 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 655/03
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 I. Relatório
 
 1.Em 2 de Outubro de 1995, A., S.G.P.S., S.A. (anteriormente designada “B. – 
 S.G.P.S., S.A.”) e C., S.A., melhor identificadas nos autos, intentaram, no 
 Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, acção de indemnização contra o 
 Estado Português em que pediam a condenação deste, em montante a liquidar em 
 execução de sentença, numa indemnização por responsabilidade civil 
 extracontratual, resultante do comportamento do demandado no processo de 
 privatização do D..
 Por despacho saneador-sentença, de 14 de Junho de 1996, o demandado foi 
 absolvido do pedido, com fundamento em que “todos os danos alegados se podem 
 imputar à falta de recurso contencioso do acto visado”.
 Recorreram as demandantes para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por 
 acórdão de 30 de Abril de 1998, decidiu revogar “a decisão recorrida, devendo os 
 autos prosseguir os seus regulares e ulteriores [termos] no TAC do Porto, se 
 outros motivos processuais a tal não obstarem”.
 No cumprimento desta decisão veio a ser proferida sentença, de 7 de Março de 
 
 2002, no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, em que se entendeu, 
 nomeadamente, não estarem cumulativamente preenchidos os requisitos previstos no 
 artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, que regula a 
 responsabilidade civil do Estado por actos de gestão pública, desde logo por as 
 normas pretensamente violadas não se destinarem a proteger os interesses de um 
 cidadão ou grupo concreto de cidadãos e por da alegada violação de tais normas 
 não terem resultado perdas efectivas, antes ganhos avultados.
 As autoras recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo, formulando as 
 seguintes conclusões:
 
 «1.ª – O Estado sabia que, com a sua participação no processo de reprivatização 
 do D., a B. não prosseguia objectivos meramente financeiros e antes encarava a 
 compra de acções do D. como meio de implementar determinado programa, endereçado 
 
 à realização de certo objectivo - alcançar influência nos destinos do D. e 
 assegurar por essa via uma ligação entre o GRUPO A. e um grupo financeiro 
 
 (resposta ao quesito 12.°) - assim como sabia que esse objectivo só seria 
 alcançável se o processo de reprivatização do D. se orientasse por um modelo de 
 dispersão do capital social, com preferência dos accionistas;
 
 2.ª – Foi o próprio Estado que, através de diligências insistentes, sugeriu à B. 
 aquele programa (resposta ao quesito 9.°), cuja realização garantiu ser possível 
 através das prestações a que se obrigou;
 
 3.ª – Por outro lado, os contactos entre o Estado e o GRUPO PORTUGUÊS 
 desembocaram, sem dúvida, na conclusão de “acordos simples”, de entendimentos, 
 quando não até na celebração de um contrato verdadeiro e próprio;
 
 4.ª – O Estado e o GRUPO PORTUGUÊS (B. incluída) entraram numa relação 
 particular, por via da qual aquele pretendeu influenciar as decisões e os planos 
 de vida dos respectivos membros através de “declarações comprometedoras” 
 especificamente endereçadas ao mesmo GRUPO PORTUGUÊS, induzindo-os não só a não 
 alienarem as suas acções do D. como a reforçarem as suas participações no Banco, 
 através da “promessa” de que no processo de privatização do D. seria sempre dada 
 preferência aos accionistas e se prosseguiria um objecto de dispersão do capital 
 social.
 
 5.ª – A mesma mensagem foi, de resto “irradiada” por outros actos (incluindo 
 actos legislativos) e declarações que, não tendo o GRUPO PORTUGUÊS como 
 destinatário particular, não deixaram, obviamente, pelo seu carácter público, de 
 chegar ao conhecimento da B. e dos demais membros do GRUPO PORTUGUÊS e de serem 
 por estes valorados como confirmação e validação das suas expectativas.
 
 6.ª – Não pode seriamente questionar-se que a conduta do Estado tinha 
 objectivamente o significado de uma tomada de posição vinculante em relação aos 
 moldes da reprivatização do D., e que sobre ele pesavam particulares deveres de 
 cautela e de protecção, designadamente deveres de lealdade, que o obrigavam a 
 não frustrar os objectivos das aquisições prosseguidas pela B., a não diminuir 
 as vantagens alcançadas por esta, nem obstar à obtenção daquelas a que ela podia 
 razoavelmente aspirar;
 
 7.ª – Os termos em que o Estado conformou a última fase do processo de 
 reprivatização do D. consubstanciam uma violação patente, grosseira e 
 injustificada dos seus compromissos e da confiança e dos deveres de cuidado 
 acima referidos, como aliás foi reconhecido pela Comissão Parlamentar que 
 investigou exaustivamente o dossier;
 
 8.ª – O princípio da boa fé, na sua vertente de protecção de confiança, 
 constitui um princípio geral da actividade administrativa, que só foi consagrado 
 expressamente através do Dec-Lei n.° 6/96, de 31 de Janeiro, e da revisão 
 constitucional de 1997, mas que já era aplicável anteriormente por estar 
 implícito no princípio da justiça e no princípio da imparcialidade;
 
 9.ª – Na hipótese em que o comportamento lesivo da boa fé se materializa ou 
 culmina na emanação de um acto administrativo, há ilegalidade desse acto, nada 
 distinguindo neste plano a boa fé, enquanto subprincípio concretizador da ideia 
 de justiça, dos demais princípios constitucionais e legais que presidem à 
 actividade administrativa, como a igualdade, a proporcionalidade, a 
 imparcialidade, etc., sendo que, de resto, o acto contido no art.º 1.º do 
 Dec-Lei n.° 20-A/95 também infringe os princípios da proporcionalidade e da 
 protecção de direitos e interesses legítimos;
 
 10.ª – No mínimo, a violação da confiança cometida pelo Estado gera 
 responsabilidade civil da Administração Pública perante os particulares, visto 
 que estão presentes in specie todos os pressupostos exigíveis (situação de 
 confiança, justificação para essa situação, investimento de confiança, imputação 
 da situação de confiança);
 
 11.ª – Por outra via, o acto administrativo de quo agitur viola o art.º 296.° da 
 Constituição e diversas regras da Lei-Quadro das Privatizações;
 
 12.ª – De facto, a modalidade adoptada para a 4.ª fase não é a “venda directa, 
 antes constituindo uma modalidade atípica e híbrida (uma espécie de 
 auto-vinculação pública do Estado a aceitar uma OPA lançada no mercado) o que 
 consubstancia uma violação da regra da taxatividade das modalidades de 
 reprivatização;
 
 13.ª – Mesmo que se tratasse de uma verdadeira “venda directa”, não estavam 
 verificados os pressupostos legais da sua adopção (pois de acordo com a 
 exigência do n.° 1 do art.º 13.° da LQP, se o Dec-Lei n.° 321-A/90 tivesse 
 efectivamente querido acolher essas modalidades de negociação excepcionais, 
 teria de ter previsto expressamente os respectivos fundamentos), e ainda que 
 estes se verificassem, não estariam já, de certo, reflectidos no conteúdo do 
 acto administrativo e do caderno de encargos que lhe vai anexo, nem sequer na 
 fundamentação que em preâmbulo é ensaiada;
 
 14.ª – Ainda por outra via, mesmo que aquela especial modalidade adoptada fosse 
 em abstracto permitida, a verdade é que a sua adopção in casu seria sempre 
 contrária à Constituição (alínea a) do art.º 296.°) e à LQP (art.º 6.°, n.º 2), 
 pois estes normativos estabelecem o recurso preferencial às modalidades 
 regulares, sempre que estas garantam a obtenção de iguais ou melhores 
 resultados, avaliados estes do ponto de visto do Estado;
 
 15.ª – Acresce que o quadro jurídico da operação de reprivatização assegurava em 
 abstracto e curou de assegurar em concreto uma posição jurídica e factualmente 
 mais vantajosa aos oferentes iniciais quando comparados com eventuais 
 concorrentes, em flagrante contradição com a garantia constitucional da 
 igualdade de tratamento, como também reconheceu a referida Comissão Parlamentar;
 
 16.ª – Verifica-se, igualmente, incongruência entre a fundamentação e o conteúdo 
 do acto, pois o Governo invocou a necessidade de garantir a “estabilidade 
 accionista” mas essa não era, na verdade, uma sua autêntica e consistente 
 intenção, pois o conteúdo do acto nada se adequa à prossecução desse objectivo;
 
 17.ª – Finalmente, a patente violação do dever de boa administração - que é uma 
 directa emanação do “princípio da prossecução do interesse público, 
 constitucionalmente consagrado” - constitui também fonte de responsabilidade 
 civil da Administração;
 
 18.ª – Em matéria de actos jurídicos, o conceito de ilicitude a extrair da 
 interpretação do Dec-Lei n.° 48 051, de 21 de Novembro de 1967, tem 
 necessariamente de ser um conceito alargado, face ao disposto no art.º 6.° desse 
 diploma, justificando-se a presunção de que os actos administrativos ilegais são 
 também actos ilícitos, podendo a presunção ser ilidida apenas se a ilegalidade 
 não gerar invalidade ou se a norma legal violada se orientar clara e 
 exclusivamente para a protecção do interesse geral, sem qualquer refracção nas 
 posições jurídicas dos particulares (direitos subjectivos, interesses legítimos, 
 interesses difusos ou expectativas jurídicas);
 
 19.ª – Relativamente ao princípio da boa fé, na sua vertente de protecção da 
 confiança, é inquestionável que o princípio violado se destina à protecção da 
 esfera jurídica dos particulares, uma vez que a razão de ser do princípio em 
 causa é, precisamente, a de pôr os sujeitos a salvo de condutas lesivas dos seus 
 interesses e, em caso de violação, de lhes conferir meios para reagir 
 adequadamente em defesa desses mesmos interesses;
 
 20.ª – O acto de privatização em crise, ao optar pela venda directa, ofende 
 direitos ou interesses legítimos consolidados durante o seu próprio 
 procedimento, quando a Administração foi reduzindo a sua discricionariedade;
 
 21.ª – As regras sobre reprivatização não se destinam apenas a proteger o bem 
 comum, o interesse de todos os cidadãos. A sua observância é exigível em nome da 
 tutela dos interesses que já tenham tomado posições no âmbito de um concreto 
 processo de reprivatização. Para além disso, têm de respeitar-se os direitos já 
 constituídos, ao abrigo das fases anteriores ou de acordo conexos.
 
 22.ª – A negação da tutela jurisdicional a estas situações subjectivas das 
 Recorrentes - que é o que a sentença do TAC na realidade faz - constitui, aliás, 
 uma violação do direito fundamental de tutela, uma interpretação 
 inconstitucional das regras sobre a privatização em geral e do D. em especial, 
 que, para os devidos efeitos, expressamente aqui se deixa arguida.
 
 23.ª – Colocando-nos fora da perspectiva da responsabilidade pré‑contratual, 
 para analisarmos o problema na óptica dos vícios do acto (incluindo o que 
 decorre da violação da boa fé, ou da justiça ou da imparcialidade), e da sua 
 consequência necessária, a da ilegalidade/ilicitude do acto de reprivatização, 
 não há lugar a considerar a questão do dano negativo/dano positivo. Há já que 
 considerar, sim, se o acto de reprivatização provocou prejuízos e, em caso 
 afirmativo, reconhecer o direito à indemnização.
 
 24.ª – Sempre que se aplique o regime do Dec.-Lei n.° 48 051, por outras 
 palavras, todos os prejuízos sofridos pelo lesado são indemnizáveis desde que 
 possam ser imputados ao facto lesivo nos termos da doutrina da causalidade 
 adequada;
 
 25.ª – De qualquer forma, sempre se dirá que a ideia de limitar a 
 responsabilidade in contraendo ao chamado interesse negativo vem sendo 
 abandonada pela jurisprudência portuguesa e pela doutrina, maxime para o caso de 
 a conduta culposa consistir na violação do dever de conclusão do negócio, e que, 
 caso se responda afirmativamente ao quesito 143.°, como se impõe, o interesse 
 negativo acaba praticamente por coincidir com o interesse positivo, dada a 
 necessidade de indemnizar a “perda de oportunidade”.
 
 26.ª – Ora ficou provado que, se o Estado tivesse realizado a última fase do 
 processo de reprivatização em conformidade com os compromissos assumidos e sem 
 infracção da Lei Quadro das Privatizações, a B., que encabeçava a corrida pelo 
 domínio do D., passaria a desfrutar de uma situação privilegiadíssima no plano 
 do controlo ou do co-controlo dessa instituição, em termos tais que a sua 
 participação de 25,2% seria de imediato vendável a um preço unitário superior a 
 
 2.800$00.
 
