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Processo n.º 117/04
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 A - Relatório
 
  
 
             1 – CP-Caminhos de Ferro Portugueses, EP, melhor identificada nos 
 autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (“LTC”), do Acórdão do Supremo 
 Tribunal Administrativo, de 9 de Dezembro de 2003, pretendendo ver apreciada a 
 constitucionalidade do artigo 8.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 65/77, de 26 de 
 Agosto, quando interpretado no sentido de que compete exclusivamente aos 
 sindicatos e aos trabalhadores a definição em concreto dos serviços mínimos 
 durante a greve, por violação do disposto nos artigos 55.º, 56.º, 61.º, n.º 1, e 
 
 199.º, alíneas f) e g), da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
             2 - Conforme resulta dos autos, o Sindicato A. interpôs, para o 
 Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso do despacho conjunto do 
 Secretário de Estado dos Transportes e do Secretário de Estado do Trabalho e 
 Formação de 28 de Abril de 2000 – proferido no primeiro dia de uma greve 
 decretada pelo aí recorrente e onde se definiam, em concreto, os “serviços 
 mínimos” que deviam ser assegurados –, imputando-lhe vários vícios de violação 
 de lei.
 
             Por Acórdão de 14 de Janeiro de 2003, a 2.ª Subsecção da Secção de 
 Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, tendo concluído 
 que “o Governo actuou fora do âmbito das suas atribuições, em violação do 
 disposto no artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto”, concedeu 
 provimento ao recurso.
 
  
 
             3 - Inconformada, a ora Recorrente interpôs recurso para o Pleno da 
 Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, tendo 
 sintetizado a sua argumentação discursiva na apresentação das seguintes 
 conclusões:
 
  
 
 “ (...)
 I.                            A exigência de garantia dos serviços mínimos 
 constitui uma limitação legítima ao exercício do direito de greve;
 
  
 II.                         O n.º 1 do artigo 8º da Lei da Greve, ao determinar 
 que 'nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de 
 necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os 
 trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços 
 mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades', 
 estabelece uma obrigação, isto é, constitui sindicatos e trabalhadores numa 
 posição jurídica passiva;
 
  
 III.                      Ora, salvo o devido respeito, não parece lógico, nem 
 razoável, transformar uma obrigação num direito, um dever numa prerrogativa ou 
 uma posição jurídica passiva numa posição jurídica activa;
 
  
 IV.                       A Lei da Greve é clara quando, neste domínio, impõe 
 uma obrigação que tem como destinatários os sindicatos e os trabalhadores. E, 
 por isso mesmo, não se descortina de que forma pode esta obrigação ser 
 transformada na atribuição de um poder a estes sujeitos privados;
 
  
 V.                          Da mesma forma, não parece lógico, nem razoável, que 
 o conteúdo desta obrigação, que se consubstancia, como se referiu, numa 
 limitação ao exercício do direito de greve, seja definido pelos sujeitos 
 passivos, pelos destinatários dessa exigência, por aqueles cujo direito é 
 limitado;
 
  
 VI.                       Estranho seria, com efeito, que fossem os sindicatos e 
 os trabalhadores - aqueles que estão vinculados à prestação dos serviços mínimos 
 
 - a definir a extensão dessa vinculação. Como seria estranho que fossem 
 sindicatos e trabalhadores - aqueles cujo direito de greve é limitado - a 
 estabelecer, em cada caso, a extensão dessa limitação do próprio direito;
 
  
 VII.                    O n.º 1 do artigo 8º da Lei da Greve apenas impõe uma 
 vinculação - a prestação de serviços mínimos -, fixando os seus destinatários - 
 sindicatos e trabalhadores. Mas nada diz quanto à definição dos serviços 
 mínimos; 
 
  
 VIII.                 A declaração de inconstitucionalidade assentou, única e 
 exclusivamente, em fundamentos de índole formal (processual) e que o Tribunal 
 Constitucional, no Acórdão n.º 289/92, de 2 de Setembro de 1992 (in Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 23º volume, pág. 7 e ss.), considerou materialmente 
 conforme à Constituição a possibilidade de intervenção do Governo na fixação dos 
 serviços mínimos;
 
  
 IX.                       O artigo 8º da Lei da Greve, na redacção vigente, não 
 resolve, pois, a questão da definição dos serviços mínimos. Ora, por força desta 
 Lei e, desde 1997, também da Constituição (n.º 3 do artigo 57º) é imposta, como 
 limitação ao direito de greve, a obrigação de prestação de serviços mínimos. 
 Essa limitação funda-se na tutela de interesses gerais da comunidade e tutela de 
 direitos fundamentais dos cidadãos;
 
  
 X.                          Assim, na falta de uma disposição que, neste 
 particular, determine a quem cabe a fixação desses serviços, necessariamente se 
 terá de recorrer aos princípios e regras gerais - com efeito, e como escreve 
 MENEZES CORDEIRO, 'num prisma mais ligado à decisão, pode dizer-se que, em cada 
 problema concreto, não se aplica esta ou aquela norma particularmente 
 vocacionada para nele intervir: é sempre o Direito em bloco (...) que, em cada 
 saída jurídica, intervém';
 
  
 XI.                       É, justamente, por força destes princípios e regras 
 gerais que, fatalmente, se terá de concluir que cabe em geral ao Governo, no 
 exercício da competência administrativa, garantir 'a execução da lei no tocante 
 
 à satisfação de necessidades colectivas a cargo do Estado-colectividade';
 
  
 XII.                    Competências, em suma, claramente delineadas no artigo 
 
 199º da Constituição, cuja alínea f) faz incumbir ao Governo a defesa da 
 legalidade democrática, enquanto que a alínea g) lhe atribui competência para 
 
