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Processo n.º 189/2005
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Bravo Serra
 
  
 
  
 
                         1. Pelo Tribunal do Trabalho do Barreiro intentaram A., 
 B., C., D., E., F., G., H., I., J., K., L., M., N., O., P., Q., R., S., T., U., 
 
 W., X., W. (posteriormente falecido, intervindo nos autos, como habilitados, Y. 
 e Z.), AA., BA., CA., DA., EA., FA., GA., HA., IA., JA., KA., LA., MA., NA., 
 AO., PA., QA., RA., SA., TA., UA. e WA., contra XA., S.A., acção, seguindo a 
 forma de processo comum, solicitando a condenação da ré a pagar-lhes 
 determinadas importâncias, que discriminaram, que lhes seriam devidas a título 
 de diuturnidades de antiguidade e de diferença de subsídio de alimentação e, bem 
 assim, de montantes, cujo quantitativo se apuraria em execução de sentença, que 
 igualmente lhes seriam devidos a título de remuneração de trabalho em dias de 
 descanso semanal, obrigatório e complementar, de trabalho suplementar, de 
 descanso compensatório por trabalho suplementar efectuado em dias de descanso e 
 de trabalho nocturno, de complemento de subsídio de doença profissional ou 
 acidente de trabalho, de subsídio de antecipação e prolongamento, de subsídio de 
 medicamentos, de subsídio de livros escolares e de compensação por mudança de 
 turno.
 
  
 
                         Invocaram, para tanto, em síntese, que, tendo a ré tido 
 a sua génese na QUIMIGAL, E.P., que, por via do Decreto-Lei nº 25/89, de 20 de 
 Janeiro, foi transformada na QUIMIGAL, S.A., a qual, por sua vez, foi 
 
 «desmembrada», dando origem a várias empresas, entre as quais a aludida ré, aos 
 trabalhadores desta eram de aplicar as regras do Acordo de Empresa QUIMIGAL, 
 E.P., publicado no nº 7 do Boletim do Trabalho e Emprego, de 22 de Fevereiro de 
 
 1986, Acordo esse que, por via de certas cláusulas, lhes conferiria o direito às 
 importâncias reclamadas e que a ré se recusava a pagar, pretextando que tal 
 Acordo não era aplicável.
 
  
 
                         Tendo, por sentença proferida em 23 de Agosto de 2002, 
 sido entendido ser aplicável à relação laboral entre as partes o Acordo de 
 Empresa QUIMIGAL, E.P., e, em consequência, julgada procedente a acção e o 
 pedido reconvencional nela formulado pela ré, sendo relegado para execução de 
 sentença o apuramento dos quantitativos devidos aos autores, apelaram autores e 
 a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 15 de Outubro de 
 
 2003, negou ambos os recursos.
 
  
 
                         De novo inconformada pediu a ré revista para o Supremo 
 Tribunal de Justiça.
 
  
 
                         Na alegação adrede produzida, para o que ora releva, a 
 ré formulou as seguintes «conclusões»: -
 
  
 
 “........................................................................................................................................................................................................................................................................................
 
             9.) - O art. 6º. nº 2, do Dec. Lei nº 25/89, teve como objectivo 
 determinar e apontar, de forma inequívoca, que os trabalhadores passavam, 
 automaticamente, para as novas empresas resultantes da Quimigal, SA, não havendo 
 lugar a qualquer outra solução alternativa, designadamente, a que consta da 
 parte final do nº 1 do art. 37º da L.C.T.
 
             10.) - E transitavam sujeitos às regras estabelecidas na legislação 
 aplicável, o art. 37º da L.C.T. no que respeita aos aspectos individuais e o 
 art. 9º do Dec. Lei nº 519-C-1/79 no que respeita à regulamentação das relações 
 colectivas de trabalho;
 
             11.) - Portanto, a douta decisão recorrida, ao decidir pela 
 sobrevigência do AE/Quimigal, errou na interpretação do nº 2 do art. 6º do Dec. 
 Lei nº 25/89 e violou o disposto no art. 37º da L.C.T. e art. 9º do Dec. Lei nº 
 
 519-C-1/79, este último com a redacção que detinha ao momento da privatização da 
 Recorrente;
 
             12.) - Sendo o processo de privatização da Quimigal, SA, a via 
 política encontrada para viabilizar e assegurar a continuidade desta empresa, 
 através da sua divisão em actividades autónomas e com maior capacidade, seria 
 contra-natura que se pretendesse sujeitar as novas empresas a um AE/Quimigal 
 perfeitamente desajustado e que havia sido pensado e negociado para vigorar numa 
 estrutura empresarial gigantesca e multifacetada;
 
             13.) - Não se pode conceber, perante propósito tão claro e 
 importante, que o legislador quisesse a sobrevigência do AE/Quimigal pondo em 
 causa a viabilidade das novas empresas que consubstanciavam a continuidade da 
 Quimigal, SA;
 
             14.) - E, na verdade, embora não sendo legítimo procurar interpretar 
 o Dec. Lei nº 25/89 com a al. c) do nº 1 do art. 296º da Constituição da 
 República Portuguesa e a Lei-Quadro das Privatizações, designadamente o seu art. 
 
 19º, porque posteriores, o que é certo é que estas mesmas disposições legais 
 jamais permitem a conclusão a que chega a decisão recorrida;
 
             15.) - Quer o legislador constitucional, quer o legislador 
 ordinário, apenas pretendem assegurar a neutralidade do processo de 
 reprivatização em relação aos trabalhadores envolvidos, em qualquer fase do 
 processo, mantendo os seus direitos e obrigações, mas não lhes concedendo novos 
 direitos;
 
             16.) - Nenhuma razão política ou social, nenhum factor legitimador, 
 permite a conclusão da decisão recorrida de que os trabalhadores das empresas 
 privatizadas têm mais um direito que todos os restantes trabalhadores – o 
 direito ao IRCT aplicável no momento da privatização;
 
             17.) - Logo, ao interpretar dessa forma o nº 2 do art. 6º do Dec. 
 Lei nº 25/89, estaria este ferido de inconstitucionalidade material por violar o 
 princípio da igualdade e não discriminação consagrado no art. 13º da 
 Constituição da República;
 
             18.) - Por outro lado, a interpretação do já citado art. 6º. nº 2, 
 do Dec. Lei nº 25/89 feita no acórdão recorrido, que manteve a decisão de 
 primeira instância recorrida, acaba por interferir na conformação do direito à 
 contratação colectiva, originando, ainda um desequilíbrio injustificado no 
 
 âmbito do exercício do direito à autonomia colectiva;
 
             19.) Como já se demonstrou o direito à contratação colectiva é um 
 direito fundamental dos trabalhadores, pelo que qualquer alteração à sua forma 
 ou ao seu conteúdo é matéria que não é da competência do Governo, sendo certo 
 que o Dec. Lei nº 25/89 emanou do exercício da competência do Governo e não ao 
 abrigo de qualquer autorização legislativa da Assembleia da República;
 
             20.) - Logo, a interpretação do art. 6º, nº 2 do Dec. Lei nº 25/89, 
 que o acórdão recorrido consagra, implicaria a inconstitucionalidade orgânica 
 desta disposição legal, por violação do disposto nos arts. 57º, nº 3 e 168º nº 1 
 al. b) da Constituição da República na versão de 1982, hoje artºs. 56º, nº 3 e 
 
 165º, nº 1. al. b).
 
 ........................................................................................................................................................................................................................................................................................”
 
  
 
                         O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 15 de 
 Fevereiro de 2005, negou a revista.
 
  
 
                         Nesse aresto, e quanto à questão de saber se à relação 
 entre as «partes» era aplicável o Acordo de Empresa da Quimigal, foi retomado o 
 entendimento perfilhado pelo acórdão uniformizador de jurisprudência nº 1/2000, 
 de 16 de Dezembro de 1999, publicado na I Série-A do Diário da República de 2 de 
 Fevereiro de 2000, entendimento esse segundo o qual o artº 6º do Decreto-Lei nº 
 
 25/89 veio estabelecer um regime especial para salvaguarda de todos os 
 trabalhadores envolvidos no processo de privatização da QUIMIGAL, E.P., que se 
 sobrepõe ao regime geral constante do artº 9º da LRCT aprovada pelo Decreto-Lei 
 nº 519-C-1/79, de 29 de Dezembro, regime esse que não era aplicável aos casos de 
 reprivatização de empresas públicas e por via do qual se visou assegurar aos 
 trabalhadores transferidos para as empresas a criar pela cisão da QUIMIGAL, 
 S.A., a manutenção de todos os direitos e regalias de que eram titulares na 
 QUIMIGAL, E.P., independentemente de terem como fonte a lei, o contrato 
 individual de trabalho ou a convenção colectiva, sendo que a introdução da 
 alínea c) do nº 1 do artigo 296º da Constituição, ao prescrever que os 
 trabalhadores das empresas objecto de reprivatização manterão no processo de 
 reprivatização da respectiva empresa todos os direitos e obrigações de que forem 
 titulares, visou afirmar a peculiaridade do processo de reprivatização, com o 
 fim de impedir o retrocesso social desses trabalhadores, resultado que só seria 
 conseguido se se entendesse que no bloco de direitos e obrigações da 
 titularidade dos trabalhadores transferidos para as empresas criadas a partir da 
 QUIMIGAL, S.A., estava integrado o acordo de empresa que vinculava a QUIMIGAL, 
 E.P., sob pena de ficar defraudado o objectivo daqueles artº 6º e alínea b) do 
 nº 1 do artigo 289º.
 
  
 
                         E, enfrentando as questões da invocada ofensa do 
 princípio da igualdade, e de inconstitucionalidade orgânica, concluiu o acórdão: 
 
 –
 
  
 
                         - quanto ao primeiro vício, que o mesmo se não deparava, 
 pois que “ao estipular-se a manutenção dos direitos, obrigações e regalias dos 
 trabalhadores, ... , está-se a tratar de forma igual todos os trabalhadores 
 transferidos para as empresas criadas a partir da cisão da Quimigal, S.A.,”, não 
 se podendo “afirmar a existência de uma discriminação desses trabalhadores das 
 empresas privatizadas em relação aos restantes  trabalhadores em geral, pois, 
 
 ... , nada impede que razões objectivas determinem a diferença de tratamento em 
 relação àqueles trabalhadores, quando o próprio ordenamento constitucional lhes 
 salvaguardou – nas empresas objecto de reprivatização – ,  a manutenção dos 
 direitos e obrigações de que era, titulares”;
 
  
 
                         - pelo que tange ao segundo vício, que, identicamente, o 
 mesmo se não vislumbrava, já que “não se verifica qualquer limitação ao direito 
 de contratação colectiva, mas sim o que está em causa com a aludida 
 interpretação do art. 6º do DL n.º 25/89, é a manutenção dos direitos, 
 obrigações e regalias dos trabalhadores constantes de um acordo de empresa”, 
 nada impedindo “a substituição desse acordo de empresa por outro instrumento de 
 regulamentação colectiva; isto é, da interpretação do art. 6º do DL n.º 25/89, 
 não resulta a manutenção, indefinidamente, dos direitos e obrigações constantes 
 do AE/Quimigal, antes é imposto um limite a tal vigência, até que o AE seja 
 substituído por outro instrumento de regulamentação colectiva. 
 
                         Aliás, não deixa de existir o direito à contratação 
 colectiva pela circunstância de se impor um limite temporal mínimo de vigência 
 dessa mesma contratação colectiva – n.º 1, do art. 11.º da LRCT – e a vigência 
 efectiva até à sua substituição por outro IRCT – n.º 2 do mesmo preceito legal”.
 
                         
 
                         Do acórdão prolatado em 15 de Fevereiro de 2005 veio a 
 autora interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que fez por intermédio 
 de requerimento com o seguinte teor: –
 
  
 
             “XA., S. A., recorrente nos autos à margem referenciados, notificada 
 do douto acórdão proferido vem, pelo presente, interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, com efeito suspensivo e subida imediata nos próprios autos, nos 
 termos dos artºs. 69 e sgts., da Lei 28/82, de 15 de Novembro, com as revisões 
 operadas pelas Leis 88/95, de 1 de Setembro e 13-A/98, de 26 de Fevereiro e ao 
 abrigo da al. b) do n.º 1 do artº. 70º., por força da interpretação defendida 
 pela decisão recorrida do artº. 6º. nº. 2 do Decreto-Lei 25/89, de 20 de 
 Janeiro, a qual, a ser procedente, tornaria esta norma ferida de 
 inconstitucionalidade material por violação do princípio da não discriminação 
 consagrado no artº. 13º da Constituição da República Portuguesa e ferida também 
 de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que incidindo a mesma sobre a 
 conformação do direito à contratação colectiva não seria da competência do 
 Governo legislar sobre esta matéria, de acordo com o estabelecido nos artºs. 57, 
 nº. 3 e 168º, nº. 1, al. b) da C.R.P. na versão de 1982 e que hoje são os artº. 
 
 56º, nº. 3 e artº. 165. nº. 1, al. b) (vide Acs. Tribunal Constitucional nºs 
 
 517/98 e 634/98).
 
             A questão da constitucionalidade foi suscitada pela Recorrente na 
 contestação apresentada no Tribunal de Primeira Instância e foi mantida nas 
 alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e nas alegações do 
 Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça”.
 
  
 
                         Pretendendo-se a apreciação, por este Tribunal, da 
 conformidade constitucional de uma norma alcançada por interpretação de dado 
 preceito, e já que a dimensão interpretativa não foi indicada no requerimento de 
 interposição de recurso, foi a impugnante, por despacho proferido em 14 de Março 
 de 2005 pelo relator, convidada a prestar, de forma precisa, tal indicação, 
 vindo ela, na sequência, a apresentar «requerimento» com o seguinte teor: –
 
  
 
          “XA., SA, Recorrente nos autos à margem referenciados, tendo sido 
 notificada para indicar, de forma precisa, a dimensão interpretativa que foi 
 dada pelo Ac. recorrido ao n° 2 do artº 6° do Dec Lei n° 25/89, de 20 de 
 Janeiro, vem dar cumprimento ao douto despacho nos termos seguintes:
 
          Conforme se refere no requerimento de interposição do recurso, a 
 interpretação defendida pelo acórdão recorrido em relação ao n° 2 do artº 6° do 
 Dec. Lei n° 25/89 tornaria esta disposição legal ferida de inconstitucionalidade 
 material e também orgânica.
 
          MATERIAL, porquanto considera incluído no âmbito dos direitos 
 salvaguardados ao abrigo do já citado n° 2 do artº 6° do Dec. Lei n° 25/89, o 
 direito dos trabalhadores da Quimigal a verem continuar a aplicar-se-lhes o 
 designado ‘AE/Quimigal’ após a desafectação do estabelecimento em que prestavam 
 serviço para a nova empresa criada a partir da Quimigal, e não considerando, 
 como deveria ser, que a este tipo de situações se aplica o disposto no artº 9° 
 do Dec. Lei n° 519.-C1/79, à semelhança do que ocorre em todas as situações da 
 mesma natureza.
 
          Portanto e sem qualquer justificação aceitável, os trabalhadores da 
 Quimigal teriam um tratamento de privilégio em relação a todos os restantes 
 trabalhadores na mesma situação de cessão, total ou parcial do estabelecimento 
 em que prestavam serviço, para outra empresa já constituída ou a constituir.
 
          Esta situação de privilégio viola o disposto no artº 13° da C.R.P. 
 
 (princípio da igualdade e não discriminação).
 
          ORGÂNICA, porquanto ao reconhecer aos trabalhadores da Quimigal tal 
 direito, o legislador do Dec. Lei n° 25/89 interferiu directamente na 
 configuração do direito de contratação colectiva, impondo a aplicação de um IRCT 
 por tempo indeterminado a uma empresa e aos trabalhadores transferidos, quando 
 essa mesma empresa ou a associação patronal que eventualmente a representasse 
 não participou nem foi parte na negociação do instrumento em causa.
 
          Por outras palavras, tal interpretação assumida pelo acórdão recorrido 
 interfere no direito de contratação colectiva e no seu exercício, designadamente 
 por parte das associações sindicais.
 
          Esta matéria, inserida no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, 
 
 é em termos de competência legislativa, da reserva relativa da Assembleia da 
 República (vide artº 57°, n° 3 e artº 168° n° 1, al. b) da C.R.P., versão de 
 
 1982 e artº 56° n° 3 e artº 165° n° 1, al[ ]. b) versão actual e ainda os 
 acórdãos do Tribunal Constitucional nos. 517/98 e 634/98.
 
          Ora o legislador do Dec. Lei n° 25/89 não estava cometido de 
 autorização legislativa para legislar sobre esta matéria.
 
          Assim, a inconstitucionalidade orgânica é evidente”.
 
  
 
                         Tendo o relator, em 30 de Março de 2005, lavrado 
 decisão, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, a não tomar conhecimento 
 do objecto do recurso, da mesma reclamou a XA..
 
  
 
                         Este Tribunal, por intermédio do seu Acórdão nº 
 
 290/2005, decidiu atender a reclamação e determinar o prosseguimento dos autos.
 
  
 
                         Consequentemente, foi determinada a produção de 
 alegações.
 
  
 
  
 
                         2. Rematou a XA. a alegação por si produzida com as 
 seguintes «conclusões»: –
 
  
 a)            Pelas razões invocadas o art. 6°, n[º]2 do DL 25/89, entendido 
 como pretende o acórdão do STJ recorrido e o 1/2000, cria uma flagrante 
 desigualdade de tratamento entre, por um lado, os trabalhadores transferidos da 
 Quimigal S.A. a partir desta última, face aos demais trabalhadores.
 a.1) Desigualdade que não se justifica a qualquer título que seja já que nenhum 
 processo de reestruturação e reprivatização de uma EP legitima que os 
 trabalhadores envolvido sejam privilegiados em relação aos restantes 
 trabalhadores adquirindo como seria o caso a verem apropriado um novo direito, 
 que seria o da apropriação do AR Quimigal nos seus contratos individuais de 
 trabalho.
 b)            Por outro lado, entre as novas entidades criadas, enquanto 
 empregadores, e os demais empregadores, nova discriminação injustificada 
 resultará da interpretação acolhida pelo acórdão recorrido, consubstanciada na 
 sujeição a um IRCT para além do período temporal que a lei consagrara para toda 
 e qualquer empresa quando se está perante uma situação de transferência de uma 
 empresa ou estabelecimento a qualquer título.
 c)             Pelo que tais discriminações são violadoras do princípio da 
 igualdade consagrado no art. 13° da CRP, ou seja, a interpretação aludida do 
 art.6° d[o] DL 25/89, implicaria a sua inconstitucionalidade material.
 d)            A interpretação do art. 6° do DL 25/89 defendida no acórdão 
 recorrido também consubstancia uma nova confrontação do direito da contratação 
 colectiva, aliás profundamente incorrecta e desvirtuamento do papel dos 
 parceiros sociais na contratação colectiva, sendo certo que conforme também já 
 se demonstrou, que sendo o direito de contratação colectiva um direito 
 fundamental dos trabalhadores, não tendo o DL 25/89 precedido de autorização 
 legislativa a interpretação em causa originaria a inconstitucionalidade orgânica 
 da invocada disposição legal”. 
 
  
 
                         Por seu turno, os recorridos não vieram a produzir 
 resposta à alegação.
 
  
 
                         Cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                         3. Após ter ocorrido a nacionalização das empresas 
 Amoníaco Português, S.A.R.L., Nitratos de Portugal, S.A.R.L. e Companhia União 
 Fabril, S.A.R.L., foram tais empresas, por intermédio do Decreto-Lei nº 530/77, 
 de 30 de Dezembro, fundidas na empresa pública a que se deu a denominação de 
 QUIMIGAL – Química de Portugal, E.P..
 
  
 
                         Em 20 de Julho de 1988 veio a lume a Lei nº 84/88, por 
 intermédio da qual se possibilitou que as empresas públicas, ainda que 
 nacionalizadas, fossem, mediante decreto-lei, transformadas em sociedades 
 anónimas de capitais públicos ou de maioria de capitais públicos, nos termos da 
 Constituição e dessa lei (cfr. seu artº 1º e, também, o seu artº 8º).
 
  
 
                         De harmonia com tal diploma, a possibilitada 
 transformação não poderia implicar a reprivatização do capital nacionalizado 
 
 (com excepção dos casos previstos no nº 2 do artigo 83º da versão da 
 Constituição emergente da Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional 
 nº 1/82, de 30 de Setembro), devendo salvaguardar que a maioria absoluta fosse 
 sempre detida pela parte pública e que a representação da parte pública nos 
 
 órgãos sociais fosse sempre maioritária (cfr. nº 1 do artº 2º). E, por outro 
 lado, determinou-se que a sociedade anónima que viesse a resultar da 
 transformação continuaria a personalidade jurídica da empresa pública 
 transformada, mantendo todos os direitos e obrigações legais ou contratuais 
 deste (cfr. nº 1 do artº 3º).
 
  
 
                         Na sequência da possibilidade conferida pela referida 
 Lei nº 84/88, editou o Governo o Decreto-Lei nº 25/89, de 20 de Janeiro, que 
 procedeu à transformação da QUIMIGAL – Química de Portugal, E.P., numa sociedade 
 anónima de capitais maioritariamente públicos denominada QUIMIGAL – Química de 
 Portugal, S.A., a qual, conforme se preceituou no seu artº 2º, sucedeu 
 automática e globalmente àquela empresa pública, continuando a personalidade 
 jurídica desta e conservando a universalidade dos direitos e obrigações legais, 
 estatutárias e contratuais que constituíam o património desta no momento da 
 transformação.
 
  
 
                         Por entre outras disposições, consagrou-se no artº 6º 
 daquele Decreto-Lei nº 25/89: –
 
  
 
             Art. 6.º – 1 – Os trabalhadores e pensionistas na QUIMIGAL – Química 
 de Portugal, E.P., mantêm perante a QUIMIGAL – Química de Portugal, S.A., todos 
 os direitos e obrigações que detiverem à data da entrada em vigor do presente 
 diploma.
 
             2 – Os direitos, obrigações e regalias dos trabalhadores que fiquem 
 afectos à QUIMIGAL – Química de Portugal, S.A., serão transferidos para as 
 empresas a criar a partir desta sociedade, a partir da data em que sejam 
 constituídas, e conforme a respectiva subordinação.
 
             3 – Os funcionários do Estado, de autarquias locais de institutos 
 públicos e de empresas públicas ou de sociedades anónimas de capitais públicos 
 podem ser autorizados a exercer funções na QUIMIGAL – Química de Portugal, S.A., 
 em regime de requisição, conservando todos os direitos e regalias inerentes ao 
 seu quadro de origem, incluindo antiguidade, reforma e outras regalias.
 
             4 – A situação dos trabalhadores da QUIMIGAL – Química de Portugal, 
 S.A., que sejam chamados a ocupar cargos nos órgãos da empresa, bem como os que 
 sejam requisitados para exercer funções em outras empresas ou serviços públicos, 
 em nada será prejudicada por esse facto, regressando aos seus lugares logo que 
 terminem o mandato ou o tempo de requisição.
 
  
 
                         Após a Revisão Constitucional operada pela Lei 
 Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho, ficou prevista na Constituição a 
 possibilidade de reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de 
 meios de produção e outros bens nacionalizados depois de 25 de Abril de 1974 
 
 (sendo que, antes daquela Revisão Constitucional, se impunha a regra segundo a 
 qual todas as nacionalizações efectuadas depois de 15 de Abril de 1974 eram 
 conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras – cfr. artigo 83º da versão 
 originária da Lei Fundamental e da versão decorrente da Revisão Constitucional 
 operada pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro –, admitindo-se, 
 apenas e a título excepcional, a possibilidade de as pequenas e médias empresas 
 indirectamente nacionalizadas, fora dos sectores básicos da economia, serem 
 integradas no sector privado, desde que os trabalhadores não optassem pelo 
 regime de autogestão ou de cooperativa).
 
  
 
                         Assim, na sequência da terceira Revisão Constitucional, 
 o artigo 85.º do Diploma Básico comportou a seguinte redacção: –
 
  
 ARTIGO 85.º
 
  
 
 (Nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974)
 
  
 
             1. A reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de 
 meios de produção e outros bens nacionalizados depois de 25 de Abril de 1974 só 
 poderá efectuar-se nos termos da lei-quadro aprovada por maioria absoluta dos 
 Deputados em efectividade de funções.
 
             2. As pequenas e médias empresas indirectamente nacionalizadas 
 situadas fora dos sectores básicos da economia poderão ser reprivatizadas nos 
 termos da lei.
 
  
 
                         E, do mesmo passo, veio-se a prescrever no nº 3 do 
 artigo 87º que a lei definiria os sectores básicos nos quais era vedada a 
 actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza, 
 vindo-se, por outro lado, a consagrar no texto constitucional uma disposição 
 final e transitória – o artigo 296º, que assim passou a rezar: –
 
  
 ARTIGO 296.º
 
  
 
 (Princípios para a reprivatização prevista no n.º 1 do artigo 85.º)
 
  
 
  
 
             A lei-quadro prevista no n.º 1 do artigo 85.º observará os seguintes 
 princípios fundamentais:
 a) A reprivatização da titularidade ou do direito de exploração dos meios de 
 produção e outros bens nacionalizados depois de 25 de Abril de 1974 
 realizar-se-á, em regra e preferencialmente, através de concurso público, oferta 
 na bolsa de valores ou subscrição pública;
 b) As receitas obtidas com as reprivatizações serão utilizadas apenas para 
 amortização da dívida pública e do sector empresarial do Estado, para o serviço 
 da dívida pública resultante de nacionalização ou para novas aplicações de 
 capital no sector produtivo;
 c) Os trabalhadores das empresas objecto de reprivatização manterão no processo 
 de reprivatização da respectiva empresa todos os direitos e obrigações de que 
 forem titulares;
 d) Os trabalhadores das empresas objecto de reprivatização adquirirão o direito 
 
 à subscrição preferencial de uma percentagem do respectivo capital social;
 e) Proceder-se-á à avaliação prévia dos meios de produção e outros bens a 
 reprivatizar, por intermédio de mais de uma entidade independente.
 
  
 
                         No seguimento da possibilidade aberta pela terceira 
 Revisão Constitucional, foi editada a Lei nº 11/90 – Lei Quadro das 
 Privatizações –, que veio a revogar a Lei nº 84/88, salvaguardando, porém, o que 
 se dispôs no seu artº 27º, que assim comanda: –
 
  
 Artigo 27.º
 
  
 Disposição transitória
 
  
 
             1 – Os processos de transformação operados nos termos da Lei n.º 
 
 84/88, de 20 de Julho, deverão concluir-se ao abrigo dessa legislação, salvo se 
 o Governo preferir convolá-los em processo de reprivatização ao abrigo da 
 presente lei, mediante prévia alteração do respectivo diploma de transformação.
 
             2 – Nos processos que não forem convolados nos termos número 
 anterior poderá ser reduzido para um ano o prazo previsto no n.º 3 do artigo 5.º 
 da Lei n.º 84/88, de 20 de Julho, devendo ser assegurado o cumprimento dos 
 requisitos constantes das alíneas c) e d) do n.º 1 e do n.º 5 do artigo 5.º da 
 mesma lei.
 
  
 
                         Em 15 de Outubro de 1990, o Governo editou o Decreto-Lei 
 nº 319/90, cujos objectivos ficaram definidos no respectivo exórdio da seguinte 
 forma: –
 
  
 
             “A futura reprivatização da QUIMIGAL, S.A., não pode deixar de ter 
 em conta a sua prévia reestruturação empresarial, definida pelo Governo e 
 concretizada através de empenhamento financeiro nacional com aprovação 
 comunitária.
 
             A estratégia dessa reestruturação assenta fundamentalmente em dois 
 vectores: a autonomização jurídica e empresarial de áreas de actividades que 
 integram a QUIMIGAL, deixando a esta uma função residual de exercício indirecto 
 de actividades económicas, com as características de sociedade gestora de 
 participações sociais; alienação de capital social das sociedades resultantes 
 daquelas autonomizações e, bem assim, de participações em outras sociedades, de 
 acordo com as opções por áreas de actividade, visando o seu fortalecimento 
 através de parceiros sociais criteriosamente escolhidos e mantendo um controlo 
 estratégico sobre as várias empresas incluídas naqueles sectores de actividade.
 
             A prossecução desses objectivos, essenciais à valorização da 
 empresa, através da sua reestruturação e saneamento económico-financeiro, exige 
 e justifica que, enquanto decorra esse processo, a alienação das participações 
 de ambos os tipos, bem como da titularidade ou do direito de exploração de meios 
 de produção nacionalizados, se faça através de venda directa, assumindo-se 
 apenas para a QUIMIGAL – Química de Portugal, S.A., a alienação do capital 
 social nos termos preferenciais da Lei n.º 11/90, de 5 de Abril, para a qual se 
 convola o processo de reprivatização da empresa como é facultado pelo artigo 
 
 27.º da mesma lei, não sendo despiciendo salientar o facto de o valor daquela 
 vir necessariamente a reflectir a melhoria económico-financeira resultante 
 daquelas operações, traduzindo-se, pois, num benefício efectivo, quer para o 
 Estado, quer para os que venham a adquirir acções da QUIMIGAL aquando da sua 
 reprivatização.
 
             Na mesma ordem de ideias se justifica que, também transitoriamente, 
 enquanto decorra o processo de reestruturação empresarial e de reequilíbrio 
 financeiro da empresa, as receitas das alienações de participação social 
 revertam integralmente para a QUIMIGAL, sem o que dificilmente seria possível a 
 consecução daquele objectivo.”
 
  
 
                         Assim, o Decreto-Lei nº 319/90 veio conferir nova 
 redacção ao artº 3º do Decreto-Lei nº 25/89, passando o nº 5 a dispor que a 
 alienação do capital social da QUIMIGAL – Química de Portugal, S.A., quando o 
 Estado o julgue oportuno, será regulada nos termos da Lei n.º 11/90, de 5 de 
 Abril, por decreto-lei específico, e vindo a ser aditados os números 7, 8 e 9, 
 com a seguinte redacção: –
 
  
 
             7 – A alienação de capital social das sociedades resultantes da 
 autonomização de áreas de actividade da QUIMIGAL – Química de Portugal, S.A., 
 ainda que pela associação ou fusão com terceiros, para as quais tenham sido 
 transferidos activos produtivos da mesma, bem como a da titularidade ou do 
 direito de exploração de meios de produção nacionalizados, será feita por venda 
 directa, precedida de consultas limitadas, competindo ao Conselho de Ministros a 
 aprovação do caderno de encargos, a escolhe dos adquirentes e a definição das 
 condições específicas da transacção.
 
             8 – O produto total das alienações de participações sociais, 
 incluindo as referidas no n.º 7, será integralmente aplicado na amortização da 
 dívida da QUIMIGAL - Química de Portugal, S.A., e do respectivo equilíbrio 
 económico-financeiro.
 
             9 – As disposições constantes dos n.ºs t e 8 vigoram apenas até que 
 a resolução do Conselho de Ministros dê por findo o processo de reestruturação 
 empresarial e reequilíbrio financeiro da QUIMIGAL – Química de Portugal, S.A.
 
  
 
  
 
                         3.1. Dos transcritos normativos resulta que, 
 antecedentemente à privatização da empresa, então denominada QUIMIGAL – Química 
 de Portugal, E.P. – empresa pública que resultou da fusão de diversas empresas 
 que, após 25 de Abril de 1974, foram nacionalizadas –, foi ela objecto de 
 transformação numa sociedade anónima que, por força da Lei nº 84/88, por entre o 
 mais, haveria de obedecer à circunstância de a maioria do respectivo capital 
 social ser sempre detido pela parte pública.
 
  
 
                         Em face da transformação daquela empresa pública em 
 sociedade anónima de capital maioritariamente público, foram mantidos aos 
 trabalhadores e pensionistas daquela empresa todos os direitos e obrigações que 
 detinham à data da entrada em vigor do diploma que a tal transformação procedeu, 
 manutenção que foi estendida às (futuras e eventuais) criandas empresas que se 
 constituíssem a partir da sociedade que resultou da transformação. 
 
  
 
                         Estava-se, ainda, numa ocasião temporal em que as 
 nacionalizações eram, constitucionalmente, tidas como uma conquista irreversível 
 das classes trabalhadoras, o que implicava a irreversibilidade daquelas.
 
  
 
                         Com a terceira Revisão Constitucional, proporcionou-se a 
 oportunidade – nos termos que se viram já – de ser reprivatizada a titularidade 
 ou o direito de exploração dos meios de produção nacionalizados depois de 25 de 
 Abril de 1974, de acordo com uma lei-quadro que, também constitucionalmente, 
 haveria, inter alia, que observar o princípio segundo o qual os trabalhadores 
 das empresas objecto de reprivatização manteriam, no processo, todos os direitos 
 e obrigações de que foram titulares (cfr., sobre a questão, os pontos 7 e 8 do 
 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 71/90, publicado na II Série do Diário da 
 República de 18 de Julho de 1990).
 
  
 
                         Entretanto, ou seja, antes da vigência da Lei nº 11/90 e 
 do Decreto-Lei nº 319/90, a QUIMIGAL – Química de Portugal, S.A., tinha sido 
 
 «reestruturada», vindo a ser criadas ou constituídas novas empresas conforme as 
 
 áreas de actividade económica de que curava aquela sociedade anónima de capitais 
 maioritariamente públicos, empresas essas que ainda não desfrutavam do estatuto 
 de empresas privatizadas (pois que o respectivo capital ficou, originariamente, 
 a pertencer àquela), entre estas se contando a ora impugnante.
 
  
 
  
 
                         3.3. É neste contexto que o acórdão impugnado sufragou a 
 interpretação do nº 2 do artº 6º do Decreto-Lei nº 25/89 cuja harmonia com a 
 Constituição é contestada pela recorrente.
 
  
 
                         Devendo, desde já e quanto a este ponto, sublinhar-se 
 que se não contém nos poderes de cognição deste Tribunal a questão de saber se a 
 interpretação ínsita na decisão recorrida é aquela que se mostra mais consonante 
 com a hermenêutica de interpretação das leis, não se irá sem dizer que o sentido 
 interpretativo conferido pelo acórdão agora sub specie não deixa, de qualquer 
 forma, de ter um mínimo de correspondência com a literalidade do aludido nº 2 do 
 artº 6º.
 
  
 
                         Na verdade, é perfeitamente sustentável um entendimento 
 segundo o qual dos números 1 e 2 daquele artigo resulta a «neutralidade» da 
 transformação da QUIMIGAL – Química de Portugal, E.P., na QUIMIGAL – Química de 
 Portugal, S.A., e da criação das empresas a partir desta última relativamente 
 aos direitos e obrigações, legais ou contratuais, detidos pelos trabalhadores 
 daquela empresa pública.
 
  
 
                         Nestes termos, o que incumbe a este Tribunal, é aferir 
 da compatibilidade ou não compatibilidade com a Lei Fundamental por banda do 
 sentido normativo acolhido na decisão recorrida.
 
  
 
                         Se bem se entende a tese da recorrente, como resulta do 
 relato levado a efeito no presente aresto, a mesma perfilha a óptica segundo a 
 qual deveria o nº 2 do artº 6º ser entendido no sentido de, mantendo embora os 
 trabalhadores e pensionistas da QUIMIGAL – Química de Portugal, E.P., ao tempo 
 da transformação dessa empresa numa sociedade anónima de capitais 
 maioritariamente públicos, o acervo de direitos e obrigações de que desfrutavam 
 no período em que aquela empresa era caracterizada como empresa pública, tal 
 manutenção não haveria de subsistir quando fossem «criadas» ou «constituídas» 
 novas empresas «a partir» da QUIMIGAL – Química de Portugal, S.A., e nos 
 respectivos estabelecimentos fossem «colocados» alguns desses trabalhadores; e 
 isso sob pena de, sustentando-se entendimento diverso, se postar uma dimensão 
 interpretativa conflituante com a Constituição em duas vertentes: –
 
  
 
                         – por um lado, porque, por seu intermédio, se concederia 
 aos trabalhadores da QUIMIGAL – Química de Portugal, S.A., uma posição 
 diversificada relativamente aos demais trabalhadores, quer de empresas públicas, 
 quer privadas, sem que existisse um fundamento razoável para tanto, desta sorte 
 se violando o princípio da igualdade postulado pelo artigo 13º, nº 1, do Diploma 
 Básico, tendo em conta que, quanto aos últimos, em situações de «constituição» 
 de novas empresas a partir da «empresa mãe», regeria o artº 9º do Decreto-Lei nº 
 
 519-C-1/79, de 29 de Dezembro – LRCT;
 
  
 
                         – por outro, porque, ao reconhecer aos trabalhadores da 
 QUIMIGAL – Química de Portugal, S.A., o direito de «continuarem» a ser regidos 
 pelo Acordo de Empresa elaborado ao tempo da QUIMIGAL – Química de Portugal, 
 E.P. (e posteriormente «acolhido» pela QUIMIGAL – Química de Portugal, S.A.) 
 após a «desafectação» do estabelecimento onde prestavam serviços – por via da 
 criação de novas empresas tituladas por esta – estar-se-ia a derrogar a 
 aplicação do regime do mencionado artº 9º do Decreto-Lei nº 519-C1/79 e, desse 
 modo, a conformar o direito de contratação colectiva, “com um substancial 
 reforço das associações sindicais outorgantes do AE QUIMIGAL”, pelo que, não 
 tendo o Decreto-Lei nº 25/89 sido precedido de autorização legislativa, 
 enfermava o mesmo de inconstitucionalidade orgânica.
 
  
 
                         
 
                         3.4. Começando pelo segundo dos alegados vícios de 
 enfermidade constitucional, entende-se que a resposta a essa questão não pode 
 deixar de ser negativa.
 
  
 
                         Efectivamente, as normas dos números 1 e 2 do artº 6º do 
 Decreto-Lei nº 25/89 limitam-se a salvaguardar a posição jurídica dos 
 trabalhadores de uma empresa que, por um actos reveladores do jus imperium do 
 Estado, começou por ser criada «a partir» de outras empresas cuja nacionalização 
 aquele mesmo jus determinou, empresa essa que veio a ser transformada numa 
 sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos e «a partir» da qual 
 iriam ser «criadas» ou «constituídas» novas empresas, salvaguarda essa que 
 regeria tão só para os momentos da transformação e das eventuais «criação» ou 
 
 «constituição», não se podendo, neste particular, olvidar que, nesses momentos, 
 a maioria do capital, quer da empresa transformada, quer das empresas a «criar» 
 ou «constituir» pertencia à mesma entidade – o Estado.
 
  
 
                         Não se vislumbra, assim, que o intuito daqueles 
 normativos fosse o de impor, designadamente nas empresas a «criar» ou a 
 
 «constituir» nas áreas de actividade económica da QUIMIGAL – Química de 
 Portugal, S.A., a manutenção imutável do ou dos instrumentos de regulação 
 colectiva que regiam as relações laborais entre essa ou essas empresas e os seus 
 trabalhadores que «transitaram» para os estabelecimentos dessa ou dessas 
 empresas. E muito menos se retira que fosse desiderato do legislador ditar a 
 impossibilidade de virem a ser adoptados novos instrumentos de regulação 
 colectiva.
 
  
 
                         Não se pode, por isso, considerar que o nº 2 do artº 6º 
 do Decreto-Lei nº 25/89 é de perspectivar como um normativo que interfira 
 directamente no domínio da contratação colectiva; e, nesta senda, a supor-se que 
 esse domínio poderá ser reconduzido à matéria atinente aos direitos, liberdades 
 e garantias, que carecesse ele de autorização parlamentar para a sua edição.
 
  
 
  
 
                         3.5. No que ao primeiro vício tange, recorde-se que a 
 recorrente imposta a questão de a norma inserta no nº 2 do falado artº 6º se 
 revelar desconforme com o princípio da igualdade precipitado no nº 1 do artigo 
 
 13º da Constituição, já que veio a conferir aos trabalhadores que passariam a 
 laborar nas empresas «criadas» ou «constituídas» a partir da QUIMIGAL – Química 
 de Portugal, S.A., uma situação jurídica diversa do regime geral que se extrai 
 do artº 9º do Decreto-Lei nº 517-C/79.
 
  
 
                         Independentemente do problema de saber se seria possível 
 equiparar a eventual «criação» ou «constituição» de empresas, por áreas de 
 actividade económica «a partir» da QUIMIGAL – Química de Portugal, S.A., à 
 situação contemplada no artº 9º do Decreto-Lei nº 519-C-1/79 (que refere que em 
 caso de cessão, total ou parcial, de uma empresa ou estabelecimento, a entidade 
 empregadora cessionária ficará obrigada a observar, até ao termo do respectivo 
 prazo de vigência, e no mínimo de 12 meses, contados da cessão, o instrumento de 
 regulamentação colectiva que vincula a entidade empregadora, salvo se tiver sido 
 substituído por outro), o que não deixa de ser certo é que não são realidades 
 semelhantes a dos trabalhadores de uma empresa pública (e, bem assim, do 
 respectivo titular), constituída em resultado da fusão de várias empresas 
 nacionalizadas – empresa essa que foi transformada numa sociedade anónima de 
 capitais maioritariamente públicos, havendo, quanto a esta, o intento do Estado 
 de criar outras empresas resultantes da autonomização das suas áreas de 
 actividade, cujo capital era detido por ele – e a dos trabalhadores de uma 
 qualquer outra empresa, que se não formou atendendo ao condicionalismo que ditou 
 a formação da QUIMIGAL – Química de Portugal, E.P., e na qual se verificou uma 
 cessão, total ou parcial, de uma nova empresa ou estabelecimento.
 
  
 
                         A respeito do princípio da igualdade tem este Tribunal 
 mantido uma firme jurisprudência cuja ilustração, tratamento e resenha, bem como 
 a indicação de posições doutrinárias se podem extrair do seu relativamente 
 recente Acórdão nº retirar nº 232/2003, publicado nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 56º volume, 7 a 51.
 
  
 
                         Desse aresto respigam-se as seguintes asserções: –
 
  
 
 “(…) 
 
          O Acórdão nº 319/00 (in AcTC, 47º vol., pp. 497ss), apoiando-se no 
 Acórdão nº 563/96 (in AcTC, 33º vol., pp. 47ss), procedeu a uma síntese da 
 jurisprudência constitucional relativa ao princípio da igualdade. Assim: 
 
           «[O] Tribunal Constitucional teve já a oportunidade de se pronunciar 
 diversas vezes sobre as exigências do princípio constitucional da igualdade, 
 que, no fundo, se reconduz à proibição do arbítrio, proibição essa que, 
 naturalmente, não anula a liberdade de conformação do legislador onde ele a não 
 infrinja. Assim, por exemplo, no acórdão nº 563/96 (...), publicado em Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, 33º, pág. 47 e segs., foram assim descritas:
 
           ‘1.1.-   O princípio da igualdade do cidadão perante a lei é acolhido 
 pelo artigo 13º da Constituição da República que, no seu nº 1, dispõe, 
 genericamente, terem todos os cidadãos a mesma dignidade social, sendo iguais 
 perante a lei, especificando o nº 2, por sua vez, que ‘ninguém pode ser 
 privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de 
 qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de 
 origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação 
 económica ou condição social’.
 
           Princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do sistema 
 constitucional global (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 125) o 
 princípio da igualdade vincula directamente os poderes públicos, tenham eles 
 competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. ob. cit., pág. 
 
 129) o que resulta, por um lado, da sua consagração como direito fundamental dos 
 cidadãos e, por outro lado, da ‘atribuição aos preceitos constitucionais 
 respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica 
 própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer 
 lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades 
 públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional 
 
 (artigo 18º, nº 1, da Constituição)’ (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional 
 nº 186/90, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Setembro de 
 
 1990).
 
           Muito trabalhado, jurisprudencial e doutrinariamente, o princípio 
 postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e 
 tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, 
 inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual 
 das situações desiguais) –  cfr., entre tantos outros, e além do já citado 
 acórdão nº 186/90, os acórdãos nºs. 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 
 
 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de Março 
 de 1988, e II Série, de 12 de Setembro de 1990, 30 de Julho de 1993, 6 de 
 Outubro do mesmo ano, e 19 de Janeiro e 30 de Agosto de 1994, respectivamente.
 
           1.2.-    O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de 
 conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de 
 tratamento, ‘razoável, racional e objectivamente fundadas’, sob pena de, assim 
 não sucedendo, ’estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do 
 acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores 
 constitucionalmente relevantes’, no ponderar do citado acórdão nº 335/94. Ponto 
 
 é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a 
 discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, 
 diz-nos J.C. Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais na Constituição 
 Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299).
 
           Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como ‘princípio 
 negativo de controlo’ ao limite externo de conformação da iniciativa do 
 legislador –  cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 127 e, por 
 exemplo, os acórdãos nºs. 157/88, publicado no Diário da República, I Série, de 
 
 26 de Julho de 1988, e os já citados nºs.330/93 e 335/94 – sem que lhe retire, 
 no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) 
 grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de 
 tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e 
 jurídicas postadas face a um determinado referencial (‘tertium comparationis’). 
 A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminado o 
 arbítrio (cfr., a este propósito, Gomes Canotilho, in Revista de Legislação e 
 de Jurisprudência, ano 124, pág. 327; Alves Correia, O Plano Urbanístico e o 
 Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 425; acórdão nº 330/93).
 
           Ora, o princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal e 
 redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo, a aplicação igual 
 de direito igual (cfr. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do 
 Legislador, Coimbra, 1982, pág. 381; Alves Correia, ob. cit., pág. 402) o que 
 pressupõe averiguação e valoração casuísticas da ‘diferença’ de modo a que 
 recebam tratamento semelhante os que se encontrem em situações semelhantes e 
 diferenciado os que se achem em situações legitimadoras da diferenciação.
 
           O nº 2 do artigo 13º da Constituição da República enumera uma série de 
 factores que não justificam tratamento discriminatório e assim actuam como que 
 presuntivamente – presunção de diferenciação normativa envolvendo violação do 
 princípio da igualdade – mas que são enunciados a título meramente 
 exemplificativo: cfr., v.g., os acórdãos nºs. 203/86 e 191/88, publicados no 
 Diário da República, II Série, de 26 de Agosto de 1986, e, I Série, de 6 de 
 Outubro de 1988, respectivamente, na esteira do parecer nº 1/86, da Comissão 
 Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, vol., 1º, pág. 5 e 
 segs., maxime pág. 11. A intenção discriminatória (...) não opera, porém, 
 automaticamente, tornando-se necessário integrar a aferição 
 jurídico-constitucional da diferença nos parâmetros finalístico, de 
 razoabilidade e de adequação pressupostos pelo princípio da igualdade».
 
          Registe-se ainda que, quer a Comissão, quer o Tribunal Constitucional 
 admitiram já a hipótese de, em certos casos, se proceder a diferenciações de 
 tratamento ou, noutra perspectiva, a ‘discriminações positivas’ (sobre a 
 jurisprudência constitucional nesta matéria, cf., por todos, Luís Nunes de 
 Almeida e Armindo Ribeiro Mendes, ‘Les discriminations positives – Portugal’, 
 Annuaire International de Justice Constitutionnelle, vol. XIII, 1997, pp. 
 
 223ss).
 Assim, no Parecer nº 33/81 (in ParCC, 17º vol., pp. 139ss) a Comissão 
 Constitucional concluiu pela não inconstitucionalidade de normas de um decreto 
 regulamentar da Região Autónoma dos Açores que disciplinava a matéria relativa 
 ao pessoal auxiliar dos estabelecimentos de ensino primário e de educação 
 pré-escolar nos Açores, dando preferência, no preenchimento dos lugares, a 
 indivíduos do sexo feminino. O Tribunal Constitucional, por seu turno, não 
 enjeitou a possibilidade de discriminações positivas em benefício das mulheres 
 no Acórdão nº 191/88 (in AcTC, 12º vol., pp. 239ss) e também no Acórdão nº 
 
 231/94 (in AcTC, 27º vol., pp. 205ss). Noutra ocasião, o Tribunal admitiu um 
 tratamento mais favorável do sexo feminino em razão do peso exercido pelas 
 
 ‘tarefas domésticas’ (Acórdãos nºs 609/94 e 713/96, in AcTC, 29º vol., pp. 
 
 173ss, e 34º vol., pp. 215ss, respectivamente). 
 
          O debate em torno das discriminações positivas pela jurisprudência 
 constitucional não se cinge, todavia, à questão das desigualdades em razão do 
 género. A título ilustrativo, pode referir-se que, no Parecer nº 15/81, a 
 Comissão Constitucional considerou que não violava a Constituição um regulamento 
 ministerial sobre o preço dos transportes aéreos entre o Continente e as regiões 
 autónomas que estabelecia uma discriminação de preços favorável aos residentes 
 nessas regiões (in ParCC, 15º vol., pp. 129ss). Aí se afirmou, designadamente: 
 
 ‘Sucede (...) que tais discriminações favoráveis ou positivas têm uma razão de 
 ser evidente, não configurando, por isso, uma violação ao princípio da 
 igualdade, tal como é postulado na nossa Constituição (artigo 13º): o legislador 
 considera atendível a circunstância de os cidadãos portugueses residirem 
 habitualmente nas regiões autónomas, em ilhas afastadas do continente, para 
 introduzir reduções dos preços de viagens aéreas que, de alguma maneira, minorem 
 os inconvenientes da insularidade e do desigual desenvolvimento sócio-económico 
 das próprias regiões autónomas (...).
 Há certas situações da vida em que o legislador constitucional considera lícito 
 criar regimes mais favoráveis para certos grupos humanos, em nome mesmo de uma 
 tendencial igualdade de oportunidades ou igualdade de tratamento de facto’.
 
          Mais tarde, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela 
 inconstitucionalidade de uma norma que atribuía uma preferência na admissão à 
 Marinha, em regime de voluntariado, aos órfãos dos antigos membros desse ramo 
 das Forças Armadas por entender que não existia um fundamento material razoável 
 para essa discriminação (Acórdão nº 336/86, in AcTC, 8º vol., pp. 263ss). 
 Finalmente, no Acórdão nº 1/97 (in AcTC, 36º vol., pp. 7ss), o Tribunal 
 pronunciou-se pela inconstitucionalidade de uma lei que impunha ao Ministério da 
 Educação a criação de vagas suplementares no ensino superior público, 
 ultrapassando o numerus clausus previamente fixado, de forma a permitir o 
 ingresso de candidatos que, na fase de candidatura de Setembro, tivessem obtido 
 uma classificação superior à obtida por candidatos admitidos na fase de 
 candidatura de Julho - o Tribunal entendeu que o fundamento avançado para essa 
 discriminação positiva (a compensação por anomalias surgidas no decurso de 
 certos exames da primeira fase) não era adequado, uma vez que o sistema que se 
 pretendia instituir acabaria por beneficiar estudantes que não haviam realizado 
 exames na primeira fase e que, por conseguinte, nunca haviam sido lesados pelas 
 eventuais anomalias que aí tivessem ocorrido.
 
          É particularmente interessante, a este respeito, o Acórdão nº 44/84 (in 
 AcTC, 3º vol., 1984, pp. 133ss), onde o Tribunal Constitucional decidiu não 
 declarar a inconstitucionalidade de uma norma de um decreto-lei que estabelecia 
 como critério de preferência na colocação de clínicos gerais ‘a opção pelo 
 concelho de residência, verificada através do recenseamento eleitoral’. O 
 Tribunal lembrou que ‘o princípio da igualdade não deve nem pode ser 
 interpretado em termos absolutos, impedindo nomeadamente que a lei discipline 
 diversamente quando diversas são as situações que o seu dispositivo visa 
 regular’, mas, ao mesmo tempo, que ‘há violação do princípio da igualdade quando 
 o legislador estabelece distinções discriminatórias. Assim é quando tais 
 distinções são materialmente infundadas, quando assentam em motivos que não 
 oferecem carácter objectivo e razoável; isto é, quando o preceito em apreço não 
 apresenta qualquer fundamento material razoável’. No caso em apreço, o Tribunal 
 considerou, em síntese, que a utilização da residência como critério de 
 preferência na colocação de clínicos gerais não se mostrava injustificada, 
 arbitrária ou irrazoável em face do princípio da igualdade, porquanto ‘uma maior 
 inserção do médico na zona onde é chamado a exercer funções não é irrelevante 
 
 «em termos de garantir uma maior qualidade do serviço a prestar»’. Para o 
 efeito, o Acórdão nº 44/84 não deixou de recordar o Parecer nº 1/76 da Comissão 
 Constitucional (in ParCC, 1º vol., pp. 5ss), onde, justamente a propósito de uma 
 preferência baseada na residência para a recondução ou colocação de professores 
 em estabelecimentos de ensino na Região Autónoma da Madeira, bem como no acesso 
 a estágios nesses estabelecimentos, se deixou afirmado:
 
      ‘(...) poderá sustentar-se que elevar a critério de preferência a 
 residência anterior no lugar do posto de trabalho pretendido, mais do que criar 
 um privilégio pessoal, corresponde a dar relevância a um factor que importa ao 
 bem do serviço público, por ser de presumir que a qualidade e o rendimento deste 
 subirão se o funcionário se achar integrado no ambiente social correspondente ao 
 local onde é chamado a desempenhar a sua função. 
 
      Acresce que a residência – relação entre a pessoa e o lugar onde ela centra 
 a sua vida – não é algo que de uma vez para sempre se defina, não é algo que 
 adira ao homem como qualidade ou marca dele inseparável (sob este aspecto, é 
 flagrante o contraste com a origem, ainda mais do que com a nacionalidade).
 
      Por isso mesmo, a preferência que em certas condições tome por base a 
 residência não é de natureza a criar desigualdades estruturais entre cidadãos, 
 aí onde existir um mínimo de mobilidade da população’.
 
          Mais recentemente, o Tribunal Constitucional, numa situação onde estava 
 justamente em causa uma pretensa desigualdade no recrutamento de professores 
 
 (Acórdão nº 412/02, in D.R., II Série, de 16-12-2002), recordou que o princípio 
 da igualdade abrange fundamentalmente três dimensões ou vertentes: a proibição 
 do arbítrio, a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, 
 significando a primeira, a imposição da igualdade de tratamento para situações 
 iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente 
 desiguais (tratar igual o que é igual; tratar diferentemente o que é diferente); 
 a segunda, a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em 
 critérios subjectivos (v.g., ascendência, sexo, raça, língua, território de 
 origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação 
 económica ou condição social); e a última surge como forma de compensar as 
 desigualdades de oportunidades. 
 
          Nesse acórdão, o Tribunal apoiou-se ainda em duas anteriores decisões 
 suas, começando por citar o que se disse no Acórdão nº 180/99 (in AcTC, 43º vol, 
 pp. 135ss):
 
        ‘(...) O Tribunal Constitucional tem considerado que o princípio da 
 igualdade impõe que situações da mesma categoria essencial sejam tratadas da 
 mesma maneira e que situações pertencentes a categorias essencialmente 
 diferentes tenham tratamento também diferente. Admitem‑se, por conseguinte, 
 diferenciações de tratamento, desde que fundamentadas à luz dos próprios 
 critérios axiológicos constitucionais. A igualdade só proíbe discriminações 
 quando estas se afiguram destituídas de fundamento racional [cf., nomeadamente, 
 os Acórdãos nºs 39/88, 186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 11º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16º vol. (1990), pp. 383 e ss., 
 
 395 e ss. e 411 e ss., respectivamente; cf., igualmente, na doutrina, Jorge 
 Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 2ª ed., 1993, p. 213 e ss., 
 Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., 1993, pp. 564-5, e Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 1993, 
 p.125 e ss.]’.
 
          Lembrou, depois, a linha argumentativa do Acórdão nº 409/99 (in AcTC, 
 vol. 44º, pp 461ss): 
 
        ‘O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da 
 República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente 
 igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na 
 verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da 
 discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que 
 estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam 
 distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente 
 não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O 
 princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa 
 ideia geral de proibição do arbítrio (cf., quanto ao princípio da igualdade, 
 entre outros, os Acórdãos nºs 186/90,187/90,188/90,1186/96 e 353/98, publicados 
 in “Diário da República”, respectivamente, de 12 de Setembro de 1990, 12 de 
 Fevereiro de 1997, e o último, ainda inédito).’
 
          Assente a possibilidade de estabelecimento de diferenciações, 
 tornar-se-á depois necessário proceder ao controlo das normas sub judicio, feito 
 a partir do fim que visam alcançar, à luz do princípio da proibição do arbítrio 
 
 (Willkürverbot) e, bem assim, de um critério de razoabilidade.             
 Com efeito, é a partir da descoberta da ratio da disposição em causa que se 
 poderá avaliar se a mesma possui uma ‘fundamentação razoável’ (vernünftiger 
 Grund), tal como sustentou o ‘inventor’ do princípio da proibição do arbítrio, 
 Gerhard Leibholz (cf. F. Alves Correia, O plano urbanístico e o princípio da 
 igualdade, Coimbra, 1989, pp. 419ss). Essa ideia é reiterada entre nós por Maria 
 da Glória Ferreira Pinto: ‘[E]stando em causa (...) um determinado tratamento 
 jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais 
 situações como iguais ou desiguais é determinado directamente pela 'ratio' do 
 tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim 
 a atingir com o referido tratamento jurídico. A 'ratio' do tratamento jurídico 
 
 é, pois, o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério’ 
 
 (cf. Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula 'carregada' de sentido?, 
 sep. do Boletim do Ministério da Justiça, nº 358, Lisboa, 1987, p. 27). E, mais 
 adiante, opina a mesma Autora: ‘[O] critério valorativo que permite o juízo de 
 qualificação da igualdade está, assim, por força da estrutura do princípio da 
 igualdade, indissoluvelmente ligado à 'ratio' do tratamento jurídico que o 
 determinou. Isto não quer, contudo, dizer que a 'ratio' do tratamento jurídico 
 exija que seja este critério, o critério concreto a adoptar, e não aquele outro, 
 para efeitos de qualificação da igualdade. O que, no fundo, exige é uma conexão 
 entre o critério adoptado e a 'ratio' do tratamento jurídico. Assim, se se 
 pretender criar uma isenção ao imposto profissional, haverá obediência ao 
 princípio da igualdade se o critério de determinação das situações que vão ficar 
 isentas consistir na escolha de um conjunto de profissionais que se encontram 
 menosprezados no contexto social, bem como haverá obediência ao princípio se o 
 critério consistir na escolha de um rendimento mínimo, considerado indispensável 
 
 à subsistência familiar numa determinada sociedade’ (ob. cit., pp. 31-32).
 
          Também a jurisprudência constitucional se orienta nesse sentido. Assim, 
 o Tribunal Constitucional alemão já teve ensejo de afirmar que ‘(...) um 
 tratamento arbitrário é aquele que (...) não é compreensível por uma apreciação 
 razoável das ideias dominantes da Lei Fundamental’ (42 BVerfGE 64, 74) e que 
 
 ‘[A] máxima da igualdade é violada quando para a diferenciação legal ou para o 
 tratamento legal igual não é possível encontrar um motivo razoável, que surja da 
 natureza das coisas ou que, de alguma outra forma, seja compreensível em 
 concreto, isto é, quando a disposição tenha de ser qualificada como arbitrária’ 
 
 (1 BVerfGE 14, 52; mais recentemente, cf. 12 BVerfGE 341, 348; 20 BVerfGE 31, 
 
 33; 30 BVerfGE 409, 413; 44 BVerfGE 70, 90; 51 BVerfGE 1, 23; 60 BVerfGE 101, 
 
 108). 
 Caminhos idênticos foram percorridos pelo Tribunal Constitucional português (a 
 título meramente exemplificativo, cf. os Acórdãos nºs 44/84, 186/90, 187/90 e 
 
 188/90, in AcTC, 3º vol., pp. 133ss, e 16º vol., pp. 383 ss, 395ss e 411ss, 
 respectivamente). No Acórdão nº 39/88, o Tribunal teve ocasião de dizer: ‘[O] 
 princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. 
 Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento 
 sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação 
 razoável, segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes 
 
 (...)’ (in AcTC, 11º vol., pp. 233ss). E, curiosamente, também nos Estados 
 Unidos se alude à necessidade de, no estabelecimento de diferenciações, obedecer 
 a um cânone de razoabilidade (reasonableness) (cf. J. Tussman e J. tenBroek, 
 
 ‘The equal protection of the laws’, California Law Review, nº 37, 1949, p. 344, 
 cit. por Gianluca Antonelli, ‘La giurisprudenza italiana e statunitense sul 
 principio di solidarietà’, Studi parlamentari e di politica costituzionale, nºs. 
 
 125-126, 1999, p. 89; sobre o princípio da razoabilidade na jurisprudência 
 norte-americana, cf. Giovanni Bognetti, ‘Il principio di ragionevolezza e la 
 giurisprudenza della Corte Suprema degli Stati Uniti’, in AA.VV., Il principio 
 di ragionevolezza nella giurisprudenza della Corte Costituzionale. Riferimenti 
 comparatistici, Milão, 1994, pp. 43ss). 
 
          Neste domínio em especial, merece destaque a evolução da jurisprudência 
 constitucional italiana que, tendo firmado em termos absolutos a ideia da 
 discricionariedade do legislador (sentenze nºs 28/1957 e 56/1958), veio pouco 
 depois indagar se uma dada lei se apresentava ‘destituída de qualquer 
 justificação’ e se a mesma detinha uma ‘razão idónea’ (sentenza nº 46/1959). Na 
 sentenza nº 15/1960, a Corte disse que era sua jurisprudência constante 
 considerar que ‘(...) o princípio da igualdade é violado mesmo quando a lei, sem 
 um motivo razoável, procede a um tratamento diverso de cidadãos que se encontram 
 em situação idêntica’. A doutrina, de seu lado, não andou longe destas 
 asserções: já Mortati afirmava, por exemplo, que o legislador tinha ‘a obrigação 
 de não violar as leis da lógica’ (Istituzioni di diritto pubblico, Pádua, 1958, 
 p. 715; mais recentemente, cf. a mesma obra, 9ª ed., actualizada, Pádua, 1976, 
 pp. 1412ss). Mais tarde, Carlo Lavagna teve a percepção clara da necessidade do 
 recurso a um princípio de razoabilidade - que definiu como ‘la utilizzazione 
 razionale dei contesti umani nella costruzione di norme sulla base delle 
 prescrizioni-fonte’ - e enunciou os diversos critérios da sua ponderação: a 
 correspondência (corrispondenza), o juízo sobre a finalidade (giudizio sulle 
 finalità), a pertinência (pertinenza), a congruência (congruità) meios/fins, a 
 coerência (coerenza), a evidência (evidenza) e, enfim, a motivação (motivazione) 
 
 (cf. ‘Ragionevolezza e legittimità costituzionale’, in Studi in memoria di Carlo 
 Esposito, vol. III, Pádua, 1973, pp. 1573ss). De igual modo, Vezio Crisafulli 
 reconheceu que o Tribunal, ao indagar de eventuais violações do princípio da 
 igualdade, fá-lo, designadamente, com base numa ‘cláusula geral de 
 razoabilidade’ (cf. Lezioni di diritto costituzionale, tomo II, 5ª ed., revista 
 e actualizada, Pádua, 1984, p. 372). Contrariando a tese do ‘racional como 
 razoável’ (Aulis Aarnio), Gustavo Zagrebelski veio distinguir a ideia de 
 racionalidade - que, em seu entender,  corresponderia à coerência lógica - da 
 ideia de razoabilidade, estando esta ligada a uma adequação aos valores de 
 justiça que funciona primacialmente como um vínculo negativo do legislador [cf. 
 La giustizia costituzionale, 2ª ed., Bolonha, 1988, pp. 147ss; idem, ‘Su tre 
 aspetti della ragionevolezza’, in AA.VV., Il principio..., cit., pp.179ss, em 
 esp. pp. 181-184 (onde parece aproximar os conceitos de razoabilidade e 
 racionalidade)]. E, justamente naquele primeiro sentido - isto é, no sentido de 
 uma racionalidade coerente -, aludiu o Tribunal Constitucional italiano, na sua 
 sentenza nº 204/1982, a um ‘cânone geral de coerência’ (generale canone di 
 coerenza) [cf., sobre a evolução jurisprudencial do Tribunal Constitucional 
 italiano, A. Agrò, ‘Commento all’art 3 Cost.’, in G. Branca (org.), Commentario 
 della Costituzione, vol. I, Bolonha e Roma, 1975, pp. 141ss; Paolo Barile, ‘Il 
 principio di ragionevolezza nella giurisprudenza della Corte Costituzionale’, in 
 AA.VV., Il principio..., cit., pp. 21ss; Livio Paladin, ‘Ragionevolezza 
 
 (principio di)’, in Enciclopedia del Diritto – Aggiornamento, vol. I, Milão, 
 
 1997, em esp. pp. 900ss].   
 Destaque-se, por outro lado, que também a jurisprudência do Conselho 
 Constitucional francês fez referência à necessidade de o legislador se nortear 
 por critères rationnels et objectifs. Particularmente no que respeita ao 
 princípio da igualdade perante os encargos públicos, o Conselho admitiu a 
 introdução de discriminações, desde que as mesmas se fundassem em critérios 
 objectivos e racionais - cf. as decisões 83-164 DC de 29-12-1983, 89-270 DC de 
 
 29-12-1989 e 91-298 DC de 24-7-1991, cits. por Louis Favoreu, ‘Conseil 
 Constitutionnel et ragionevolezza: d’un rapprochement improbable à une 
 communicabilité possible’, in AA.VV., Il principio..., cit., p. 224.  
 Interessa assinalar, por fim, que a mais recente jurisprudência do 
 Bundesverfassungsgericht procura, de certo modo, superar os limites estreitos da 
 teoria da proibição do arbítrio, aumentando, de certo modo, a ‘densidade do 
 controlo’ (Kontrolldichte), por meio de uma nova fórmula do seguinte teor: 
 
 ‘[E]sta norma constitucional (o artigo 3º, nº 1) obriga a tratar de modo igual 
 todos os homens perante a lei. Consequentemente, este direito fundamental é 
 sobretudo violado se um grupo de destinatários da norma em comparação com outros 
 destinatários da norma é tratado de modo diferente, sem que existam entre os 
 dois grupos diferenças de tal natureza (Art) e de tal peso (Gewicht) que possam 
 justificar o tratamento desigual’ (cf. F. Alves Correia, ob. cit., p. 425; v., 
 ainda, Dian Schefold, ‘Aspetti di ragionevolezza nella giurisprudenza 
 costituzionale tedesca’, in AA.VV., Il principio..., cit., pp. 121ss). 
 
 (…)
 
  (…) Tal proibição não alcança assim as discriminações positivas, em que a 
 diferenciação de tratamento se deve ter por materialmente fundada ao compensar 
 desigualdades de oportunidades. Mas deve considerar-se que inclui ainda as 
 chamadas ‘discriminações indirectas’, em que, e sempre sem que tal se revele 
 justificável de um ponto de vista objectivo, uma determinada medida, 
 aparentemente não discriminatória, afecte negativamente em maior medida, na 
 prática, uma parte individualizável e distinta do universo de destinatários a 
 que vai dirigida.
 
 (…)”
 
  
 
                         No contexto da postura que se colhe do que se veio de 
 extractar, porque se não postam – do modo que, aliás, já acima se deixou focado 
 
 – como situações exactamente iguais as dos trabalhadores de uma empresa pública 
 
 «criada» a partir de outras empresas privadas que, por intermédio de um 
 condicionalismo económico, financeiro, político e social muito peculiar, foram 
 objecto de uma nacionalização – nacionalização essa que, claramente, se foi 
 projectar no modo de actividade, gestão, administração e, até no domínio de 
 relações entre os trabalhadores dessas empresas e quem então figurava como 
 entidade patronal –, e aqueloutra de trabalhadores das empresas cujas entidades 
 empregadoras não sofreram tais vicissitudes, não pode deixar de considerar-se 
 que existe uma razão suficientemente idónea (o que o mesmo é dizer, com 
 fundamento atendível) ou racional para, relativamente aos primeiros, se 
 salvaguardar a corte de direitos e obrigações que, por instrumento de regulação 
 colectiva de trabalho, lhes vieram a ser conferidos já no domínio da 
 nacionalização, mesmo que uma tal salvaguarda se possa visualizar globalmente 
 como conferente de uma posição jurídica mais favorável relativamente aos 
 segundos, caracterizando-se, assim, essa salvaguarda como algo representativo de 
 uma «discriminação positiva».
 
  
 
                         Poder-se-ia, inclusivamente, sustentar que foi o 
 reconhecimento da própria não identidade de situações entre os trabalhadores das 
 empresas resultantes da nacionalização e dos das demais que levou o legislador 
 constituinte a gizar norma tal como a que se surpreende na alínea c) do artigo 
 
 296º da versão da Lei Fundamental advinda da Lei Constitucional nº 1/89 e que 
 ainda hoje se mantém [cfr. alínea c) do nº 1 do artigo 293º].
 
  
 
  
 
                         4. Pelo que se deixa dito, nega-se provimento ao 
 recurso, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de 
 justiça em vinte unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 16 de Novembro de 2005
 
  
 Bravo Serra
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 Gil Galvão
 Artur Maurício