
 (técnico de marketing)”.
 Se bem que, prima facie, se admitisse que alguma questão de constitucionalidade 
 se poderia colher desta fórmula – embora aparentemente inversa do que estava em 
 causa (se alguma categoria-função poderia ser vista como determinada pela 
 licenciatura em engenharia civil, ela não era certamente a de técnico de 
 marketing) –, assim se tendo determinado a produção de alegações, o modo como o 
 recorrente veio a equacionar e precisar a questão de constitucionalidade nessas 
 suas alegações de recurso tornou clara a impossibilidade da sua apreciação, por 
 nenhum dos sentidos impugnados corresponder ao sentido com que as normas 
 questionadas foram aplicadas na decisão recorrida.
 De facto, como o Supremo Tribunal de Justiça deixou claro, a norma do artigo 
 
 22.º, n.ºs 1 e 2, da LCT (na versão vigente em 1994) não foi interpretada como 
 bastando-se com “a titularidade de uma categoria-habilitação para permitir 
 atribuir ao trabalhador a categoria-função própria dessa habilitação”, nem foi 
 entendido “que a categoria-habilitação é determinante da categoria-função, ainda 
 que ocorra desvalorização profissional”, tal como se não entendeu que tais 
 normas admitissem “um jus variandi sem restrições, nomeadamente a desvalorização 
 do trabalhador em termos sócio-profissionais”, que, alternativamente, foram os 
 sentidos que vieram a ser impugnados nas alegações do recorrente.
 As transcrições que o acórdão recorrido fez de passos relevantes da sentença do 
 
 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, apoiando o juízo de que não eram as 
 habilitações do autor que determinavam as suas actividades na empresa, mas sim 
 os próprios termos do contrato por ele celebrado, sem que houvesse nesse 
 regresso às origens qualquer desvalorização, provam isso mesmo: o autor “não foi 
 admitido na ré como especialista de Marketing, mas como Engenheiro, sendo que o 
 seu recrutamento para a ré, embora em regime de prestação de serviços, teve como 
 base fundamental o seu currículo e capacidades na área de Engenharia Civil”; “no 
 
 âmbito do contrato de trabalho vigente entre autor e ré, estava incluída a 
 eventual prestação de trabalho na área da Engenharia, competências e 
 habilitações estas do autor que foram determinantes para o seu recrutamento para 
 a ré”; “as novas funções atribuídas ao autor na área de Engenharia eram 
 compatíveis com as suas habilitações académicas e idênticas a outras que em 
 tempos exercera já na ré antes de Maio de 1985, no âmbito de um contrato de 
 prestação de serviços, e sem prejuízo em termos de posição salarial”; “[e]stando 
 a actividade na Área da Engenharia compreendida no objecto do seu contrato, é de 
 considerar terem sido atribuídas ao autor funções que se justificam nos termos 
 do art.º 22.º, n.º 1, LCT, sem qualquer desvalorização profissional, e sem 
 modificação substancial da sua posição”.
 Não correspondendo, como é patente, a interpretação professada pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça a nenhuma das que foram impugnadas como desconformes à 
 Constituição, nem havendo sequer critério para preferir umas às outras, atenta a 
 desconformidade com a que foi incluída no requerimento de interposição do 
 recurso, falha logo o primeiro pressuposto do recurso intentado: que a norma 
 impugnada tivesse sido aplicada, com o sentido impugnado, na decisão recorrida.
 A resposta do recorrente ao despacho do relator que o convidou a pronunciar-se 
 sobre a possibilidade de não conhecimento do recurso (fl. 974) não altera tal 
 verificação. Designadamente, não releva afirmar-se que “o Supremo Tribunal de 
 Justiça privilegia a fase de celebração de um primeiro contrato de prestação de 
 serviço do Recorrente como profissional liberal” (ponto 20), e que para o 
 Supremo Tribunal de Justiça “é relevante, no domínio laboral, o desempenho de 
 certas funções no âmbito de um anterior contrato de prestação de serviço” (ponto 
 
 28, a.), uma vez que o objecto do recurso se encontra delimitado pelas 
 inconstitucionalidades suscitadas durante o processo e indicadas no respectivo 
 requerimento de interposição e que no recurso de constitucionalidade a norma 
 aplicada pelo tribunal a quo é, para o Tribunal Constitucional, um dado que este 
 não pode alterar, não lhe competindo controlar, e corrigir, a interpretação do 
 direito infra-constitucional ou, ainda menos, a interpretação da matéria de 
 facto efectuada pelo tribunal recorrido.
 Não se pode, pois, tomar conhecimento do recurso, na parte em que se refere ao 
 artigo 22.º, n.ºs 1 e 2, do Regime do Contrato Individual de Trabalho constante 
 do Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, sob pena de a intervenção 
 do Tribunal Constitucional na apreciação da conformidade constitucional da norma 
 impugnada não se reflectir utilmente no processo, uma vez que sempre a decisão 
 recorrida seria a mesma, ainda que a norma questionada viesse a ser julgada 
 inconstitucional (cfr. os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 124/88, 454/91, 337/94, 
 
 608/95, 577/95 e 196/97, publicados os quatro primeiros no Diário da República, 
 II Série, respectivamente, de 5 de Setembro de 1988, 24 de Abril de 1992, 4 de 
 Novembro de 1994, e 19 de Março de 1996, e os dois últimos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
 4.No requerimento de interposição de recurso, a questão de constitucionalidade 
 referida às normas dos artigos 10.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 12.º, n.º 3, alíneas a) e 
 b), do Decreto-Lei n.º 64-A/89 era dita decorrente de uma alegada “irrelevância 
 da inclusão na decisão disciplinar de infracções dadas como provadas e não 
 constantes da Nota de Culpa”, particularizando-se em seguida: «in casu, “ter 
 faltado à verdade” ao fazer certa afirmação de que, na vigência do contrato de 
 trabalho, nunca actuara na Companhia como Engenheiro, ao passo que na Nota de 
 Culpa lhe fora apenas imputada uma “notória falta de lealdade para com a sua 
 entidade patronal, já que bem sabe o Arguido que é Engenheiro Civil, que foi 
 como Engenheiro Civil que se candidatou e que caricato se torna que ‘deite às 
 urtigas’ os anos que passou na universidade, dizendo, absurdamente, que apesar 
 de Engenheiro Civil, não se sente habilitado para o ser” art.º 36.º.»
 Mesmo desconsiderando as notórias especificidades do caso concreto, que não 
 relevam para o sentido normativo, resulta já desta tentativa de delimitação do 
 objecto do recurso que o que o recorrente provavelmente visava era realmente a 
 reapreciação da avaliação e subsunção dos factos realizada pelo tribunal a quo, 
 e não a apreciação de uma norma, em si mesma ou numa dimensão interpretativa. E 
 tal veio a confirmar-se com as alegações apresentadas a este Tribunal, onde se 
 pode ler:
 
 “G) Ao decidir como decidiu, o Supremo Tribunal de Justiça adoptou uma 
 interpretação do disposto nas normas conjugadas dos art.ºs 10.°, n.ºs 1, 4 e 5, 
 e 12.°, n.° 3, alíneas a) e b), da Lei dos Despedimentos de 1989 (Decreto-Lei 
 n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro) contrária às garantias do processo disciplinar 
 constantes do art.º 32.°, n.° 10, da Constituição, revisão de 1997, as quais já 
 se continham na versão anterior da Constituição (art.º 269.°, n.° 3, aplicável 
 por analogia), sendo a nova disposição interpretativa da versão anterior da 
 Constituição;”
 Ora, em que é que se teria traduzido essa interpretação contrária às garantias 
 do processo disciplinar? É o próprio recorrente a afirmá-lo nas conclusões 
 imediatamente anteriores:
 
