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Proc. nº 161/88 Cons. Rel.: A. Esteves
Acordam, em secção, no Tribunal Constitucional:
I. 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, em processo litigioso de expropriação urgente, sendo expropriante o A. e expropriados B.. e outros, o Sr. Juiz, por sentença de
9.5.86, fixou em 3.466.235$00 o montante da indemnização pela expropriação de uma parcela de terreno com a área de 4.750 m2.
Interpretando a norma do artigo 131º do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, referida ao artigo 62º do Decreto-Lei nº 794/76, de 5 de Novembro, o Sr. Juiz considerou então que aquela parcela se situava fora do aglomerado urbano, não obstante a sua inclusão
'dentro do perímetro que define a cidade de Gaia e até do seu centro histórico'.
E, assim, o valor da indemnização foi calculado segundo os critérios enunciados no artigo 30º do Código das Expropriações (Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro).
Desta sentença os expropriados recorreram para o Tribunal da Relação do Porto. Em alegações, sustentaram que a consideração no caso da parcela de terreno objecto de expropriação fora do aglomerado urbano consubstanciaria uma interpretação inconstitucional da norma do artigo 62º do Decreto-Lei nº 794/76, de 5 de Novembro (Lei dos Solos), face ao artigo 62º da Constituição da República. E, entre o mais, referiram ainda a norma do artigo 33º, nº1, do Código das Expropriações, considerando-a de duvidosa constitucionalidade na parte em que determina que o valor dos terrenos situados em aglomerado urbano não pode exceder o valor de 15% do custo provável da construção que neles seja possível, questão que confrontaram com o princípio constitucional da igualdade perante os encargos públicos.
O Tribunal da Relação, por acórdão de 5 de Março de 1987, negou provimento ao recurso. Fixou a indemnização a atribuir aos expropriados em 3.684.200$00, qualificando o terreno em causa como situado em zona diferenciada do aglomerado urbano e, assim, convocando para o cálculo da indemnização as normas do artigo 30º do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro.
Deste acórdão os expropriados recorreram para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70º, nº1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Afirmaram, então, que haviam suscitado expressamente a inconstitucionalidade dos artigos 30º e 33º do Decreto-Lei nº
845/76, de 11 de Dezembro (Código das Expropriações) e do artigo 62º do Decreto-Lei nº 794/76, de 5 de Novembro (Lei dos Solos), com referência à norma do artigo 62º, nº2, da Constituição.
O recurso não foi admitido por despacho do relator no Tribunal da Relação, pelo que os expropriados reclamaram para o Tribunal Constitucional.
A reclamação foi atendida no Acórdão nº 31/88 deste Tribunal, com fundamento na verificação, quanto à norma do artigo 131º do Código das Expropriações, referida ao artigo 62º da Lei dos Solos, do pressuposto do recurso de constitucionalidade enunciado no artigo
280º, nº1, alínea b), da Constituição, e correspondentemente, no artigo 70º, nº1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo).
2. Alegando, os recorrentes referiram-se à interpretação contida no acórdão da Relação do Porto e aduziram, entre o mais:
'Traduz-se aquela interpretação em sustentar-se que um terreno só pode ser considerado em aglomerado urbano se ele mesmo possui as três infra-estruturas referidas no artº 62º-1 do Dec. Lei nº 794/76, ou se cabe na
área dos 50 m. de distância da via pública onde tais infra-estruturas existam.
Ou seja, nunca seria considerado dentro de aglomerado urbano, mesmo que situado no centro de uma cidade, se, em relação ao terreno em causa não subsistirem aquelas condições... mesmo que a cidade se estendesse muito para fora da zona com as três infra-estruturas... .
Isto é, por essa lógica, criar-se-ia uma ilha não urbana (...) rodeada de urbano (de 'aglomerado urbano') por todos os lados (...).
(...) Apesar da conclusão de que o terreno está fora de aglomerado urbano, não puderam os Srs. Peritos do Tribunal e do Expropriante deixar de afirmar, como não pôde o Mmo. Juiz deixar de confirmar
- que o terreno 'está dentro do perímetro da cidade de V.N. de Gaia' (...);
- que a rua com a qual em parte confina 'está dentro do perímetro que define a cidade de Gaia' (...);
- que até está dentro do perímetro do centro histórico (...);
- que existe rede ou sistema de drenagem de esgotos em diversas Ruas da mesma cidade de Gaia na mesma zona e até com orientação geográfica semelhante e mais afastadas do centro da cidade' (...);
- que 'existem vias públicas pavimentadas e com rede de abastecimento domiciliário de água e com rede de drenagem de esgotos mais afastadas do centro daquela zona e para poente da referida rua e paralelamente ou quase paralelamente a esta' (o centro da cidade fica a nascente, claro) (...).
(...) As instâncias não atenderam aos conceitos integradores do conceito global de 'aglomerado urbano' constantes da citada norma, designadamente os de
- 'núcleo'; e de
- 'vias públicas onde terminam aquelas infra-estruturas urbanísticas'.
(...) O que a lei quis foi definir um núcleo urbano e não um conjunto de ilhas.
Isto é, pretendeu-se delimitar um aglomerado, um núcleo, com determinado perímetro ou linha envolvente .
E chegou-se a uma conclusão vantajosa para os expropriados: a de que, para além do núcleo, com características tipicamente urbanas, haveria que aumentá-lo de 50m. assim ampliando o seu perímetro natural.
Há, pois, um ponto terminal do perímetro urbano: os 50m. das vias públicas onde terminam as três infra-estruturas urbanísticas.
Quer isso dizer, que não se vai 'catar' uma via pública no centro da cidade para ela servir de ponto de referência para 'achar' as três infraestruturas! Nada disso.
Vão-se procurar, isso sim, as vias públicas mais periféricas da cidade (ou vila ou aldeia) onde existam as três infra-estruturas, as últimas que as possuam, e é a partir delas que se desenha o perímetro dos 50m. da linha envolvente.
Caso contrário, seria uma enorme aberração: seria teoricamente possível detectar 'ilhas' não urbanas no centro de uma cidade (como acontece no caso concreto)!
Isto é, deparar-se-nos-iam terrenos centrais a valer incomparavelmente menos que outros periféricos!'
E, concluindo, afirmam, entre o mais, os recorrentes:
'1- De acordo com a interpretação rigorosa do artº. 62º do Dec.Lei nº
794/76 de 5-11 (Lei dos Solos) o terreno objecto de expropriação está todo ele situado dentro de aglomerado urbano.
2- Com efeito, a interpretação exacta da referida norma é a de que se pretendeu delimitar um aglomerado, um núcleo, com determinado perímetro ou linha envolvente,
3- e que, para além do núcleo com características tipicamente urbanas, haveria que aumentá-lo de 50m., assim ampliando o seu núcleo natural,
4- pelo que há um ponto terminal do perímetro urbano que é o dos 50m. a contar das vias públicas onde terminam as três infra-estruturas urbanísticas a que se refere o dito artigo,
5- sendo certo que, para tanto, são tomadas em conta as vias públicas mais periféricas da povoação onde existam as ditas três infra-estruturas, as
últimas que as possuam, sendo a partir delas que se desenha o perímetro dos 50m. da linha envolvente.
6- É, pois, uma erradíssima interpretação do dito artº. 62º a sustentada pelas Instâncias no sentido de que um terreno só pode ser considerado em aglomerado urbano se ele mesmo possui as três infra-estruturas ou se cabe na
área dos 50m. de distância da via pública onde tais infra-estruturas existam,
7- desprezando que o terreno em causa se situa no centro da própria cidade de Vila Nova de Gaia e faz até parte do seu centro histórico,
8- e desprezando ainda que para qualquer dos lados desse terreno existem muitas outras ruas mais periféricas da cidade que possuem as três infra-estruturas, e com mais razão existem muitos e muitos terrenos dentro do perímetro dos 50m. traçado para além das ruas mais periféricas da cidade com essas infraestruturas.
9- A interpretação do artigo 62º referido, sustentada pelas Instâncias
- e que o próprio Juiz não hesitou em reputar de injusta - é violadora do artigo
62º da Constituição da República, na medida em que não permite tributar aos expropriados uma justa indemnização,
10- colocando-os em situação de serem defraudados os princípios essenciais da igualdade e da proporcionalidade ínsitos no conceito constitucional de justa indemnização.'
3. O recorrido não apresentou alegações. Entretanto o processo mudou de relator, em resultado da nova composição do Tribunal Constitucional.
II. As normas
1. A questão de constitucionalidade, emergente do problema da valoração do terreno expropriado,
é referida à norma do artigo 131º do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, com a remissão que contém para o artigo 62º do Decreto-Lei nº 794/76, de 5 de Novembro (Lei dos solos). Estas normas, sobre a qualificação dos terrenos para efeitos de avaliação, projectam-se, assim, na operatividade dos artigos 30º e
33º daquele Decreto-Lei. Dispõem assim:
Artigo 131º (D.L. nº 845/76, de 11.12)
'Os conceitos de aglomerado urbano e zona diferenciada deste são os constantes do Decreto-Lei nº 794/76, de 5 de Novembro.'
Artigo 62º (D.L. nº 794/76, de 5.11)
'1. Para efeitos deste diploma, entende-se por aglomerado urbano o núcleo de edificações autorizadas e respectiva área envolvente, possuindo vias públicas pavimentadas e que seja servido por rede de abastecimento domiciliário e de drenagem de esgoto, sendo o seu perímetro definido pelos pontos distanciados
50m. das vias públicas onde terminam aquelas infra-estruturas urbanísticas.
2. Para efeitos deste diploma entende-se por zona diferenciada do aglomerado urbano o conjunto de edificações autorizadas e terrenos contíguos marginados por vias públicas urbanas e pavimentadas que não disponham de todas as infra-estruturas urbanísticas do aglomerado.'
A norma do artigo 131º
'transporta' para o processo de avaliação enunciado no Decreto-Lei nº 845/76, de
11 de Dezembro (cf. Título II), a distinção que sobre a situação dos terrenos é estabelecida no artigo 62º da Lei dos Solos. É nessa perspectiva que a norma haverá de ser confrontada com a Constituição.
III Os parâmetros constitucionais de avaliação. O conceito de justa indemnização.
1. A Constituição determina no artigo 62º, nº2, que 'a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização'.
A fórmula constitucional
'expropriação mediante justa indemnização' aponta para que a indemnização' 'é uma condição reentrante no tipo do Tatbestand normativo-constitucional de expropriação' como tal se impondo, desde logo, ao legislador (G. Canotilho, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, Coimbra 1974, pág.
138). 'A Constituição, embora não exija expressamente que a indemnização seja prévia à expropriação, parece exigir que ela seja um elemento integrante do próprio acto de expropriação' (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição, vol. I, Coimbra 1984, pág. 337).
A exigência constitucional do pagamento de uma justa indemnização constitui por sua vez, uma manifestação do princípio geral da igualdade (C.R.P., art. 13º): a indemnização é vista em função do restabelecimento de uma igualdade de tratamento violada por uma intervenção não geral dos poderes públicos, incidente sobre a propriedade privada.
O julgamento de constitucionalidade haverá ainda de fazer-se à luz da ideia de autonomia, conformadora dos direitos de liberdade negativa. A medida da justa indemnização constitucionalmente exigível realiza precisamente a 'descompressão' daquele
'espaço livre de interferências' que é exigido pela dimensão de defesa do direito de propriedade. Transmuda o resultado do acto lesivo numa situação equivalente à que corresponderia à ausência de intervenção do Estado. Como diz Jorge Miranda, 'naquilo que representa de espaço de autonomia perante o Estado, o direito de propriedade reconduz-
-se a um direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias do título II da parte I' da Constituição (Manual de Direito Constitucional, tomo IV, Coimbra 1988, pág. 434).
'O pagamento de justa indemnização (...) não passa de uma expressão particular do princípio geral,
ínsito no princípio do Estado de direito democrático, de indemnização pelos actos lesivos de direitos e pelos danos causados a outrem. Em certo sentido, o direito de propriedade transforma-se, em caso de expropriação, no direito ao respectivo valor'. (Cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, cit.).
A ideia de que a justa indemnização se apresenta como uma reconstituição, em termos de valor, da situação patrimonial do expropriado desenvolvendo a função de remover o dano resultante da interferência dos poderes públicos vem assim ancorar-se nos princípios constitucionais do Estado de direito (responsabilidade por actos lesivos dos direitos dos particulares) e da igualdade (o dano não pode implicar um acréscimo desigual e injustificado de contribuição dos expropriados para a realização do interesse público).
Esta conexão entre a responsabilidade do Estado por intervenções ablatórias da esfera jurídica dos particulares e o princípio da igualdade, progressivamente concebido como
'direito subjectivo autonomamente invocável', é assim demonstrada por Gomes Canotilho (O Problema da Responsabilidade do Estado, cit, págs. 135-137):
'Pela compreensão e extensão e por andar indissoluvelmente ligado à própria história da responsabilidade do Estado, há que referir, em primeiro lugar, o princípio da igualdade. (...). Considerado inicialmente como fundamento unitário e exclusivo de toda a responsabilidade estadual, ao mesmo tempo que, por imposição do legalismo dominante, se lhe negava carácter de direito positivo, reduzindo-o à máxima aristotélica da justiça distributiva ou, pelo menos, só se lhe reconhecia relevância positiva nas fases constituintes, como elemento infraestrutural indeterminado nas respectivas aplicações concretas, passou, nos tempos mais próximos, a considerar-se como princípio limitativo orientador da actuação estadual e directamente como constitutivo de um direito subjectivo do cidadão.
(...) Além de vinculante para os três poderes, o princípio da igualdade constitui um verdadeiro direito subjectivo, autonomamente invocável em juízo. Neste sentido, a exigência de uma igualdade material deixará de ser um reflexo da ordem jurídica beneficiador do particular: é um poder jurídico conferido no seu interesse em face dos poderes públicos. Não se trata, agora, de encontrar o fundamento jurídico da responsabilidade por actos lícitos num princípio da igualdade perante os encargos públicos; visa-se, sim, reconhecer ao cidadão um direito de exigir que iguais situações obtenham um tratamento igual e que as desigualdades motivadas pelo interesse público sejam compensadas mediante reintegração patrimonial.
(...)
É precisamente uma explicitação do princípio da igualdade conjugada com a garantia constitucional dos direitos adquiridos que encontramos no artigo 49º,
§1º, da Constituição, ao permitir a expropriação de direitos adquiridos por motivos de interesse público mediante justa indemnização.' (As referências, ainda que relativas à Constituição de 1933, valem também na nova ordem constitucional).
Também Alves Correia (As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra 1982, pág. 127) sublinha que 'os sistemas de limitação da indemnização violam um princípio que consideramos fundamental nas relações entre os particulares e os poderes públicos e indissociável do próprio Estado de direito que é o 'princípio da igualdade perante os encargos públicos'.
2. Mas se a Constituição liga à expropriação o pagamento de uma justa indemnização, já não estabelece qualquer critério para a determinação do 'quantum indemnizatur'. A densificação do conceito de 'justa indemnização' é tarefa que a doutrina e a jurisprudência constitucional vêm desenvolvendo com ordenação aos princípios materiais da proporcionalidade e da igualdade, constitucionalmente conformadores.
'De facto, a ideia de 'justa medida' tem uma relação estreita com a ideia de justiça, tanto no exercício dos direitos como na imposição de deveres e ónus, de equilíbrio de interesses reciprocamente contrapostos na linha do menor prejuízo possível. É que, aquela, no fundo, não significa outra coisa senão precisamente a justa medida na relação dos homens entre si com as coisas submetidas à sua disposição.' (Karl Larenz, referindo-se ao princípio da proporcionalidade, Metodologia da Ciência do Direito, 2ª edição revista, trad., 1983, pág. 514).
A evidência de que 'os critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição (igualdade, proporcionalidade), não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem expropriado' é afirmada por Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição, vol I, Coimbra, 1984, pág. 337).
Alves Correia (ob. cit., pág.
129) concretiza mesmo a ideia de ressarcimento justo: «de uma maneira geral, entende-se que o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda». E, a seguir, informa: «este critério do 'valor venal' ou do 'justo preço', isto é a quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda, é seguido pela quase generalidade dos ordenamentos jurídicos».
A determinação constitucionalmente legítima dos montantes da indemnização há-de, assim, orientar-se aos princípios materiais da igualdade e da proporcionalidade. A indemnização estabelecida numa medida irrisória ou simbólica é uma indemnização meramente aparente. (Cf., Domenico Sorace, Espropriazione della Proprietà e Misura dell'Indennizo, Milão, 1974, 1ª parte, págs. 27-28.) - [O autor dá conta dos trabalhos preparatórios da Constituição Italiana, em que, a propósito do problema da 'justa indemnização' se afirmou: 'eliminámos o adjectivo justo porque o conceito de justo está implícito no conceito de indemnização. Também a mais recente jurisprudência é desta opinião: a indemnização para que assim seja não pode ser injusta'.]. Demonstrando que os dados de direito comparado apontam, em geral, para que o valor da indemnização do bem expropriado corresponde ao respectivo valor de mercado, não influenciado por factores especulativos, cf., G. Enterria, Los Principios de la Nueva Ley de Expropriación Forzosa, Madrid, 1984, pág. 120-121, e Acórdão nº 341/86 do Tribunal Constitucional (D.R., IIª série, nº 65, de 19.3.87).
3. O Tribunal Constitucional vem também afirmando a ideia de que o dano patrimonial suportado pelo expropriado deve ser ressarcido de forma integral e justa e que uma indemnização deficitária não realiza o programa da norma do artigo 62º, nº2, da Constituição, nem o princípio constitucional da igualdade.
Ao julgar a constitucionalidade das normas do artigo 30º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº
845/76, de 11 de Dezembro, este Tribunal considerou que essas normas, consagrando critérios restritivos de valoração do bem expropriado e, por isso, determinando para os cidadãos seus titulares uma oneração acrescida e injustificada, eram contrárias à Constituição da República (cf., entre outros, os Acórdãos nºs 341/86, 109/88, 381/89 e 420/89, publicados, respectivamente, nos D.R., IIª série, nºs 65, de 19.3.87; 202, de 1.9.88; 207, de 8.9.89; e 213, de 15.9.89 - e ainda os acórdãos que declaram a inconstitucionalidade com força obrigatória geral daquelas normas, nºs 131/88 e 52/90, publicados, respectivamente, nos D.R., Iª série, nºs. 148, de 29.6.88, e 75, de 30.3.90.).
No Acórdão nº 341/86, afirma-se, nomeadamente:
'Em verdade, não parece poder afirmar-se, que ao titular da coisa expropriada haja de ser imposto, mercê de um qualquer especial destino que a Administração lhe venha a atribuir, um sacrifício na justa reparação patrimonial que a expropriação deve importar.
De outra forma, um princípio material informador desta matéria - o princípio da igualdade - viria a ser violado, através do acréscimo de contribuição do expropriado para a prossecução do interesse público, não podendo nem devendo conceber-se uma indemnização por sacrifício como um instituto complementar dos impostos.'
IV. O artigo 131º do Decreto-Lei nº
845/76, de 11 de Dezembro, na relação que detém com o artigo 30º do mesmo Decreto-Lei.
Assim concretizado o conceito constitucional de 'justa indemnização', haverá que ponderar a norma do artigo
131º do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, na relação que detém com o critério de determinação do valor do bem expropriado.
O julgamento de constitucionalidade não pode abstrair da conexão existente entre a qualificação do terreno - regulada pelo artigo 131º, com a remissão que opera para o artigo
62º da Lei dos solos - e a valoração que é feita para o cálculo da indemnização, segundo os artigos 30º e 33º do mesmo Decreto-Lei nº 845/76. É na interacção com estes dois preceitos que a norma do artigo 131º pode ser confrontada com o princípio constitucional da justa indemnização.
A consideração da possibilidade de uma zona não urbana (uma 'ilha não urbana', para usar a metáfora dos recorrentes) releva precisamente do carácter decisivo que para a valoração do terreno expropriado apresenta a distinção trazida pela norma do artigo 131º do Decreto-Lei nº 845/76.
Dir-se-á que a norma do artigo 131º não tem que ver, pelo próprio teor, com esta problemática da justa indemnização e da observância da norma constitucional que a consagra. Mas não é assim. A remissão para o artigo 62º da Lei dos Solos operada pela norma do artigo 131º tem precisamente como finalidade exclusiva fazer funcionar a diferenciação de critérios plasmada nas normas dos números 1 e 2 do artigo 30º
[e no artigo 33º, que aqui não está em causa] do Código das Expropriações
(Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro) e essa diferenciação é constitucionalmente ilegítima como o deixou afirmado este Tribunal, entre outros, nos Acórdãos nºs. 131/88 e 52/90, que declararam a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, daquelas duas normas (cf., D.R., Iª série, nºs. 148, de 29.6.88, e 75, de 30.3.90).
Assim sendo, a norma do artigo 131º do Decreto-Lei nº 845/76, pela relação instrumental que detém com o artigo 30º (nºs. 1 e 2), há-de ser considerada inconstitucional ao mesmo título em que o foi a diferenciação de critérios neste preceito estabelecida.
No acórdão da Relação do Porto, os conceitos de aglomerado urbano e de zona diferenciada de aglomerado urbano são usados com carácter decisivo para a valoração do terreno expropriado, modulando a operatividade do artigo 30º e arredando essa mesma operatividade do critério do valor real exigido pelo mandado constitucional do pagamento de uma justa indemnização. A norma do artigo 131º surge como instrumento da diferenciação inconstitucional contida no artigo 30º. É, por isso, contrária ao artigo 62º, nº2, da Constituição da República.
IV. Decisão
Nestes termos, julga-se inconstitucional, por violação do artigo 62º, nº2, da Constituição, a norma do artigo 131º do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, enquanto instrumento de aplicação da norma do artigo 30º, nº2, do mesmo diploma, norma esta que já foi declarada inconstitucional com força obrigatória geral por este Tribunal - e determina-se, consequentemente, a reforma, em conformidade, do acórdão recorrido.
Lisboa, 28 de Janeiro de 1993
Maria da Assunção Esteves
Antero Alves Monteiro Dinis
Alberto Tavares da Costa
Armindo Ribeiro Mendes
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa