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Proc. nº 190/92
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A.,------E.P., foi condenada pelo 3º Juízo do Tribunal de Trabalho do Porto a reintegrar ao seu serviço B., sem perda da respectiva categoria profissional e antiguidade, e a pagar-lhe 889.328$00, por retribuições vencidas e em dívida, desde a data do despedimento deste
(julgado ilícito), até à data da sentença.
A ré recorreu para o Tribunal de Relação do Porto, pedindo a revogação da decisão. Subidos os autos àquele tribunal, e produzidas as alegações, mas ainda antes de decidido o recurso, o recorrido veio em articulado superveniente, pedir a confirmação da decisão de primeira instância, em aplicação da norma de amnistia constante do artigo 1º, alínea ii), da Lei nº 23/91, de 4 de Julho, que entretanto havia entrado em vigor. Porém, o tribunal, ouvida a parte contrária, desatendeu esta questão prévia, considerando materialmente inconstitucional a referida disposição, por violar o disposto no artigo 13º, nº 1, da Lei Fundamental.
Dessa decisão recorreram o autor e o Ministério Público (este, obrigatoriamente), ao abrigo do disposto no artigo
70º, nº 1, alínea a), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Nas alegações aqui produzidas, o recorrente B. pronunciou-se no sentido da constitucionalidade da norma em causa; a recorrida A., no sentido da inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 13º, 62º, nº 1, 82º, nº 2, e 87º, nº 2, da C.R.P.; e o Ministério Público suscitou a questão da inexistência jurídica da parte final da mesma norma, pelo que deveriam considerar-se excluídas da amnistia as infracções disciplinares dos trabalhadores das empresas públicas ou de capitais exclusivamente públicos puníveis ou punidas com despedimento - ou, não se entendendo assim, julgar-se inconstitucional aquela norma, apenas na parte em que amnistia infracções sancionadas com despedimento, por violação do princípio do Estado de direito democrático.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Constitui objecto do recurso a questão da eventual inconstitucionalidade da norma do artigo 1º, alínea ii) da Lei nº
23/91, cujo teor é o seguinte:
Desde que praticados até 25 de Abril de 1991, inclusive, são amnistiados:
[...]
ii) As infracções disciplinares cometidas por trabalhadores de empresas públicas ou de capitais públicos, salvo quando constituam ilícito penal não amnistiado pela presente lei ou hajam sido despedidos por decisão definitiva e transitada
Ora, esta disposição já foi demoradamente analisada no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 153/93, de 3 de Fevereiro, ainda inédito, de que se junta cópia. Tal acórdão foi aprovado por unanimidade pelo plenário do Tribunal, nos termos do disposto no artigo 79º-A da Lei nº
28/82, tendo transitado em julgado, e a orientação assim fixada é de reafirmar no presente caso.
Assim, considera-se que a parte final da norma em causa não é juridicamente inexistente, sendo improcedente esta questão suscitada pelo Ministério Público.
Por outro lado, a diferenciação de tratamento, que se faz nessa norma, entre trabalhadores do sector público e do sector privado não é arbitrária e irrazoável, pelo que não se viola aqui o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º, nº 1, da Constituição.
E também não se vê como se possa violar os artigos 62º, nº 1, e 87º, nº 2, da mesma Lei Fundamental, porquanto a norma abrange apenas as empresas públicas ou de capitais públicos. Nem ela pode envolver desrespeito pelo estatuído no artigo 82º, nº 2, da Constituição.
Enfim, não se afigura desproporcionado ou arbitrário que o legislador tenha amnistiado, sempre só no sector público, todos os casos de despedimento ainda não firmes (isto é, ainda susceptíveis de reclamação ou recurso hierárquico, ou de impugnação judicial, ou ainda não definitivamente decididas por esta via), havendo até exemplos análogos a este, em direito comparado.
Consequentemente, em conformidade com o exposto e com os fundamentos constantes do acórdão junto, decide-se conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, que deverá ser reformulada em conformidade com o julgamento que aqui se faz em matéria de constitucionalidade.
Lisboa, 16 de Março de 1993
Luís Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Messias Bento Mário de Brito Bravo Serra Fernando Alves Correia José Manuel Cardoso da Costa