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Processo nº 693/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
                  Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
                  1 – A. requer a aclaração do Acórdão n.º 626/2006, proferido 
 nestes autos, alegando o seguinte:
 
  
 
 «Não se conformando com o Douto Acórdão da conferência deste Tribunal, que 
 conheceu da alegada inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do 
 C.P.P.,
 vem dele pedir esclarecimento, em conformidade com o dimanado pelo artigo 380.º 
 n.º 1, alínea b) do C.P.P., o que faz nos seguintes termos: 
 
  
 
 1.            O recorrente pretendeu e pretende ver apreciada a 
 inconstitucionalidade material da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do 
 C.P.P., quando entende, sem mais, o que não podemos de todo aceitar que, não é 
 admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em 
 processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não 
 superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o 
 Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3. 
 
 2.            Tal interpretação viola frontalmente o dimanado pelos artigos 
 
 32.º, n.º 1 e 5 e 13.º, n.º 1 da C.R.P.. 
 
 3.     Ademais, dispõe o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa que 
 a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus 
 direitos e interesses legalmente protegidos. 
 
 4.    Neste dispositivo constitucional está aflorado, e consagrado, o principio 
 de acesso ao direito, aos tribunais e à justiça. 
 
 5.            O acesso à justiça não se materializa apenas com a tutela 
 jurisdicional junto dos tribunais. 
 
 6.    Aceder à justiça é a possibilidade de, no plano jurídico, permitir a 
 obtenção de uma decisão da mais alta instância portuguesa – o STJ. 
 
 7.            Sem qualquer menosprezo pelos Tribunais da Relação, salientamos 
 que apenas a jurisprudência emanada do Supremo Tribunal de Justiça, vale como 
 precedente, por vezes, muito perto da vinculatividade, no âmbito do julgamento 
 do aspecto jurídico da causa. 
 
 8.            Com o devido respeito, que é muito e salvo melhor opinião, não foi 
 ainda efectuado um verdadeiro juízo jurisdicional sobre a questão. 
 
 9.    Assim sendo, o presente caso necessita de ser reapreciado, para se 
 materializar a justiça que é princípio constitucional. 
 
 10.         O recorrente pautou a sua atitude processual pelos parâmetros 
 ditados pela boa fé e pela legalidade na defesa do que considera ser os seus 
 direitos, o mais importante deles – a sua liberdade. 
 
 11.         O esclarecimento é pedido em abono duma cultura jurídica saudável, 
 bem assim, em obediência aos princípios da cooperação processual, boa fé, 
 confiança na melhor ordenação do processo e para que nos seja permitido colher 
 um sentido adequado, certo, seguro, aceitável ou apreensível do Douto Acórdão da 
 conferência proferido. 
 
 12.         Não obstante a sua característica de acto de autoridade, o Acórdão, 
 designadamente a sua parte decisória, é um acto jurídico declarativo e formal, 
 dirigido ás partes e, portanto, susceptível de interpretação, de harmonia com as 
 regras, devidamente adaptadas, consignadas nos artigos 236.º e seguintes do 
 Código Civil. 
 
 13.         A interpretação dos termos de um acórdão (e, especialmente, do 
 conteúdo da sua parte decisória) há-de partir da análise e consideração do 
 sentido da linguagem empregue, passar pelo significado dos seus termos, até à 
 coerência de sentido no plano funcional, vista a finalidade e os efeitos que a 
 decisão projecta – o que no caso em análise não logramos conseguir obter. 
 
 14.         Com efeito, o Douto Acórdão da conferência proferido entendeu: 
 
 15.         “... julgar não inconstitucional a norma constante do artigo 400.º, 
 nº 1, alínea e), do Código de Processo Penal.” 
 
 16.         “De facto, nenhum dos dispositivos constitucionais tidos por 
 violados determina a existência forçosa ou necessária de um triplo grau de 
 jurisdição, em termos de impor, mesmo em matéria penal, recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça.” 
 
 17.         Mais entendeu que, “Os fundamentos subjacentes a tal juízo 
 encontram-se bem elucidados na jurisprudência em que se estribou a decisão 
 reclamada, maxime no referido Acórdão nº 377/03, e que aqui integralmente se 
 renovam.
 
 18.    Cumpre apenas acrescentar, quanto à invocação do artigo 32.º, n.º 5, da 
 Constituição, que a norma sindicanda em nada afecta o princípio do contraditório 
 quanto à audiência de julgamento e aos actos instrutórios pertinentes.” 
 
 19.    “Alega, porém, o reclamante haver formulado pedido de apoio judiciário. 
 Porque a sua apreciação e concessão não compete a este Tribunal mas sim à 
 Segurança Social, não pode o reclamante deixar de ser condenado em custas, não 
 sendo, porém, o seu pagamento devido no caso desse pedido ser concedido, dada a 
 sua formulação haver decorrido em momento anterior à decisão de conhecimento da 
 reclamação.” 
 
 20.    Assim, entende-se com o devido respeito e salvo melhor entendimento, que 
 o Douto Acórdão deste Tribunal se mostra ambíguo, na medida em que, refere que 
 se tem entendido julgar não inconstitucional a norma constante do artigo 400.º, 
 n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal, 
 
 21.         não explanando quais os fundamentos, 
 
 22.         não se percebendo quais os fundamentos para a decisão de não julgar 
 inconstitucional a norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do Código 
 de Processo Penal. 
 
 23.    Quando o Acórdão refere que nenhum dos dispositivos constitucionais tidos 
 por violados determina a existência forçosa ou necessária de um triplo grau de 
 jurisdição, em termos de impor, mesmo em matéria penal, recurso para o Supremo 
 tribunal de Justiça, 
 
 24.         não se compreende qual o sentido que se pretendeu dar. 
 
 25.    Ademais, o Acórdão refere que, os fundamentos subjacentes a tal juízo 
 encontram-se elucidados na jurisprudência em que se estribou a decisão 
 reclamada, maxime no referido Acórdão nº 377/03, e que aqui integralmente se 
 renovam, 
 
 26.         não obstante, tais fundamentos não são elencados, sequer referidos. 
 
 27.         Ante o exposto, requer, a Vª Exª, se digne esclarecer, porque tal 
 não lhe parece resultar claro do Douto Acórdão, se este Alto Tribunal na decisão 
 reclamada e no Acórdão teve, ou não em conta o vindo de expor e se tal for de 
 ter em conta se não impõe decisão diversa. 
 
 28.    Ademais, o arguido é um exemplo de como é possível, mantendo uma pessoa 
 em liberdade, regenerá-la e reeducá-la. 
 
 29.    Merece este cidadão ser agora preso? E assim, deitar por campo todo o 
 esforço até agora desenvolvido? 
 
 30.    Quando o arguido tomou conhecimento do Douto Acórdão proferido perdeu 
 toda a vontade de viver, tendo mesmo sido afirmado pelo mesmo que se tal 
 ocorresse poria fim à sua vida, acarretando, certamente o fim da vida de outros 
 dois cidadãos – os seus pais – que não têm qualquer outra forma de sobreviver 
 que não seja através do resultado do trabalho desenvolvido pelo arguido. 
 
 31.         Ante o exposto, requer, mui respeitosamente, a Vª Exª, se digne 
 esclarecer tudo o supra referido, porque tal, salvo melhor opinião, não parece 
 resultar claro do Douto Acórdão, 
 
 32.         bem assim, tudo devidamente esclarecido, se não se impõe decisão 
 diversa (o arguido tem uma conduta conforme ao direito e de modo algum se 
 justifica a revogação da suspensão da pena de prisão). 
 
  
 Requerimento: Atenta a conhecida insuficiência de meios económicos do 
 recorrente, a entender-se haver lugar ao pagamento de custas, requer a sua 
 dispensa de pagamento».  
 
  
 
                  2 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, 
 respondeu do seguinte jeito:
 
  
 
     «1 – O pedido de “aclaração” deduzido é manifestamente improcedente – 
 traduzindo, aliás, exemplo da generalizada e inadmissível tendência para um uso 
 ilegítimo e abusivo dos incidentes pós-decisórios.
 
     2 – Na verdade, o acórdão proferido – quer no que respeita à decisão de 
 mérito, quer no que se refere à exigibilidade das custas – é perfeitamente claro 
 e insusceptível de originar dúvidas sobre o que nele se decidiu – não apontando, 
 aliás, em rigor, o reclamante qualquer obscuridade, mas antes a sua discordância 
 quanto ao objecto da decisão». 
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
                  3.1 – O reclamante requer o esclarecimento do Acórdão acima 
 identificado, invocando o disposto no art. 380.º, n.º 1, alínea b) do C.P.P..
 
                  Ora, de acordo com o disposto no art. 69.º da Lei n.º 28/82, de 
 
 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), “À tramitação dos recursos para o 
 Tribunal Constitucional são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de 
 Processo Civil, em especial as normas respeitantes ao recurso de apelação”.
 
                  Decorre, daí, não ser aplicável ao recurso de 
 constitucionalidade a norma mencionada pelo reclamante.
 
                  Todavia, tal não impede que se conheça do seu pedido, pois tal 
 instrumento da aclaração ou esclarecimento está igualmente previsto no regime do 
 recurso de apelação [art. 669.º, n.º 1, alínea a), ex vi do art. 716.º, n.º 1, 
 do Código de Processo Civil].
 
  
 
                  3.2 – O uso do meio processual da aclaração justifica-se quando 
 uma decisão é obscura ou ambígua. A decisão é obscura quando o seu texto não dá 
 para entender o pensamento do julgador e é ambígua quando a decisão comporta 
 mais de um sentido.
 
  Diz Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, págs. 151), a 
 propósito destes dois vícios formais da decisão, que “num caso, não se sabe o 
 que o juiz quis dizer; no outro, hesita-se entre dois sentidos diferentes e 
 porventura opostos”.
 A função da aclaração é a de “iluminar algum ponto obscuro da decisão”, pelo 
 que, “através dela apenas se pode corrigir a sua forma de expressão e não 
 modificar o seu alcance ou o seu conteúdo” (Fernando Amâncio Ferreira, Manual 
 dos Recursos em Processo Civil, 3ª edição, 2002, págs. 45/46). 
 
  
 
 3.3 – Analisado o requerimento do reclamante, verifica-se que este não apoda o 
 texto do acórdão de não dar a entender qual o exacto pensamento do julgador, nem 
 tão pouco que o mesmo texto se apresenta, objectivamente, susceptível de ser 
 entendido em sentidos diferentes que demandem do Tribunal, para afastar 
 quaisquer dúvidas sobre a sua interpretação, uma concretização de qual desses 
 sentidos corresponde aquele que o julgador quis assumir, seja quanto à decisão e 
 seus fundamentos, seja quanto à sua condenação em custas.
 
                  O próprio requerimento é, em si próprio, contraditório quando, 
 por um lado, enuncia, transcrevendo-os, os fundamentos em que diz ter-se abonado 
 o Acórdão e, por outro, afirma não explanar o mesmo Acórdão “quais os seus 
 fundamentos” (fls. 88 e 89).  
 
                  Na sua alegação, o que o reclamante faz não é mais do que 
 discordar da solução de mérito que o Acórdão deu à questão que decidiu.
 
                  Mas, tal propósito está fora da funcionalidade que informa o 
 meio processual do pedido de esclarecimento ou aclaração.
 
                  
 
                  3.4 – Por outro lado, este instrumento processual, também, não 
 constitui meio ou, sequer, momento processual adequado para se requerer a 
 dispensa do pagamento das respectivas custas, “a entender-se haver lugar ao 
 pagamento de custas”.                  Independentemente da questão da utilidade 
 da sua posterior apresentação perante a entidade administrativa competente (cfr. 
 art. 20.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho) e de se ocorrerem, ou não, os 
 factos integrantes dos respectivos pressupostos legais, trata-se de um pedido 
 que, apenas, poderá ser feito no respectivo processo de apoio judiciário.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
                  4 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir o pedido de aclaração e o pedido de dispensa de pagamento das 
 custas que sejam devidas.
 
                  Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 
 UCs.
 
  
 Lisboa, 12 de Dezembro de 2006
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos