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Processo n.º 181/05
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
  
 
             Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
             1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária:
 
  
 
 “1. Na 3ª Vara Criminal de Lisboa, em processo comum, foram julgados os arguidos 
 A., B., C., D. e E., todos melhor identificados nos autos, tendo sido 
 condenados, por acórdão do tribunal colectivo de 3 de Dezembro de 2003, o 
 arguido A., pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes 
 agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º1, e 24.º, alíneas b) e c), 
 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 10 anos de prisão, a 
 arguida B., pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes, 
 previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, do mesmo diploma, na pena de 4 anos 
 e 8 meses de prisão, e os arguidos C. e D., pela prática em co-autoria do mesmo 
 ilícito, cada um, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão. O arguido E. foi 
 absolvido.
 Inconformados, recorreram os arguidos A. e D. para o Tribunal da Relação de 
 Lisboa que, por acórdão de 1 de Junho de 2004, julgou improcedentes os dois 
 recursos.
 De novo inconformados, os mesmos arguidos recorreram para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, formulando na motivação do recurso as seguintes conclusões [segue 
 transcrição]:
 
  
 
 “1- Os recorrentes sustentaram (pelo silêncio) sempre e desde o primeiro 
 interrogatório desconhecer qualquer tipo de prática de actividade ilícita.
 
 2- Sempre negaram a prática de qualquer tipo de ilícito, nomeadamente quanto a 
 tráfico de produto estupefaciente.
 
 3- Daí repudiarem liminarmente que lhes seja imputada a venda, oferta, guarda ou 
 qualquer promoção em nome de terceiros o fornecimento de produto estupefaciente.
 
 4- O tribunal a quo e confirmou a RELAÇÃO, AS PENAS de prisão (dez anos ao 
 primeiro e seis anos e seis meses ao segundo) sem ponderar minimamente nas 
 circunstancias atenuantes, que a favor deles militam de forma a eventualmente 
 lhes aplicar uma pena mais conforme com o eventual grau de culpa que se lhes 
 determine.
 
 5- O tribunal a quo deu como provados alguns dos factos da acusação imputados ao 
 recorrente sobre os quais não se fez prova em audiência de julgamento nem sobre 
 eles os ora recorrentes alguma vez se tenham pronunciado
 
 6- Assim o tribunal a quo ao fundamentar EXCLUSIVAMENTE a decisão recorrida nas 
 declarações dos agentes policiais em grande peso se fundamentam para as suas 
 prognoses em ... conversas informais ..., faz uma incorrecta interpretação da 
 prova.
 
 7- O Tribunal a quo viola desta forma o critério de aplicação e medida da pena 
 dos art. 70° a 74° do CP
 
 8- Mais clamoroso é o facto do tribunal a quo não considerar nunca o princípio 
 da aplicação do tratamento mais favorável ao arguido (in dubio pro reo)
 
 9- Deve ainda ser devolvida a viatura automóvel X. apreendida nos autos e 
 propriedade do arguido D. Bens apreendidos n° 1, art. 35° DL15/93 de 22-l
 VIOLAÇÃO DO ART 347° Nº 3 AL C) CPP
 
 10- Deve ser concedido o BENEFICIO DE APOIO JUDICIÁRIO ao arguido A. na 
 Modalidade de Dispensa Total do Pagamento de Preparos e Custas Lei 30-E/200 de 
 
 22 de Janeiro.”
 
                         
 
 2. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 24 de Novembro de 2004, decidiu 
 rejeitar o recurso por manifesta improcedência, com os seguintes fundamentos 
 
 [segue transcrição da parte do acórdão com interesse para a presente decisão]:
 
  
 
 “[...]
 III. Como é jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal, o objecto do recurso 
 
 é delimitado pelas conclusões, sem prejuízo do conhecimento oficioso de outras 
 questões. Assim, importa tomar posição sobre a impugnação da matéria de facto ( 
 conclusões l.ª, 2.ª, 3.ª, 5.ª, 6.ª e 8.ª), a medida da pena (conclusões 4.ª e 
 
 7.ª) e a restituição do veículo declarado perdido a favor do Estado (conclusão 
 
 9.ª).
 
 1.ª Questão
 Os recorrentes, embora na fundamentação do recurso refiram que o mesmo se 
 restringe à matéria de direito, controvertem a apreciação da prova nas 
 conclusões 1.ª, 2.ª, 3.ª, 5.ª, 6.ª e 8.ª, dizendo designadamente que o tribunal 
 deu como provados alguns factos sobre os quais não se fez prova em audiência de 
 julgamento e que fez «uma incorrecta interpretação da prova» .
 Sabido que este Supremo Tribunal conhece exclusivamente de direito, sem prejuízo 
 do conhecimento oficioso dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, do Código 
 de Processo Penal, não pode constituir fundamento do recurso a decisão sobre a 
 matéria de facto (artigos 428.º, n.º 1, 432.º, alíneas c) e d), e 434.º, do 
 Código de Processo Penal). Consequentemente, o recurso terá de improceder nesta 
 parte.
 
 2.ª Questão
 Os recorrentes limitaram-se a invocar na conclusão 4.ª que a Relação confirmou 
 as penas de prisão «sem ponderar minimamente nas circunstancias atenuantes, que 
 a favor deles militam de forma a eventualmente lhes aplicar uma pena mais 
 conforme com o eventual grau de culpa que se lhes determine» e na conclusão 7.ª 
 que foi violado «o critério de aplicação e medida da pena dos art. 70° a 74 do 
 CP».
 Na fundamentação a alegação limita-a às passagens que em seguida se transcrevem: 
 
 «A pena aplicada é excessiva deve ser reduzida para o mínimo legal. No que 
 concerne ao primeiro dos recorrentes caso não se pugne pela sua absolvição. 
 Quanto ao segundo a pena deverá ser total revogada sendo este absolvido ou então 
 sendo a mesma reduzida para o mínimo legal.»
 Constata-se assim que os recorrentes não explicitam as razões concretas da sua 
 discordância quanto à matéria da determinação das penas a que se procedeu no 
 acórdão recorrido, de forma a, ao menos, tentar demonstrar ao tribunal de 
 recurso que, segundo os preceitos legais aplicáveis, as penas aplicadas são 
 excessivas, envolvendo um erro de julgamento.
 A impugnação das decisões judiciais por via dos recursos não pode quedar-se pela 
 simples manifestação de discordância em relação ao decidido. Destinando-se os 
 recursos a corrigir defeitos das decisões, os recorrentes terão de indicar quais 
 os vícios existentes, para que o tribunal de recurso, apreciando os fundamentos 
 invocados, mantenha ou altere o decidido.
 Tem pois necessariamente de se concluir que os recorrentes não impugnaram a 
 decisão recorrida de forma a permitir a censura da mesma por este Supremo 
 Tribunal.
 Consequentemente, o recurso não poderá veicular a apreciação da decisão 
 recorrida quanto à matéria das penas.
 Todavia, sempre se dirá, de forma breve, que, por um lado, o acórdão da Relação 
 se pronunciou sobre todas as circunstâncias relevantes para a determinação da 
 medida das penas (atenuantes e agravantes), como se alcança de fls. 4048, 4049, 
 
 4053 e 4054, e, por outro, que as penas não se mostram excessivas, face à medida 
 da culpa, que é elevada em relação a qualquer dos recorrentes, e às prementes 
 exigências de prevenção especial e geral neste tipo de criminalidade.
 O A. foi condenado pela prática de um crime de tráfico ilícito de 
 estupefacientes agravado previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, 
 alíneas b) e c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 10 anos 
 de prisão. Sendo a moldura penal de prisão de 5 a 15 anos, de harmonia com a 
 redacção dada ao artigo 24.º pela Lei n.º 11/2004, de 27 de Março, e 
 considerando designadamente a natureza do estupefaciente objecto do tráfico 
 
 (cocaína), a quantidade em causa (mais de 27 quilogramas no total) e a forma de 
 execução do crime (com a participação de várias pessoas e obedecendo a um plano 
 cuidadosamente elaborado), sendo duas as operações de tráfico, na ausência de 
 circunstâncias atenuantes, atento o disposto no artigo 71.º do Código Penal, não 
 merece reparo a pena aplicada.
 O D. foi condenado pela prática de um crime de tráfico ilícito de 
 estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 
 
 15/93, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão. Numa moldura penal de 4 a 12 anos 
 de prisão, atendendo principalmente à natureza do estupefaciente (cocaína), à 
 elevada quantidade do mesmo objecto do tráfico (24,100 quilogramas), à forma de 
 execução crime (mediante plano prévio bem elaborado) e à ausência de 
 antecedentes criminais como única circunstância atenuante, também não merece 
 reparo a pena aplicada.
 
 3.ª Questão
 
 [...]”
 
  
 Notificado deste aresto, veio então o arguido A. pedir a aclaração do mesmo, nos 
 seguintes termos [segue transcrição parcial]:
 
  
 
 “[...]
 a) A fls. 6 do douto acórdão proferido por este Colendo Supremo Tribunal de 
 Justiça, explana o douto acórdão, no seu 2° parágrafo (relativo à 18 questão), 
 que:
 
 '[ . . ] Sabendo que este Supremo Tribunal conhece exclusivamente de direito, 
 sem prejuízo de conhecimento oficioso dos vícios a que alude o art.º 410º, n.º 
 
 2, do Código de Processo Penal, não pode constituir fundamento do recurso a 
 decisão sobre matéria de facto[...].'
 b) A fls.. 7 do douto acórdão proferido por este Colendo Supremo Tribunal de 
 Justiça, explana o douto acórdão, no seu 2° parágrafo, que:
 
 ' [. . .] Constata-se assim que os recorrentes não explicitam as razões 
 
 concretas da sua discordância quanto À matéria da determinação das penas a que 
 se procedeu no acórdão recorrido [ ...]”
 Continuando no seu 4° parágrafo referindo que:
 
 '[...] Tem pois necessariamente de se concluir que os recorrentes não impugnaram 
 a decisão recorrida de forma a permitir a censura da mesma por este Supremo 
 Tribunal.
 Consequentemente, o recurso não poderá veicular a apreciação da decisão 
 recorrida quanto à matéria das penas [...]”
 Face ao exposto, o arguido não entende o sentido que se deverá dar ao douto 
 acórdão ora visado nos seguintes parâmetros ( e respectivamente às supracitadas 
 alíneas):
 
  a) atendendo a que o recorrente colocava em causa a sindicância de determinados 
 aspectos da matéria de facto provada e não provada, se da referência ao possível 
 conhecimento oficioso dos vícios a que alude o art.º 410°, n.º 2, do Código de 
 Processo Penal, se deverá concluir pela inexistência de tal vicio, uma vez que 
 nos parece conclusão plausível que o recorrente ao colocar em crise a matéria de 
 facto da forma como o fez fazia de alguma forma referencia à insuficiência para 
 a decisão da matéria de facto dada como provada (al. a) do n.º 2 do art.º 410° 
 do Cód. Processo Penal);
 b) se pelo descrito no douto acórdão ora visado, por inclusão se conclui pela 
 desnecessidade de convite ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso, em 
 detrimento da amplitude reconhecida ao direito de defesa do arguido - art.º 32°, 
 n.º 1, da Constituição  -, tal como resulta do sentido de alguma jurisprudência 
 do Tribunal Constitucional e deste Supremo Tribunal, podendo assim resultar 
 desproporcionado o não conhecimento do recurso (podendo esse mesmo entendimento 
 ser ferido de inconstitucionalidade do referido n.º 1 do art.º 32° da 
 Constituição;
 Ou se deverá ser dada outro sentido ao explanado no douto acórdão e agora 
 considerado em causa nos referidos pontos.”
 
  
 Na sua resposta o Ministério Público pronunciou-se pela inexistência de qualquer 
 dúvida no acórdão, pugnando pelo indeferimento do pedido.
 
        3. Por acórdão de 2 de Fevereiro de 2005 o Supremo Tribunal de Justiça 
 indeferiu a reclamação, fundamentando-se no seguinte:
 
  
 
 “[...]
 No caso, antes de mais, depara-se a dificuldade em perceber quais as 
 obscuridades que o requerente pretende imputar ao acórdão.
 Nas conclusões da motivação do recurso para este Supremo Tribunal, o requerente, 
 que pretendeu impugnar a decisão da matéria de facto, não invocou a existência 
 de qualquer dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo 
 Penal.
 No acórdão considerou-se que este Supremo Tribunal conhece apenas de direito, 
 sem prejuízo do conhecimento oficioso desses vícios. E daí, de forma muito 
 clara, concluiu-se, necessariamente, pela improcedência do recurso nessa parte.
 No que concerne à desnecessidade do convite ao recorrente para aperfeiçoar as 
 conclusões do recurso, é matéria não abordada no acórdão e não tinha de o ser - 
 pelo que não se alcança o pedido de aclaração.
 Refira-se, aliás, que, não obstante a falta de explicitação das razões concretas 
 da discordância do recorrente quanto à matéria da determinação das penas, tal 
 matéria foi abordada de forma abreviada.
 Em conclusão: não se vislumbra a existência de qualquer obscuridade no acórdão.”
 
 4. Notificado deste aresto veio o arguido A. interpor o seguinte recurso para o 
 Tribunal Constitucional:
 
 “O presente recurso funda-se no disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 70° da Lei 
 Orgânica do Tribunal Constitucional, por inconstitucionalidade material dos 
 art.º 430.º n.º 1 e 410° n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, que ao 
 colocarem limitações no direito ao recurso pelo arguido incorrem na violação do 
 disposto no n.º 1 do art.º 32° da Constituição da República Portuguesa, 
 inconstitucionalidades essas invocadas previamente no seu recurso.”
 
 5. No caso em apreço, o recorrente não concretizou no requerimento de 
 interposição de recurso qual a interpretação dada às normas dos artigos 430.º, 
 n.º1, e 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, que reputa de 
 inconstitucional, nem identificou expressamente a decisão de que pretende 
 interpor recurso, e também não disse qual a peça processual em que suscitou a 
 questão em apreço, o que legitimaria o convite ao aperfeiçoamento do 
 requerimento, nos termos do n.º 5 do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 Mas, quer se entenda que o recurso vem interposto do último acórdão de que o 
 recorrente foi notificado – o de 2 de Fevereiro de 2005, que indeferiu o pedido 
 de aclaração do acórdão de 24 de Novembro de 2004 – quer se entenda que o 
 recurso visa ambos os arestos, é inútil lançar mão do referido convite pois, 
 independentemente da concretização que viesse a ser efectuada, sempre seria de 
 proferir decisão sumária de não conhecimento do recurso, nos termos do n.º 1 do 
 artigo 78.º-A do mesmo diploma, o que se passa a fundamentar.
 
 6. O presente recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo do 
 disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, o 
 que implica, para que possa ser admitido e conhecer-se do seu objecto, a 
 congregação de vários pressupostos, entre os quais a aplicação pelo tribunal 
 recorrido, como ratio decidendi, de norma cuja inconstitucionalidade haja sido 
 suscitada durante o processo, considerada esta norma na sua totalidade, em 
 determinado segmento ou segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão 
 recorrida.
 Assim, competindo ao recorrente o ónus de suscitação, deverá este cumpri-lo, 
 referenciando-o normativamente, pondo, desse modo, em causa, por alegada 
 violação de preceito ou de princípio constitucional, o critério jurídico 
 utilizado na decisão ao aplicar a norma jurídica questionada. E, nesta medida, 
 quando se discuta uma dimensão interpretativa, deverá fazê-lo não só 
 atempadamente mas de forma clara e perceptível, em termos de o Tribunal 
 recorrido saber que tem essa questão para resolver e não subsistam dúvidas 
 quanto ao sentido da mesma.
 
 7. No caso dos autos, o recorrente suscitou a inconstitucionalidade das normas 
 dos artigos 430.º, n.º 1, e 410.º, n.º2, do Código de Processo Penal no recurso 
 que interpôs do acórdão do Colectivo da 1ª Instância para o Tribunal da Relação 
 de Lisboa, entendendo que “o sistema de recursos perfilhado pelo CPP impede 
 quanto aos limites cognitivos, que o Tribunal da Relação reexamine a matéria de 
 facto”, “não permitindo deste modo a aplicação do princípio do duplo grau de 
 jurisdição”, concluindo pela sua inconstitucionalidade material por violação do 
 artigo 32.º, n.º1, da Constituição (cfr. conclusões. 1ª a 3ª da respectiva 
 motivação), não tendo este entendimento sido sufragado pelo acórdão daquela 
 Relação de 1 de Junho de 2004.
 Porém, no recurso que interpôs, conjuntamente com o co-arguido D., para o 
 Supremo Tribunal de Justiça o recorrente não suscitou a inconstitucionalidade de 
 qualquer norma  [nem as conclusões da motivação do recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, que se transcreveram, nem o texto da motivação referem 
 qualquer problema de constitucionalidade].
 Na verdade, só aludiu, ainda que de modo deficiente, dada a falta de clareza do 
 seu requerimento, a uma eventual problemática de inconstitucionalidade com 
 referência à norma do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, no 
 pedido de esclarecimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de 
 Novembro de 2004, e apenas no caso de o Supremo professar um dado entendimento 
 normativo que o recorrente indica naquele requerimento.
 Ora, como se sublinhou, entre outros, no acórdão nº 269/94 (publicado no Diário 
 da República, II Série, de 18 de Junho de 1994), a questão de 
 constitucionalidade só se suscita de forma clara e perceptível, quando se 
 indica, além da norma (ou segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que 
 se tem por inconstitucional, em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar 
 desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por 
 forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros 
 destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido 
 da norma em causa que não pode ser adoptado, também o porquê dessa 
 incompatibilidade com a Lei Fundamental
 Porém, dado o modo como está redigido o requerimento não se apreende qual a 
 interpretação da norma que o recorrente pretende impugnar, já que não 
 questionando este as restantes normas aplicadas na decisão recorrida que 
 delimitam a competência do Supremo Tribunal de Justiça e referindo este Supremo 
 que dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal conhece 
 oficiosamente, não faz sentido a referência à omissão de um eventual convite 
 para aperfeiçoamento nesta matéria.
 Deste modo, e independentemente de se averiguar se o pedido de esclarecimento é 
 ainda o momento oportuno para suscitar a questão de constitucionalidade, 
 entende-se não ter sido adequadamente suscitada uma questão de 
 constitucionalidade normativa, por forma a que o Supremo, ao apreciar o recurso, 
 soubesse que tinha de conhecer dela.
 
 8. Ainda que assim se não entendesse e se concebesse uma interpretação da norma 
 em causa no sentido de que sindicando o recorrente determinados aspectos da 
 matéria de facto que [no seu entender] conduziriam à questão da “insuficiência 
 para a decisão da matéria de facto dada como provada”, a que se reporta a alínea 
 a) do n.º2 do citado artigo 410º, o Tribunal não podia rejeitar o recurso sem 
 previamente convidar o recorrente “ao aperfeiçoamento das conclusões de 
 recurso”, então, nesta hipótese, não se poderia conhecer do seu objecto, porque 
 o acórdão recorrido não aplicou a norma com essa interpretação.
 Na verdade, quer do texto do acórdão de 24 de Novembro de 2004, quer do acórdão 
 que desatendeu o pedido de esclarecimento, de 2 de Fevereiro de 2005, que se 
 transcreveu, resulta que o Supremo perfilhou o entendimento de que o recorrente, 
 embora na fundamentação do recurso refira que o recurso se restringe à matéria 
 de direito, controverte a apreciação da prova nas conclusões 1.ª, 2.ª, 3.ª, 5.ª, 
 
 6.ª e 8.ª, dizendo designadamente que o tribunal deu como provados alguns factos 
 sobre os quais não se fez prova em audiência de julgamento e que fez «uma 
 incorrecta interpretação da prova e que, “sabido que este Supremo Tribunal 
 conhece exclusivamente de direito, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos 
 vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não pode 
 constituir fundamento do recurso a decisão sobre a matéria de facto (artigos 
 
 428.º, n.º 1, 432.º, alíneas c) e d), e  434.º, do Código de Processo Penal)”.
 Ou seja, o Supremo entendeu que a matéria constante daquelas conclusões 
 constituía impugnação da matéria de facto que não lhe competia conhecer, 
 invocando, para isso, o disposto nos artigos 428.º, n.º 1, 432.º, alíneas c) e 
 d) e 434.º, do Código de Processo Penal, sem prejuízo do conhecimento oficioso 
 dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, do mesmo Código. E, acrescentou-se 
 no último aresto que o recorrente não invocou a existência de qualquer dos 
 vícios previstos neste preceito.
 Não há, pois coincidência entre a questão interpretativa enunciada pelo 
 recorrente e a efectivamente aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça nos 
 arestos recorridos, sendo certo que não cabe no âmbito do recurso de 
 constitucionalidade, que, como se sabe é um recurso normativo, a questão de 
 saber se a matéria constante das supra mencionadas conclusões constitui 
 impugnação da matéria de facto ou se se reconduz à situação de “insuficiência 
 para a decisão da matéria de facto provada”, prevista na alínea a) do n.º 2 do 
 artigo 410.º, por tal constituir impugnação da decisão, em si mesma considerada, 
 e dos seus fundamentos.
 Acresce que a norma do artigo 430.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, 
 mencionada pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso para o 
 Tribunal Constitucional, não foi aplicada pelas decisões recorridas e, por isso, 
 também dela não se pode conhecer.
 
 9. Para o caso de se entender que a questão que o recorrente pretende ver 
 apreciada também engloba a apreciação da problemática referente à discussão da 
 medida da pena, tratada pelo Supremo na parte respeitante à “2ª Questão”, então, 
 além do que acima ficou dito, importa acrescentar que seria inútil a prolação de 
 qualquer decisão pois, ainda que o recorrente lograsse obter vencimento quanto à 
 questão de constitucionalidade, a decisão recorrida sempre se manteria 
 inalterável, já que o acórdão de 24 de Novembro de 2004 se pronunciou sobre a 
 medida da pena. 
 
 10. Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do 
 recurso.
 Custas a cargo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de conta.”
 
  
 
  
 
  
 
             2.  O recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto 
 no n.º  3 do artigo 78º-A da LTC, sustentando o seguinte:
 
 “(...)
 Refira-se que
 
 * A invocação de inconstitucionalidade, segundo o que resulta da lei, bastará 
 ter sido invocada em qualquer fase do processo (e não apenas imediatamente no 
 acto anterior àquele de que se recorre para o Tribunal Constitucional).
 
 * desde que seja perceptível ao tribunal (de cuja decisão se recorre para o 
 Tribunal Constitucional) que se propalou pela inconstitucionalidade de uma 
 determinada norma quando interpretada em determinado sentido.
 
 * tendo esse mesmo tribunal interpretado essa normas dessa forma que se pugnou 
 pela inconstitucionalidade.
 
  
 
 8º
 Certo é que o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, ao apreciar dos recursos dos 
 então recorrentes da decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, não 
 apenas terão analisado esses recursos (sob pena de insipiência), como também 
 terão analisado, entre outros, o douto acórdão então proferido pelo Tribunal da 
 Relação de Lisboa.
 
 9º
 Pelo que, ainda que essa inconstitucionalidade houvesse sido suscitada no 
 recurso da 1ª instância para o Tribunal da Relação, logo o Supremo Tribunal de 
 Justiça teria conhecimento dessa arguição ao analisar o douto acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa (o qual faz referência a essa arguição de 
 inconstitucionalidade).
 
 10º
 sabendo assim o Supremo Tribunal de Justiça que havia já sido arguida uma 
 inconstitucionalidade, pelo que ainda que não tivesse que apreciar a mesma, 
 sempre teria que não enveredar pelo raciocínio de que se tinha arguido a 
 inconstitucionalidade.
 
 11º
 sob pena de eventual recurso para o Tribunal Constitucional uma vez que tal 
 entendimento inconstitucional havia já sido pugnando e tendo o STJ conhecimento 
 disso através da leitura do acórdão do TRL.
 
 12º
 Certo é que:
 
 *O reclamante havia já durante o processo arguido inconstitucionalidade de norma 
 jurídica.
 
 *O Supremo Tribunal de Justiça sempre teria conhecimento dessa arguição pela 
 simples leitura do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (leitura essa 
 obrigatória para decidir acerca dos recursos dos arguidos interpostos do TRL 
 para o STJ).
 
 *Pelo que o STJ sempre teria conhecimento de já ter sido arguida a 
 inconstitucionalidade de determinada norma mediante determinada interpretação, 
 pelo que também seria óbvio que embora não tivesse o STJ no seu acórdão de 
 apreciar essa inconstitucionalidade, também não deveria pugnar pela aplicação 
 dessa norma com essa interpretação que se pugnou inconstitucional sob pena de 
 recurso para o Tribunal Constitucional, tal como sucedeu.
 
 *Inegável é também que no seu recurso do Tribunal da Relação de Lisboa para o 
 Supremo Tribunal de Justiça, pugnava o ora reclamante por determinadas 
 interpretações processuais que se ligavam directamente à inconstitucionalidade 
 que já havia arguido, decidindo o STJ em sentido por que o arguido havia já 
 pugnado pela inconstitucionalidade.
 Termos em que:
 
 1- É admissível o recurso interposto para o Tribunal Constitucional da douta 
 decisão do Supremo Tribunal de Justiça por ter este último sufragado 
 entendimento que já se havia pugnado como inconstitucional.
 
 2- Tendo esse entendimento a ver com a apreciação da matéria de facto, embora ao 
 Supremo Tribunal de Justiça apenas fosse questionado o entendimento em termos de 
 direito sobre como haveria de ser enquadrado  aquele entendimento da matéria de 
 facto.
 
 3- Pelo que a haver incorrecções, inexactidões ou imperfeições no recurso do ora 
 reclamante para o Tribunal Constitucional, sempre haverá este que ser convidado 
 a suprir essas irregularidades através do aperfeiçoamento, nos termos do n.º 5 
 do art.º 75.º-A da LTC.”
 
  
 
  
 
             O Ministério Público responde que:
 
 “1- A presente reclamação carece manifestamente de fundamentos, por 
 inverificação dos pressupostos do recurso interposto.
 
 2- Na verdade – e como reconhece o reclamante – “abandonou”, no recurso 
 interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, a questão de constitucionalidade 
 que havia colocado perante a 2ª instância, o que, só por si, inviabiliza o 
 presente recurso.
 
 3- Na verdade, não suscitou o recorrente, no Tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos processualmente adequados, de modo a este estar obrigado a 
 conhecer da questão suscitada, qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa, idónea para servir de base ao recurso que interpôs para este Tribunal 
 Constitucional.”
 
  
 
  
 
             3. A reclamação assenta numa única  ideia: a de que, para efeito de 
 interposição do recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, 
 basta que, em qualquer fase do processo, se tenha suscitado a questão de 
 constitucionalidade, desde que seja perceptível ao tribunal  que proferiu a 
 decisão recorrida  que se tem determinada norma, quando interpretada em certo 
 sentido, por inconstitucional e que  esse tribunal faça aplicação da norma com 
 esse sentido. Concretizando: quem suscitou, sem sucesso, perante o Tribunal da 
 Relação, a inconstitucionalidade de determinada norma, pode interpor recurso do 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que faça aplicação da mesma norma com o 
 sentido questionado, ainda que no recurso continuado para este último tribunal  
 não reedite a questão de constitucionalidade.
 
             Sem necessidade de enumerar outros obstáculos que já resultariam das 
 regras gerais em matéria de recursos, este entendimento colide com o texto do 
 n.º 2 do artigo 72.º da LTC que dispõe expressamente que os recursos previstos 
 na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º “só podem ser interpostos pela parte que 
 haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ( ...) de modo processualmente 
 adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este 
 estar obrigado a dele conhecer”. Passou a exigir-se expressamente que a parte 
 que interpõe recurso para o Tribunal Constitucional haja suscitado a questão 
 perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida e não somente durante o 
 processo como ainda poderia ser levado a pensar quem se ficasse pela leitura da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º. 
 Aliás, mesmo antes da redacção conferida ao n.º 2 do artigo 72.º da LTC pela Lei 
 n.º13-A/98, de 26 de Fevereiro, onde havia divergência jurisprudencial, a que 
 esta alteração pôs termo, era sobre um aspecto diferente do problema. Aquilo que 
 então se discutia era se, a quem litigava na posição de recorrido no tribunal 
 que proferiu a decisão impugnada, era exigível que suscitasse ou mantivesse 
 expressamente a questão de inconstitucionalidade, a título subsidiário, para a 
 hipótese de o tribunal  ad quem vir a revogar a decisão recorrida (Cf., por 
 exemplo, Acórdão n.º 396/2001, publicado no Diário da República, II Série, de 14 
 de Fevereiro de 2001).
 
  
 
             Por outro lado, como se disse na decisão reclamada, estando o 
 seguimento do recurso irremediavelmente comprometido por não ter sido cumprido o 
 
 ónus de suscitar a questão de constitucionalidade perante o tribunal a quo, o 
 convite previsto no n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC seria acto inútil. 
 
  
 
             Tanto basta para julgar improcedente a reclamação e confirmar a 
 decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, pelo essencial dos 
 seus fundamentos. 
 
  
 
  
 
             4. Decisão
 
  
 
             Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação e condenar o 
 recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 6 de Abril de 2005
 
  
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Artur Maurício