 “E) Enquanto que, na Nota de Culpa do Processo Disciplinar, o trabalhador era 
 acusado de falta de lealdade para com a Entidade Patronal - por não acatar a 
 ordem desta de o transferir para a área da Engenharia Civil, onde já exercera 
 funções como profissional liberal – no Relatório Final e na Decisão Disciplinar 
 passou a ser tido por autor de uma mentira deliberada, por ter negado que fora 
 admitido como Engenheiro Civil na B., ENQUANTO TRABALHADOR POR CONTA DE OUTREM; 
 F) A Decisão do Supremo Tribunal de Justiça, ora recorrida, considerou que a 
 falta de lealdade continha em si só a acusação de mentira, por esta ser um 
 desenvolvimento de outra imputação, concluindo no sentido da improcedência da 
 nulidade suscitada;”
 Na resposta ao despacho do relator de fl. 974, o recorrente acrescenta (ponto 
 
 11):
 
 “(…) o Supremo Tribunal de Justiça considerou equivalente, como facto indiciador 
 de uma infracção disciplinar, um juízo de valor – “falta de lealdade”, ilustrada 
 por afirmações constantes de exposições subscritas pelo Recorrente – e um facto 
 concreto, traduzido no proferimento de afirmações conscientemente falsas, ou 
 seja, ter faltado à verdade.”
 O juízo do Supremo Tribunal de Justiça que o recorrente contesta condensa-se na 
 passagem seguinte:
 
 «a falta de lealdade para com a entidade patronal imputada ao Recorrente no 
 artigo 36.° da nota de culpa, no contexto em que essa imputação foi feita, só 
 tem um significado: o de que o Recorrente faltou à verdade para com a sua 
 entidade patronal. Efectivamente, o que ficou a constar no referido artigo é que 
 o Recorrente apesar de saber que se candidatou como engenheiro civil e que foi 
 nessa qualidade que a Recorrida o recrutou, nunca admitiu esses factos, tendo 
 antes afirmado, como se refere no artigo 35.° da nota de culpa, designadamente 
 que “nunca actuou na empresa como engenheiro” e que “foi como especialista de 
 marketing que foi admitido na empresa”. Embora no artigo 36.° da nota de culpa 
 se tenha utilizado a expressão “falta de lealdade” e no ponto 71, alínea c), do 
 Relatório Final se tenha utilizado a expressão “ter faltado à verdade” as duas 
 expressões reflectem a mesma realidade e daí que se imponha concluir, tal como 
 se concluiu no douto acórdão recorrido, pela inexistência de discrepância entre 
 os factos dados como provados no Relatório Final e os vertidos na nota de culpa, 
 não tendo havido, consequentemente, violação do direito de audiência e defesa 
 que é reconhecido no n.° 4 do artigo 10.° do RJCCT, aprovado pelo Decreto-Lei 
 n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro.»
 Este juízo é idêntico ao que já fora formulado pelo 2.º Juízo do Tribunal de 
 Lisboa (ff. 752 dos autos) e reproduzido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (ff. 
 
 836): 
 
 “Verifica-se deste modo que os factos dados como provados no Relatório Final ou 
 são exactamente os mesmos constantes da Nota de Culpa ou são mero 
 desenvolvimento ou concretização dos já constantes na nota de culpa, o que, como 
 
 é entendimento quase absoluto da Jurisprudência, não determina nulidade do 
 processo disciplinar (veja-se, a título meramente exemplificativo, o AC. do STJ 
 de 20/5/88, BMJ-377.º, pág. 396 e s, maxime a pág. 400).”
 Pretende o recorrente que um tal juízo sobre a sua conduta implica, ou 
 pressupõe, uma interpretação inconstitucional das normas do artigo 10.º, n.ºs 1, 
 
 4 e 5 e do artigo 12.º, n.º 3, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 64-A/89, assim 
 redigidas:
 
 “Artigo 10.°
 
 (Processo)
 
 1. Nos casos em que se verifique algum comportamento que integre o conceito de 
 justa causa, a entidade empregadora comunicará, por escrito, ao trabalhador que 
 tenha incorrido nas respectivas infracções a sua intenção de proceder ao 
 despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos 
 que lhe são imputáveis. 
 
 (…)
 
 4. O trabalhador dispõe de cinco dias úteis para consultar o processo e 
 responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere 
 relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, 
 podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem 
 pertinentes para o esclarecimento da verdade.
 
 5. A entidade empregadora, directamente ou através de instrutor que tenha 
 nomeado, procederá obrigatoriamente às diligências probatórias requeridas na 
 resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou 
 impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundamentadamente, por escrito.
 
 (…)”
 
 “Artigo 12.º
 
 (Ilicitude do despedimento)
 
 (…)
 
 3. O processo só pode ser declarado nulo se: 
 a) Faltar a comunicação referida no n.° 1 do artigo 10.°;
 b) Se se fundar em motivos políticos, ideológicos ou religiosos, ainda que com 
 invocação de motivo diverso;
 
 (…)”
 Não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar ou valorar, novamente, para efeitos 
 disciplinares, a conduta do ora recorrente, ou controlar a apreciação que a tal 
 propósito foi efectuada pelo tribunal a quo, ainda que apenas para averiguar se 
 as infracções verificadas foram ou não efectivamente provadas e constavam, ou 
 não, da nota de culpa.
 Ora, tendo em conta a imputação que se fez na nota de culpa, e considerando que 
 as instâncias julgaram corresponder, neste particular, ao fundamento invocado na 
 decisão final do processo disciplinar – “as duas expressões reflectem a mesma 
 realidade”, diríamos, o mesmo facto concreto, o qual integra violação do dever 
 de lealdade –, logo tem, porém, de concluir-se que as previsões do artigo 10.º, 
 n.ºs 1, 4 e 5, foram consideradas preenchidas e, portanto, que as normas do 
 artigo 12.º, n.º 3, alíneas a) e b) do referido diploma não foram interpretadas 
 em sentido diverso do que a Constituição lhes impõe, como poderia ser o caso se 
 tivesse havido um juízo de desconformidade entre a imputação da nota de culpa e 
 o fundamento invocado na decisão final do processo disciplinar.
 Pode, efectivamente, ler-se no acórdão recorrido, a fls. 920vs e 921 dos autos:
 
 «(…)
 Ora, prossegue, da nota de culpa não constam as imputações de o recorrente 
 faltar conscientemente à verdade, ou seja, ser mentiroso.
 Mas não é assim.
 Na realidade, no art.º 35.º da Nota de Culpa são feitas referências várias a 
 afirmações do recorrente constantes de diversas exposições escritas enviadas à 
 entidade patronal, dizendo-se depois, no art.º 36.º, que, aquelas (afirmações) 
 envolviam uma “notória atitude de falta de lealdade para com a sua entidade 
 patronal, já que bem se sabe o arguido é engenheiro civil, que foi como 
 engenheiro civil que se candidatou e foi recrutado (…)”.
 Ora, como bem diz o Mm.ª Procuradora-Geral Adjunta “… a falta de lealdade para 
 com a entidade patronal imputada ao recorrente no art.º 36.º da nota de culpa, 
 no contexto em que essa imputação foi feita, só tem uma justificação: a de que o 
 recorrente faltou à verdade para com a sua entidade patronal. Efectivamente, o 
 que ficou a constar no referido artigo é que o recorrente apesar de saber que se 
 candidatou como engenheiro civil e que foi nessa qualidade que a recorrida o 
 recrutou, nunca admitiu esses factos, tendo antes afirmado, como se refere no 
 artigo 35.º da nota de culpa, designadamente que “nunca actuou na empresa como 
 engenheiro” e que “foi como especialista de marketing que foi admitido na 
 empresa”.
 Embora no artigo 36.º da nota de culpa se tenha utilizado a expressão “falta de 
 lealdade” e no ponto H, alínea c), do Relatório Final se tenha utilizado a 
 expressão “ter faltado à verdade”, as duas expressões reflectem a mesma 
 realidade e daí que se imponha concluir, tal como se concluiu no douto acórdão 
 recorrido, pela inexistência de discrepância entre os factos dados como provados 
 no Relatório Final e os vertidos na nota de culpa”.
 Não se pode dizer, assim, que houve violação do direito de audiência e de defesa 
 tal como é reconhecido no art.º 10.º, n.º 4, da LCCT.»
 Não assiste, pois, razão ao recorrente quando, na resposta ao despacho do ora 
 relator de fl. 974, defende que
 
 “o Supremo Tribunal de Justiça aceitou como ratio decidendi a norma retirada da 
 conjugação dos art.ºs 10.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 12.º, n.º 3, alíneas a) e b), da 
 Lei dos Despedimentos de 1989, interpretada no sentido da irrelevância da 
 inclusão na decisão disciplinar de infracções dadas como provadas e não 
 constantes da nota de Culpa.” (Ponto 12).
 Na medida em que o juízo de conformidade constitucional de uma norma dependa de 
 um juízo de facto sobre o cumprimento ou não cumprimento de normas 
 infra‑constitucionais, não pode o Tribunal Constitucional, sob pena de exorbitar 
 das suas competências de estrito controlo normativo, deixar de acatar esse juízo 
 de facto. 
 Em consequência, e porque o sentido normativo pretensamente desconforme com a 
 Constituição teria de assentar num juízo em matéria de facto, e sua valoração, 
 distinto do que foi reiteradamente formulado pelas três instâncias, tem este 
 Tribunal de concluir que o sentido normativo impugnado, relativo à inclusão na 
 decisão disciplinar de infracções dadas como provadas e não constantes da nota 
 de culpa, não foi aplicado na decisão recorrida, e, portanto, que também em 
 relação às normas dos artigos 10.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 12.º, n.º 3, alíneas b) e 
 c), do Decreto-Lei n.º 64-A/89, se não verificam os pressupostos para poder 
 tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade.
 III. Decisão
 Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento 
 do presente recurso e, consequentemente, condenar o recorrente em custas, 
 fixando a taxa de justiça em 20 ( vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 12 de Dezembro de 2006
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 
                                  Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da    
 declaração de voto junta)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 Declaração de voto
 
  
 Votei vencida o presente Acórdão por entender que o Tribunal Constitucional 
 deveria ter tomado conhecimento da dimensão normativa suscitada, já que ela 
 consta necessariamente da respectiva ratio decidendi.
 Na realidade, entendo que a imputação constante da nota de culpa relativamente à 
 violação do dever de lealdade se baseava em factos específicos diversos dos que 
 vieram a constar da Decisão Disciplinar, podendo, obviamente, estar em causa a 
 violação do mesmo dever.
 De qualquer modo, a fundamentação da violação do dever em questão depende, por 
 razões garantísticas e de defesa, de factos individualizados, não podendo ser 
 imputada ao trabalhador apenas uma genérica violação do dever de lealdade. 
 Aliás, a diversidade dos factos não só poderia ser relevante para efeitos de 
 defesa como para efeitos de uma eventual pluralidade de infracções do mesmo 
 dever.
 Os factos que estão em causa revelam uma diferenciação suficiente, apesar de 
 existir entre eles conexão. No entanto, são factos diversos uma eventual 
 desobediência e a invocada mentira deliberada sobre a posição com que o 
 trabalhador entrou na empresa. Que “desobediência” e “mentira” se distinguem é, 
 porém, manifesto.
 Assim, se o Tribunal Constitucional não podia “apreciar ou valorar, novamente, 
 para efeitos disciplinares, a conduta do ora recorrente”, em si mesmo, como 
 refere o Acórdão, também é verdade que, sendo a raiz do problema de 
 constitucionalidade precisamente a possibilidade de factos diferentes aos da 
 nota de culpa constarem da Decisão Disciplinar, não poderia prescindir da 
 consideração desse facto. Essa era a matéria objecto da questão de 
 constitucionalidade.
 Por tudo isto, conheceria do objecto do presente recurso.
 Maria Fernanda Palma