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Proc. nº 398/92
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Dinis
Acordam no Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de recurso vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram como recorrente o arguido A. e recorrido o Ministério Público, pelas razões constantes da exposição do relator a fls 120 e sgts., que aqui se dá para todos os legais efeitos como inteiramente reproduzida, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs.
Lisboa, 26 de Janeiro de 1993
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa
Exposição do relator elaborada nos termos do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.
1 - Em autos de inquérito instaurados no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, o arguido A., notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 68º, nº 3, do Código de Processo Penal, deduziu oposição à constituição de assistente no respectivo processo penal do queixoso B., alegando já se encontrar extinto, aquando da apresentação da denúncia, o direito de queixa relativo ao crime denunciado, previsto e punido, virtualmente, pelo artigo 164º do Código Penal, crime esse que é de natureza particular.
Por despacho de 6 de Maio de 1991, o Senhor Juiz, considerando que as razões invocadas pelo arguido 'têm a ver com o aspecto de fundo da questão surgida nos autos, com a possibilidade ou impossibilidade de alguém ser acusado/perseguido criminalmente e não propriamente com a possibilidade de o denunciante se constituir Assistente' indeferiu o requerimento do arguido, condenando-o, simultaneamente, nas custas do respectivo incidente.
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2 - Inconformado, levou o arguido recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa peticionando a revogação daquele despacho.
Na alegação entretanto oferecida sustentou-se que a decisão impugnada violou diversas disposições constitucionais e legais
[artigos 20º, 32º e 205º da Constituição; artigos 6º e 14º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; artigos 13º e 14º da Carta Internacional dos Direitos de Defesa; artigos 112º, nº 1, 116º, 174º e 164º do Código Penal; artigo 68º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal; artigos 185º, alínea b) do Código das Custas Judiciais em conjugação com os artigos 68º, nº 3, 61º e 98º do Código de Processo Penal], se bem que não haja sido, explícita ou sequer implicitamente, suscitada a questão da inconstitucionalidade de nenhuma norma ou preceito legal, seja daqueles que ficaram referidos, seja de quaisquer outros.
Por acórdão de 29 de Janeiro de 1992, a Relação de Lisboa negou provimento ao recurso e confirmou por inteiro o despacho impugnado pelo arguido.
Este, não conformado 'nos termos do art. 380º do CPP conjugado com o art. 666º, nº 2 do CPC, ex vi do art. 4º do CPP, bem como do art. 120º, nº 3, al. c) do CPP conjugado com o art. 668º, nº 1 al. d) 1ª parte e nº 3 do CPC ex vi do art. 4º do CPP' veio requerer a reforma do acórdão e a sua isenção das custas, no entendimento de que deverão ficar a cargo do queixoso por a elas ter dado causa.
Também neste requerimento não deduziu ou suscitou a questão de inconstitucionalidade de qualquer norma utilizada no acórdão como seu suporte normativo.
E por acórdão de 12 de Maio de 1992, a Relação de Lisboa julgou improcedente aquela reclamação.
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3 - Sob invocação do disposto no artigo 70º, nº
1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o arguido interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional com vista à apreciação da
'inconstitucionalidade das normas dos artigos 185º, alínea b) do Código das Custas Judiciais e 68º, nºs 1, alínea b) e 3 e 61º do Código de Processo Penal, face ao disposto nos artigos 112º, nº 1, 174º, 116º e 114º, nº 3, do Código Penal, por violação do disposto nos artigos 20º, 13º, 32º, nºs 1 e 2 e 205º da Constituição'.
O recurso foi admitido no Tribunal da Relação de Lisboa.
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4 - Em conformidade com o disposto nos artigos
280º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais 'que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo'.
A admissibilidade desta particular espécie de fiscalização concreta de constitucionalidade - aquela a que se ateve o requerimento do recorrente - depende, além de outros, da concorrência de dois requisitos essenciais: (1) a inconstitucionalidade de certa norma há-de ter sido previamente suscitada pelo recorrente durante o processo; (2) tal norma, não obstante a arguição da sua inconstitucionalidade, terá de vir a ser depois utilizada na decisão objecto do recurso como fundamento normativo, como ratio decidendi do próprio julgamento da causa.
O primeiro destes pressupostos de admissibilidade do recurso apenas se pode ter por verificado quando o recorrente haja suscitado a questão de constitucionalidade de modo perceptível e directo, indicando a disposição legal arguida de inconstitucional ou, no caso de apenas questionar certa interpretação que dela foi feita, enunciando qual o sentido ou a dimensão normativa que tem por violadora da Constituição, sendo certo que esta suscitação há-de ocorrer durante o processo.
E este Tribunal vem entendendo, em jurisprudência uniforme e reiterada que a locução 'durante o processo' utilizada nos referidos artigos 280º da Constituição e 70º, da Lei do Tribunal Constitucional, deve ser tomada não num sentido puramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas num sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão. Ou seja: a inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento decorre do facto de se estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão (de constitucionalidade) que é objecto do mesmo recurso. Isto só não será assim, em contadas e muito particulares situações em que o recorrente não haja tido oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade, o que, manifestamente, não sucede no caso em apreço, (cfr. sobre esta matéria, por todos, os Acórdãos nºs 62/85, 94/88 e 479/89, Diário da República, II série, de, respectivamente, 31 de Maio de 1985, 22 de Agosto de
1988 e 13 de Julho de 1989).
Por seu turno, e quanto ao segundo daqueles pressupostos, a norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada, haverá de servir de fundamento à decisão recorrida, nela aplicada mercê do desatendimento do vício de inconstitucionalidade que lhe era assacado.
De outro lado, importa ainda assinalar que o legislador constituinte elegeu como elemento identificador do objecto típico da actividade do Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização de constitucionalidade - nomeadamente no domínio da fiscalização concreta - o conceito de norma jurídica, pelo que apenas as normas podem ser objecto de sindicância constitucional e não já as decisões judiciais em si mesmas consideradas.
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5 - À luz das considerações e dos princípios sumariamente expostos, há-de dizer-se que o recorrente não suscitou válida e adequadamente, isto é, em termos directos e operativos, a questão da constitucionalidade de qualquer norma que haja sido aplicada como fundamento legal do acórdão recorrido.
Com efeito, durante o processo, nas peças processuais que produziu até à prolação do acórdão recorrido, não desencadeou qualquer actividade ou diligência susceptível de ser interpretada ou entendida como denúncia da inconstitucionalidade de uma dada norma jurídica, limitando-se, ao invés, a contestar a justeza de decisões judiciais que, em seu entender, violariam diversos preceitos constitucionais e legais.
Simplesmente, como é sabido, a fiscalização da constitucionalidade acha-se limitada aos actos de carácter normativo, com exclusão dos actos de outra natureza, nomeadamente os actos judiciais em si mesmos considerados, do que decorre que os recursos de constitucionalidade só podem ter por objecto normas e não decisões dos tribunais (cfr. neste sentido a jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, citando-se por todos o Acórdão nº 125/90, Diário da República, II série, de 4 de Abril de 1990, bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra,
1991, pp. 246 e ss.).
E assim sendo, tem-se por seguro não se verificarem, quanto ao presente recurso de constitucionalidade, os pressupostos indispensáveis ao conhecimento do seu objecto.
Cumpra-se o disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.
Lisboa, 29 de Setembro de 1992
Antero Alves Monteiro Dinis