 27.ª – Neste cenário, cada uma das acções valeriam, pois, mais de 2.800$00. 
 Acontece, porém, que dados os termos em que o Estado configurou a 4.ª fase, a B. 
 se viu forçada a não exercer as opções de compra e a vender as acções que 
 detinha a um preço de 2.800$00 (pois era seguro que a OPA não deixaria de ter 
 sucesso e que as acções depois da OPA passariam a valer muito menos do que 
 
 2.800$00).
 
 28.ª – A existência de um prejuízo é indesmentível, pelo que o quesito 146.° 
 deve ser havido como provado;
 
 29.ª – Além disso, face à prova produzida, tem de considerar-se como adquirido 
 ou pelo menos como muito provável que a B. teria chegado efectivamente ao 
 controlo do D. e implementado uma reestruturação desta instituição 
 incrementadora do respectivo valor (devendo alterar-se, em conformidade, as 
 respostas aos quesitos 152.°, 158.°, 172.°, 177.° e 178.°) e beneficiado da 
 notável evolução verificada no sector bancário depois de 1995.
 
 30.ª – Conforme demonstrado no relatório do F. junto aos autos, o D., caso se 
 tivesse mantido independente e com uma equipa de gestão profissional, e tendo em 
 consideração o desenvolvimento verificado no sector bancário desde essa data, 
 teria hoje um valor, a preços de 1995, de cerca de 500 milhões de contos (cerca 
 de 4.500$00 por acção); ora as A/B., não fora o comportamento ilícito do Estado, 
 teriam podido chegar aos 50% do D. adquirindo as acções ao preço de 
 
 2.800$00/2.820$00 (ou eram, repete-se, pelo menos muito significativas as 
 probabilidades de que tal viesse a suceder), chamando-se a atenção para o facto 
 de o F. não considerar o valor das sinergias que decorreriam de uma ligação 
 entre o D. e o Grupo A..
 
 31.ª – Se é indemnizável a perda de uma chance, entendida como um bem a se, com 
 muito mais fortes razões o será nos casos em que a mesma se repercute no valor 
 de um activo na titularidade do lesado (pois sendo a chance perdida um valor 
 conexo a um bem do lesado, ficam logo esvaziadas à partida quaisquer objecções 
 assentes no facto de a “chance” ser uma expectativa de facto e, como tal, não 
 autonomamente ressarcível);
 
 32.ª – Não pode recusar-se a atendibilidade das chances na avaliação de 
 investimentos e designadamente, de empresas e de participações sociais, já que o 
 seu valor é precisamente função dos ganhos esperados, à luz dos diversos 
 cenários possíveis e das probabilidades respectivas.
 
 33.ª – Como a reconstituição da situação hipotética em que as Autoras se 
 encontrariam, se não fosse a lesão, depende de muitos factores com uma 
 componente ineliminável de incerteza e de insegurança, o Tribunal deve proceder 
 
 à fixação da indemnização segundo um critério de equidade (ou remeter a 
 liquidação da mesma para execução da sentença, se não se sentir suficientemente 
 esclarecido sobre o que seriam os resultados de uma gestão do D. numa base stand 
 alone e sob o controlo das Autoras, ou melhor, sobre as diversas variáveis que a 
 propósito cobram relevo, e sobre qual o seu peso e impacto);
 
 34.ª – Por mera cautela, sempre se dirá que o art.º 566.°, n.° 3, do C.Cv. é 
 aplicável aos próprios casos em que ao tribunal é impossível determinar se 
 existe um dano (e não apenas o seu montante);
 
 35.ª – Entre o facto ilícito e os prejuízos sofridos pelas autoras intercede um 
 evidente nexo de causalidade e é também patente o carácter culposo do acto 
 praticado (sendo certo que a ilegalidade do acto administrativo dispensa o 
 requisito de culpa como um dos qualificativos necessários para efeitos de 
 responsabilidade);
 
 36.ª – Não existem quaisquer vantagens de que as Autoras tenham beneficiado em 
 consequência do facto que determinou os prejuízos;
 
 37.ª – Por Acórdão proferido em 3 de Abril de 1998, transitado em julgado, o 
 Supremo já decidiu que, para efeitos do art.º 7.° do Dec-Lei n.° 48 051, há que 
 atentar em que “o dano resulta sempre do acto ilícito, que não da negligência 
 processual do lesado não obstante pudesse ter evitado ou reduzido a extensão do 
 dano”, e que a “não utilização dos meios jurídicos aptos a evitar ou impedir o 
 agravamento dos danos decorrente do acto legal” relevará, havendo “negligência 
 processual do lesado”, em função da “aptidão/causalidade dos meios processuais” 
 ou “na medida em que o dano for agravado”, na determinação “do quantum 
 indemnizatório, em termos semelhantes ao que se dispõe no art.º 570.° do 
 C.Civil;
 
 38.ª – Dadas as particularidades do acto administrativo constante do Dec.‑Lei 
 n.º 20-A/95, e a segura ou muito provável ineficiência dos meios processuais 
 abstractamente disponíveis para evitar ou reduzir os prejuízos, não é censurável 
 a não interposição de recurso daquele acto, acompanhado ou não de uma 
 providência cautelar de suspensão de eficácia;
 
 39.ª – Não pode censurar-se às Autoras, de resto, nenhum comportamento positivo 
 ou negativo que tenha contribuído para a produção dos danos ou para o seu 
 agravamento;
 
 40.ª – Se se admitisse, por hipótese, que a decisão administrativa de proceder à 
 
 última fase de reprivatização do D. se deveria considerar válida, 
 verificar-se-iam então os pressupostos da responsabilidade civil por factos 
 lícitos, nos termos do art.º 9.° do Dec.-Lei n.° 48 051, de 21 de Novembro de 
 
 1967, por isso que aquela decisão foi fonte de prejuízos especiais e anormais 
 para as Autoras;
 
 41.ª – Como não há nenhum preceito legal do qual decorra que a indemnização dos 
 danos decorrentes de actos ou actividades lícitas deve ser inferior à que 
 resulta dos princípios gerais da responsabilidade civil, todos os prejuízos 
 acima referidos deverão ser ressarcidos, sem qualquer excepção.
 
 42.ª – A decisão do tribunal colectivo que considerou não provados os quesitos 
 
 143.°, 146.°, 152.°, 158.°, 172.°, 175.°, 177.° e 178.°, violou por errada 
 interpretação e aplicação o disposto no art.º 655.° do CPC;
 
 43.ª – A sentença recorrida, por sua vez, violou, também por errada 
 interpretação e (des)aplicação, o disposto nos art.ºs 13.°, 22.°, 266.° e 268.° 
 da Constituição, nos art.ºs 2.°, 6.° e 9.° do Dec-Lei n.° 48 051, de 21 de 
 Novembro de 1967, nos art.ºs 6.°, 8.° e 13.°, n.° 1, da Lei n.° 11/90, de 5 de 
 Abril, nos art.ºs 4.°, 6.° e 124.°, n.° 2, alínea d), do Código do Procedimento 
 Administrativo, no art.º 514.° do CPC e nos art.ºs 227.° e 566.° do C. Cv.”.
 Por sua vez, a entidade recorrida, nas suas contra-alegações, pugnou pela 
 manutenção da decisão recorrida, invocando: ausência de prejuízo das autoras; a 
 falta de verificação dos requisitos da responsabilidade civil do Estado – 
 citando designadamente um parecer do Prof. Gomes Canotilho segundo o qual “[t]em 
 de existir uma conexão de ilicitude entre a norma ou o princípio violado e a 
 posição juridicamente protegida do particular” e “[q]ualquer que seja a 
 formulação da teoria da protecção da norma e por mais abrangentes que sejam os 
 círculos dos interesses ou posições juridicamente protegidos, não se vislumbra 
 como é que as normas invocadas incluem no seu ‘fim de protecção’ o controle 
 accionista de uma sociedade financeira, legitimando a indemnização por perda da 
 oportunidade de obtenção desse controlo”; a inexistência de compromissos 
 assumidos pelo Estado com o “Grupo Português” e muito menos com as autoras, que 
 não se poderiam considerar suas sucessoras (atento até o facto de pretenderem 
 substitui-lo por um novo grupo que viabilizasse o seu pretendido domínio sobre o 
 D.); a corresponsabilização das próprias autoras no resultado; e a legalidade e 
 constitucionalidade do Decreto-Lei n.º 20-A/95.
 Por acórdão de 18 de Junho de 2003, a 1ª Subsecção da 1ª Secção do Supremo 
 Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso considerando, 
 designadamente:
 
 - “a factualidade dada como provada não é valorizável em sede dos princípios da 
 boa fé e da protecção da confiança, não se pré-figurando a densidade factual 
 conducente à prova do incumprimento, por parte do Estado, dos deveres de conduta 
 exigíveis”;
 
 - “no caso vertente, a existência, por parte das Recorrentes, de meras 
 expectativas de que a mencionada 4.ª fase viesse a decorrer em moldes que se 
 adequassem aos seus interesses não tem a consistência nem a dignidade jurídicas 
 para justificar, de per si, qualquer pretensão indemnizatória, não se deparando, 
 por isso, no caso em apreciação, com uma qualquer vinculatividade 
 jurídico-administrativa das referidas expectativas, tudo se reconduzindo a meras 
 expectativas fácticas, sendo que, como salienta De Cupis, estas não são 
 juridicamente tuteladas”;
 
 - “‘o entendimento’ invocado pelas Recorrentes, se tivesse o sentido e alcance 
 que elas lhe atribuem, e já vimos que não tem, não deixaria de possibilitar o 
 equacionar da hipotética ilegalidade dos alegados ‘compromissos’ por parte do 
 Estado, na medida em que sempre se poderia pretender ver nos mesmos uma actuação 
 de favorecimento de um Grupo”;
 
 - “a própria invocação de um hipotético comportamento contraditório da 
 Administração pressupõe, designadamente, que no momento em que se produza a 
 actuação tida por desconforme com um invocado comportamento anterior subsistam 
 as mesmas circunstâncias que ocorreram aquando do comportamento indicado como 
 vinculante, o que não sucederá se, entretanto, se alterar a situação fáctica”;
 
 - “para a verificação do pressuposto atinente com a ilicitude, em sede de 
 responsabilidade civil extracontratual, não basta, sem mais, a ocorrência de uma 
 qualquer ilegalidade, antes se impondo que a ilegalidade consista na violação de 
 uma norma destinada a tutelar directamente direitos subjectivos ou outras 
 posições jurídicas subjectivas do Autor da acção (…) devendo, no fundo, existir 
 como que uma conexão de ilicitude entre a norma ou o princípio tido por violado 
 e a posição jurídica protegida do Particular”;
 
 - [o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva] “não proclama 
 que os Particulares devam ter acesso à via indemnizatória quando, como no caso 
 em análise, a pretensão dos Recorrentes radique na violação de normas ou 
 princípios não destinados a tutelar as suas posições subjectivas, daí que o 
 Meritíssimo Sr. Juiz ‘a quo’ ao decidir como decidiu a questão agora em 
 apreciação, não tenha perfilhado uma interpretação inconstitucional das regras 
 sobre reprivatização indicadas pelos Recorrentes”;
 
 - “não se verifica a apontada ‘inconstitucionalidade’ com referência à 
 modalidade de reprivatização (venda directa) escolhida pela Administração, sendo 
 que no conceito de venda directa acolhido na LQP se incluem os casos de venda de 
 acções pelo Estado ao oferente de uma oferta pública de aquisição e, isto, 
 fundamentalmente, devido ao facto de uma venda em OPA se consubstanciar numa 
 venda de acções a quem emitiu uma declaração negocial de compra de acções e a 
 dirigiu contemporaneamente a todos os titulares das acções em questão, destarte 
 não existindo inobservância da regra da taxatividade das modalidades de 
 reprivatização”;
 
 - “não concorrem no caso em discussão os pressupostos da responsabilidade civil 
 extracontratual do Estado por actos lícitos”, designadamente “estar perante um 
 sacrifício especial e anormal não imposto à generalidade das pessoas e que não 
 seja inerente aos riscos da vida em sociedade”;
 
 - “no caso em análise, não se pode concluir, à luz da matéria de facto dada como 
 provada, que o Réu Estado tenha infringido as já apontadas exigências da boa fé, 
 não tendo sido infringido o princípio da confiança, não sendo indemnizáveis as 
 suas meras expectativas também em sede da responsabilidade pré-contratual”.
 
 2.Deste acórdão trouxeram “A. e B.” recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do disposto nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do 
 Tribunal Constitucional – LTC), para obter a apreciação da conformidade 
 constitucional de:
 
 - “todas as normas do Dec.-Lei n.º 20-A/95, de 30 de Janeiro, em especial a do 
 seu art.º 1.º, n.º 2 (preceito em torno do qual todos os restantes – art.ºs 
 
 1.º-5.º - se organizam)”;
 
 - das “normas constantes do art.º 6.º, n.º 3, do Dec.-Lei 321-A/90, dos art.ºs 
 
 6.º, n.ºs 1 e 2, e 13.º, n.ºs 1 e 2, da Lei-Quadro das Reprivatizações e dos 
 art.ºs 2.º e 3.º do Dec.-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, na exacta e 
 concreta interpretação perfilhada pelo Acórdão recorrendo (que não contempla a 
 protecção de situações jurídicas dignas de tutela)”.
 Admitido o recurso e remetidos os autos ao Tribunal Constitucional foi 
 determinada a produção de alegações, vindo “A., S.G.P.S.”, e “B.” apresentar as 
 suas, com as seguintes conclusões:
 
 «1.ª – Os preceitos constantes do Dec.-Lei n.º 20-A/95 consubstanciam normas 
 susceptíveis de controlo por corresponderem ao conceito funcional de norma, 
 desde há muito pacificamente sufragado pelo Tribunal Constitucional.
 
 2.ª – O processo de reprivatização do D. foi escalonado em quatro fases, 
 obedecendo as primeiras três a um modelo de dispersão do capital social e de 
 garantia da estabilidade accionista e a quarta, em manifesta ruptura com as 
 restantes, a um modelo de estrita concentração sem qualquer garantia de 
 estabilidade.
 
 3.ª – A modalidade de reprivatização prevista no n.º 2 do art.º 1.º do Dec.‑Lei 
 n.º 20-A/95 - justamente concernente à 4.ª fase - não constitui uma “venda 
 directa”, antes configura uma modalidade atípica e híbrida (uma espécie de 
 auto-vinculação pública do Estado a aceitar uma OPA lançada no mercado).
 
 4.ª – Por ser uma modalidade sui generis e não prevista viola a regra da 
 taxatividade das modalidades de reprivatização, plasmada no art.º 296.º da 
 Constituição, no art.º 6.º da LQR e no art.º 13.º da LQR (na medida em que impõe 
 a primazia material do Dec.-Lei n.º 321/90 sobre o Dec.-Lei n.º 20‑A/95).
 
 5.ª – O Dec.-Lei n.º 20-A/95 padece igualmente de inconstitucionalidade orgânica 
 e formal por violar a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia 
 da República, pois só o órgão parlamentar pode “criar” e “regular” modalidades 
 de reprivatização.
 
 6.ª – Padece também de ilegalidade por violação de lei reforçada - mais 
 concretamente, do art.º 6.º da LQR -, na medida em que opta por uma modalidade 
 de reprivatização não prevenida no elenco legal.
 
 7.ª – Por outro lado ainda, sofre de ilegalidade por violação de lei reforçada 
 
 (mais exactamente, do art.º 13.º da LQR), por isso que o Dec.-Lei n.º 20-A/95 
 elegeu uma modalidade não prefigurada (ou, no limite, não autorizada) no 
 decreto-lei que procedeu à transformação da empresa pública em sociedade anónima 
 
 (a saber, o Dec.-Lei n.º 321/90) - e isto, note-se, ainda que se tratasse de uma 
 autêntica “venda directa”.
 
 8.ª – Mesmo que a modalidade adoptada fosse em abstracto permitida, a sua 
 adopção neste caso seria sempre contrária à Constituição (al. a) do art.º 296.º) 
 e à LQR (art.º 6.º, n.º 2), pois estes normativos estabelecem a regra do recurso 
 preferencial às modalidades regulares, sempre que estas garantam a obtenção de 
 iguais ou melhores resultados, avaliados estes do ponto de vista do Estado.
 
 9.ª – A modalidade adoptada determina ainda uma crassa violação do princípio da 
 igualdade (art.º 13.º da CRP de 1976), em resultado dos especiais efeitos que a 
 aplicação do regime legal das OPA's, constante do Cód.MVM, tem sobre um processo 
 de privatização.
 
 10.ª – A violação do princípio da igualdade traduziu-se (1) na possibilidade de 
 os oferentes determinarem e condicionarem o momento da reprivatização, a 
 modalidade adoptada e algumas das suas condições concretas; (2) na disposição de 
 um tempo não limitado para preparar a operação, enquanto que os seus 
 concorrentes dispuseram apenas de um prazo curto, pautado pelas conveniências 
 dos oferentes iniciais e (3) na garantia antecipada da preferência do Estado, 
 mesmo contra propostas concorrentes mais vantajosas do ponto de vista do 
 interesse público.
 
 11.ª – O Estado sabia que, com a sua participação no processo de reprivatização 
 do D., a B. não prosseguia objectivos meramente financeiros e antes encarava a 
 compra de acções do D. como meio de implementar determinado programa, endereçado 
 
 à realização de certo objectivo - alcançar influência nos destinos do D. e 
 assegurar por essa via uma ligação entre o GRUPO A. e um grupo financeiro 
 
 (resposta ao quesito 12.º) - assim como sabia que esse objectivo só seria 
 alcançável se o processo de reprivatização do D. se orientasse por um modelo de 
 dispersão do capital social, com preferência dos accionistas.
 
 12.ª – Foi o próprio Estado que, através de diligências insistentes, sugeriu à 
 B. aquele programa (resposta ao quesito 9.º), cuja realização garantiu ser 
 possível através das prestações a que se obrigou. 
 
 13.ª – Por outro lado, os contactos entre o Estado e o GRUPO PORTUGUÊS 
 desembocaram, sem dúvida, na conclusão de “acordos simples”, de entendimentos, 
 quando não até na celebração de um contrato verdadeiro e próprio.
 
 14.ª – O Estado e o GRUPO PORTUGUÊS (B. incluída) entraram numa relação 
 particular, por via da qual aquele pretendeu influenciar as decisões e os planos 
 de vida dos respectivos membros através de “declarações comprometedoras” 
 especificamente endereçadas ao mesmo GRUPO PORTUGUÊS, induzindo-os não só a não 
 alienarem das suas acções do D. como a reforçarem mesmo as suas participações no 
 Banco, através da “promessa” de que no processo de privatização do D. seria 
 sempre dada preferência aos accionistas e se prosseguiria um objecto de 
 dispersão do capital social.
 
 15.ª – A mesma mensagem foi, de resto, “irradiada” por outros actos (incluindo 
 actos legislativos) e declarações que, não tendo o GRUPO PORTUGUÊS como 
 destinatário particular, não deixaram, obviamente, pelo seu carácter público, de 
 chegar ao conhecimento da B. e dos demais membros do GRUPO PORTUGUÊS e de serem 
 por estes valorados como confirmação e validação plenas das suas expectativas.
 
 16.ª – Não pode seriamente questionar-se que a conduta do Estado tinha 
 objectivamente o significado de uma tomada de posição vinculante em relação aos 
 moldes da reprivatização do D., e que sobre ele pesavam particulares deveres de 
 cautela e de protecção, designadamente deveres de lealdade, que o obrigavam a 
 não frustrar os objectivos das aquisições prosseguidos pela B., a não diminuir 
 as vantagens alcançadas por esta, nem a obstar à obtenção daquelas a que ela 
 podia razoavelmente aspirar.
 
 17.ª – Isso mesmo decorria do conteúdo dos três diplomas legislativos que 
 conformaram as três primeiras fases de reprivatização do D., em termos tais, que 
 não era razoável admitir qualquer inflexão da estratégia prosseguida. 
 
 18.ª – Todavia, os termos em que o Estado conformou a última fase do processo de 
 reprivatização do D. consubstanciam uma violação patente, grosseira e 
 injustificada dos seus compromissos e da confiança e dos deveres de cuidado 
 acima referida, como aliás foi reconhecido pela Comissão Parlamentar que 
 investigou exaustivamente o dossier.
 
 19.ª – O princípio da boa fé, na sua vertente de protecção da confiança, 
 enquanto decorrência do princípio do Estado de Direito, constitui um princípio 
 constitucional que vincula todas as entidades públicas, designadamente o 
 legislador e o administrador (art.º 2.º e art.º 266.º, n.º 2, da CRP de 1976)
 
 20.ª – O Dec.-Lei n.º 20-A/95 não só ofende o princípio da boa fé como 
 identicamente infringe os princípios da proporcionalidade e da protecção de 
 direitos e interesses legítimos.
 
 21.ª – Em matéria de actos jurídicos, o conceito de ilicitude a extrair da 
 interpretação do Dec.‑Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, tem 
 necessariamente de ser um conceito alargado, face ao disposto no art.º 6.º desse 
 diploma, justificando-se a presunção de que os actos administrativos ilegais são 
 também actos ilícitos, podendo a presunção ser ilidida apenas se a ilegalidade 
 não gerar invalidade ou se a norma legal violada se orientar clara e 
 exclusivamente para a protecção do interesse geral, sem qualquer refracção nas 
 posições jurídicas dos particulares (direitos subjectivos, interesses legítimos, 
 interesses difusos ou expectativas jurídicas);
 
 22.ª – Relativamente ao princípio da boa fé, na sua vertente de protecção da 
 confiança, é inquestionável que o princípio violado se destina à protecção da 
 esfera jurídica dos particulares, uma vez que a razão de ser do princípio em 
 causa é, precisamente, a de pôr os sujeitos a salvo de condutas lesivas dos seus 
 interesses e, em caso de violação, de lhes conferir meios para reagir 
 adequadamente em defesa desses mesmos interesses.
 
 23.ª – O mesmo vale, quiçá por maioria de razão, para o princípio da igualdade 
 de tratamento e pode ser estendido ao critério constitucional de opção 
 legislativa pelas chamadas “modalidades preferenciais” ou outras regras 
 constitucionais e legais relativas às reprivatizações.
 
 24.ª – As regras sobre reprivatização não se destinam apenas a proteger o bem 
 comum, o interesse de todos os cidadãos. A sua observância é exigível em nome da 
 tutela dos interessados que já tenham tomado posições no âmbito de um concreto 
 processo de reprivatização. Para além disso, têm de respeitar‑se os direitos já 
 constituídos, ao abrigo das fases anteriores ou de acordos conexos.
 
 25.ª – A negação da tutela jurisdicional a estas situações subjectivas das 
 Recorrentes constitui, aliás, uma violação do direito fundamental de tutela, uma 
 interpretação inconstitucional das regras sobre a privatização em geral e do D. 
 em especial, que, para os devidos efeitos, expressamente aqui se deixa arguida.»
 Por sua vez, o Ministério Público, em representação do Estado, encerrou assim as 
 suas contra-alegações:
 
 «1.º – A norma constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 20-A/95, ao instituir 
 como forma de reprivatização do D. a “venda directa”, aí regulamentada, não 
 viola directamente o artigo 296.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, não sendo, 
 pois, orgânica ou formalmente inconstitucional.
 
 2.º – Não constitui questão de inconstitucionalidade normativa, sindicável pelo 
 Tribunal Constitucional, a que se traduz em pretender aferir, sob o prisma da 
 tutela de boa fé, da actuação global dos órgãos do Estado que intervieram na 
 privatização do D., em termos de determinar – em concretização de tal cláusula 
 geral – se tal actuação, concreta e casuística, lesou ou não expectativas 
 fundadas da entidade recorrente.
 
 3.º – Não é identicamente sindicável, no âmbito do controlo normativo da 
 constitucionalidade, a questão que se traduz em saber se a opção do Estado pela 
 peculiar modalidade de “venda directa”, regulada naquele diploma legal, em 
 detrimento das outras modalidades possíveis de reprivatização, garante ou não a 
 obtenção de iguais ou melhores resultados, avaliados do ponto de vista do 
 interesse do Estado.
 
 4.º – Não implica violação relevante do princípio da “igualdade de 
 oportunidades” de entidades privadas no processo de reprivatização a 
 possibilidade – constitucionalmente tutelada – de o legislador poder optar por 
 modalidades diversas do concurso público, comportando, em maior ou menor grau, 
 uma escolha relativamente discricionária da entidade a que irá ser adjudicado o 
 capital a alienar com a reprivatização.
 
 5.º – A norma constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 20-A/95, ao regular a 
 
 “venda directa”, aí prevista, através de – no dizer do recorrente – uma “espécie 
 de prévia vinculação pública do Estado a aceitar uma OPA lançada no mercado”, 
 não padece de ilegalidade por violação da lei com valor reforçado, já que o 
 artigo 8.º da Lei Quadro das Privatizações assenta numa definição 
 suficientemente ampla do conceito legal de “venda directa”, de modo a abarcar 
 situações diversas da mera – e discricionária – adjudicação directa e imediata 
 do capital a uma entidade pré-determinada.
 
 6.º – Não havendo qualquer precedência hierárquica entre o Decreto-Lei n.º 
 
 321/90 e o Decreto-Lei n.º 20-A/95, carece de fundamento o alegado “valor 
 preclusivo” do primeiro de tais diplomas legais sobre o segundo, no que toca às 
 modalidades possíveis de reprivatização a adoptar nas fases subsequentes.
 
 7.º – Não viola o princípio constitucional da responsabilidade de entidades 
 públicas, consagrado no artigo 22.º da Constituição, a interpretação normativa 
 que – cindindo os conceitos de “ilegalidade” e “ilicitude” do acto 
 administrativo – exige que os direitos e interesses do particular, pretensamente 
 lesados, se situem no círculo de interesses tutelados pela disposição legal 
 infringida, aplicando e adaptando ao domínio do direito administrativo a teoria 
 do “fim protegido”, consagrada no artigo 483.º do Código Civil.
 
 8.º – Incumbe aos tribunais, na interpretação e aplicação do direito 
 infraconstitucional, identificar o bem jurídico protegido pela disposição legal 
 desrespeitada pela conduta da Administração, de modo a determinar se certo vício 
 do acto deve implicar, no circunstancialismo do caso concreto, ilicitude 
 material, traduzida na violação de direitos ou interesses contidos no horizonte 
 de responsabilização da norma.
 
 9.º – Face ao elenco dos interesses tutelados com as reprivatizações – definidos 
 em função dos “objectivos essenciais”, tipificados no artigo 3.º da Lei n.º 
 
 11/90 – é correcta e adequada a valoração realizada pelo acórdão recorrido, em 
 termos de excluir de tal círculo o interesse na obtenção de um controlo 
 accionista da sociedade financeira, justificador de pretensão indemnizatória 
 pelos “lucros cessantes”, decorrentes de perda de oportunidade na obtenção desse 
 controlo.»
 Entretanto vieram “a. S.G.P.S., S.A.”, e “C., S.A.”, pedir a junção aos autos de 
 pareceres jurídicos que, por extemporâneos, tinham sido recusados no Supremo 
 Tribunal Administrativo, o que foi deferido por despacho do relator no Tribunal 
 Constitucional.
 
 3.Em 15 de Julho de 2004, o relator no Tribunal Constitucional proferiu o 
 seguinte despacho, prevenindo a “eventual delimitação do objecto do presente 
 recurso de constitucionalidade” de acordo com as questões prévias suscitadas 
 pelo Ministério Público:
 
 «1. A fls. 3530 e segs. dos presentes autos, A. e B. vieram interpor recurso 
 para o Tribunal Constitucional do acórdão de 18 de Junho de 2003, da 1.ª 
 Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal 
 Administrativo, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pedindo a apreciação de “todas as normas 
 do Dec.-Lei n.º 20-A/95, de 30 de Janeiro, em especial a do seu art. 1.º, n.º 2 
 
 (preceito em torno do qual todos os restantes – arts. 1.º a 5.º – se 
 organizam)”, bem como “das normas constantes do art. 6.º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 
 
 321-A/90, dos arts. 6.º, n.ºs 1 e 2, e 13.º, n.ºs 1 e 2, da Lei-Quadro das 
 Reprivatizações e dos arts. 2.º e 3.º do Dec.-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro 
 de 1967”, às primeiras imputando várias inconstitucionalidades e ilegalidades 
 
 (por violação de lei reforçada), e às últimas imputando “unicamente uma 
 inconstitucionalidade, a saber, a violação do direito à tutela judicial 
 efectiva”.
 
 2. Notificadas para apresentarem as suas alegações, as recorrentes vieram 
 expressamente “desenvolver um esforço de ‘redução da complexidade’”, concluindo 
 a pedir que fossem “consideradas inconstitucionais e ilegais (violação de lei 
 reforçada)” “as normas constantes do Dec.-Lei n.º 20-A/95”, e “considerada 
 inconstitucional” “a interpretação perfilhada pelo acórdão sob recurso dos arts. 
 
 2.º e 3.º do Dec.-Lei n.º 48051”.
 Nas suas contra-alegações, o Ministério Público veio notar que as recorrentes 
 haviam abandonado parte das questões que tinham enunciado no requerimento de 
 interposição de recurso (as referentes ao artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 
 
 321-A/90, e aos artigos 6.º, n.ºs 1 e 2, e 13.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 11/90), 
 e que o acórdão recorrido não havia aplicado a interpretação normativa 
 contestada pelas recorrentes: a de que a modalidade de reprivatização do D. (D.) 
 adoptada no Decreto‑Lei n.º 321-A/90 “não constitui uma ‘venda directa’, mas 
 antes uma ‘modalidade atípica e híbrida’ que violaria a ‘regra da taxatividade’ 
 das modalidades de reprivatização, plasmada no artigo 296.º da Constituição da 
 República Portuguesa”, concluindo que
 
 “não sendo o referido conceito de ‘venda directa’ um conceito constitucional, já 
 que o artigo 296.º se lhe não refere expressamente – estando a sua 
 admissibilidade apenas coberta pela previsão de excepções possíveis à regra do 
 concurso, proclamada pela alínea a) do n.º 1 do tal preceito constitucional –, 
 entendemos que não compete ao Tribunal Constitucional, no âmbito de um recurso 
 de constitucionalidade, sindicar da correcção e adequação substantivas e 
 materiais de interpretação do referido conceito.”
 
 3. A acompanhar-se o argumento transcrito, conclui-se que, a mais de terem de 
 ficar de fora da apreciação deste Tribunal as normas anteriormente impugnadas do 
 Decreto-Lei n.º 321-A/90 e da Lei n.º 11/90, mas abandonadas nas alegações do 
 recurso de constitucionalidade, fica igualmente subtraída ao controlo de 
 constitucionalidade a qualificação da operação de reprivatização operada pelo 
 Decreto-Lei n.º 20-A/95, adoptada pelo Tribunal Administrativo do Círculo do 
 Porto e mantida pelo Supremo Tribunal Administrativo – ficando, 
 consequentemente, prejudicadas as consequências que daí as recorrentes faziam 
 derivar, em termos de desconformidade com uma “regra da taxatividade das 
 modalidades de reprivatização, plasmada no art. 296.º da Constituição [e] no 
 art. 6.º da LQR [Lei n.º 11/90]”, em termos de inconstitucionalidade orgânica e 
 formal (“por violar a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia 
 da República, pois só o órgão parlamentar pode ‘criar’ e ‘regular’ modalidades 
 de reprivatização”), e em termos de ilegalidade por violação de lei reforçada 
 
 (“mais concretamente, do art. 6.º da LQR – na medida em que opta por uma 
 modalidade de reprivatização não prevenida no elenco legal”).
 Por outro lado, nota igualmente o Ministério Público que são ainda insindicáveis 
 no presente recurso de constitucionalidade:
 
 - a suposta violação do princípio do recurso preferencial às modalidades‑regra 
 de reprivatização, enunciadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 296.º da 
 Constituição, por não caber ao Tribunal Constitucional “determinar, no plano 
 prático e económico, que modalidade de reprivatização seria, em concreto, mais 
 adequada e eficaz, sendo, naturalmente, o juízo formulado pelo legislador 
 infraconstitucional, no uso da sua discricionaridade legislativa legítima, 
 insindicável no plano do controlo normativo da constitucionalidade”;
 
 - a suposta violação dos princípios da boa fé e da confiança na actuação dos 
 
 órgãos do Estado no processo e reprivatização do D., desde logo, porque tal 
 matéria está «indissociavelmente conexionada com a própria matéria de facto tida 
 por relevante e decisiva, assentando a conclusão do Supremo Tribunal 
 Administrativo de que não houve frustração ilegítima de expectativas fundadas na 
 
 “factualidade dada como provada”». E também, em segundo lugar, por não se 
 afigurar «admissível sindicar, num recurso de constitucionalidade, o 
 preenchimento e densificação de cláusulas gerais de “segundo grau”, como o abuso 
 do direito ou a boa fé, já que o juízo aplicativo do critério sindicante de tais 
 cláusulas, concretizado numa específica decisão judicial em função de um 
 peculiar e particular conjunto concreto de circunstância, é destituído de 
 sentido “normativo”», relevando antes da decisão concreta do caso, “como se 
 decidiu nos Acórdãos n.ºs 655/99 e 246/2000” (publicados, respectivamente, no 
 Diário da República, II série, de 16 de Março de 2000 e de 3 de Novembro de 
 
 2000).
 
 4. Restarão, assim, para conhecer no presente recurso, as questões da eventual 
 desconformidade das regras do Decreto-Lei n.º 20-A/95 com as do Decreto-Lei n.º 
 
 321/90 (e, por essa via, com as do artigo 13.º da Lei n.º 11/90), que poderiam 
 originar ilegalidade, e com o princípio da igualdade (que poderiam gerar 
 inconstitucionalidade), bem como a questão da eventual desconformidade das 
 regras impugnadas do Decreto-Lei n.º 48051, «com o princípio da 
 
 “responsabilidade das entidades públicas”, afirmado pelo artigo 22.º da 
 Constituição», já que, como também notou o Ministério Público neste Tribunal, “a 
 questão suscitada pela[s] recorrente[s] não se situa no domínio procedimental, 
 mas no substantivo, ligando-se à definição dos pressupostos da responsabilidade 
 civil do Estado” e não propriamente à tutela judicial efectiva que as 
 recorrentes invocam.
 
 5. Notifique as recorrentes e o recorrido desta eventual delimitação do objecto 
 do presente recurso de constitucionalidade, a fim de, querendo, sobre ela se 
 pronunciarem, no prazo de 10 (dez) dias.»
 A este despacho responderam “A., S.G.P.S. e B.”, dizendo, em síntese:
 
 - não terem “abandonado a questão respeitante à constitucionalidade do artigo 
 
 6.º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 321-A/90, dos artigos 6.º, n.ºs 1 e 2, e 13.º, n.ºs 
 
 1 e 2, da Lei Quadro das Reprivatizações” como se comprovaria pelas “páginas 90 
 e segs. das alegações e [pel]o ponto 24.º das respectivas conclusões”; embora 
 reconheçam que tais preceitos não eram aí individualizados, entendem, porém, que 
 
 “esses preceitos se encontravam rigorosamente delimitados pelo requerimento de 
 interposição do recurso, e que a interpretação dos mesmos constante do acórdão 
 recorrido é aí expressamente enunciada”;
 
 - ser “inequívoco que cabe na competência do Tribunal Constitucional verificar 
 se a modalidade concreta de reprivatização inscrita no Dec.-Lei n.º 20-A/95 
 respeitou ou não aquele princípio [o da taxatividade das formas de 
 reprivatização] – o que só poderá fazer após ter analisado a correspondência da 
 operação ali prevista com alguma das modalidades previstas na Lei-Quadro das 
 Reprivatizações”;
 
 - que, “[s]e não restam dúvidas que o juízo formulado pelo legislador é 
 susceptível de controlo por parte do Tribunal Constitucional no que toca à 
 constitucionalidade dos preceitos em causa (os constantes do Dec.-Lei n.º 
 
 20‑A/95), muito menos restarão sobre a possibilidade de o Tribunal apreciar a 
 legalidade desses preceitos em face do art.º 6.º da Lei-Quadro das 
 Reprivatizações”, com base no argumento de que “a ‘liberdade’ de que o 
 legislador infraconstitucional dispõe na formulação daquele juízo (na 
 possibilidade de adopção de uma outra modalidade de reprivatização que não as 
 modalidades preferenciais aí previstas) é muito menor quando o legislador está 
 vinculado não só à Constituição, como também a uma lei de valor reforçado, como 
 
 é o caso das Leis de Enquadramento, ou Leis-Quadro, como aqui sucede com a 
 Lei-Quadro das Reprivatizações”;
 
 - que a “inconstitucionalidade normativa (…) prende-se com o facto de saber se 
 as normas constantes do Dec.-Lei n.º 20-A/95, nomeadamente o seu art.º 1.º, n.º 
 
 2, são, ou não, compatíveis com os princípios da boa fé (…) e da protecção da 
 confiança – está-se aqui, assim, perante a questão de uma inconstitucionalidade 
 normativa, o domínio por excelência de atribuições do Tribunal Constitucional”.
 
 4.Considerando a flutuação registada na identificação das entidades recorrentes, 
 foi proferido novo despacho do relator, com o seguinte teor:
 
 «Considerando que a acção de que emergem as questões de constitucionalidade 
 submetidas à apreciação deste Tribunal foi intentada pelas sociedades então 
 designadas “A., S.G.P.S., S.A.”, e “C., S.A.” (fls. 1 dos autos), sendo que a 
 primeira destas sociedades era anteriormente designada “B. – S.G.P.S., S.A.” e 
 era integralmente detida pela segunda (como resulta da especificação);
 Considerando que, no requerimento de recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional em 4 de Julho de 2003 (fls. 3530 dos autos), as recorrentes 
 aparecem identificadas apenas como “A. e B.” – o que ainda poderia entender-se 
 como identificação das duas referidas sociedades autoras, as quais no posterior 
 pedido de junção de pareceres ao recurso de constitucionalidade (fls. 3661) se 
 identificaram também como na petição inicial (“A., S.G.P.S., S.A., e C., S.A..”) 
 
 –, mas que, posteriormente, nas alegações apresentadas e na resposta ao despacho 
 do relator (fls. 3538 e 3841, respectivamente) no Tribunal Constitucional, as 
 recorrentes vêm, diversamente, identificadas como “A., S.G.P.S. e B.” (ou seja, 
 duas designações de uma mesma entidade);
 Notifique as recorrentes, “A. e B.” (ou “C., S.A.” e “A., S.G.P.S., S.A.”), 
 para, no prazo de 10 (dez) dias, virem aos autos esclarecer quem é recorrente no 
 presente recurso de constitucionalidade e ratificar, se for caso disso, as peças 
 processuais apresentadas.»
 As recorrentes vieram esclarecer que “a acção de que emergem as questões de 
 constitucionalidade submetidas à apreciação deste Tribunal foi intentada pela A. 
 SGPS, S.A., e E. SGPS, S.A., então designadas, respectivamente, C., S.A., e A. 
 S.G.P.S., S.A.”, ficando a dever-se a designação B. a que, à “data dos factos 
 que integram a causa de pedir, a A., S.G.P.S., S.A. girava sob a firma B. 
 S.G.P.S., S.A.”, “daí que, frequentemente, as partes e o próprio tribunal de 1.ª 
 instância utilizem a designação B. para se lhe referirem”, pelo que as 
 
 “designações de A. e B. usadas no requerimento de recurso referem-se a primeira 
 
 à A. SGPS, S.A., e a segunda à E. SGPS, S.A.”, ratificando-se, em nome destas, 
 as peças processuais apresentadas.
 Cumpre agora apreciar e decidir, começando pela delimitação do objecto do 
 recurso.
 II. Fundamentos
 A) Questões prévias
 
 5.Como se referiu, o Ministério Público suscitou questões prévias ao 
 conhecimento das questões de constitucionalidade, quanto às normas dos artigos 
 
 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 321-A/90, e 6.º, n.ºs 1 e 2, e 13.º, n.ºs 1 e 2, 
 da Lei Quadro das Privatizações (Lei n.º 11/90, de 5 de Abril), afirmando que 
 tais normas não foram impugnadas nas alegações do recurso de 
 constitucionalidade, ao que as recorrentes responderam invocando o que tinham 
 escrito a págs. 90 e segs. das suas alegações e na conclusão 24.º, esta última 
 acima transcrita e com o seguinte teor:
 
 “As regras sobre reprivatização não se destinam apenas a proteger o bem comum, o 
 interesse de todos os cidadãos. A sua observância é exigível em nome da tutela 
 dos interessados que já tenham tomado posições no âmbito de um concreto processo 
 de reprivatização. Para além disso, têm de respeitar-se os direitos já 
 constituídos, ao abrigo das fases anteriores ou de acordos conexos”.
 Como, porém, facilmente se compreende – e resulta da consulta do que nas 
 referidas páginas das alegações se escreve, sob a epígrafe “O princípio da 
 igualdade, o princípio da boa fé, o critério das modalidades preferenciais, as 
 exigências do art.º 296.º da CRP de 1976 e as normas da LQR como disposições 
 destinadas a proteger interesses alheios para efeitos do art.º 2.º do Dec.-Lei 
 n.º 48 051” –, a questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada 
 com estas alegações é distinta da questão da conformidade constitucional das 
 normas do artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 321‑A/90 (“As segunda e terceira 
 fases serão ulteriormente estabelecidas mediante diplomas próprios, em condições 
 e segundo qualquer das modalidades admitidas pela Lei n.º 11/90, de 5 de Abril”) 
 e dos artigos 6.º, n.º 1 (“A reprivatização da titularidade realizar-se-á, 
 alternativa ou cumulativamente, pelos seguintes processos: a) alienação das 
 acções representativas do capital social; b) aumento do capital social”) e n.º 2 
 
 (“Os processos previstos no número anterior realizar-se-ão, em regra e 
 preferencialmente, através de concurso público, oferta na bolsa de valores ou 
 subscrição pública.”), e 13.º, n.º 1 (“O decreto-lei referido no n.º 1 do artigo 
 
 4.º aprovará o processo, as modalidades de cada operação de reprivatização, 
 designadamente os fundamentos da adopção das modalidades de negociação previstos 
 nos n.ºs 3 e 4 do artigo 6.º, as condições especiais de aquisição de acções e o 
 período de indisponibilidade a que se referem os artigos 11.º, n.º 1, e 12.º, 
 n.º 2.”) e n.º 2 da Lei n.º 11/90 (“Nas reprivatizações realizadas através de 
 concurso público, oferta na bolsa de valores ou subscrição pública, nenhuma 
 entidade singular ou colectiva poderá adquirir ou subscrever mais do que uma 
 determinada percentagem do capital a reprivatizar, a definir também no diploma a 
 que se refere o n.º 1 do artigo 4.º, sob pena, consoante for determinado, de 
 venda coerciva das acções que excedam tal limite, perda do direito de voto 
 conferido por essas acções, ou ainda de nulidade de tais aquisições ou 
 subscrições nos termos que forem determinados.”).
 Na verdade, o que as recorrentes pretendem não é um confronto do regime em geral 
 previsto nestas normas com as exigências constitucionais, em termos de se 
 concluir pela eventual desconformidade desse regime, mas antes o confronto da 
 situação concreta dos autos com tais normas, em termos de se concluir pela 
 eventual desconformidade dos factos ocorridos com um tal regime legal. Em suma: 
 o que está em causa não é a eventual inconstitucionalidade das normas dos 
 artigos 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 321-A/90, e 6.º, n.ºs 1 e 2, e 13.º, n.ºs 
 
 1 e 2, da Lei n.º 11/90. É antes, nos próprios termos do requerimento de 
 interposição do recurso, “a interpretação concreta dessas normas [que] não 
 reconhece, nem tutela as posições jurídicas subjectivas das Recorrentes 
 constituídas no procedimento, isto é, as posições subjectivas criadas e 
 sedimentadas pela ‘auto-vinculação da Administração Pública’ ao longo das várias 
 fases do processo de reprivatização e pela expectativa de que na última fase da 
 reprivatização seriam respeitadas as regras legais aplicadas” (itálico aditado). 
 Ou seja: o que está em causa não são estas normas como objecto de controlo de 
 constitucionalidade, mas sim como parâmetro da situação ou do resultado cujo 
 controlo é requerido. Essa situação ou resultado concretos, insindicáveis por 
 este Tribunal em si mesmos, são, porém, recondutíveis também a outros dos 
 problemas de que adiante se cuidará: o da aferição das normas do Decreto-Lei n.º 
 
 20-A/95 e o da apreciação das normas dos artigos 2.º, 3.º e 6.º do Decreto-Lei 
 n.º 48 051, na medida em que não permitam tutelar as expectativas de um certo 
 núcleo de accionistas do D.. Quer isto dizer que, só por si, um afastamento 
 daquelas outras normas do círculo das que irão ser sujeitas ao controle de 
 constitucionalidade em nada estreita as questões que as recorrentes dirigiram a 
 este Tribunal, uma vez que estas últimas serão objecto de apreciação e decisão, 
 a propósito embora de outras normas.
 Assim, as normas dos artigos 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 321-A/90, e 6.º, 
 n.ºs 1 e 2, e 13.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 11/90 não serão objecto de 
 fiscalização no presente recurso por este Tribunal, não por não terem sido 
 mencionadas nas alegações de recurso (como não foram), mas porque a questão de 
 constitucionalidade para que são relevantes supõe que tais normas sejam 
 convocadas como argumentos da questão, não como objecto de apreciação.
 Embora restringido o objecto do recurso, em termos de número de normas a 
 apreciar, não há encurtamento das questões de constitucionalidade a decidir. 
 Pelo contrário: como referiu o Ministério Público nas suas contra-alegações e se 
 adiantou no despacho de 15 de Julho de 2004, a questão ligada pelas recorrentes 
 
 à tutela judicial efectiva transcende essa dimensão apenas procedimental, 
 situando-se no plano substantivo, ligado à definição dos pressupostos da 
 responsabilidade civil do Estado. 
 
 6.Entendeu, também, o Ministério Público que “não compete ao Tribunal 
 Constitucional, no âmbito do recurso de constitucionalidade, sindicar da 
 correcção e adequação substantivas e materiais da interpretação normativa” do 
 conceito de “venda directa”, uma vez que o artigo 296.º da Constituição 
 
 “claramente permite outras modalidades, para além do ‘normal’ e ‘preferencial’ 
 concurso público, oferta na bolsa ou subscrição pública”, não se referindo 
 expressamente à venda directa. Em consequência, ficaria prejudicado o 
 conhecimento da argumentação das recorrentes quanto à violação do princípio da 
 taxatividade das formas de reprivatização, decorrente da desconformidade da 
 modalidade de venda prevista no Decreto-Lei n.º 20-A/95 com o tipo, 
 constitucionalmente omisso, de venda directa.
 Responderam as recorrentes “que se é certo que o conceito de venda directa não 
 se encontra previsto no art.º 296.º da C.R.P., não o é menos que ele consta 
 expressamente do art.º 6.º, n.º 3, da Lei-Quadro das Reprivatizações, pelo que o 
 preenchimento e interpretação deste conceito está claramente dentro das 
 competências jurisdicionais do Tribunal Constitucional.”
 Afigura-se que recorrido e recorrentes têm ambos razão, reportando-se a recursos 
 distintos.
 A inexistência de um conceito constitucional, expresso ou implícito, de “venda 
 directa” impede que, no quadro de um recurso de constitucionalidade, o Tribunal 
 Constitucional censure, em termos de constitucionalidade, a qualificação operada 
 pelas instâncias – e pelo legislador – no sentido de considerar “venda directa” 
 a modalidade de reprivatização do D. adoptada no Decreto-Lei n.º 20-A/95. Mas a 
 sua definição no artigo 8.º - e não 6.º, n.º 3 – da Lei n.º 11/90 permite que 
 essa qualificação seja aferida num recurso de legalidade. Tendo este sido 
 interposto em paralelo, e sendo a Lei-Quadro das Reprivatizações uma lei com 
 valor reforçado, caberá ao Tribunal Constitucional sindicar a correspondência da 
 modalidade de venda prevista no Decreto-Lei n.º 20-A/95 ao parâmetro constituído 
 pelo artigo 8.º daquela lei, que concretiza a modalidade de venda directa a que 
 alude a alínea c) do n.º 3 do seu artigo 6.º.
 Que dessa eventual incompatibilidade da modalidade de venda directa prevista no 
 Decreto-Lei n.º 20-A/95 com o tipo de venda directa previsto no artigo 8.º da 
 Lei n.º 11/90 – e portanto, de uma sua eventual ilegalidade por violação de lei 
 com valor reforçado – possa decorrer, em consequência, uma questão de 
 constitucionalidade orgânica e formal, é coisa diversa, que só terá de ser 
 ponderada na eventualidade de vir a ser esse, efectivamente, o juízo do 
 Tribunal. 
 
 7.Defendeu, ainda, o Ministério Público que “não compete a este Tribunal 
 Constitucional determinar, no plano prático e económico, que modalidade de 
 reprivatização seria, em concreto, mais adequada e eficaz, sendo, naturalmente, 
 o juízo formulado pelo legislador infraconstitucional, no exercício da sua 
 discricionariedade legislativa legítima, insindicável no plano do controle 
 normativo da constitucionalidade” (itálico aditado). Responderam as recorrentes 
 que a violação do princípio constitucional do recurso preferencial às 
 modalidades-regra de privatização, constante do n.º 2 do artigo 296.º da 
 Constituição, tal como a violação do princípio legal do recurso preferencial às 
 modalidades-regra de privatização, constante do n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 
 
 11/90, tem de ser sindicável pelo Tribunal Constitucional já que só este “poderá 
 apurar se foi ou não no âmbito da margem legítima de descricionariedade que o 
 legislador infraconstitucional formulou o seu juízo”. 
 De novo se afigura que recorrido e recorrentes têm ambos razão, porque o que 
 ambos afirmam se não contradiz.
 O Tribunal Constitucional deve poder avaliar se é, pelo menos, plausível (ou se 
 não é manifestamente inexistente) que “o interesse nacional ou a estratégia 
 definida para o sector” exijam o afastamento do recurso preferencial às 
 modalidades-regra de privatização, ou se “a situação económica ou financeira da 
 empresa o recomend[a]”, ou se tal afastamento implicou uma violação dos limites 
 da discricionariedade consentida ao legislador. Mas parece igualmente claro que 
 não cabe a este Tribunal sindicar especificamente o tipo de modalidade de 
 reprivatização escolhido pelo legislador. A divergência entre recorrido e 
 recorrente é, pois, puramente de grau: as recorrentes têm razão ao pretender que 
 o Tribunal Constitucional verifique os limites da discricionariedade do 
 legislador; o recorrido tem razão a notar que não cabe ao Tribunal 
 Constitucional ir mais além e sindicar pela positiva a própria modalidade de 
 privatização escolhida.
 
 8.Resta a invocação, pelo Ministério Público, da impossibilidade de o Tribunal 
 Constitucional apreciar uma suposta violação dos princípios da boa fé e da 
 confiança na actuação dos órgãos do Estado no processo de reprivatização do D..
 Ora, enquanto essa actuação concreta dos órgãos do Estado se não traduza em 
 normas (legais) trazidas à apreciação deste Tribunal, é evidente a razão do 
 Ministério Público, face à natureza, de controlo estritamente normativo, das 
 competências do Tribunal Constitucional em sede de recurso de 
 constitucionalidade. Discordando, as recorrentes circunscrevem a actuação dos 
 
 órgãos do Estado que pretendem sindicar à emissão das “normas constantes do 
 Dec.-Lei n.º 20-A/95, nomeadamente o seu art. 1.º, n.º 2”, por confronto com os 
 princípios da boa fé e da confiança, no fundo indo ao encontro da posição do 
 Ministério Público. Reconhecem, aliás, que o princípio da boa fé – e tal vale 
 também para o princípio da confiança – constitui, no caso sub iudicio, um 
 parâmetro de controlo apenas de normas e não o seu objecto, ou um parâmetro de 
 controlo de toda uma concreta actuação negocial, administrativa, ou política 
 
 (lato sensu), que não cabe a este Tribunal apreciar.
 Isto acertado, pode então passar-se ao conhecimento do objecto do recurso. 
 B) Questões de constitucionalidade
 
 9.As primeiras questões a resolver prendem-se com a modalidade de “venda 
 directa” prevista no Decreto-Lei n.º 20-A/95. Afastada a questão de 
 constitucionalidade decorrente da desconformidade com um conceito constitucional 
 de “venda directa” (por inexistência deste), subsistem outras questões, que se 
 podem enumerar deste modo: 
 a) eventual desconformidade da modalidade de reprivatização prevista nesse 
 diploma com o conceito de “venda directa” constante da Lei n.º 11/90;
 b) eventual desconformidade dessa modalidade de venda directa com as 
 circunstâncias tipificadas na Lei n.º 11/90 para afastar o recurso preferencial 
 
 às modalidades-regra de reprivatização;
 c) eventual desconformidade dessa modalidade de privatização com o anterior 
 modelo constante do Decreto-Lei n.º 321-A/90;
 d) eventual desconformidade dessa modalidade de privatização com o princípio da 
 igualdade de oportunidades;
 e) eventual desconformidade dessa modalidade de venda directa com os princípios 
 da confiança e da boa fé. 
 Vejamos então.
 
 10.O artigo 8.º da Lei n.º 11/90 dispõe que “[a] venda directa de capital da 
 empresa consiste na adjudicação sem concurso a um ou mais adquirentes do capital 
 a alienar”.  Do Decreto-Lei n.º 20-A/95 e do respectivo caderno de encargos 
 resultou a venda de 26 830 691 acções detidas pelo Estado, sem concurso, às 
 entidades que tinham lançado uma oferta pública de aquisição sobre a totalidade 
 do capital social do D..
 Ora, é certo que não compete a este Tribunal apreciar se o processo de alienação 
 seguido foi, ou não, o melhor, designadamente, do ponto de vista do interesse 
 público e, também, do da protecção dos interesses de outros eventuais 
 adquirentes, ou, mesmo, da interpretação (designadamente histórica) da “vontade 
 do legislador”. Cabe-lhe apenas apurar se esse processo podia ou não 
 enquadrar-se ainda nas modalidades de privatização legalmente previstas. Podendo 
 admitir-se que a alienação numa oferta pública de aquisição não corresponderá ao 
 sentido mais natural (ou, mesmo – poderá conjecturar-se – ao sentido querido 
 pelo legislador histórico) a atribuir a “venda directa”, não se detectam, porém, 
 argumentos que imponham que o Tribunal Constitucional, face àquele conceito e às 
 características da 4.ª fase do processo de reprivatização do D., ponha em causa 
 a qualificação operada (implicitamente) pelo legislador e (de modo expresso) 
 pelas instâncias, no sentido de que esta modalidade de venda realmente adoptada 
 caberia ainda nos sentidos possíveis de “venda directa”, enquanto “adjudicação 
 sem concurso a um ou mais adquirentes do capital a alienar” (adjudicação 
 traduzida na aceitação da oferta de aquisição).
 Nesta perspectiva, não existindo violação de lei com valor reforçado (a Lei n.º 
 
 11/90) pelo Decreto-Lei n.º 20-A/95, não se suscitará também, por conseguinte, a 
 questão de inconstitucionalidade orgânica ou formal deste último diploma.
 Concluindo-se, como o legislador e os tribunais comuns, que a modalidade de 
 privatização adoptada no Decreto-Lei n.º 20‑A/95 podia ainda caber nos sentidos 
 possíveis (sendo ou não o sentido mais natural) do conceito legal – e com valor 
 de lei reforçada – de “venda directa”, importa, porém, verificar se o 
 afastamento, pela norma em causa, dos regimes-regra consagrados 
 constitucionalmente implicou violação dos parâmetros de lei com valor reforçado.
 Não estando em causa “a situação económica ou financeira da empresa”, tal 
 afastamento depende, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 11/90, do 
 
 “interesse nacional” ou da “estratégia definida para o sector”.
 Ora, e desde logo, tais elementos foram invocados pelo legislador do Decreto-Lei 
 n.º 20-A/95 no preâmbulo do diploma, mas não é inadequado obter elementos no 
 sentido da sua confirmação de outro modo. Pode até notar‑se que o legislador do 
 Decreto-Lei n.º 20-A/95 foi particularmente cuidadoso, visto que, como foi 
 invocado pelo recorrido, e transcrito na decisão recorrida (fls. 3431 e 3432), 
 tal diploma foi precedido “de consulta, por parte do Ministro das Finanças, a 
 dois conceituados constitucionalistas portugueses – Gomes Canotilho e Jorge 
 Miranda – que foram da opinião que o Estado poderia vender a participação que 
 lhe restava no capital social do D. desde que o decreto-lei obedecesse a 
 determinados requisitos, o que sucedeu” –, a mais do legalmente exigido parecer 
 da Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações, que igualmente manifestou “o 
 acordo da Comissão à venda das acções na OPA”. Mesmo deixando de lado estes 
 depoimentos, resulta, também, dos autos – e mesmo admitindo o recurso a uma 
 
 “hindsight” qualificada do momento presente –, que o “interesse nacional” acabou 
 por ser servido pela aceitação da oferta pública de aquisição, pelo menos na 
 medida em que o Estado obteve um encaixe financeiro superior ao da cotação das 
 acções no mercado antes do lançamento da oferta pública de aquisição, mantendo, 
 ao mesmo tempo, “a titularidade nacional que o Governo desejava a todo o custo 
 preservar” (fls. 3461 dos autos, em que o Supremo Tribunal Administrativo, após 
 reapreciação da matéria de facto estabelecida pelo tribunal de 1ª instância, a 
 confirma e transcreve). E também a estratégia definida para o sector (bancário, 
 neste caso) foi servida na medida em que - como se escreveu no preâmbulo do 
 Decreto-Lei n.º 321-A/90, que transformou o D., E.P., em D., S.A., e delineou o 
 processo de reprivatização -, se conseguiu o “fortalecimento das empresas e dos 
 sectores da economia nacional” (em que se inserem as empresas reprivatizadas) 
 
 “por forma a enfrentar com êxito os desafios de maior  competitividade e 
 concorrência da Europa comunitária”. Independentemente de qualquer juízo sobre a 
 melhor interpretação da lei aplicável ao caso e sobre a evolução do sistema 
 financeiro português em geral, até à actualidade, é facto notório que o grupo 
 económico que adquiriu o D. através da oferta pública de aquisição lançada em 
 conjunto com a companhia de seguros Império a 9 de Janeiro de 1995, e que 
 posteriormente o integrou totalmente através de uma troca de activos com aquela 
 seguradora, constitui hoje o maior grupo financeiro português privado e uma das 
 maiores empresas portuguesas em capitalização bolsista.
 Tem de concluir-se, portanto, que as declarações incluídas no preâmbulo do 
 Decreto-Lei n.º 20-A/95 – v.g.: “Considerando a estratégia definida para o 
 sector, o interesse nacional envolvido na estabilidade accionista das principais 
 instituições do sistema financeiro nacional e a grande importância relativa do 
 D. no mesmo, justifica-se que a 4.ª e última fase de reprivatização do D. se 
 faça por recurso à venda directa, prevista na Lei Quadro das Privatizações para 
 casos em que estes pressupostos se verificam” – correspondem a um retrato que os 
 elementos disponíveis não infirmam de modo evidente ou manifesto, das razões de 
 interesse público subjacentes, no juízo do legislador, à opção pelo afastamento 
 das modalidades-regra de reprivatização no caso concreto. E uma vez que tais 
 razões são enquadráveis nas que o corpo do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 11/90 
 previa como excepção à regra da adopção de uma das modalidades preferenciais de 
 reprivatização previstas no seu n.º 2, tem de decidir-se no sentido da 
 inexistência de ilegalidade (ou de inconstitucionalidade) nas normas do 
 Decreto-Lei n.º 20-A/95, por violação do princípio de preferência por ditas 
 
 “modalidades regulares” de privatização.
 Acrescente-se, apenas, que não podem considerar-se decisivas as hipóteses 
 alternativas figuradas pelas recorrentes para, dentro dessas modalidades, 
 imaginarem outras possíveis formas de, no seu entender, satisfazer, de igual ou 
 melhor maneira, os objectivos visados pelo legislador (como o “lançamento de uma 
 oferta pública de venda, por leilão competitivo, ao preço mínimo de 2 730$00, e 
 cuja eficácia fosse condicionada à colocação de todas as 26 830 691 acções então 
 na posse do Estado – mas sem que aos potenciais adquirentes fosse imposto o 
 lançamento de uma qualquer OPA geral”). É que, como se deixou atrás explicado a 
 propósito da ponderação das razões do recorrido e das recorrentes quanto à 
 extensão dos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional, não cabe a este 
 sindicar o tipo específico de modalidade de reprivatização adoptado, nem 
 substituir o seu juízo ao efectuado pelo legislador, quanto às vantagens ou 
 inconvenientes de cada uma das modalidades, no sentido de determinar o melhor 
 processo de privatização. Cabe-lhe, apenas, apreciar se o legislador excedeu 
 manifestamente os limites de discricionaridade na escolha do processo de 
 privatização que lhe foram traçados por lei. E, para tal, entende-se que a 
 indagação a que se procedeu é a necessária e suficiente.
 
 11.O que se disse não prejudica necessariamente a aferição da modalidade de 
 privatização adoptada face aos princípios da confiança, da boa fé e da 
 igualdade. Mas antes de a fazer, resta ainda averiguar a alegada eventual 
 desconformidade da modalidade de reprivatização prevista no Decreto-Lei n.º 
 
 20-A/95 com o anterior modelo de privatização, constante do Decreto-Lei n.º 
 
 321-A/90.
 Tal não exige, porém, grande esforço. Na verdade, aquele modelo era totalmente 
 omisso quanto à existência de uma 4.ª fase de privatização, pressupondo-se 
 completo com apenas três (“A reprivatização decorrente da alienação referida no 
 número anterior será concretizada em três fases,” escrevia-se no n.º 2 do artigo 
 
 6.º), e mesmo a configuração das 2.ª e a 3.ª fases era, nos termos do n.º 3 do 
 mesmo artigo 6.º, remetida para “diplomas próprios, em condições e segundo 
 qualquer das modalidades admitidas pela Lei n.º 11/90, de 5 de Abril”. Não 
 existia, portanto, qualquer pretensão paramétrica do Decreto-Lei n.º 321-A/90 em 
 relação aos subsequentes diplomas, nem tal pretensão poderia juridicamente 
 valer, na medida em que se previa expressamente que os diplomas reguladores das 
 fases seguintes de reprivatização gozariam de igual valor hierárquico.
 
 12.Pode, assim, passar-se ao apuramento da alegada desconformidade da modalidade 
 de reprivatização adoptada com os princípios da confiança, boa fé e igualdade de 
 oportunidades.
 Destes parâmetros, pode afastar-se logo a relevância da invocada violação do 
 princípio da igualdade, que as recorrentes traduzem “(1) na possibilidade de os 
 oferentes determinarem e condicionarem o momento da reprivatização, a modalidade 
 adoptada e algumas das suas condições concretas; (2) na disposição de um tempo 
 não limitado para preparar a operação, enquanto que os seus concorrentes 
 dispuseram apenas de um prazo curto, pautado pelas conveniências dos oferentes 
 iniciais e (3) na garantia antecipada da preferência do Estado, mesmo contra 
 propostas concorrentes mais vantajosas do ponto de vista do interesse público”.
 Na verdade, estes argumentos não procedem, ou estão já contidos na resposta a 
 dar à questão da admissibilidade do processo de privatização adoptado.
 Quanto ao momento da operação de reprivatização, este não foi determinado pelos 
 oferentes, mas pelo legislador do Decreto-Lei n.º 321-A/90 (quanto à 1.ª e 2.ª 
 fases), pelo legislador do Decreto-Lei n.º 169/93, de 11 de Maio (quanto à 3.ª 
 fase), e pelo legislador do Decreto-Lei n.º 20-A/95 (quanto à 4.ª fase). É 
 verdade que, contrariamente ao modelo inicialmente previsto, houve uma 4.ª fase 
 de privatização, mas tal resultou das vicissitudes do processo de privatização 
 do D. e da existência, na altura, de 24,4% do seu capital social ainda na posse 
 do Estado, o que tornava inevitável, face à intenção de reprivatização total, 
 mais essa fase, pelo menos. 
 Mas também não pode dizer-se, por outro lado, que o momento da concretização da 
 
 4.ª fase de reprivatização tenha sido inteiramente decidido pelos oferentes, 
 tendo em conta, desde logo, que já em 26 de Junho de 1994 estes tinham feito o 
 anúncio preliminar de uma outra oferta pública de aquisição (de 41,8 milhões de 
 acções) que fora inviabilizada pelo Ministro das Finanças. O Estado vendeu, 
 pois, quando quis – e como quis, já que, como as recorrentes não deixaram de 
 invocar, havia outras formas possíveis de alienação das acções representativas 
 do capital social do D. detidas pelo Estado.
 
 É verdade, porém, que o preço foi fixado a partir de uma iniciativa dos 
 oferentes, e que foram estes que tomaram a iniciativa que culminou com a 
 concretização dessa 4.ª fase da reprivatização.
 Mas, quanto ao preço, bastaria ter aparecido uma outra oferta pública 
 concorrente para que tivesse sido outro (ainda que, evidentemente, igualmente 
 fixado pelo então oferente). Aliás, o preço oferecido era superior à cotação de 
 mercado e valia para todo e qualquer detentor de acções, sendo que o facto de 
 terem sido transaccionadas 108 647 742 acções das 110 000 000 existentes (e 
 considerando ainda as que ambas as entidades oferentes já detinham) – e de não 
 ter surgido nenhuma oferta concorrente – revela que o preço fixado pelos 
 oferentes acabou por ser aceite pela grande maioria dos accionistas.
 Por outro lado, quanto ao tempo de preparação da operação, pode notar-se que as 
 recorrentes participavam no processo de privatização do D. desde 1990 e que o 
 grupo em que se integravam tinha a maioria dos membros do conselho de 
 administração do D. desde 28 de Junho de 1993 (5 em 7). Quaisquer problemas de 
 assimetria de informação eventualmente existentes, considerando a diferença 
 entre quem conhece, por dentro, uma instituição em processo de venda e quem só a 
 pode conhecer de fora, não depunham contra si. Aliás, e como se disse, 
 considerando a possibilidade de surgimento de ofertas concorrentes, a violação 
 do princípio da igualdade imputada à solução normativa em causa deveria, 
 igualmente, estender-se às regras (artigos 561.º e segs.) do Código de Mercado 
 de Valores Mobiliários (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142-A/91, de 10 de Abril) 
 então em vigor que regiam o lançamento de ofertas públicas de aquisição 
 concorrentes. Mas tais normas não foram indicadas como normas a apreciar, nem 
 foram alvo de qualquer imputação de inconstitucionalidade durante o processo.
 Não pode, por outro lado, afirmar-se que, caso se tivesse verificado a 
 iniciativa de lançamento de outra oferta pública de aquisição, anteriormente 
 
 àquela que veio a ter sucesso – e mesmo depois da já referida, de Junho de 1994, 
 que não veio a prosseguir por não ter sido autorizada pelo Ministério das 
 Finanças – e por parte de outros oferentes, o Estado não avaliaria a operação e 
 a aceitação dessa oferta em condições de igualdade com a avaliação que realizou 
 em relação à oferta que veio a ter sucesso, tendo em conta os objectivos de 
 interesse público que prosseguia. O recurso a uma possível iniciativa de oferta 
 pública de aquisição como forma de desencadear a 4.ª fase de reprivatização do 
 capital do D. era, aliás, já conhecido em geral do público, pelo menos, desde o 
 lançamento (e o fracasso) da anterior oferta.
 Finalmente, a acusação de existência de uma “garantia antecipada da preferência 
 do Estado, mesmo contra propostas concorrentes mais vantajosas do ponto de vista 
 do interesse público” (e mesmo ressalvando que essas propostas mais vantajosas 
 não redundassem em prejuízo de accionistas alheios ao negócio, caso o objectivo 
 de controle do D. se lograsse com a mera transacção das acções do Estado, fora 
 da bolsa, e, portanto, com lesão da igualdade entre todos os accionistas), essa 
 acusação, dizíamos, é indemonstrável, como o é a referida “garantia” (não sendo, 
 sequer, concretizada pelas recorrentes) e afigura-se contrariada pelo próprio 
 Decreto‑Lei n.º 20-A/95, que admitiu expressamente que à oferta pública de 
 aquisição se poderia “opor outra – igualmente legítima e igualmente vantajosa 
 face aos mesmos parâmetros de avaliação” (preâmbulo), prevendo também no 
 articulado, expressamente, a existência de quaisquer “ofertas públicas de 
 aquisição sobre a totalidade do capital social do D.”, desde que - o que resulta 
 necessariamente das regras sobre ofertas concorrentes - de preço superior ao da 
 oferta inicial.
 Não procede portanto, a invocada violação do princípio da igualdade entre 
 oferentes (mesmo hipotéticos, como as requerentes seriam), podendo, aliás, 
 discutir-se se a igualdade relevante se deveria então aferir, na lógica deste 
 parâmetro, apenas na relação entre todos os hipotéticos oferentes, ou, antes de 
 mais, na comparação entre os diversos adquirentes de acções do D. ao longo de 
 várias fases de privatização. 
 
 13.Resta apurar se a modalidade de reprivatização adoptada pelo legislador do 
 Decreto-Lei n.º 20-A/95 satisfez as exigências constitucionais dos princípios da 
 confiança e da boa fé.
 A primeira consideração a introduzir é a de que, em relação aos efeitos 
 eventualmente resultantes do comportamento assumido pelo Estado, não se vê como 
 se possa pretender que existem destinatários privilegiados para a aferição da 
 legitimidade das expectativas em questão. Não podem, pois, invocar as 
 recorrentes com procedência que as suas expectativas ou interesses mereceriam 
 maior consideração ou tutela do que, por exemplo, as dos restantes 
 trabalhadores, accionistas, pequenos investidores, clientes e investidores em 
 geral, que participaram também em anteriores fases de privatização do D. E 
 também não é legítimo pretender que a aferição dos seus interesses e 
 expectativas seja feita independentemente – muito menos contra – a aferição dos 
 interesses e expectativas desses outros sujeitos, ainda quando invoquem que 
 assim aconteceu anteriormente, aspecto que não interessa na presente sede, de 
 controlo, não de qualquer eventual desvio de poder, mas apenas da conformidade 
 constitucional de normas.
 Ora, o que resulta dos factos provados é que “os títulos que se cotam em bolsas 
 são apenas as acções de poupança” e as “acções de controlo, essas, valem, por 
 definição, mais do que a contrapartida prevista no quadro de uma OPA Geral”, 
 porque “numa OPA geral o oferente distribui o valor equivalente às sinergias 
 esperadas por todos os accionistas”. Quer isto dizer que ao aceitar vender as 
 suas acções – 24,4% do capital social do D. – no quadro de uma qualquer oferta 
 pública sobre a totalidade desse capital social, o Estado-legislador estava 
 verdadeiramente a vincular o Estado‑accionista ao exacto tratamento que o 
 mercado concedesse a qualquer outro accionista do D. e, mais, a permitir que o 
 prémio de controlo envolvido na oferta fosse distribuído por todos esses 
 accionistas (objectivo, este, que, aliás, só no quadro de uma oferta pública de 
 aquisição geral poderia ser conseguido, já que de outro modo tal prémio ficaria 
 concentrado nos alienantes das participações necessárias à obtenção do 
 controlo). O Decreto-Lei n.º 20-A/95 pode, assim, ser também visto como forma de 
 o Estado-legislador se “auto-disciplinar” enquanto accionista.
 Ora, uma tal actuação, instrumental para o tratamento equitativo e igualitário 
 de todos os accionistas, não pode ser tida como violadora do princípio da 
 igualdade, nem como manifestamente desconforme com as exigências dos princípios 
 da confiança e da boa fé, desde que a operação assim viabilizada não constitua 
 expropriação do valor anteriormente adquirido. Sobre a alienação de acções, nos 
 termos do artigo 490.º do Código das Sociedades Comerciais, já, aliás, este 
 Tribunal teve ocasião de se pronunciar (acórdão n.º 491/02, publicado no Diário 
 da República, II Série, de 22 de Janeiro de 2003), mas no caso não é sequer isso 
 que está em causa. Neste caso, o preço de mercado do D. (a sua capitalização 
 bolsista previamente ao anúncio da oferta pública de aquisição) era inferior ao 
 valor da oferta pública de aquisição (preço por acção [2 800$00] multiplicado 
 pelo montante de acções [110 000 000]), descredibilizando a hipótese de uma 
 qualquer venda “forçada” das acções alvo, e há, aliás, outro índice objectivo de 
 aferição da vontade dos participantes no processo de privatização do D. quanto a 
 tal oferta pública de aquisição: o seu sucesso medido pelo volume de acções 
 transaccionado. De facto, verifica-se que todos os anteriores adquirentes de 
 acções do D., incluindo as recorrentes, não deixaram de vender as suas acções do 
 mesmo modo que o Estado vendeu as suas, realizando “uma importante mais-valia”.
 Ora, o que todos os participantes num qualquer processo de privatização têm, em 
 primeiro lugar, o direito de esperar – e é conforme aos princípios da boa fé e 
 da protecção da confiança que esperem – é que o seu investimento seja fiável, 
 não no sentido de se não poder vir a depreciar futuramente, mas no sentido de 
 não se depreciar ou degradar por razões conhecidas, ou cognoscíveis, já antes da 
 venda. Se os adquirentes de acções adquirem com um risco, o que podem exigir é 
 que esse risco seja adequadamente avaliado à data da alienação. Daí que a Lei 
 n.º 11/90 imponha a realização de avaliações feitas, “pelo menos, por duas 
 entidades independentes” (artigo 5.º), se bem que estas visem também a 
 salvaguarda dos interesses patrimoniais do Estado e a transparência dos 
 processos de reprivatização.
 O que todos os participantes num qualquer processo de privatização têm, em 
 segundo lugar, o direito de esperar – e é conforme aos princípios da boa fé e da 
 protecção da confiança que esperem – é que, salvo razões ponderosas, no que 
 dependa do Estado (legislador e accionista), sejam tratados de forma idêntica. 
 Na Lei-Quadro das Privatizações, a existência de condições especiais na 
 aquisição ou subscrição de acções por parte dos trabalhadores das empresas a 
 reprivatizar está expressamente prevista (artigo 12.º, n.º 2) e a existência de 
 regimes favoráveis para pequenos subscritores e accionistas encontra cobertura 
 
 (artigo 3.º, alíneas e) e d)). Tal ocorre, porém, apenas na primeira transmissão 
 
 – na venda de acções do Estado a essas especiais categorias de accionistas –, 
 passando tais acções a valer exactamente o mesmo nas transacções subsequentes 
 
 (logo que pudessem ter lugar, face à indisponibilidade temporária prevista no 
 artigo 12.º, n.º 2, da Lei n.º 11/90).
 
 É verdade que o valor bolsista das acções não incorpora o valor de controlo, 
 excepto quando este está em jogo – como é o caso de ofertas públicas de 
 aquisição, ou “corridas” à aquisição da maioria do capital, situações em que as 
 cotações sobem acentuadamente. E é também verdade que os interesses do 
 Estado-accionista, justamente porque detentor de uma percentagem do capital 
 social do D. que permitiria, eventualmente, a mais do que um interessado, obter 
 o controlo da instituição, poderiam, talvez, ser melhor servidos numa hipotética 
 operação “especulativa”. Detendo ainda uma posição qualificada, a tese das 
 recorrentes é a de que o Estado maximizaria o seu encaixe financeiro se a 
 negociasse, ou pusesse a leilão, entre os interessados, pretendendo mesmo que os 
 princípios da protecção da confiança e da boa fé lho imporiam, em obediência a 
 um tratamento privilegiado anterior, que invocam. A questão não está, porém, em 
 apreciar a conduta do Estado-accionista – por definição, este não é legislador e 
 o Tribunal Constitucional só afere da conformidade da actuação normativa do 
 Estado -, mas em apreciar a legislação produzida para a 4.ª fase de 
 reprivatização à luz, agora, dos princípios da protecção da confiança e da boa 
 fé. E, como se disse, o Decreto-Lei n.º 20-A/95 pode, assim, ser visto como uma 
 forma de o Estado-legislador se “auto-disciplinar” enquanto accionista, 
 considerando as restrições que entendia resultarem do interesse público (cf. 
 supra, o n.º 10).
 Uma vez que foram os adquirentes que fixaram o preço da aquisição (primeiro em 2 
 
 730$00 por acção, valor ainda constante do caderno de encargos anexo ao 
 Decreto-Lei n.º 20-A/95, depois em 2 800$00 por acção, nos termos da revisão do 
 preço publicada na imprensa de 30 de Janeiro de 1995) e uma vez que 
 
 (praticamente) todos os potenciais vendedores aceitaram esse preço – incluindo o 
 Estado-accionista, obrigado pelo Estado-legislador a aceitar a melhor oferta 
 pública de aquisição sobre a totalidade do capital social do D. –, é de concluir 
 que tal preço distribuía adequadamente por todos os accionistas o valor esperado 
 da aquisição. Nessa medida – na medida em que permitiu diluir por todos os 
 accionistas do D. um valor que, sem a abstenção do Estado-accionista (vinculado 
 pelo Decreto-Lei n.º 20-A/95 a aceitar o melhor preço pago no mercado), poderia 
 ter sido transferido dos adquirentes de uma posição de controlo para apenas 
 alguns dos accionistas do D., como pretendem as recorrentes –, o referido 
 diploma não viola manifestamente (e, numa certa perspectiva, antes serve) os 
 princípios da protecção da confiança e da boa fé que tutelam de igual modo todos 
 os adquirentes de acções ao longo desse processo de privatização.
 Improcedem, portanto, as conclusões 3.ª a 10.ª, 18.ª a 20.ª, 22.ª e 23.ª das 
 recorrentes, enquanto relevantes em termos de apuramento de 
 inconstitucionalidades ou ilegalidades por violação de lei com valor reforçado, 
 sendo a conclusão 1.ª incontroversa e as 2.ª e 11.ª a 17.ª irrelevantes para a 
 actividade judicativa deste Tribunal.
 Importa, aliás, reiterar que a violação do princípio da confiança ou do 
 princípio da boa fé (constitucionalmente consagrados) enquanto alegadamente 
 resultante do comportamento concreto do Estado no decurso do processo de 
 reprivatização do D. – e não da norma em questão –, susceptível de alegadamente 
 se traduzir numa responsabilidade pré-contratual ou noutra forma de 
 
 “responsabilidade pela confiança” (e é apenas esta questão a abordada, pelo 
 menos, num dos pareceres juntos aos autos já no Tribunal Constitucional), não é 
 já susceptível de ser apreciada por este Tribunal, limitado que está ao controlo 
 da conformidade constitucional de normas.
 
 14.Percorrido o elenco de questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade 
 referentes à forma de venda directa da acções em causa, resta agora considerar 
 as que se suscitam a propósito daquilo que as recorrentes consideram uma 
 
 “violação do direito fundamental à tutela jurídica efectiva”, mas melhor seriam 
 enquadradas como de “definição dos pressupostos da responsabilidade civil do 
 Estado”, conforme refere o Ministério Público:
 
 “Na verdade, a questão suscitada pela recorrente não se situa no domínio 
 procedimental, mas no substantivo, ligando-se à definição dos pressupostos da 
 responsabilidade civil do Estado, tal como decorre, em primeira linha, da 
 referida norma constitucional” [o artigo 22.º da Constituição, que consagra o 
 princípio da “responsabilidade das entidades públicas”].
 Como se sabe, apesar de alguma flutuação nas propostas doutrinárias (cuja 
 análise não cabe aqui aprofundar), costuma-se referir, como requisitos da 
 responsabilidade civil extracontratual, a existência de um facto, a sua 
 ilicitude, a existência de um dano, de um nexo de causalidade entre aquele facto 
 e este dano e de um nexo de imputação do facto ao agente. A ilicitude em direito 
 civil reveste, nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, duas 
 modalidades: a violação de um direito subjectivo de outrem e a violação de lei 
 destinada a proteger interesses alheios. Nesta segunda variante da ilicitude, a 
 lesão dos interesses dos particulares corresponde a ofensa de uma norma legal, 
 tratando-se de interesses alheios legítimos ou juridicamente protegidos por essa 
 norma (cuja protecção ela “visa”, não sendo simples interesses por ela 
 reflexamente protegidos) e havendo a lesão de efectivar-se no próprio bem 
 jurídico ou interesse privado que a lei tutela. 
 Ora, no domínio da responsabilidade do Estado, o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 
 
 48051, de 21 de Novembro de 1967, considera “ilícitos os actos administrativos 
 que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais de direito 
 aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios e ainda 
 as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em 
 consideração”, o que permitiu às recorrentes invocar que “a ilicitude para 
 efeitos da responsabilidade civil extra‑contratual da Administração não se pode 
 apurar nos mesmo termos em que é apurada no âmbito do direito civil.” Seja, 
 porém, como for, o que importa no presente recurso é o modo como essa norma foi 
 aplicada pelo Supremo Tribunal Administrativo. Ora, a decisão recorrida entendeu 
 que o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48 051 tinha de ser conjugado
 
 “com o [que] se dispõe nos artigos 2.º e 3.º do dito Diploma Legal, que fazem 
 depender a responsabilidade do Estado e demais Entes Públicos, bem como a 
 responsabilidade dos titulares dos órgãos, ‘da ofensa de direitos de terceiros 
 ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, com o que se 
 devem considerar ilícitos os actos que violem os direitos subjectivos ou as 
 estatuições destinadas a proteger interesses de terceiros, do que decorre que ‘a 
 ilicitude não se basta com a genérica antijuridicidade, uma vez que pressupõe a 
 violação de uma posição jurídica substantiva…do particular’ – apud Margarida 
 Cortez, in ‘Seminário permanente do direito constitucional e administrativo’, 
 vol. I, a págs. 72.
 Daí que as normas tidas por violadas se não devam reconduzir em preceitos que 
 tutelem apenas o interesse comum, geral ou público, identificável com o simples 
 interesse na legalidade da acção administrativa, sem que, contudo, seja possível 
 extrair de tais normas a tutela das posições subjectivas de terceiros.”
 Aqui chegados, há que concluir pela não inconstitucionalidade das normas assim 
 interpretadas, sendo certo que não compete a este Tribunal pronunciar-se, 
 independentemente da questão da conformidade com a Constituição, sobre o modo 
 como foram interpretadas, nem sobre qual a melhor interpretação que lhes 
 poderia, ou deveria, caber. E isto porque, tendo a decisão recorrida adoptado um 
 critério material de ilicitude “que se não confunde com a mera violação de 
 normas ou preceitos legais, exigindo identicamente que resultem violados os 
 interesses ou bens jurídicos tutelados pelo preceito ou disposição legal 
 infringida”, como bem refere o Ministério Público – a necessária “conexão de 
 ilicitude” (“Rechtswidrigkeitszusammenhang”) entre a norma ou princípio violado 
 e a posição jurídica do particular, referida por Gomes Canotilho e retomada pelo 
 acórdão impugnado, e tratada na doutrina germânica –, tal concepção, mesmo que 
 possa restringir o âmbito da ilicitude relevante (como também aconteceria, 
 segundo a concepção dominante, no direito privado), não deixa de ser ainda 
 compatível “com o princípio da responsabilidade extracontratual do Estado, 
 proclamado no artigo 22.º da Constituição”. É que, como se escreve nas 
 contra-alegações que o Ministério Público apresentou neste Tribunal, se tal 
 princípio:
 
 «tem a natureza de direito fundamental, análogo aos direitos, liberdades e 
 garantias, exigindo efectivo respeito e protecção por parte do Estado e demais 
 poderes públicos, e sendo directamente aplicável às situações litigiosas, não 
 pode o mesmo ter o significado de, a tal propósito, resultar dispensado o regime 
 genérico da delimitação e definição dos pressupostos da responsabilidade civil 
 extra-contratual e da sua indispensável concretização em cada uma das situações 
 litigiosas em função da aplicação da teoria do “fim protegido” pela norma que 
 fundamente a responsabilidade.
 Por outro lado, é matéria situada na competência das várias ordens 
 jurisdicionais a verificação de efectiva ocorrência de lesão do bem jurídico e 
 da definição – por interpretação das normas de direito infra-constitucional – de 
 qual o preciso “círculo de interesses” tutelado pela norma consagradora da 
 exigência formal ou procedimental prescrita, em termos de o dano produzido fora 
 do “horizonte de responsabilização da norma” implicar a quebra da indispensável 
 
 “conexão de ilicitude” entre a “ilegalidade” verificada e a lesão dos direitos 
 ou interesses do recorrente.
 No caso dos autos, o círculo de interesses protegidos através dos processos de 
 reprivatização é o definido pelo artigo 3.º da Lei Quadro, que delimita os 
 
 “objectivos essenciais” da reprivatização: modernização das unidades económicas 
 e da sua competitividade e reestruturação, reforço da capacidade empresarial 
 nacional, promoção da redução do peso do Estado na economia, contribuição para o 
 desenvolvimento do mercado de capitais, possibilitação de ampla participação dos 
 cidadãos na titularidade do capital das empresas, com particular atenção aos 
 respectivos trabalhadores e aos pequenos subscritores, preservação dos 
 interesses patrimoniais do Estado e valorização de outros interesses nacionais, 
 promoção da redução do peso da dívida pública na economia.
 Ora, perante tal elenco de “interesses tutelados” pelas normas legais reforçadas 
 que regem a matéria das reprivatizações parece-nos perfeitamente correcta e 
 adequada a conclusão a que chegou a decisão recorrida, ao excluir de tal 
 
 “círculo” o interesse da entidade recorrente na obtenção de um controlo 
 accionista da sociedade financeira, justificador da pretensão indemnizatória 
 deduzida pelos “lucros cessantes” decorrentes da perda da oportunidade na 
 obtenção desse controlo.»
 Quer isto dizer que, mesmo que se admitisse como sindicável pelo Tribunal 
 Constitucional a actividade do tribunal recorrido ao subsumir a situação de 
 facto aos diferentes requisitos de aplicação das normas infra-constitucionais, e 
 ainda que se admitisse que tal teria algum sentido quando já se concluiu 
 previamente que se não detecta violação da Constituição, ou de lei com valor 
 reforçado, nas normas impugnadas do Decreto-Lei n.º 20-A/95, sempre teria de se 
 concluir, e logo apenas pela impostação do problema que é efectuada, que não 
 existe também inconstitucionalidade na delimitação do âmbito da responsabilidade 
 civil do Estado, por factos ilícitos, em termos idênticos aos que são aplicados 
 na responsabilidade civil dos particulares, por factos ilícitos. E isto, quer 
 quanto à ordem material do regime da responsabilidade, quer quanto à consequente 
 ordenação procedimental, na qual, naturalmente, não faria sentido reconhecer 
 tutela processual a uma situação que é desprovida de tutela material.
 Improcede, assim, a conclusão 25.ª das alegações de recurso, sendo as conclusões 
 
 21.ª a 24.ª insindicáveis por este Tribunal.
 E deve, pois, negar-se provimento ao presente recurso.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 a) Não julgar inconstitucionais os artigos 1.º a 5.º do Decreto‑Lei n.º 20‑A/95, 
 de 30 de Janeiro e os artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de 
 Novembro de 1967; 
 b) Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão 
 recorrida, no que diz respeito a estas questões de constitucionalidade;
 c) Condenar as recorrentes em custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) 
 unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 13 de Dezembro de 2006
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos