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Proc. nº 60/90
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 - Em autos de recurso provindos do Supremo Tribunal Administrativo, nos quais figuram como recorrente o Ministério Público e como recorrida A., o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão nº 257/92, de 13 de Julho de 1992, decidiu:
'a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº
422/76, de 29 de Maio, na redacção do Decreto-Lei nº 543/76, de 10 de Julho, no segmento objecto de recusa de aplicação pelo acórdão recorrido;
b) Conceder provimento ao recurso e determinar, em consequência, a reformulação da decisão impugnada em conformidade com o presente julgamento de não constitucionalidade'.
Torna-se patente, desde logo, a existência de erro ou inexactidão material na alínea b) da decisão, na parte em que se determina a reformulação do acórdão recorrido em conformidade com o julgamento de 'não constitucionalidade', porquanto, face aos seus termos globais e ao contexto e conteúdo argumentativo a que respeita, manifestamente haveria ali de se fazer referência ao julgamento de 'não inconstitucionalidade' uma vez que este tribunal não julgou inconstitucional a norma questionada naquele recurso.
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2 - O acórdão recorrido foi tirado pela 1ª secção do Supremo Tribunal Administrativo em 14 de Julho de 1987, havendo dele interposto recurso, o Ministério Público, para o Tribunal Constitucional e o banco A., que havia sido citado como recorrido particular, para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo daquele Tribunal.
Já depois de, por despacho do Senhor Relator, de 6 de Outubro de 1987, terem sido admitidos ambos os recursos, e quando se achavam ainda os autos pendentes no Supremo Tribunal Administrativo, foi ali, em 2 de Março de 1989, deduzido incidente de intervenção principal, ao abrigo do disposto nos artigos 351º, alínea a) do Código de Processo Civil e 1º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, por B., C., D. e E..
Por acórdão de 6 de Fevereiro de 1990, e considerando que 'o pedido de intervenção principal foi formulado muito depois de proferido o despacho que recebeu o recurso interposto pelo recorrido particular, do Acórdão final, para o Pleno desta secção' e também por não haver
'norma legal que especificamente atribua competência a esta secção para conhecer de tal pedido, ao contrário do que acontece, designadamente, no caso de deserção de recurso, dado o disposto no nº 3 do art. 292º do Código de Processo Civil, na sequência da reformulação deste Código operada pelo DL 41129, de 28 de Dezembro de 1961, entende-se, nos termos do nº 1 do art. 666º do mesmo diploma legal, aplicável ex vi do art. 1º da LPTA, ter ficado `imediatamente esgotado o poder jurisdicional' desta secção que, consequentemente, não pode conhecer do pedido de `intervenção principal' a que se vem aludindo', o Supremo Tribunal Administrativo decidiu não tomar conhecimento do referenciado pedido de intervenção principal.
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3 - Os autos foram então remetidos a este Tribunal, que apreciou e decidiu o recurso de constitucionalidade interposto pelo Ministério público, no já citado Acórdão nº 257/92.
Este aresto foi notificado pela Secretaria, como se observa de fls. 436, ao senhor Procurador-Geral Adjunto e aos senhores advogados constituídos pela recorrida e pelo A. que haviam produzido alegações e contralegações no recurso, e ainda, se bem que indevidamente, ao senhor advogado constituído pelos requerentes do incidente de intervenção principal.
E na sequência desta notificação vieram estes
últimos arguir nulidades do acórdão, nos seguintes termos:
a) O Supremo Tribunal Administrativo entendeu não dever conhecer o incidente de intervenção principal daí que competia ao Tribunal Constitucional, para o qual seguiram os autos, a emissão de pronúncia sobre essa matéria;
b) Ao não decidir o incidente em questão, o Tribunal Constitucional impediu que os requerentes alegassem sobre a matéria de fundo em apreço, o que constitui irregularidade que pode ter influído no exame da decisão (cfr. artigo 201º do Código de Processo Civil) e, uma vez suprida, é susceptível de o alterar, pelo que deve ser deferida a arguição da nulidade que ora se faz;
c) A admitir-se que o Tribunal Constitucional, atenta a sua natureza específica, não deveria decidir o incidente, o que só por cautela se examina, não pode aceitar-se que tal facto possa impedir os requerentes de se pronunciarem sobre o tema do recurso, uma vez que estão liminarmente admitidos no processo.
d) Nessa hipótese, até ser proferida uma decisão final que os excluísse dos autos, os requerentes teriam sempre direito a seguir o processo e a que lhes fosse concedido prazo para alegar, o que não foi feito e, nesse caso, nos termos do artigo 201º do Código de Processo Civil, constitui nulidade, que ora se argui para todos os legais efeitos.
O A., e o Ministério Público responderam à arguição de nulidades, sustentando o seu indeferimento por força da ausência de comissão de qualquer irregularidade no acórdão reclamado.
Cabe agora apreciar e decidir.
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4 - Em conformidade com o disposto nos artigos
280º, nº 1, alíneas a) e b) da Constituição e 70º, nº 1, alíneas a) e b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade (decisões positivas de inconstitucionalidade ou decisões de acolhimento) ou que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (decisões negativas de inconstitucionalidade ou decisões de rejeição).
O objecto do recurso para o Tribunal Constitucional não é a decisão judicial em si mesma, mas apenas o segmento ou parte dessa decisão em que o juiz a quo recusou a aplicação de uma norma por motivo de inconstitucionalidade ou aplicou uma norma cuja inconstitucionalidade foi impugnada.
Como se escreveu no Acórdão nº 169/92, Diário da República, II série, de 18 de Setembro de 1992, e agora se repete, 'só quando a norma desaplicada, com fundamento em inconstitucionalidade (ou aplicada, não obstante a suspeita de inconstitucionalidade que sobre ela foi lançada) for relevante para a decisão da causa (isto é, só quando tal norma for aplicável ao julgamento do caso decidido pelo tribunal recorrido), é que se justifica a intervenção do Tribunal Constitucional, em via de recurso'.
O recurso de constitucionalidade dispõe de uma peculiar natureza incidental e desempenha uma função instrumental em termos de o conhecimento das questões de constitucionalidade (as únicas que lhe são próprias) só ser devido nos casos em que a decisão a tomar possa interferir utilmente no julgamento da questão de mérito.
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5 - À luz das considerações anteriores, tem-se por manifesto que o proferimento de uma decisão sobre a matéria do requerimento de intervenção principal apresentado no Supremo Tribunal Administrativo, se situa fora do âmbito do recurso de constitucionalidade e da competência deste Tribunal.
Independentemente das questões suscitadas por tal requerimento e pela oposição contra ele formulada pelas partes (sejam atinentes
à admissibilidade daquele incidente em sede de recurso contencioso de anulação, sejam relativos à própria averiguação da existência de um interesse igual ao da recorrida susceptível de conferir legitimidade aos requerentes da intervenção) e, como resulta de diversos documentos juntos aos autos, tal matéria não será isenta de dúvidas, sempre haveria de se concluir no sentido de não pertencer a este Tribunal a decisão de um incidente processual de todo alheio à questão de constitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso.
E assim sendo, por não caber na competência do Tribunal Constitucional a apreciação do pedido de intervenção principal é manifesto que improcede a arguição de nulidade que a este respeito foi deduzida.
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6 - Sustentarem a seguir os requerentes que, por não lhes ter sido consentido alegar no processo, se praticou com tal omissão uma outra nulidade, invocando para defesa do seu entendimento a norma do artigo 201º do Código de Processo Civil.
Mas sem razão.
Em conformidade com o disposto no artigo 353º, nº
2, do Código de Processo Civil o interveniente 'goza de todos os direitos de parte principal a partir do momento da sua intervenção', devendo entender-se que essa assunção de direitos não advém da mera apresentação do requerimento de intervenção mas sim da admissão do interveniente decretada por decisão judicial, como bem resulta do disposto no artigo 355º daquele diploma legal.
A este respeito pode ler-se no acórdão da Relação do Porto de 28 de Julho de 1981 (Colectânea de Jurisprudência, ano VI, 1981, tomo IV, págs. 190 e 191) e citado na resposta do senhor Procurador-Geral Adjunto:
'Não é certo, porém, que o interveniente tenha a qualidade de verdadeiro autor só pela entrada do requerimento para intervenção na contenda. Antes o que resulta do artigo 355º do diploma legal referido é que o pedido de intervenção tem de passar em dois despachos do juiz para o interveniente - melhor, o requerente da intervenção - poder vir a intervir efectivamente na causa para fazer valer o seu direito como parte principal. É que logo o Juiz pode indeferir liminarmente o pedido de intervenção (nº 1 do artigo 355º) ou o pode fazer depois face à oposição que, porventura lhe seja deduzida. Assim é que, nesse primeiro momento, ou o Juiz rejeita liminarmente o incidente, ou o desencadeia, mandando notificar ambas as partes para lhe responderem, mas, passado que seja o pedido nesse primeiro despacho, ainda a intervenção pode depois não vir a ser admitida'.
Em sentido idêntico ao deste aresto cfr. José dos Santos Silveira, Questões Subsequentes em Processo Civil, Coimbra, 1964, p. 316; Eurico Lopes Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, Coimbra, 1965, p. 202 e José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., p. 524.
Na situação em apreço, após a apresentação do requerimento da intervenção e a dedução da oposição pelas partes, foi proferido acórdão pelo 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo não tomando conhecimento do pedido de intervenção.
Deste modo os requerentes não chegaram a adquirir a qualidade de partes na causa que, por tal facto, não foi subjectivamente modificada com a intervenção de outras pessoas ao lado da Autora na situação de parte principal.
E deste modo, não se verificou também aqui qualquer irregularidade processual, improcedendo assim a nulidade a este propósito suscitada pelos requerentes.
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7 - Na sequência do exposto decide-se:
a) Determinar a rectificação do erro material constante da alínea b) da decisão do acórdão nº 257/92, de fls. 389 e 434 destes autos, em termos de passar a conter a seguinte formulação 'conceder provimento ao recurso e determinar, em consequência, a reformulação da decisão impugnada em conformidade com o presente julgamento de não inconstitucionalidade'.
b) Indeferir o requerimento de arguição de nulidades.
c) Condenar em custas os requerentes fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs.
Lisboa, 28 de Janeiro de 1993
Antero Alves Monteiro Dinis
Vítor Nunes de Almeida
António Vitorino
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa