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Processo nº.316/91
2ª. Secção Relator: Cons. Mário de Brito
1. O acórdão de fls. 135 (Acórdão 603/92, de 17 de Dezembro) não tomou conhecimento dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional pelo Ministério Público e pela A. do acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Março de 1991 (fls. 64), que julgou 'inconstitucional' o nº. 3 do artigo
133º. do Código do Notariado. A decisão baseou-se em que, tendo os recursos sido interpostos ao abrigo da alínea a) do nº. 1 do artigo 70º. da Lei nº. 28/82, de
15 de Novembro, o Tribunal não podia convolar o recurso com esse fundamento para o recurso com fundamento na alínea i) do mesmo preceito, que era a aplicável.
A fls. 157 veio o magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal requerer 'o esclarecimento das seguintes obscuridades e ambiguidades de que o mesmo acórdão padece':
1ª. - ter-se escrito nesse acórdão que o acórdão da Relação não indicou o preceito ou princípio constitucional violado pelo nº. 3 do artigo 133º. do Código do Notariado, quando a verdade é que o juízo de
'inconstitucionalidade' a que chegou o acórdão recorrido se fundamentou nos artigos 207º. e 8º. da Constituição e no artigo 44º. da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças;
2ª. - ter o acórdão deste Tribunal reduzido o fundamento da desaplicação pelo acórdão recorrido do nº. 3 do artigo 133º. do Código do Notariado à contrariedade com a citada disposição da Lei Uniforme, quando é certo que, como se disse, o mesmo acórdão (recorrido) fundamentou tal desaplicação também na violação do artigo 8º. da Constituição;
3ª. - ter o acórdão deduzido do regime dos artigos
75º.-A e 76º., nº. 2, da Lei nº. 28/82 - não conhecimento do recurso (pelo Tribunal Constitucional) quando o recorrente não indica qualquer dos elementos exigidos pelo primeiro desses preceitos, mesmo depois de convidado para suprir a falta, e, apesar disso, o recurso é admitido (no tribunal recorrido) - a impossibilidade de convolação, v.g., para a alínea i) do nº. 1 do artigo 70º. da referida Lei do recurso interposto com fundamento na alínea a).
Cumpre decidir.
2. Nos termos do artigo 669º., alínea a), do actual Código de Processo Civil (aprovado pelo Decreto-Lei nº. 44 129, de 28 de Dezembro de 1961), pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha. Este preceito é aplicável à 2ª. instância por força do artigo 716º. do mesmo Código (incluído nas disposições por que se rege a apelação) e aos recursos de constitucionalidade por virtude do artigo 69º. da Lei nº. 28/82.
Sobre este vício da sentença e a propósito do preceito correspondente do Código de 1939 (o artigo 670º., alínea a), escreveu o Professor José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V,
1952, nota 1 a esse artigo:
A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível;
é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz'.
No mesmo sentido, à face do actual Código podem ver-se Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista e actualizada de acordo com o Decreto-Lei nº. 242/85,
1985, nº. 225.
Os esclarecimentos tanto podem ser pedidos em relação à decisão, como aos seus fundamentos (autores e locais citados).
Vejamos então se há lugar à pretendida aclaração.
É certo ter-se dito no acórdão deste Tribunal, a propósito do acórdão da Relação:
Não se indicou expressamente nesse acórdão o preceito ou princípio constitucional por ele violado, limitando-se o mesmo a citar, entre parêntesis, para além do artigo 207º. - que se limita a dizer, como se sabe, que 'nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados' -, o artigo 8º. da Constituição e o artigo 44º. da Lei Uniforme.
Basta transcrever o acórdão da Relação, na parte que interessa, para se ver que assim é. Diz-se aí, com efeito:
O nº. 3 do artigo 133º. do Código do Notariado está irremediavelmente ferido de inconstitucionalidade material, pelo que a norma é inaplicável pelos tribunais
(artigos 8º. e 207º. da Constituição da República Portuguesa e artigo 44º. da Lei Uniforme).
O acórdão deste Tribunal traduz, assim, fielmente o que o acórdão da Relação fez: - citou entre parêntesis os artigos 8º. e 207º. da Constituição e o artigo 44º. da Lei Uniforme, sem indicar expressamente o preceito ou princípio constitucional violado pelo nº. 3 do artigo 133º. do Código do Notariado ou, por outras palavras, sem indicar expressamente o preceito ou princípio por violação do qual essa norma é inconstitucional.
E o que se disse é perfeitamente inteligível.
Falta de clareza há, sim, no acórdão da Relação, já que ele permite a interpretação de que a inconstitucionalidade resulta da violação de qualquer dos preceitos por ele citados ou da violação de alguns deles, ou de todos, em conjunto; e, uma vez que o artigo 8º. da Constituição contém mais do que um número, não se fica a saber qual deles se quer referir.
Quanto à interpretação que o acórdão deste Tribunal fez - com base em passos, que transcreveu, do acórdão da Relação - de que o nº.
3 do artigo 133º. do Código do Notariado foi desaplicado por estar em contrariedade com a citada alínea do artigo 44º. da Lei Uniforme, também nada há a esclarecer.
Finalmente, nenhuma obscuridade ou ambiguidade há na
'ligação' que se estabeleceu no acórdão deste Tribunal entre o regime dos artigos 75º.-A e 76º., nº. 2, da Lei nº. 28/82 e a tese nele seguida segundo a qual não se pode convolar, v.g., para a alínea i) do nº. 1 do artigo 70º. da mesma Lei o recurso interposto com fundamento na alínea a) do mesmo artigo.
Não está o requerente de acordo com o decidido no acórdão em questão, mas, como tem sido dito e redito, o pedido de aclaração não serve para se obter a modificação do julgado.
3. Pelo exposto, indefere-se o requerido.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 1993
Mário de Brito Fernando Alves Correia Messias Bento Luís Nunes de Almeida Bravo Serra José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa