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Processo nº 995/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
                  Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
  
 
                  1 – A., identificado nos autos, reclama para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 76.º da Lei n.º 28/82, de 
 
 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do despacho do relator, no Supremo 
 Tribunal de Justiça (STJ), de 18 de Outubro de 2006, que não lhe admitiu o 
 recurso que interpusera para o Tribunal Constitucional do acórdão daquele 
 Tribunal, de 28 de Setembro de 2006, proferido nos autos.
 
  
 
                  2 – Confrontado com este acórdão do STJ, que rejeitou, por 
 inadmissibilidade, o recurso oposto ao acórdão da Relação de Lisboa, o 
 reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, através de 
 requerimento em que discorre do seguinte jeito:
 
  
 
 «1.º
 Vem o presente recurso de aplicação da norma, ou melhor, da interpretação da 
 norma cuja inconstitucionalidade oportunamente se invocou (arts. 71º, 72º alínea 
 b) e nº 2 e 75º da Lei 28/82 de 15 de Novembro), tanto na motivação como nas 
 conclusões de recurso dirigidas ao Supremo Tribunal de Justiça, e no qual se 
 finalizou, dizendo que: “I – O Recorrente insurge-se contra o acórdão recorrido, 
 invocando para tal quatro razões fundamentais; II – Do Recurso Intercalar, na 
 medida em que o mesmo, salvo melhor entendimento, o douto acórdão recorrido, ao 
 não dar provimento ao mesmo, viola clara e expressamente o princípio do 
 Contraditório, princípio consagrado no art. 32º da Constituição da República 
 Portuguesa; III – Da ilegitimidade do Ministério Público, porquanto ao 
 improceder igualmente esta questão, considera-se violado o disposto no artigo 
 
 49º do Código Processo Penal, bem como o vertido nos artigos 113º, nº 6, 115º, 
 
 178º, nº 2 e 4 todos do Código Penal; IV – Da determinação da medida da pena, 
 pois não foram respeitados os critérios inerentes à determinação da medida da 
 pena, constantes do art. 71º do Código Penal, bem como não foi levada em 
 consideração a atenuação especial da pena, considerando o Recorrente que foi 
 violada a norma prevista na alínea d) do nº 2 do artigo 72º e artigo 73º, ambos 
 do Código Penal; V – Por último, da suspensão da Execução da Pena de Prisão, na 
 medida em que, salvo douta opinião, ao não ter sido convenientemente 
 fundamentada no douto acórdão recorrido e, ao considerar o Recorrente que se 
 encontram preenchidos todos os requisitos de aplicabilidade deste instituto, 
 considera-se igualmente violado o artigo 50º, nº 1 do Código Penal (...)”.
 
  
 
 2º
 
  
 Com efeito, no Acórdão proferido em 28 de Setembro de 2006, no âmbito do 
 presente processo foram, em face da Constituição vigente e dos princípios 
 fundamentais que a ela estão subjacentes, erradas e viciadamente interpretadas 
 as normas do artigo 32º, nº 1 e nº 2 da Constituição da República Portuguesa, o 
 artigo 49º do Código Processo Penal, os artigos 71º, alínea d) do nº 2 do artigo 
 
 72º, artigo 73º, 113º, nº 6, 115º, 178º, nº 2 e 4 todos do Código Penal, pelo 
 que o presente recurso é interposto nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 
 
 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro. 
 
  
 
 3º
 
  
 Em face da errónea interpretação, para além de não ter sido administrada a 
 justiça, foi, na prática, violada a lei fundamental, restringindo-se o exercício 
 de um direito fundamental de defesa, o princípio do contraditório, violando-se 
 deste modo, o disposto no art. 32º, nº 1 da Constituição da República 
 Portuguesa. 
 
  
 
 4º
 
  
 No mesmo delineamento parece que a liberdade inerente ao indivíduo (no âmbito do 
 Estado de direito democrático) de defesa dos seus interesses, alegando factos e 
 provando provas, esvaiu-se. 
 
  
 
 5º
 
  
 Foi assim diminuída a certeza de que o princípio do contraditório abre espaço 
 para que o litigante exerça, sem qualquer restrição, o seu direito de defesa, 
 não como uma generosidade, mas como um interesse público.
 
  
 
 6º
 
  
 Em cumprimento do disposto no artigo 75º – A da Lei 28/82 de 15 de Novembro, a 
 supra citada indicação das normas, bem como os princípios constitucionais que se 
 considerem violados, constam do requerimento de interposição de recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça, ou melhor, das respectivas motivações e conclusões 
 apresentadas. 
 
  
 
 7º
 
  
 Aí se referiu expressamente, designadamente nas conclusões II, III, IV e V que o 
 Acórdão recorrido ao não admitir o recurso intercalar violava o princípio do 
 contraditório, ao improceder da ilegitimidade do Ministério Público violava o 
 disposto no art. 49º do Código Processo Penal, bem como nos arts. 113º, nº 6, 
 
 115º, 178º, nº 2 e 4 todos do Código Penal. 
 
  
 
 8º 
 
  
 Finalmente e ainda de acordo com a conclusão refere-se que houve violação dos 
 arts. 71º, alínea d) do nº 2 do art. 72º e 73º, todos do Código Penal e ainda 
 violação do art. 50º, nº 1 do Código Penal. 
 
  
 Termos em que, tendo alegado o Arguido/Recorrente, a inconstitucionalidade das 
 normas: artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, artigo 49º do Código 
 Processo Penal, artigo 50º, nº 1, artigo 71º, alínea d) do nº 2 do artigo 72º, 
 artigo 73º, artigo 113º, nº 6, artigo 115º, artigo 175º, nº 2 e 4 do Código 
 penal, na interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e 
 tendo agora sido notificado da confirmação pelo Supremo Tribunal de Justiça da 
 decisão recorrida que não acolheu as invocadas inconstitucionalidades deve o 
 presente recurso ser admitido, com efeito suspensivo e mandado subir ao TRIBUNAL 
 CONSTITUCIONAL, seguindo-se aí os demais termos até final».
 
  
 
  
 
                  3 – Tal requerimento mereceu o despacho reclamado, do seguinte 
 teor:
 
  
 
     «As normas que o recorrente reputa «inconstitucionais» não foram 
 interpretadas, aplicadas ou sequer citadas pelo acórdão recorrido (o «acórdão de 
 
 28 de Setembro de 2006» do STJ), na sua fundamentação ou decisão. 
 
  
 E, mesmo que o recurso tivesse vertido – mas não verteu – sobre o acórdão de 
 
 16Mai06.da.Relação (o que seria consentido pelo art. 75.2d da LTC), a verdade é 
 que o recorrente, no seu recurso para o Supremo, jamais considerou 
 inconstitucionais as (próprias) normas ora invocadas: art.s 49º do CPP 
 
 (legitimidade do MP), 50.1 (pressupostos da suspensão), 71º (medida da pena), 
 
 72.2 d (atenuação especial), 73º (idem), 113.6 (interesse da vítima), 115º 
 
 (direito de queixa) e 178.2 e 4 (queixa) do CP.
 
  
 Com efeito, um recurso como este – interposto ao abrigo do disposto na alínea b) 
 do nº 1 do art. 70º da LTC – haveria de versar «normas cuja constitucionalidade 
 houvesse sido suscitada durante o processo» e que a decisão recorrida tivesse 
 aplicado.
 
  
 Porém, as próprias conclusões do recurso para o Supremo – embora acusando a 
 decisão da Relação [ela própria e não as normas por ela aplicadas] de «violação 
 do princípio do contraditório (art. 32º da CRP) e do próprio «princípio 
 constitucional do Estado de direito» (art. 2º da CRP) – atribuem-lhe a violação 
 da lei correspondente e não a inconstitucionalidade de qualquer das normas 
 aplicadas («Ao improceder esta questão, considera-se violado o disposto no art. 
 
 49º do CPP, bem como o vertido nos art.s 113.6, 115º e 178.2 e 4 do CP»; 
 
 «Considera-se igualmente violado o art. 50.1 CP»; «Violou-se expressamente o 
 disposto nos art.s 71º, 72º e 73º do CP, etc.).
 
  
 Ora, a «ilegalidade» só poderia sustentar um recurso constitucional no caso – 
 que não é o dos autos – das alíneas c), d) e) e f) do nº 1 do art. 70º da LTC.
 
  
 Não recebo, assim, o recurso constitucional de fls. 603 e ss. (art. 76.2 da 
 LTC).
 
  
 Notifique (sendo o recorrente por telefax)».
 
  
 
                  4 – Fundamentando a sua reclamação, o reclamante discorre do 
 seguinte modo:
 
  
 
 «1º 
 
  
 O Recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, invocando que nas 
 suas motivações e conclusões de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 suscitou a violação, na decisão recorrida do Tribunal da Relação de Lisboa, do 
 artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. 
 
  
 
 2º
 
  
 No seu recurso, o Recorrente, não se conformando com o douto acórdão proferido 
 em 16 de Maio de 2006, referiu que “salvo melhor entendimento, o douto acórdão 
 recorrido, ao não dar provimento ao mesmo, viola clara e expressamente o 
 Princípio do Contraditório, princípio consagrado no artigo 32º da Constituição 
 da República Portuguesa”. 
 
  
 
 3º
 
  
 Com efeito, o Recorrente/Arguido invocou a violação do artigo 32º da 
 Constituição da República Portuguesa e considerou que o Supremo Tribunal de 
 Justiça ao confirmar a decisão recorrida do Tribunal da Relação de Lisboa, não 
 acolhendo a invocada inconstitucionalidade, nem mesmo se pronunciando 
 directamente sobre ela, proferiu decisão que, no entendimento do Recorrente, 
 sofre da mesma inconstitucionalidade e, por isso, dela cabe recurso.
 
  
 
 4º
 
  
 Mais, é referido no despacho que indefere o recurso constitucional que” as 
 normas que o Recorrente reputa “inconstitucionais” não foram interpretadas, 
 aplicadas ou sequer citadas pelo acórdão recorrido (o acórdão de 28 de Setembro 
 de 2006) na fundamentação ou decisão”, 
 
  
 
 5º
 
  
 Ora, o Recorrente, expressamente refere, invoca e suscita, quer no recurso que 
 interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa, quer no recurso que interpôs para 
 o Supremo Tribunal de Justiça, a violação do artigo 32º da Constituição da 
 República Portuguesa, gerando assim uma grave inconstitucionalidade. 
 
  
 
 6º
 
  
 Na fundamentação e decisão do acórdão recorrido é apenas referido, em termos 
 muito lineares, que segundo opinião dos mesmos, teria sido garantido o princípio 
 constitucional do contraditório, mas não interpretam as motivações e conclusões 
 apresentadas pelo Recorrente no recurso que interpôs. 
 
  
 
 7º
 
  
 O contraditório previsto como princípio no artigo 32º da Constituição não se 
 reduz a um mero exercício fútil de antagonismos entre as partes, exige com toda 
 a certeza, que o poder judicial, após as partes exercerem o Contraditório 
 vertido sobre determinada matéria, profira uma decisão, estabelecendo, senão uma 
 verdade, ao menos uma constância jurídica capaz de fundar uma decisão com um 
 determinado grau de certeza. 
 
  
 
 8º
 
  
 A possibilidade de uma defesa justa e equitativa, desvirtua por completo o 
 direito ao contraditório, que, para ser perfeito exige que, do seu exercício, 
 nasça uma determinada consequência e decisão. 
 
  
 
 9º
 
  
 Ao não se pronunciar sobre a questão da inconstitucionalidade, tantas vezes 
 invocada pelo ora recorrente, versando assim sobre “normas cuja 
 inconstitucionalidade houvesse sido suscitada durante o processo – alínea b) do 
 nº 1 do artigo nº 70º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, e mantendo, nestes 
 moldes, o acórdão proferido pela relação, também o mui douto acórdão ora 
 recorrido viola a disposição do artigo 32º da Constituição da República 
 Portuguesa. 
 
  
 
 10º
 
  
 Foi ainda referido no despacho do Supremo tribunal da Justiça que “as próprias 
 conclusões do recurso para o Supremo, embora acusando a decisão da Relação de 
 
 “violação do princípio do contraditório e do próprio princípio constitucional do 
 Estado de Direito (...) atribuem a violação da lei correspondente e não a 
 inconstitucionalidade de qualquer das normas aplicadas (...)”. 
 
  
 
 11º 
 
  
 Ora salvo melhor opinião, violando-se a lei no sentido claro de prejudicar a 
 defesa do cidadão, viola-se necessariamente a constituição, e em concreto o 
 artigo 32º da mesma, sendo claramente uma inconstitucionalidade, porque 
 contrária à Constituição e contrária ao Estado de Direito Democrático.
 
  
 
 12º
 
  
 Uma coisa é concordar-se ou não com os argumentos de inconstitucionalidade 
 invocados: outra bem diferente, é eles estarem como estão invocados em várias 
 peças processuais já identificadas, o que é condição de admissibilidade de 
 recurso. 
 
  
 Termos em que a presente reclamação deve ser deferida, proferindo-se despacho de 
 admissão do recurso».
 
  
 
                  5 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, 
 respondeu dizendo:
 
  
 
 «Face ao teor do requerimento de pág. 54, endereçado ao relator do processo no 
 STJ, é evidente que a decisão recorrida é o acórdão proferido pelo STJ (se 
 fosse, porventura, a decisão proferida pela Relação nos presentes autos teria 
 obviamente o recorrente de o afirmar expressamente, endereçado o requerimento de 
 interposição de recurso ao órgão jurisdicional que proferiu tal aresto).
 Como é evidente, o acórdão impugnado – que se limitou a considerar irrecorrível 
 para o STJ o referido acórdão da Relação – não aplicou, nem podia ter aplicado, 
 as “normas” que o recorrente, de forma, aliás, deficiente, especifica.
 Tal conduz naturalmente à manifesta improcedência da presente reclamação».
 
  
 
  
 B – Fundamentação 
 
  
 
                  6.1 – Como resulta da transcrição efectuada, o despacho 
 reclamado não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, por 
 considerar, por um lado, que “as normas que o recorrente reputa 
 
 ‘inconstitucionais’ não foram interpretadas, aplicadas ou sequer citadas pelo 
 acórdão recorrido (…), na sua fundamentação ou decisão” e, por outro, que o 
 recorrente não suscitara a questão da sua inconstitucionalidade nas alegações do 
 recurso interposto do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça 
 
 (STJ). E pode avançar-se, desde já, que tal decisão merece ser confirmada.
 
                  
 
                  6.2 – O objecto do recurso de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da 
 Constituição da República Portuguesa (Constituição) e na alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC, disposição esta que se limita a reproduzir o comando 
 constitucional, corporiza-se na questão de (in)constitucionalidade da(s) 
 norma(s) de que a decisão recorrida haja feito efectiva aplicação ou tenha 
 constituído o fundamento normativo do, aí, decidido. 
 
                  Trata-se de um pressuposto específico do recurso de 
 constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e 
 incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra 
 desenhado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da 
 constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da 
 natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. Cardoso da Costa, 
 
 «A jurisdição constitucional em Portugal», in Estudos em homenagem ao Professor 
 Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, I, 
 
 1984, pp. 210 e ss., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no 
 Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no 
 mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de 
 pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 
 
 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o 
 Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 
 
 2000).
 
                 Por outro lado, neste domínio da fiscalização concreta de 
 constitucionalidade, importa acentuar que a intervenção do Tribunal 
 Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da questão de 
 
 (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado. 
 
                  Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade há-de 
 poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua 
 reforma, no caso de o recurso obter provimento. 
 
                  Tal só é possível quando a norma cuja constitucionalidade o 
 Tribunal Constitucional aprecie haja constituído a ratio decidendi da decisão 
 recorrida, ou seja, o fundamento normativo do aí decidido. 
 
  
 
                  Concretizando aspectos do seu regime, cumpre, ainda, acentuar 
 que, sendo o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade 
 constituído por normas jurídicas que violem preceitos ou princípios 
 constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a 
 decisão judicial em sim própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de 
 preceitos ou princípios constitucionais, quer no que tange à correcção, no plano 
 do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, 
 quer no que importa à forma como o critério normativo previamente determinado 
 foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (juízo subsuntivo).
 
                  Como já se afirmou, é sempre forçoso que, no âmbito dos 
 recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a 
 
 (in)constitucionalidade de normas, não sendo, deste modo, admissíveis os 
 recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo 
 espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito 
 efectuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de 
 
 “aplicação” a violação (directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. 
 
                  Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e 
 o mérito do julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo – a intervenção 
 do Tribunal Constitucional não incide sobre a correcção jurídica do concreto 
 julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas 
 pela decisão recorrida, cabendo ao recorrente, como se disse, nos recursos 
 interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o 
 problema de constitucionalidade normativa num momento anterior ao da 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, 
 publicado no Diário da República II Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 
 
 618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para 
 jurisprudência anterior (por exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no 
 Diário da República II Série, de 21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, 
 inéditos e o Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República II Série, de 
 
 18 de Junho de 1994)].
 
                  A este propósito escreve Carlos Lopes do Rego («O objecto 
 idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as 
 interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in 
 Jurisprudência Constitucional, 3, p. 8) que “É, aliás, perceptível que, em 
 numerosos casos – embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade 
 de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que 
 realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo 
 julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a 
 adequação e correcção do juízo de valoração das provas e de fixação da matéria 
 de facto provada na sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos 
 relevantes para a aplicação do direito […]».
 
  
 
                  Finalmente, deve referir-se que decorre, ainda, dos referidos 
 preceitos que a questão de inconstitucionalidade tenha de ser suscitada em 
 termos adequados, claros e perceptíveis, durante o processo, de modo que o 
 tribunal a quo ainda possa conhecer dela antes de esgotado o poder jurisdicional 
 do juiz sobre tal matéria e que desse ónus de suscitar adequadamente a questão 
 de inconstitucionalidade em termos do tribunal a quo ficar obrigado ao seu 
 conhecimento decorre a exigência de se dever confrontar a norma sindicanda com 
 os parâmetros constitucionais que se têm por violados, só assim se 
 possibilitando uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização 
 da constitucionalidade dos actos normativos. Nesta linha, importa reconhecer que 
 não basta que se indique a norma que se tem por inconstitucional, sendo, antes, 
 necessário que se problematize a questão de validade constitucional da norma 
 
 (dimensão normativa) através da alegação de um juízo de antítese entre a 
 norma/dimensão normativa e o(s) parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, 
 pelo menos, as normas ou princípios constitucionais que a norma sindicanda viola 
 ou afronta.
 
                  Tais exigências têm sido deveras reiteradas pela nossa 
 jurisdição constitucional.
 De forma contínua e sistemática, tem este Tribunal estabelecido que «“Suscitar a 
 inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal 
 perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de 
 constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que 
 
 (...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um 
 segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem 
 suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte 
 o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a 
 norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de 
 uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao 
 acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de administração ou numa 
 decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa 
 determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (cfr. Acórdãos nºs 
 
 37/97, 680/96, 663/96 e 18/96, este publicado no Diário da República, II Série, 
 de 15-05-1996). [§]É certo que não existem fórmulas sacramentais para formulação 
 dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão de constitucionalidade. 
 
 [§]Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro que se põe em causa a 
 conformidade à Constituição de uma norma ou de uma sua interpretação (...) – cf. 
 o referido Acórdão n.º 618/98 e os acórdãos para os quais remete».
 
  
 
                  6.3 – Antes de mais, cumpre notar que não se vê como é que 
 tenha sentido alegar-se “a inconstitucionalidade do art. 32.º da Constituição da 
 República Portuguesa”, como o reclamante chega ao ponto de afirmar. A 
 inconstitucionalidade traduz-se em um vício de desconformidade entre o sentido 
 de normas ou princípios constitucionais e normas infraconstitucionais. 
 
                  Sendo assim, não pode um preceito constitucional ser 
 inconstitucional. O erro de interpretação e de aplicação dos preceitos ou 
 princípios constitucionais, seja no conhecimento das questões de compatibilidade 
 das normas de direito infraconstitucional, seja na regulação directa de 
 situações jurídicas concretas, não consubstancia uma inconstitucionalidade, mas 
 tão só um erro na interpretação e aplicação das normas ou princípios 
 constitucionais.
 
                  Para além do que concerne a esse preceito constitucional, no 
 recurso pretendido interpor, o reclamante intentou que este Tribunal 
 Constitucional apreciasse a questão de constitucionalidade do “artigo 49.º do 
 Código Penal, artigo 50.º, n.º 1, artigo 71.º, alínea d) do n.º 2 do artigo 
 
 72.º, artigo 73.º, artigo 113.º, n.º 6, artigo 115.º, artigo 175.º, n.º 2 e 4 do 
 Código Penal, na interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal da Relação de 
 Lisboa”.
 
                  Todavia, como bem se diz, na decisão ora reclamada, e 
 independentemente de o reclamante não concretizar as concretas dimensões 
 normativas que teriam sido convocadas, o que é certo é que nenhum desses 
 preceitos constituiu fundamento normativo ou ratio decidendi da decisão 
 recorrida.
 
                  Na verdade, fundamentando a decisão de rejeição, por 
 inadmissibilidade do recurso oposto ao acórdão da Relação de Lisboa, o acórdão 
 do STJ discursou do seguinte jeito:
 
  
 
     «3. O RECURSO PARA O SUPREMO 
 
  
 Ainda inconformado, o arguido[1], notificado por c/r de 17MAI, recorreu ao 
 Supremo em 02JUN06, pedindo a «revogação» do acórdão recorrido e a sua 
 
 «substituição» por outro que julgue o MP parte ilegítima para acusar ou, pelo 
 menos, reduza e suspenda a pena: 
 
  
 O recorrente insurge-se contra o acórdão recorrido, invocando para tal quatro 
 razões fundamentais. I) Do Recurso Intercalar, na medida em que, salvo melhor 
 entendimento, o douto acórdão recorrido, ao não dar provimento ao mesmo, viola 
 clara e expressamente o princípio do contraditório, princípio consagrado no art. 
 
 32º da Constituição; II) Da ilegitimidade do Ministério Público, porquanto, ao 
 improceder igualmente esta questão, considera-se violado o disposto no art. 49º 
 do Código Processo Penal, bem como o vertido nos art.s 113º, nº 6, 115º, 178º, 
 nº 2 e 4 todos do Código Penal; III) Da determinação da medida da pena, pois não 
 foram respeitados os critérios inerentes à determinação da medida da pena, 
 constantes do art. 71º do Código Penal, bem como não foi levada em consideração 
 a atenuação especial da pena, considerando o recorrente que foi violada a norma 
 prevista na alínea d) do nº 2 do art. 72º e art. 73º, ambos do Código Penal; IV) 
 Por último, da suspensão da execução da pena de prisão, na medida em que, ao não 
 ter sido convenientemente fundamentada no acórdão recorrido e, ao considerar o 
 recorrente que se encontram preenchidos todos os requisitos de aplicabilidade 
 deste instituto, se considera igualmente violado o art. 50º do nº 1 do Código 
 Penal. 
 
  
 
 4. O RECURSO INTERCALAR 
 
  
 
 É irrecorrível, porque não pôs termo à causa[2], a decisão da Relação que 
 decidiu o recurso interlocutório oportunamente interposto de despacho proferido 
 na sessão de julgamento de 30MAI05. Com efeito, «não é admissível recurso «de 
 acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa» 
 
 (art. 400º.1.b). 
 
  
 
 5. A DEFINITIVIDADE DAS PENAS PARCELARES 
 
  
 
 5.1. Não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, 
 pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância, em processo por crime a 
 que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de 
 concurso de infracções» (art. 400º, nº 1, al. f), do CPP). Ou seja, «mesmo em 
 caso de concurso de infracções», não é admissível recurso de acórdãos 
 condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 
 
 1ª instância, em processo por crime ou crimes individualmente puníveis com pena 
 de prisão não superior a oito anos. 
 
  
 
 5.2. No caso, os «processos conexos» (cfr. art.ºs 24º e 25º do CPP)[3] versam 
 crimes individualmente puníveis com pena de prisão não superior a oito anos de 
 prisão (cfr. art. 172º.1 do CP) e daí, pois, que cada um deles valha ‘como 
 
 «processo por crime a que é aplicável pena de prisão não superior a oito anos». 
 
  
 
 5.3. Se julgados isoladamente, não haveria dúvidas de que não seria admissível 
 recurso do(s) acórdão(s) proferido(s), em recurso, pela Relação, confirmando 
 a(s) decisão(ões) da 1ª instância. 
 
  
 
 5.4. Ora, não há razões substanciais – ou sequer, processuais – para que se 
 adopte um regime diverso de recorribilidade em função da circunstância de, por 
 razões de «conexão» («de processos» – art. 25º), terem sido conhecidos 
 simultaneamente os crimes «concorrentes» (de cada «processo conexo»). 
 
  
 
 5.5. Acresce que, para efeitos de recurso, «é autónoma a parte da decisão que se 
 referir, em caso de concurso de crimes, a cada um dos crimes» (art. 403º, nº 2, 
 al. b), do CPP). Por isso, o art. 400º, nº 1, al. f), do CPP adverte para que 
 tal regime de recorribilidade (no tocante «a cada um dos crimes», ou, mais 
 propriamente, ao «processo conexo» respeitante a cada «crime») se há-de manter 
 
 «mesmo em caso de concurso de infracções» julgadas «em processos conexos» (ou em 
 
 «um único processo organizado para todos os crimes determinantes de uma conexão» 
 
 – art. 29º, nº 1, do CPP). 
 
  
 
 5.6. Aliás, se o art. 400º, nº 1, nas suas alíneas e) e f), pretendesse levar em 
 conta a pena correspondente ao «concurso de crimes», teria aludido a «processos 
 por crime ou concurso de crimes» (e não a «processos por crime, mesmo em caso de 
 concurso»). 
 
  
 
 5.7. De resto, é nesse sentido que a melhor doutrina[4] se vem pronunciando: «A 
 expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” suscita algumas dificuldades 
 de interpretação. A pena aplicável no concurso tem como limite mínimo a mais 
 elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas 
 aplicadas aos diversos crimes em concurso (art. 77º do CP). Não parece que o 
 legislador tenha aqui recorrido a um critério assente na pena efectivamente 
 aplicada no concurso e, em abstracto, é impossível determinar qual a pena 
 aplicável aos crimes em concurso antes da determinação da pena aplicada a 
 qualquer deles. Parece que a expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” 
 significa aqui que não importa a pena aplicada no concurso, tomando-se em conta 
 a pena abstracta aplicável a cada um dos crimes». 
 
  
 
 5.8. E não se obtempere – quanto a um dos crimes de abuso sexual de criança (que 
 o tribunal colectivo penalizara, provisoriamente, com a pena parcelar de 4 anos 
 de prisão) – que a Relação não se limitou a confirmar a decisão recorrida (pois 
 que a reduziu para 3 anos de prisão). Porém, pode e deve entender-se, na 
 perspectiva do condenado, que a Relação, no caso, confirmou, melhorando-a, a 
 condenação da 1ªinstância. É o que o Supremo tem chamado «confirmação in 
 melius». Afinal, a Relação, da pena de 4 (3+1) anos de prisão proposta pelo 
 tribunal colectivo, confirmou parte (3 de 4 anos de prisão) dessa condenação. 
 Ora, incidindo o presente recurso sobre a parte confirmada dessa condenação (por 
 crime punível com prisão superior a 5 mas não superior a 8 anos de prisão), é 
 defensável – como o Supremo tem, aliás, vindo a sustentar – que o recurso não 
 seja admissível. 
 
  
 
 5.9. Daí que hajam de se considerar-se definitivas (art. 400º.1.e) do CPP) – e, 
 por isso, irrecorríveis – as penas parcelares aplicadas ao arguido, pelas 
 instâncias, na 1ª instância por «abuso sexual de criança» (2+3 anos de prisão): 
 
 «A alínea f) do nº 1 do art. 400º do CPP é também uma aplicação do princípio da 
 dupla conforme. Se a decisão condenatória de 1ªa instância for confirmada em 
 recurso pela Relação, só é admissível recurso se a pena aplicável for superior a 
 
 8 anos. Também aqui a expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” parece 
 significar que se há-de atender apenas á pena aplicável a cada um dos crimes em 
 concurso»[5]
 
  
 
 5.10. O mesmo se dirá, aliás, da pena conjunta – fixada pela 1ª instância em 5 
 
 (4+1) anos de prisão e confirmada, in mellius, pela Relação (4 anos de prisão) – 
 uma vez que a «pena aplicável» ao concurso (cfr. art. 77º.2 do Código Penal) tem 
 como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários 
 crimes (no caso, 2 anos de prisão) e como limite máximo a soma das penas 
 concretamente aplicadas aos vários crimes (no caso, 5 anos de prisão). Com 
 efeito, «não é admissível recurso de acórdãos proferidos, pelas relações, em 
 processo por [concurso de crimes] a que seja aplicável pena de prisão não 
 superior a 5 anos (...)» (art. 400º.1.e) e de «acórdãos condenatórios proferidos 
 em recurso, pelas relações, que confirmem [inclusive, in mellius] decisão de 1ª 
 instância, em processo por [concurso de crimes] a que seja aplicável pena de 
 prisão não superior a oito anos (...)» (art. 400º.1 f)[6] 
 
  
 
 6. CONCLUSÕES 
 
  
 
 6.1. Não é admissível recurso de acórdãos proferidos pelas relações, em recurso 
 
 (interlocutório), que não ponham termo à causa (art. 400º.1.c do CPP). 
 
  
 
 6.2. Não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas 
 relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior 
 a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções» (art. 400º.1.e). 
 
  
 
  
 
 6.3. Também não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em 
 recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância, em processo por 
 crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em 
 caso de concurso de infracções» (art. 400º.1.f). 
 
  
 
 6.4. Mas, tendo a «pena aplicável» ao concurso (cfr. art. 77º.2 do Código Penal) 
 como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários 
 crimes e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários 
 crimes, o recurso (até por força do disposto no art. 399º do Código de Processo 
 Penal) já seria admissível – no tocante à medida da pena conjunta – se a pena 
 aplicável ao concurso excedesse, salvo dupla conforme, 5 anos de prisão ou 
 excedesse, mesmo nessa hipótese, 8 anos de prisão. 
 
  
 
 7. DECISÃO 
 
  
 
 7.1. Tudo visto, o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, reunido em conferência para 
 apreciar a questão prévia suscitada no exame preliminar do relator, rejeita, por 
 inadmissibilidade, o recurso oposto pelo cidadão A. ao acórdão da Relação de 
 Lisboa que, em 16MAI06, fixou – no âmbito do processo comum colectivo 
 
 527/02.OGCSXL do 1º Juízo Criminal de Almada – em 3 anos de prisão e em 2 anos 
 de prisão as penas parcelares correspondentes a cada um dos seus dois crimes de 
 abuso sexual de criança e, em 4 anos de prisão, a respectiva pena conjunta».
 
  
 
                  Não foi, assim, com base em tais preceitos, cuja 
 constitucionalidade o reclamante pretende ver apreciada, que o acórdão concluiu 
 como concluiu pela rejeição, por inadmissibilidade, do recurso do acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa.
 
  
 
                  6.4 – Mas, para além deste fundamento de não admissibilidade do 
 recurso de constitucionalidade, outro existe no mesmo sentido, como bem ajuizou 
 igualmente a decisão do relator, no STJ, ora reclamada.
 
                  É que não pode considerar-se que o reclamante tenha suscitado, 
 de modo adequado, nas alegações do recurso para o STJ, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade das concretas normas ou preceitos legais que refere no 
 requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
 
                  Nas longas conclusões da sua motivação do recurso para o STJ, o 
 ora reclamante, dissertou do seguinte modo:
 
  
 
                               «B – Das Conclusões: 
 
  
 I.                                                    O Recorrente insurge-se 
 contra o acórdão recorrido, invocando para tal quatro razões fundamentais: 
 
  
 II.                                               Do Recurso Intercalar, na 
 medida em que, salvo melhor entendimento, o douto acórdão recorrido, ao não dar 
 provimento ao mesmo, viola clara e expressamente o Princípio do Contraditório, 
 princípio consagrado no art. 32º da Constituição da República Portuguesa; 
 
  
 III.                                           Da Ilegitimidade do Ministério 
 Público, porquanto ao improceder igualmente esta questão, considera-se violado o 
 disposto no art. 49º do Código Processo Penal, bem como o vertido nos arts. 
 
 113º, nº 6, 115º, 178º, nº 2 e 4 todos do Código Penal; 
 
  
 IV.                                            Da determinação da medida da 
 pena, pois não foram respeitados os critérios inerentes à determinação da medida 
 da pena, constantes do art. 71º do Código Penal, bem como não foi levada em 
 consideração a atenuação especial da pena, considerando o Recorrente que foi 
 violada a norma prevista na alínea d) do nº 2 do art. 72º e art. 73º, ambos do 
 Código Penal;
 
  
 V.                                                 Por último, da Suspensão da 
 Execução da Pena de Prisão, na medida em que, salvo douta opinião, ao não se ter 
 sido convenientemente fundamentada no douto acórdão recorrido e, ao considerar o 
 Recorrente que se encontram preenchidos todos os requisitos de aplicabilidade 
 deste instituto, considera-se igualmente violado o art. 50º do nº 1 do Código 
 Penal. 
 
  
 VI.                                            No douto acórdão recorrido, foi o 
 Recorrente A. condenado, como autor material de dois crimes de abuso sexual de 
 criança, p e p. pelo art. 172º, nº 1 do Código Penal, na pena de 02 anos de 
 prisão e 03 anos de prisão. 
 
  
 VII.                                        Nos termos do artigo 77º do Código 
 Penal, foi o Recorrente condenado na pena única de 04 anos de prisão. 
 
  
 VIII.                                   No entanto, beneficiou o Recorrente do 
 perdão genérico de um ano de prisão desta pena única, sob a condição resolutiva 
 do art. 4º da Lei nº 29/99 de 12 de Maio, subsistindo assim o remanescente de 3 
 anos de prisão. 
 
  
 IX.                                            Segundo o vertido no douto 
 acórdão do Tribunal da Relação, não colheu provimento a tomada de novas 
 declarações à menor Ofendida e ao Recorrente, no que concerne ao ilícito, 
 objecto da alteração substancial dos factos, 
 
  
 X.                                                 O qual deu origem ao recurso 
 intercalar, ora em apreço. 
 
  
 XI.                                            Na verdade, considerou o douto 
 Tribunal da Relação que, no caso dos autos em análise, o Recorrente foi 
 notificado da alteração substancial dos factos, não se tendo oposto ao 
 prosseguimento dos autos por estes novos factos. 
 
  
 XII.                                        Por conseguinte, o venerando 
 Tribunal da Relação, em sua opinião, considerou que, na prática, foi exercido o 
 princípio do contraditório, tendo igualmente, do ponto de vista formal sido 
 cumpridos todos os requisitos impostos pelo art. 358º, nº 2 e 3 do Código 
 Processo Penal. 
 
  
 XIII.                                   Considera, no entanto, que o prazo de 
 defesa é concedido para serem produzidos novos meios de prova, face aos novos 
 factos e não uma mera repetição dos mesmos. 
 
  
 XIV.                                     Ora, nada disso era pretendido. 
 
  
 XV.                                         O âmago da presente questão 
 centra-se essencialmente no facto do Recorrente ter sido obstado ao uso da 
 faculdade legal que consiste na utilização de todos os meios de defesa à sua 
 disposição. 
 
  
 XVI.                                     O que se pretendia, tendo em conta toda 
 a problemática subjacente à alteração substancial dos factos, era respeitar o 
 princípio do contraditório, assegurando e garantido, na sua preparação e 
 desenvolvimento, a defesa do Recorrente. 
 
  
 XVII.                                A Constituição da República Portuguesa 
 refere no seu art. 32º, nº 1 e 2, que o procedimento criminal deve assegurar 
 todas as garantias de defesa, bem como ser julgado de forma compatível com essas 
 garantias.
 
  
 XVIII.                            O referido diploma constitucional não 
 explicita a partir de que momento do processo criminal se podem fazer valer as 
 
 “garantias de defesa”
 
  
 XIX.                                     Somos de crer que não foi respeitada a 
 imposição legal do dever e direito do juiz em ouvir as razões das partes, na 
 medida em que ao Recorrente não foi possível a garantia efectiva da influência 
 no desenvolvimento do processo 
 
  
 XX.                                         Assim sendo, tendo sido confrontado 
 o Recorrente com a já mencionada alteração substancial dos factos, pretendeu o 
 mesmo unicamente usufruir do mecanismo que lhe pareceu mais pertinente: o novo 
 interrogatório da menor Ofendida, tendo por fundo a escapulação da nova 
 factualidade decorrente da Audiência de Julgamento, 
 
  
 XXI.                                     Observando-se, então, o princípio da 
 máxima garantia de defesa do Recorrente. 
 
  
 XXII.                                Somente com uma nova tomada de declarações 
 da Ofendida e com a confrontação de tais factos ao Recorrente, neste novo 
 circunstancialismo, poderia estar salvaguardada maxime as garantias de defesa, 
 ao dispor do aqui Recorrente. 
 
  
 XXIII.                            Na verdade, foi obstado ao Recorrente o 
 exercício dos seus direitos em plenitude, na medida em que lhe foi vedado a 
 efectivação dos meios de prova solicitados. 
 
  
 XXIV.                             Nestes termos, foram violadas as garantias 
 processuais do aqui Recorrente, bem como incorreu o Colectivo de Juízes a quo 
 numa eventual ilegalidade, ao violar os princípios consagrados no art. 32º do 
 nosso diploma fundamental. 
 
  
 XXV.                                  Face ao exposto, facilmente se vislumbrará 
 que o acórdão proferido estará viciado, tendo em conta a violação das garantias 
 de defesa facultadas pela lei ao Recorrente e tendo em conta o preceituado 
 constitucional. 
 
  
 XXVI.                             Porém, mesmo que assim não se entendesse, 
 sempre se dirá que a manter-se o douto acórdão, é violado expressa mente o 
 princípio constitucional do Estado de Direito democrático, consagrado no art. 2º 
 da Constituição da República Portuguesa. 
 
  
 XXVII.                         Aliás, a ser assim, não estaria de forma alguma 
 acautelada a efectivação dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, 
 designadamente, do ora Recorrente. 
 
  
 XXVIII.                    No que diz respeito à Ilegitimidade do Ministério 
 Público, segundo o teor do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, não 
 apresentou qualquer acolhimento o argumento formal da necessidade da invocada 
 fundamentação de um interesse público do Ministério Público, no que concerne os 
 ilícitos penais em causa. 
 
  
 XXIX.                             A título de questão prévia, foi levantado pelo 
 Recorrente a falta de legitimidade do Ministério Público para a dedução da acção 
 penal e eventual extinção do direito de queixa do crime ora em apreço. 
 
  
 XXX.                                  Por conseguinte, o crime em causa tem 
 natureza semi-pública, nos termos do artigo 178º do Código Penal, 
 
  
 XXXI.                             Estando por isso dependente de queixa, ao 
 abrigo do disposto no artigo 113º do Código Penal 
 
  
 XXXII.                         No caso em apreço, o Ministério Público só 
 promove o processo depois do ofendido, ou de outras pessoas lhe darem 
 conhecimento do facto. 
 
  
 XXXIII.                    Certo é que, relativamente à nova factualidade 
 decorrente da Audiência de Julgamento, que levou a uma alteração substancial dos 
 factos, tal não ocorreu. 
 
  
 XXXIV.                      Tal necessidade resulta do disposto no art. 113º, nº 
 
 6 e 178º, nº 4 ambos do Código Penal. 
 
  
 XXXV.                          Esta exigência adicional – “se o interesse da 
 vítima o impuser” – aponta de forma clara, para uma restrição dos casos em que 
 há promoção pública do processo penal. 
 
  
 XXXVI.                      Na verdade, no caso sub judice, o Digno Procurador 
 do Ministério Público em nada se opôs à continuação da Audiência de Julgamento 
 pelos novos fados, 
 
  
 XXXVII.                 Contudo, não fundamentou devidamente a sua decisão, a 
 qual determinaria a legitimidade do mesmo para tal situação especial. 
 
  
 XXXVIII.             Acresce que, não tendo sido feita qualquer ponderação 
 alicerçada em factos objectivos, o Ministério Público não referiu 
 designadamente, porque relegou os titulares do direito de queixa, tendo de 
 entender-se que não justificou a sua legitimidade para a acção penal (cfr. 
 Acórdão do STJ de 07 de Junho de 1999). 
 
  
 XXXIX.                      A inexistência de queixa da alegada vitima inquina a 
 legalidade e a validade da audiência de julgamento e motiva por si só a nulidade 
 do acórdão, no que a esta factualidade diz respeito. 
 
  
 XL.                                         Nestes termos, verificou-se uma 
 violação consubstanciada na apropriação pública de um interesse privado 
 relevante. 
 
  
 XLI.                                     Portanto, não se poderá aceitar a douta 
 conclusão do Tribunal da Relação de Lisboa, quando se refere que a base da 
 legitimidade do Ministério Público da Acusação teria de ser posta em causa, ab 
 initio, 
 
  
 XLII.                                Sendo tal uma nulidade que seria apreciada 
 no despacho que recebeu a acusação ou a pronúncia, considerando-se um tema 
 precludido. 
 
  
 XLIII.                            Aquando da respectiva dedução da acusação, bem 
 andou o Ministério Público ao fundamentar o seu interesse público na 
 investigação e ajuizamento do crime. 
 
  
 XLIV.                             Coisa diferente foi a ocorrida aquando da 
 alteração substancial dos factos, conforme supra explanado. 
 
  
 XLV.                                  Por outro lado, dispõe o artigo 115º do 
 Código Penal que “O direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses a contar 
 da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores 
 
  
 XLVI.                             Pelo que, é claro que o direito de queixa já 
 há muito se extinguiu. 
 
  
 XLVII.                         Carecendo assim o Ministério Público de 
 legitimidade para o exercício da acção penal, ao abrigo do disposto no artigo 
 
 49º do Código Processo Penal. 
 
  
 XLVIII.                    Face ao exposto, não poderiam os autos ter 
 prosseguido quanto aos novos factos que surgiram no decurso da Audiência de 
 Julgamento, uma vez que o Recorrente não pode ser condenado pelos mesmos. 
 
  
 XLIX.                             Nestes termos, violou-se expressamente o 
 disposto nos arts. 49º do Código Processo Penal, bem como o vertido nos arts. 
 
 113º, nº 6, 115º, 178º, nº 2 e 4 todos do Código Penal, 
 
  
 L.                                                 Nomeadamente, não foram 
 acauteladas todas as garantias de defesa do Recorrente 
 
  
 LI.                                            Nos termos do disposto no art.32º 
 da Constituição da República Portuguesa, o procedimento criminal deve assegurar 
 todas as garantias de defesa, bem como ser julgado de forma compatível com essas 
 garantias. 
 
  
 LII.                                        No que concerne à Determinação da 
 Medida da Pena, temos de salientar que a escolha e a medida da pena, ou seja, a 
 determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz 
 conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, 
 
  
 LIII.                                   Escolhendo uma das várias possibilidades 
 legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito, 
 
  
 LIV.                                     Tornando desta forma possível o 
 controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da 
 pena. 
 
  
 LV.                                         No caso sub judice a pena aplicada 
 ao Recorrente revela-se desproporcionada e desadequada ao caso em concreto. 
 
  
 LVI.                                     Efectivamente, desde logo, o 
 preceituado no art. 71º do Código Penal foi claramente desrespeitado, ao não 
 serem acautelados, nem observados os critérios que pautam a determinação da 
 medida da pena. 
 
  
 Senão Vejamos: 
 
  
 LVII                  Em primeiro lugar, cumpre referir que a atenuação especial 
 da pena, expressa mente prevista no artigo 72º do Código Penal, não foi tomada 
 em consideração no douto acórdão recorrido. 
 
  
 LVIII               Um dos princípios basilares que regula a atenuação especial 
 da pena é a diminuição acentuada não só da ilicitude do facto ou da culpa do 
 agente, mas também da necessidade da pena. 
 
  
 LIX                  Por conseguinte, há uma atenuante especial que não foi 
 consignada no douto acórdão recorrido: 
 
  
 LX                     Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, 
 mantendo o agente boa conduta – alínea d) do nº 2 do art. 72º do Código Penal. 
 
  
 LXI                  Em nosso entendimento, cabe no âmbito da previsão supra 
 mencionada a excessiva duração do processo não imputável ao Recorrente (nove 
 anos), 
 
  
 LXII        Esbatendo-se, portanto, a realização dos fins da pena e os efeitos 
 gravosos que tem sobre a sua pessoa. 
 
  
 LXIII              A distância no tempo atenua a utilidade e a função da 
 prevenção geral, com necessários reflexos na proporcionalidade entre meios e os 
 fins. 
 
  
 LXIV               Para além disso, o afastamento entre os factos e a aplicação 
 da pena dilui totalmente a perspectiva utilitária da prevenção, 
 
  
 LXV                 Bem como, enfraquece a necessidade de uma determinada pena 
 mais intensa ou exigente. 
 
  
 LXVI        Nestes termos, o Tribunal a quo não atenuou especialmente a pena, 
 ainda que se verificassem circunstâncias anteriores e posteriores ao crime, que 
 diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a 
 necessidade da pena. 
 
  
 LXVII            Na situação sub judice, a atenuação especial da pena será de 
 relevar em relação a cada um dos crimes de abuso sexual de crianças, o que não 
 ocorre no douto acórdão recorrido (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 
 datados de 20.04. 1995, 18.10.2001, 20.06.2002, 30.01.2003 e 25.05.2005, todos 
 in www.dgsi.pt). 
 
  
 Mais,
 
  
 LXIII               Os efeitos da atenuação especial sobre a medida concreta da 
 pena encontram-se regulados no art. 73º do Código Penal. 
 
  
 LXIX                Os termos em que deve ser feita a atenuação especial da pena 
 implicam a averiguação do crime e os limites gerais abstractos da pena de prisão 
 que lhe correspondem – Art. 172º, nº 1 do Código Penal. 
 
  
 LXX        Seguidamente, a fim de se obter a moldura penal especialmente 
 atenuada, tratando-se de pena de prisão, haverá que atender aos normativos das 
 alíneas a) e b) do nº 1 do art. 73º do Código Penal. 
 
  
 LXXI                Ou seja, o limite máximo geral abstracto é reduzido de 1/3 e 
 o limite mínimo geral abstracto é reduzido 1/5, se for igual ou superior a três 
 anos. 
 LXXII        Perante estes limites indicados, caberia ao Tribunal recorrido a 
 determinação da pena concreta aplicável à alegada conduta praticada pelo 
 Recorrente. 
 
  
 LXXIII            Era isto que se impunha ao douto Tribunal “a quo”.
 
  
 LXXIV            Em suma, considera o Recorrente que, no tocante à matéria em 
 apreço, foi violado pelo Tribunal recorrido o constante dos arts. 71º, 72º e 
 
 73º, todos do Código Penal. 
 
  
 LXXV               No entanto, como se não bastasse não ter sido valorado o 
 instituto da atenuação especial da pena, à pena aplicada deveria ter sido levado 
 em consideração igualmente o instituto da suspensão da execução da pena, 
 
  
 LXXVI            A suspensão da execução da pena de prisão é uma medida penal de 
 conteúdo reeducativo e pedagógico. 
 
  
 LXXVII        Sendo decretada nos casos em que é aplicada pena de prisão não 
 superior a três anos, tem de se atender à personalidade do agente, às condições 
 da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias 
 deste. 
 
  
 LXXVIII        Para ser determinada, o julgador terá de concluir que a simples 
 censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada as finalidades 
 da punição. 
 
  
 LXXIX            A decisão de suspender a execução da pena deve ter na base uma 
 prognose favorável ao Recorrente, 
 
  
 LXXX               Isto é, a esperança de que ele assimilará a advertência que a 
 condenação implica e que será desencorajado de cometer novos crimes. 
 
  
 LXXXI        Inexistindo dúvidas sérias sobre a capacidade do Recorrente para 
 compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, 
 
  
 LXXXII        Então a prognose deverá ser favorável, o que devia ter sucedido, 
 
 (de acordo com os Arestos do Tribunal da Relação do Porto, datado de 04.05.2005 
 e do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 15.07.2002 e de 15.06.2005, todos 
 in www.dgsi.pt). 
 
  
 LXXXIII        Efectivamente, verifica-se que, no douto acórdão recorrido, não 
 foram acautelados os interesses do Recorrente, no que a esta matéria concerne. 
 
  
 LXXXIV        Aliás, estando reunidos todos os requisitos de aplicabilidade da 
 suspensão da execução da pena de prisão, designadamente a capacidade do 
 Recorrente para compreender a oportunidade de ressocialização que representa a 
 suspensão da execução da pena. 
 
  
 LXXXV        Salvo melhor entendimento, incorre o douto acórdão recorrido numa 
 desadequação e desproporção da pena aplicada. 
 
  
 LXXXVI         É reconhecido que, em abstracto, o crime em presença tem grande 
 impacto na comunidade, 
 
  
 LXXXVII      No entanto, não é menos certo que, não havendo conhecimento de 
 outros actos do Recorrente, poder-se-á concluir que estes se trataram de um acto 
 isolado.
 
  
 LXXXVIII    Não havendo conhecimento de quaisquer atitudes menos correctas do 
 Recorrente nesse sentido. 
 
  
 LXXXIX         No caso em análise, perante tal dilação temporal, decorre 
 certamente que a pena de prisão efectiva não se vislumbra necessária na dimensão 
 funcional da prevenção geral. 
 
  
 XC                      Em contrapartida, o Recorrente é pessoa de idade 
 avançada. 
 
  
 XCI        Encontra-se inserido social, laboral e familiarmente, 
 
  
 XCII        Contando com apoio dos seus familiares e amigos. 
 
  
 XCIII               Ao Recorrente não pode ser imputável a morosidade dos nossos 
 tribunais, quanto à aplicação da justiça. 
 
  
 XCIV                Na realidade, passados cerca de nove anos, não se vislumbra 
 efeito útil desta pena, 
 
  
 XCV        Muito menos a aplicação exorbitante de três anos de prisão efectiva. 
 
  
 XCVI        Verificam-se, pois, os pressupostos de aplicação do art. 50º, nº 1 
 do Código Penal 
 
  
 XCVII        Posto isto, importa considerar, relativamente a cada uma das penas 
 parcelares em referência, a possibilidade de estabelecimento de uma pena de 
 substituição, nomeadamente de uma pena de prisão suspensa na sua execução. 
 
  
 XCVIII           Em suma, facilmente se depreende que existe uma esperança 
 fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada. 
 
  
 XCIX        Também aqui não andou bem o douto Tribunal a quo, devendo esta 
 questão ser igualmente reapreciada, face a clara violação do art. 50º do Código 
 Penal. 
 
  
 Nestes termos, e nos mais de direito requer-se a V. Exas. que julguem procedente 
 o presente recurso, por provado, consequentemente revogando-se o douto acórdão, 
 substituindo-o por outro que: 
 
  
 a)        Declare a nulidade do douto acórdão recorrido no que concerne à 
 matéria do Recurso Intercalar e que decida pela audição, quer da menor/Ofendida, 
 quer do Recorrente, no que diz respeito ao ilícito objecto da alteração 
 substancial dos factos, na medida em que o Recorrente viu vedado o uso do 
 Princípio do Contraditório; 
 
  
 b)        Declare igualmente a nulidade do douto acórdão, relativamente à 
 promoção do Ministério Público no que concerne ao crime questão da alteração 
 substancial dos factos, porquanto o Digno Procurador do Ministério Público 
 apesar de não se ter oposto à continuação da Audiência de Julgamento por esse 
 facto, a realidade é que não fundamentou a sua decisão, invocando a respectiva 
 ponderação dos interesses da vítima, a que estava obrigado, inquinando assim a 
 legalidade e a validade desta Audiência de Julgamento. 
 
  
 Contudo e, se assim não se entender, deverão V. Exas. substituir o douto acórdão 
 recorrido por outro que: 
 
  
 c)         Se pronuncie, no que concerne à medida da pena, nos termos e para os 
 efeitos do art. 71º do Código Penal; a par da atenuação especial da mesma, 
 expressamente prevista no art. 72º do Código Penal e que não teve acolhimento no 
 douto aresto recorrido, nomeadamente, atendendo à alínea d) do nº 2 desse mesmo 
 preceito legal e ao disposto no art. 73º do Código Penal.
 
  
 E por último, 
 
  
 d)        Se manifeste de forma fundamentada sobre a suspensão da execução da 
 pena, que não foi tomada em consideração, visto que se encontram devida mente 
 preenchidos todos os requisitos de aplicabilidade deste instituto, 
 designadamente a capacidade do Recorrente compreender a oportunidade de 
 ressocialização que representa a suspensão da execução da pena, a primariedade 
 do mesmo, o facto de se tratar de um acto isolado, pois apesar da Ofendida ter 
 saído de casa, a verdade é que as relações entre ambos se mantiveram, não 
 havendo conhecimento de quaisquer atitudes menos correctas do Recorrente nesse 
 sentido, e, ainda, o Recorrente ser pessoa de idade avançada, encontrar-se 
 inserido social, laboral e familiarmente. 
 
  
 Só assim se fazendo a acostumada 
 
  
 JUSTIÇA!»
 
  
 
                  Como decorre de todas estas conclusões, o reclamante limita-se 
 a controverter o acórdão da Relação, confrontando a concreta actividade 
 judicativa, nele levada a cabo, directamente, com os preceitos de direito 
 infraconstitucional ou com os preceitos constitucionais, que identifica.
 
                  É a atitude que toma, designadamente, nas conclusões II, III, 
 IV, V, XII a XIV, XVII a LI, LVI.
 
                  Em ponto algum de todas as conclusões, o recorrente 
 problematiza qualquer questão de validade das normas de direito 
 infraconstitucional que refere, aplicadas ou susceptíveis de o virem a ser, em 
 face de normas ou princípios constitucionais, nomeadamente dos constantes do 
 art. 32.º, nºs 1 e 5 (princípios da plenitude das garantias de defesa, do 
 acusatório e do contraditório) da Constituição, pois jamais alega, 
 concretamente, que determinado sentido dos preceitos legais que mencionou, 
 aplicados ou susceptíveis de o ser à decisão do caso, violava ou afrontava 
 certos preceitos ou princípios constitucionais.
 
                  Repetindo o que se diz no despacho ora reclamado, «[…] as 
 próprias conclusões do recurso para o Supremo – embora acusando a decisão da 
 Relação [ela própria e não as normas por ela aplicadas] de “violação do 
 princípio do contraditório” (art. 32º da CRP) e do próprio “princípio 
 constitucional do Estado de direito” (art. 2º da CRP) – atribuem-lhe a violação 
 da lei correspondente e não a inconstitucionalidade de qualquer das normas 
 aplicadas (“Ao improceder esta questão, considera-se violado o disposto no art. 
 
 49º do CPP, bem como o vertido nos art.s 113º.6, 115º e 178º.2 e 4 do CP”; 
 
 “Considera-se igualmente violado o art. 50.1 CP”; “Violou-se expressamente o 
 disposto nos art.s 71º, 72º e 73º do CP”, etc.)».
 
                  Aliás, o reclamante mantém a mesma postura na dedução da sua 
 reclamação, laborando em manifesta confusão sobre o que consubstancia a 
 suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa (problema de validade 
 constitucional de normas jurídicas, aplicadas) e o que se traduz num confronto 
 das actividades cognitiva, valorativa e decisória levada a cabo pelo tribunal, 
 directamente, com os preceitos e princípios constitucionais.
 
                  Temos de concluir, pois, que a reclamação deve ser indeferida.
 
  
 C – Decisão 
 
  
 
                  7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir a reclamação.
 
                  Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 
 UCs.
 
  
 Lisboa, 12 de Dezembro de 2006
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 [1] Adv. Domingos Guerra Maneta.
 
 [2] Que prosseguiu para apreciação, pela Relação, do recurso da condenação 
 final.
 
 [3] «Há ainda conexão de processos quando o mesmo agente tiver cometido vários 
 crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma 
 comarca (...)»
 
 [4] GERMANO MARQUES DA SILVA., Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, p. 325.
 
 [5] A., ob. e loc. cit.s. 
 
 [6] Assim (restritivamente) interpretado o art. 400.1.e e f do CPP (contra a 
 corrente jurisprudencial que recolhe o aplauso de uma das duas secções criminais 
 do STJ, que se basta – para negar o recurso da pena conjunta – com a 
 irrecorribilidade de cada uma das penas parcelares do concurso) ter-se-á em 
 conta, á partida, que «no concurso de infracções, um caso especial de 
 determinação da pena, a pena aplicável [ao concurso] tem como limite máximo a 
 soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, segundo o disposto do 
 artigo 77º do CP», e, ao mesmo tempo, esvaziar-se-á o contra-argumento de que 
 
 «só o entendimento defendido [por COSTA ANDRADE, MARIA JOÃO ANTUNES e SUSANA DE 
 SOUSA, na sua anotação ao acórdão STJ 06FEV03 (RPCC 2003-3)] imped[iria] que um 
 tribunal da Relação [pudesse] condenar por decisão irrecorrível numa pena de 25 
 anos de prisão, apesar de nenhum dos crimes do concurso ser punível com pena 
 superior a 5 anos»