 'praticar todos os actos e tomar todas as providências necessárias à promoção do 
 desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades colectivas';
 
  
 XIII.                 Não se trata, portanto, de uma competência presumida ou 
 ficcionada. Muito pelo contrário, é uma competência que se infere da conjugação 
 sistemática dos preceitos constitucionais e legais pertinentes, como se 
 reconheceu no Parecer da PGR n.º 1/99;
 
  
 XIV.                 Assim, ao contrário do que se afirma no Acórdão recorrido, 
 os n.ºs 1 e 2 do artigo 8º da Lei da Greve não permitem - nem no plano literal, 
 nem nos planos lógico e substancial - sustentar um qualquer poder dos sindicatos 
 e dos trabalhadores quanto à fixação dos serviços mínimos, sob pena de 
 inconstitucionalidade (violando o referido artigo 199º da Constituição);
 
  
 XV.                    Quando a lei refere os sindicatos e os trabalhadores não 
 opera, com isso, uma rígida distribuição de tarefas, Limita-se, apenas e só, a 
 reconhecer que a greve pode ser decretada e gerida tanto por sindicatos como, 
 directamente, pelos trabalhadores, que para o efeito poderão constituir 
 estruturas ad hoc (art.ºs 2º e 3º da Lei da Greve);
 
  
 XVI.                 Por outro lado, não pode dizer-se que, na medida em que as 
 associações sindicais não efectuam, por si, qualquer prestação, o sentido da 
 obrigação a que se refere o n.º 1 do artigo 8º da Lei da Greve se prende com a 
 gestão da prestação de serviços mínimos;
 
  
 XVII.              Seria, aliás, absurdo pretender que a gestão dos serviços 
 mínimos pudesse ser directamente assegurada pelos sindicatos: tal envolveria que 
 o funcionamento, no seio de cada empresa, de tais serviços fosse dirigido pelas 
 associações sindicais; 
 
  
 XVIII.           Não pode, como é evidente, ser este o sentido do n.º 1 do 
 artigo 8º da Lei da Greve; 
 
  
 XIX.                 Por outro lado, também não procede a argumentação para a 
 conclusão formulada no douto aresto em recurso assente na circunstância de a 
 intervenção do Governo ter ocorrido logo no primeiro dia do processo grevista e 
 não ter invocado o incumprimento, em concreto, das obrigações decorrentes do n.º 
 
 1 do artigo 8º da Lei da Greve, pelo que o Governo teria actuado 'fora do âmbito 
 das suas atribuições, em violação do disposto no artigo 8º, n.ºs 1 e 2, da Lei 
 n.º 65/77”;
 
  
 XX.                    Se bem entendemos, este raciocínio tem por premissa a 
 ideia de que a competência do Governo se cinge às hipóteses referidas no n.º 4 
 do artigo 8º da Lei da Greve, razão pela qual apenas poderia intervir em caso de 
 incumprimento dos serviços mínimos; 
 
  
 XXI.                 Trata-se, como se referiu, de entendimento que não 
 aceitamos e que, a nosso ver, não tem base legal; 
 
  
 XXII.              Na verdade, os valores fundamentais e eminentes que 
 fundamentam a imposição da obrigação de assegurar os serviços mínimos postulam, 
 necessariamente, uma definição a anteriori por forma a evitar a lesão dos 
 interesses gerais da comunidade ou dos direitos fundamentais dos cidadãos; 
 
  
 XXIII.           Acresce que no douto Acórdão recorrido não foram devidamente 
 ponderadas as circunstâncias referidas na fundamentação do despacho de fixação 
 dos serviços mínimos, designadamente a frustração das tentativas de definição 
 por acordo dos serviços mínimos;
 
  
 XXIV.            Com o devido respeito, pela nossa parte, consideramos que o 
 entendimento que o Acórdão recorrido perfilhou, para além de não ter apoio 
 constitucional ou legal, fere o quadro constitucional de competências cometido 
 ao Governo e é susceptível de legitimar lesões de interesses gerais da 
 comunidade e de direitos fundamentais dos cidadãos, uns e outros objecto de 
 tutela constitucional; 
 
  
 XXV.               O entendimento do Acórdão recorrido é tanto mais estranho 
 quanto em face do quadro constitucional e legal vigente os sindicatos se 
 apresentam como puros sujeitos de direito privado, cuja representação é 
 naturalmente limitada pelo interesse colectivo da categoria sindical definida 
 nos seus estatutos; 
 
  
 XXVI.            Não se alcança, de facto, como se possa atribuir a estes 
 sujeitos um poder que vai muito para além dessa representação e se prende com 
 interesses alheios aos da categoria sindical; 
 
  
 XXVII.         Trata-se, a nosso ver, de um entendimento que colide com a 
 própria visão constitucional das associações sindicais, introduzindo uma 
 componente publicística de representação de interesses gerais que é, de todo, 
 alheia à abordagem da Constituição, assente numa leitura privatística da 
 autonomia colectiva; 
 
  
 XXVIII.      Com efeito, não se pronunciando a lei vigente expressamente sobre a 
 atribuição da referida competência, a solução surge naturalmente ponderados os 
 interesses que estão em causa na prestação de serviços mínimos, e a entidade a 
 quem, em termos gerais, se defere a competência para prover a tais interesses e 
 para praticar os actos que para tanto se mostrem necessários é, nos termos das 
 alíneas f) e g) do artigo 199º da Constituição, o Governo; 
 
  
 XXIX.            O qual, para além de mais, não é parte no conflito colectivo em 
 cujo desenvolvimento se desencadeia a greve e está, em absoluto, submetido a um 
 especial dever de objectividade e imparcialidade, garantido por toda uma 
 panóplia de instrumentos jurídicos que garantem aos cidadãos o controlo dos seus 
 actos governamentais praticados no exercício da função administrativa. 
 
  
 XXX.               Assim, o douto Acórdão recorrido violou, na melhor 
 interpretação, o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 8º da Lei da Greve, bem como 
 as alínea f) e g) do artigo 199º da Constituição.
 
  
 
 (...)”.
 
  
 
             4 - Por Acórdão de 9 de Dezembro de 2003, o Supremo Tribunal 
 Administrativo decidiu manter a decisão recorrida, louvando-se na argumentação 
 que infra se passa a transcrever:
 
             
 
 “(...)
 
 3.1 Em causa está o Acórdão da Secção, de 14-1-03, que, concedendo provimento ao 
 recurso contencioso interposto pelo Sindicato A., declarou a nulidade do 
 despacho conjunto do Secretário de Estado dos Transportes e do Secretário de 
 Estado do Trabalho e Formação, de 28-4-00, que fixou os serviços mínimos para a 
 greve convocada pelo aludido Sindicato.
 Para assim decidir, o referido aresto considerou, no essencial, que a actuação 
 do Governo, consubstanciada no questionado despacho, se situou fora do âmbito 
 das suas atribuições, com violação do disposto no artigo 8°, n.ºs 1 e 2, da Lei 
 n.º 65/77, de 26/8, deste modo incorrendo na nulidade prevista no artigo 133°, 
 n° 2, alínea b), do CPA.
 E, isto, fundamentalmente, por se ter entendido que, no caso em apreço, era ao 
 Sindicato e não ao Governo que competia a fixação dos serviços mínimos.
 
 3.2 Contudo, esta postura não é compartilhada pelo agora Recorrente, que 
 sustenta a legalidade do mencionado despacho conjunto, uma vez que era 
 efectivamente ao Governo que incumbia a aludida fixação, daí que, ao ter 
 decidido diversamente, o Acórdão recorrido tenha inobservado os n.ºs 1 e 2 do 
 citado artigo 8°, bem como o disposto nas alíneas f) e g) do artigo 199° da CRP.
 
  3.3 Não lhe assiste razão.
 Na verdade, o Acórdão recorrido perfilhou o entendimento que tem sido afirmado 
 repetidas vezes por este STA no concernente à questão de saber a quem compete 
 fixar os serviços mínimos, no caso de greve, sendo que, apesar do esforço 
 argumentativo que se pode surpreender nas alegações do Recorrente, o que é certo 
 
 é que tais argumentos não são de molde a fazer inverter tal posição 
 jurisprudencial que, aqui, se sufraga.
 Como expressão do já aludido entendimento jurisprudencial podemos citar, entre 
 outros, os Acs. deste Pleno, de 26-12-97 - Rec. 32105, de 18-1-00 - Rec. 37353 e 
 da Secção, de 19-12-96 - Rec. 31816 e de 12-5-99 - Rec. 32378.
 Ora, como se assinala no dito Acórdão deste Pleno, de 26-11-97, '...sendo 
 contenciosamente recorrido o despacho conjunto que nos termos do...art. 8° fixou 
 os serviços mínimos, assume decisiva importância na resolução do presente 
 recurso o Ac. do Tribunal Constitucional de 4/7/96, publicado no DR I Série de 
 
 16/10/96, que declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade das 
 normas contidas nos n.ºs 2, al. g), 4, 5, 7, 8 e 9 do art. 8° da Lei n° 65/77, 
 por violação do art. 171°, n° 2, da CRP e, consequencialmente, do n.° 6 do mesmo 
 artigo, não tendo o Tribunal lançado mão da faculdade conferida pelo n.° 4 do 
 art. 282° da CRP, na redacção então vigente.
 A declaração de inconstitucionalidade impõe-se a este Tribunal...
 E a primeira questão que surge com relevância, considerando o grau de invalidade 
 que o despacho contenciosamente recorrido pode determinar, é a de saber se se 
 inseria na esfera de atribuições dos membros do Governo que subscreveram o 
 despacho conjunto...a fixação dos serviços mínimos a prestar pelos trabalhadores 
 durante a greve decretada.'
 Por força da mencionada declaração de inconstitucionalidade não pode apelar-se 
 ao disposto no n.° 6 do dito artigo 8° para legitimar o uso daqueles poderes.
 Cumpre ainda realçar que, uma vez repristinado o art. 8° da Lei da Greve, na sua 
 redacção original, nem nele nem em qualquer outra norma da mesma Lei se atribui 
 expressamente aos membros do Governo o poder de fixar os 'serviços mínimos'. 
 Substancialmente inovatória seria, assim, a norma do n° 6 do art. 8° aditada 
 pelo Lei n° 30/92.
 Há, no entanto, que ir mais longe para apurar se na redacção original do art. 8° 
 se pode surpreender, implícita, a atribuição daquele poder a quem no caso o 
 exerceu ou a outra ou outras entidades.
 Duas são as obrigações durante a greve que o art. 8° impõe às 'associações 
 sindicais' e aos 'trabalhadores': a prestação dos serviços necessários à 
 segurança e manutenção do equipamento e instalações (n.º 4) e a prestação de 
 serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais 
 impreteríveis, desde logo se indicando, exemplificativamente, os sectores onde 
 se integram empresas e estabelecimentos que se destinam à satisfação dessas 
 necessidades.
 No que a esta última obrigação concerne, não concretiza a lei, nem a título 
 exemplificativo, quais são os serviços mínimos a prestar.
 Não o faz, nem certamente o podia fazer, considerando a multiplicação de 
 situações configuráveis quando ocorre uma greve. E por isso ela se basta com uma 
 
 'cláusula geral' - serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades 
 sociais impreteríveis - a ser preenchida de acordo com as circunstâncias 
 concretas de cada caso.
 Não há, também, qualquer preceito - diferentemente do que viria a acontecer com 
 as alterações introduzidas pela Lei n.° 30/92 - que, decretada uma greve, 
 imponha a definição prévia dos serviços mínimos a prestar, o que obviamente não 
 significa, no plano natural das coisas, que, antes do início da greve, essa 
 definição se não faça com maiores ou menores formalidades.
 A verdade é que nem sequer o art. 8° utiliza em qualquer dos seus números o 
 termo 'definição'.
 Esta não imposição de definição prévia, por quem quer que seja, começa, desde 
 logo, a apontar para a falta de apoio legal de um acto autoritário dos membros 
 do Governo que estabeleça os serviços mínimos a prestar.
 Não há por outro lado que esquecer que os destinatários directos da norma são os 
 trabalhadores e as associações sindicais a quem, nos termos do art. 57°, n.° 2, 
 da CRP, compete definir o âmbito dos interesses a defender através da greve.
 Este aspecto - o de serem os trabalhadores os destinatários directos da norma - 
 foi aliás valorizado no Parecer da PGR, de 8/7/82, publicado in BMJ n.° 325/247, 
 onde se escreveu:
 
 «Do que já se deixou relatado sobre os trabalhos parlamentares respectivos, 
 conclui-se que resultou de uma nítida opção legislativa o repúdio da fixação na 
 lei, em forma taxativa, das actividades destinadas à satisfação de necessidades 
 sociais impreteríveis, adoptando-se uma formulação suficientemente maleável, com 
 a adjuvante de uma indicação exemplificativa, para permitir aos trabalhadores, 
 como imediatos destinatários da norma, no exercício responsável do seu direito à 
 greve, reconhecerem as empresas ou estabelecimentos destinados à satisfação 
 daquelas necessidades e concretizarem então os serviços a prestar como o mínimo 
 indispensável para ocorrer a essa satisfação ou os necessários à segurança e 
 manutenção do equipamento e instalações, assim se colocando ao abrigo de uma 
 eventual requisição ou mobilização»...
 Idêntico entendimento foi adoptado no Ac. deste STA de 28/1/92, in 
 
 'Apêndices...', págs. 417 e segs. (igualmente seguido pelo Ac. de 19-12-96 – P.º 
 
 31816) onde a propósito da fixação dos serviços mínimos pelos órgãos da empresa 
 se escreveu:
 
 «Com efeito, não cabe aos órgãos da empresa o dever legal de fixação de 
 quaisquer serviços mínimos a prestar pelas associações sindicais e pelos 
 trabalhadores em greve,....
 Efectivamente, nos termos do disposto no art. 8°, n.° 1, da Lei da Greve, a 
 definição dos serviços mínimos indispensáveis cabe em primeira linha às próprias 
 associações sindicais e aos trabalhadores em greve, são estes que, nos termos da 
 lei, têm de assegurar esses serviços mínimos.»
 Parece, com efeito, ser esta a melhor doutrina que se pode extrair do artigo 8° 
 da Lei da Greve na sua redacção original. 
 Poderia objectar-se - objecção que, de todo o modo, se situaria mais no plano do 
 direito a constituir - com os riscos de um tal regime, colocando nas mãos dos 
 trabalhadores em greve a determinação do que constituem as necessidades sociais 
 impreteríveis e o modo de as satisfazer.
 Mas não é assim.
 Na verdade, o instrumento da requisição civil sempre poderá funcionar, no âmbito 
 do art. 8º da Lei da Greve, na redacção repristinada, sem estar condicionada à 
 eventual 'definição' que os trabalhadores façam dos serviços mínimos a prestar, 
 bastando que os membros do Governo entendam no preenchimento da aludida 
 
 'cláusula geral' que os trabalhadores em greve não estão a assegurar a 
 satisfação das necessidades sociais impreteríveis.
 Em suma, pois, não se vê que o art. 8° da Lei da Greve, expurgado das normas 
 julgadas inconstitucionais, permita uma definição governamental autoritária dos 
 serviços mínimos a prestar, pelo que está  fora das suas atribuições fazê-lo...'
 Temos, assim, que bem andou o Acórdão recorrido ao ter por nulo o despacho 
 conjunto objecto de impugnação contenciosa. 
 De facto, como já se viu, tal aresto insere-se na jurisprudência reiteradamente 
 afirmada por este STA e que, aqui, se coonesta, não se vendo razões válidas que 
 conduzam a diferente solução, não a autorizando, seguramente, o disposto nas 
 alíneas f) e g) do artigo 199° da CRP.
 
 É que, contra o que defende nas suas alegações o Recorrente, o entendimento 
 acolhido no Acórdão da Secção não contende com o preceituado nos citados 
 preceitos constitucionais, na medida em que nele nada se afirma em contrário do 
 regime decorrente das ditas normas, não atentando contra o quadro constitucional 
 de competências do Governo.
 Improcedem, assim, todas as conclusões da alegação do Recorrente.
 
  
 
                         (...)”.
 
  
 
  
 
             5 - Novamente inconformada, a CP–Caminhos de Ferro Portugueses, 
 E.P., interpôs, nos termos já mencionados, recurso para o Tribunal 
 Constitucional e, após ordenada a produção de alegações, veio sustentar, em 
 conclusão, que:
 
             
 
 “(...)
 
      I. A interpretação dada ao artigo 8º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 65/77, de 26 de 
 Agosto, no Acórdão de 14.01.2003, do Supremo Tribunal Administrativo e sufragada 
 no Acórdão de 9.12.2003 do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal 
 Administrativo, ora recorrido, fere o quadro constitucional de competências 
 cometido ao Governo, é susceptível de legitimar lesões de interesses gerais da 
 comunidade e de direitos fundamentais dos cidadãos, com tutela constitucional, 
 envolve uma expropriação ilegítima dos poderes empresariais e assenta numa 
 perspectiva que colide com a própria visão constitucional das associações 
 sindicais.
 
  
 II. O sentido normativo que a jurisprudência, esmagadoramente maioritária (senão 
 mesmo unânime), do Supremo Tribunal Administrativo tem retirado do artigo 8º, 
 n.º 1 e n.º 2, da Lei da Greve não pode deixar de se considerar 
 inconstitucional.
 
  
 III. A competência do Tribunal Constitucional não se pode esgotar na 
 fiscalização da norma mas deve comportar a do próprio processo interpretativo, 
 ou seja, os resultados da sua aplicação/interpretação.
 
  
 IV. A exigência de garantir serviços mínimos constitui uma limitação ao 
 exercício do direito de greve e o n.º 1 do artigo 8º da Lei da Greve estabelece 
 uma obrigação, constitui os sindicatos e trabalhadores numa posição jurídica 
 passiva. 
 
  
 V. O conteúdo desta obrigação não pode ser definido pelos sujeitos passivos da 
 obrigação, pelos destinatários desta exigência, por aqueles cujo direito é 
 limitado.
 
  
 VI. A definição dos serviços mínimos e a gestão do seu cumprimento projectam-se 
 directamente na conformação do modo de funcionamento da organização empresarial.
 
  
 VII. A adequação da empresa à satisfação das necessidades sociais impreteríveis, 
 como os serviços mínimos, e ainda os necessários a garantir a segurança e 
 manutenção do equipamento e instalações, bem como a gestão dos trabalhadores 
 afectos ao cumprimento destes serviços são prerrogativas empresariais, que 
 decorrem da liberdade, constitucionalmente reconhecida, de organização e gestão 
 das empresas.
 
  
 VIII. Por força da posição sustentada pelo Supremo Tribunal Administrativo, o 
 processo de greve envolveria uma expropriação temporária dos poderes 
 empresariais, e levaria a que fossem atribuídos, por força da declaração de 
 greve, às associações sindicais e trabalhadores grevistas, poderes de 
 conformação da organização empresarial e de gestão dos próprios meios de 
 produção, que não lhe são reconhecidos fora de uma situação de greve.
 
  
 IX. A conciliação entre os direitos reconhecidos às entidades representativas 
 dos trabalhadores e os direitos e prerrogativas decorrentes do reconhecimento 
 constitucional da liberdade de gestão da empresa, passa pela compressão dos 
 poderes empresariais, pela procedimentalização do exercício destes poderes, pela 
 atribuição de direitos de participação nas decisões, pela sujeição a um controlo 
 externo ou a instâncias negociais. Porém, a assunção dos poderes do empregador 
 pelos trabalhadores e pelas organizações que os representam não encontra 
 qualquer fundamento na Constituição.
 
  
 X. A previsão de serviços mínimos, contida no n.º 3 do art.º 57° da CRP, visa, 
 claramente, legitimar a possibilidade de restrição do exercício do direito de 
 greve quando estejam em causa os valores aí salvaguardados.
 
  
 XI. Assim, os n.ºs 1 e 2 do art. 8º da Lei da Greve não podem ser interpretados 
 numa lógica expansiva, por forma a reconhecer aos sindicatos e aos 
 trabalhadores, em caso de greve em empresa que garanta a satisfação de 
 necessidades impreteríveis, poderes de ingerência na organização e gestão 
 empresariais, de que claramente não dispõem quando não exista uma situação de 
 conflito e greve.
 
  
 XII. A interpretação feita dos n.º 1 a 3 do art.º 8º da Lei da Greve, no Acórdão 
 de 9 de Dezembro de 2003 do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal 
 Administrativo, na medida em que os transforma em preceitos que facultam a 
 intromissão, à revelia da Constituição, no exercício da liberdade de empresa, 
 deve ser considerada inconstitucional, nomeadamente por violação do n.º 1 do 
 art.º 61º da Constituição.
 
  
 XIII. Em caso de greve susceptível de atingir a prestação de bens fundamentais, 
 a defesa e protecção destes é tarefa do Governo, ao qual cabe, nos termos da 
 Constituição, defender a legalidade democrática e praticar todos os actos e 
 tomar todas as medidas necessárias à satisfação das necessidades colectivas 
 fundamentais.
 
  
 XIV. A limitação constitucional do direito de greve que resulta da obrigação de 
 prestação de serviços mínimos funda-se na tutela de interesses gerais da 
 comunidade e tutela de direitos fundamentais dos cidadãos.
 
  
 XV. Na falta de disposição concreta que determine a quem cabe a fixação desses 
 serviços ter-se-á que recorrer aos princípios e regras gerais, apontando estes 
 necessariamente para a conclusão de que cabe ao Governo, no exercício da 
 competência administrativa, garantir a execução da lei no que diz respeito à 
 garantia das necessidades colectivas a cargo do Estado.
 
  
 XVI. Estas competências estão claramente expressas no art.º 199º da CRP, sendo 
 particularmente relevante para o caso a sua alínea f) (que faz incumbir ao 
 Governo a defesa da legalidade democrática) e sobretudo a alínea g), que, como é 
 sabido, atribui ao Governo competência para praticar todos os actos e tomar 
 todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social 
 e à satisfação das necessidades colectivas.
 
  
 XVII. O douto Acórdão recorrido põe em causa a competência constitucional da 
 Administração e do Governo como seu órgão máximo, na definição das condições de 
 prestação dos serviços mínimos, em cumprimento, de resto, da competência 
 constitucionalmente atribuída de prosseguir a satisfação das necessidades 
 colectivas fundamentais. 
 
  
 XVIII. A garantia das posições jurídicas fundamentais postas em causa pelo 
 exercício do direito de greve não pode, em face do quadro constitucional, caber 
 a sujeitos privados, sem qualquer conexão com o interesse público e que, para 
 além disso, são, justamente, os titulares da posição jurídica cujo exercício 
 desencadeia a situação de colisão.
 
  
 XIX. A interpretação feita dos nºs 1 a 3 do art.º 8º da Lei da Greve, no Acórdão 
 de 9 de Dezembro de 2003 do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal 
 Administrativo, na medida em que nega a possibilidade de intervenção do Governo 
 numa matéria que claramente faz parte das suas competências constitucionalmente 
 reconhecidas, deve ser considerada inconstitucional, designadamente por violação 
 das alíneas f) e g) do art.º 199º da CRP.
 
  
 XX. Da posição expressa no Acórdão recorrido é possível concluir que o Supremo 
 Tribunal Administrativo admite que o exercício do poder que, na interpretação 
 que faz do art.º 8º da Lei da Greve, é atribuído aos sindicatos e aos 
 trabalhadores grevistas apenas poderia ser controlado a posteriori, com o 
 reconhecimento de que estariam a ser lesados os interesses gerais da comunidade 
 e os direitos fundamentais dos cidadãos cuja tutela justifica a limitação ao 
 direito de greve.
 
  
 XXI. Ou seja, a interpretação feita pelo Supremo Tribunal Administrativo do art. 
 
 8º da Lei da Greve parece implicar a aceitação de uma margem 'normal' de 
 violação dos direitos fundamentais com os quais colida o direito de greve, que 
 corresponderá ao período que mediar entre o eventual incumprimento ou 
 cumprimento defeituoso da obrigação de prestação de serviços mínimos e o 
 
 'remédio' admitido por aquele Tribunal, ou seja, a execução da determinação 
 governamental de requisição civil.
 
  
 XXII. Significa isto que a interpretação que o Supremo Tribunal Administrativo 
 faz do art.º 8º da Lei da Greve conduz, particularmente nas situações de greves 
 de curta duração, a uma tutela evidentemente insatisfatória dos direitos 
 fundamentais cuja protecção em caso de greve está expressamente acautelada por 
 força do n.º 3 do art. 57º da Constituição.
 
  
 XXIII. Também nesta perspectiva a interpretação do artigo 8º da Lei da Greve 
 feita no douto Acórdão recorrido é contrária à Constituição, na medida em que 
 restringe o âmbito de protecção da norma do n.º 3 do art. 57º da Constituição e 
 consequentemente expõe direitos fundamentais a agressões que possam decorrer de 
 uma greve, inviabilizando os meios de tutela que possam salvaguardar, em tempo 
 
 útil, o respeito pelo seu núcleo essencial.
 
  
 XXIV. A definição dos serviços mínimos em caso de greve é um modo de 
 harmonização dos direitos em conflito e corresponde a uma responsabilidade do 
 Estado, ou seja, é uma tarefa pública.
 
  
 XXV. Só o Estado, por força dos parâmetros constitucionais de actuação a que 
 está sujeito, está em condições de responder de forma adequada.
 
  
 XXVI. De acordo com a interpretação que do art. 8º da Lei da Greve faz o Supremo 
 Tribunal Administrativo, esse preceito reserva, em exclusivo, a fixação desses 
 serviços mínimos aos sindicatos e aos grevistas. E fá-lo através de uma 
 imposição, já que esta competência corresponde a uma obrigação, cuja violação 
 justifica a requisição civil.
 
  
 XXVII. Porém, no actual quadro constitucional e legal, os sindicatos 
 apresentam-se como puros sujeitos de direito privado, cuja representação é 
 limitada pelo interesse colectivo da categoria sindical definida nos respectivos 
 estatutos.
 
  
 XXVIII. Não se pode assim atribuir a estes sujeitos um poder que vai muito além 
 da representação da categoria sindical e que podem mesmo ser, no caso dos 
 serviços mínimos para garantir a segurança e manutenção das instalações e 
 equipamentos, interesses do empregador.
 
  
 XXIX. Resulta assim que a interpretação feita pelo Supremo Tribunal 
 Administrativo leva a concluir que o art. 8° impõe aos sindicatos a execução de 
 uma tarefa do Estado (a definição e organização dos serviços mínimos), que 
 corresponde a uma função eminentemente pública, colocando, ao mesmo tempo, sob a 
 alçada do sindicato não apenas direitos fundamentais dos cidadãos em geral como 
 a tutela de direitos fundamentais do próprio empregador.
 
  
 XXX. Nesta interpretação, o art. 8° da Lei da Greve não pode deixar de ser 
 considerado inconstitucional, por chocar com o figurino constitucional da 
 liberdade sindical e das associações sindicais que está contido nos art.ºs 55° e 
 
 56° da Constituição.
 
  
 
  
 Nestes termos, solicita-se a esse Venerando Tribunal a declaração de 
 inconstitucionalidade dos n.º 1 e 2 do art. 8° da Lei da Greve na interpretação 
 sustentada no Acórdão de 9 de Dezembro de 2003 do Pleno da 1ª Secção do Supremo 
 Tribunal Administrativo, segundo a qual a definição e a fixação dos serviços 
 mínimos a prestar em caso de greve em empresa que se destine à prestação de 
 necessidades sociais impreteríveis compete às associações sindicais e aos 
 trabalhadores, não permitindo estes preceitos uma definição governamental dos 
 serviços mínimos a prestar, por aquela interpretação violar o disposto no n.º 1 
 do art.º 61º, nas alíneas f) e g) do art.º 199º e nos artigos 55º e 56º da 
 Constituição da Republica Portuguesa.”
 
  
 
  
 
                         6 - O Recorrido, por sua vez, contra-alegou, 
 estribando-se na seguinte argumentação:
 
  
 
 “ (...)
 Quanto à competência própria do Governo, adquirida por via residual genérica, de 
 acordo com o disposto no art. 199º, f) e g), CRP, diga-se que a função 
 administrativa não pode servir de pano de fundo para fundamentar uma actuação - 
 a fixação por acto de autoridade - de limites concretos ao exercício de um 
 direito constitucionalmente consagrado dado que, no art. 57º/3, se determina que 
 
 'A lei define as condições de prestação [...] de serviços mínimos indispensáveis 
 para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis'. Ou seja, sem a 
 prévia definição da lei, que não de um mero acto administrativo, a intervenção 
 governamental carece de título bastante, rectius, é não somente ilegal, como 
 inconstitucional. A Constituição, ela própria, impõe, na transcrita disposição, 
 que a lei defina as condições genéricas e abstractas, como lhe é próprio, posto 
 o que, em tese, se poderia admitir que viesse, de novo, como veio, no vigente 
 Código do Trabalho, a cometer ao Governo tal faculdade. O recurso a poderes 
 estritamente administrativos, ainda que de natureza normativa, é insuficiente 
 para colmatar uma não edição de lei, que é disso que se trata. Ao contrário do 
 entendimento da recorrente, nada obsta a que se proceda à interpretação útil e 
 ponderada dos preceitos contidos no art. 8°/I/2, LG, no sentido de aí se topar 
 não uma obrigação em sentido próprio, mas sim um poder-dever. Isto é, o 
 legislador ordinário da LG, em 1977, quis criar, e criou efectivamente, para as 
 associações sindicais e os trabalhadores em greve, a obrigação de prestar 
 serviços mínimos; o legislador constitucional, em 1997, acentuou que a 
 respectiva definição e condições de prestação carece de primordial intervenção 
 legislativa, para o que introduziu o texto do actual n.º 3 do art. 57º, sem com 
 isso afastar minimamente a ideia de que quem satisfaz essa obrigação pode e deve 
 defini-la por sua iniciativa, se outra coisa não resultar da lei. Ora, não 
 resultando da lei ordinária vigente outro comando, esta era a situação de jure 
 condito. Não há razão para afastar a figura do poder-dever inscrita no art. 8º, 
 LG, no sentido de que se trata de um poder de exercício obrigatório no interesse 
 de outrem. Da eventual divergência de entendimentos quanto à valia intrínseca 
 desta solução não pode é ser retirado que outro é o sentido da norma, ou que a 
 interpretação que conduz a este resultado é afrontosa do texto constitucional.
 II. Em conclusão,
 o aresto posto em crise não é merecedor de qualquer crítica, uma vez que:
 A) Inexiste violação dos arts. 61°/1, 199°, f) e g), e 56°, todos CRP, na medida 
 em que a prática de um acto administrativo por parte do Governo em sede de 
 fixação de serviços mínimos violaria o art. 57º/3, CRP, mercê da inexistência de 
 norma ordinária expressa;
 B) Na sua formulação, a LG cometia aos sindicatos e trabalhadores o poder-dever 
 de assegurar a prestação de serviços mínimos, tanto na vertente da sua fixação, 
 como na vertente do seu cumprimento.
 
                         (…)”.
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 B - Fundamentação
 
  
 
  
 
             7 - No presente recurso está em causa a inconstitucionalidade do 
 artigo 8.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, “na interpretação 
 segundo a qual a definição e a fixação dos serviços mínimos a prestar em caso de 
 greve em empresa que se destine à satisfação de necessidades sociais 
 impreteríveis compete às associações sindicais e aos trabalhadores, não 
 permitindo esses preceitos uma definição governamental dos serviços mínimos a 
 prestar”, por violação do disposto nos artigos 55.º, 56.º, 61.º, n.º 1, e 199.º, 
 alíneas f) e g), da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
             7.1 - O artigo 8.º da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, dispõe, sob a 
 epígrafe “Obrigações durante a greve”, que:
 
             
 
 “1. Nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de 
 necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os 
 trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços 
 mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades.
 
             2. Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se 
 empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades 
 sociais impreteríveis os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes 
 sectores:
 a)      Correios e telecomunicações;
 b)      Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos;
 c)      Salubridade pública, incluindo a realização de funerais;
 d)      Serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis;
 e)      Abastecimento de águas;
 f)       Bombeiros;
 g)      Transportes, cargas e descargas de animais e géneros alimentares 
 deterioráveis.
 
 3. As associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a prestar, 
 durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento 
 e instalações.
 
 4. No caso do não cumprimento do disposto neste artigo, o Governo poderá 
 determinar a requisição ou mobilização, nos termos da lei aplicável.”
 
  
 
             7.2 - Por sua vez, os artigos da Constituição invocados como 
 parâmetro do controlo de constitucionalidade, dispõem que:
 
  
 
  
 
 “Artigo 55º (Liberdade sindical) 
 
  
 
  1. É reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da 
 construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses.
 
 2. No exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem 
 qualquer discriminação, designadamente:
 
  a) A liberdade de constituição de associações sindicais a todos os níveis; 
 
  b) A liberdade de inscrição, não podendo nenhum trabalhador ser obrigado a 
 pagar quotizações para sindicato em que não esteja inscrito; 
 
  c) A liberdade de organização e regulamentação interna das associações 
 sindicais; 
 
  d) O direito de exercício de actividade sindical na empresa; 
 
  e) O direito de tendência, nas formas que os respectivos estatutos 
 determinarem.
 
  3. As associações sindicais devem reger-se pelos princípios da organização e da 
 gestão democráticas, baseados na eleição periódica e por escrutínio secreto dos 
 
 órgãos dirigentes, sem sujeição a qualquer autorização ou homologação, e 
 assentes na participação activa dos trabalhadores em todos os aspectos da 
 actividade sindical.
 
  4. As associações sindicais são independentes do patronato, do Estado, das 
 confissões religiosas, dos partidos e outras associações políticas, devendo a 
 lei estabelecer as garantias adequadas dessa independência, fundamento da 
 unidade das classes trabalhadoras.
 
  5. As associações sindicais têm o direito de estabelecer relações ou filiar-se 
 em organizações sindicais internacionais.
 
  6. Os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informação e 
 consulta, bem como à protecção legal adequada contra quaisquer formas de 
 condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas 
 funções.”
 
  
 
  
 
  “Artigo 56.º (Direitos das associações sindicais e contratação colectiva)
 
  
 
  1. Compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e 
 interesses dos trabalhadores que representem.
 
  2. Constituem direitos das associações sindicais:
 
  a) Participar na elaboração da legislação do trabalho; 
 
  b) Participar na gestão das instituições de segurança social e outras 
 organizações que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores; 
 
  c) Pronunciar-se sobre os planos económico-sociais e acompanhar a sua execução; 
 
 
 
  d) Fazer-se representar nos organismos de concertação social, nos termos da 
 lei; 
 
  e) Participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no 
 tocante a acções de formação ou quando ocorra alteração das condições de 
 trabalho.
 
  3. Compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, 
 o qual é garantido nos termos da lei.
 
  4. A lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das 
 convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas.”
 
  
 
  
 
 “Artigo 61.º (Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária)
 
             1. A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros 
 definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.
 
             2. (...)
 
             3. (...)
 
             4. (...)
 
             5. (...).”
 
  
 
  
 
             “Artigo 199.º (Competência administrativa)
 
             Compete ao Governo, no exercício de funções administrativas:
 a)      (...)
 b)      (...)
 c)      (...)
 d)      (...)
 e)      (...)
 f)       Defender a legalidade democrática;
 g)      Praticar todos os actos e tomar todas as providências necessárias à 
 promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades 
 colectivas.”
 
  
 
  
 
 8 - Delimitada a norma sindicanda e mencionados os parâmetros aferidores da sua 
 
 (in)constitucionalidade, passa a considerar-se, em primeiro lugar, o problema da 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 8.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 65/77, de 
 
 26 de Agosto, por violação do disposto no artigo 199.º, alíneas f) e g), da 
 Constituição da República.
 
  
 
 8.1 - Considerando a relevância para o esclarecimento da questão que o presente 
 problema de constitucionalidade envolve, cumpre começar por mencionar a 
 
 “história” do artigo 8.º da Lei da Greve, sendo de referir, a esse nível, os 
 Acórdãos deste Tribunal que, no seu tempo, sobre ele se pronunciaram.
 
  
 
 8.1.1 - Assim, a redacção originária do artigo 8.º da Lei n.º 65/77, de 26 de 
 Agosto, com excepção de algumas alterações ao nível das alíneas constantes do 
 n.º 2, correspondia ipsis verbis ao teor da norma que constitui o objecto do 
 presente recurso de constitucionalidade.
 Tal preceito foi posteriormente à sua entrada em vigor alterado pela Lei n.º 
 
 30/92, de 20 de Outubro, que, além das alterações introduzidas nas alíneas c), 
 d) e g) do n.º 2, estabeleceu uma regulamentação específica ao nível do 
 procedimento de definição concreta dos “serviços mínimos”, passando a constar do 
 artigo 8.º que:
 
  
 
      “(...)
 
      4 - Os serviços mínimos previstos no n.º 1 podem ser definidos por 
 convenção colectiva ou por acordo com os representantes dos trabalhadores. 
 
      5 - Não havendo acordo anterior ao pré-aviso quanto à definição dos 
 serviços mínimos previstos no n.º 1, o Ministério do Emprego e da Segurança 
 Social convoca os representantes dos trabalhadores referidos no artigo 3.º e os 
 representantes dos empregadores, tendo em vista a negociação de um acordo quanto 
 aos serviços mínimos e quanto aos meios necessários para os assegurar. 
 
      6 - Na falta de acordo até ao termo do 5.º dia posterior ao pré-aviso de 
 greve, a definição dos serviços e dos meios referidos no número anterior é 
 estabelecida por despacho conjunto, devidamente fundamentado, do Ministro do 
 Emprego e da Segurança Social e do ministro responsável pelo sector de 
 actividade, com observância dos princípios da necessidade, da adequação e da 
 proporcionalidade. 
 
       7 - O despacho previsto no número anterior produz efeitos imediatamente 
 após a sua notificação aos representantes referidos no n.º 5 e deve ser afixado 
 nas instalações da empresa ou estabelecimento, nos locais habitualmente 
 destinados à informação dos trabalhadores. 
 
      8 - Os representantes dos trabalhadores a que se refere o artigo 3.º devem 
 designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços referidos 
 nos n.ºs 1 e 3, até quarenta e oito horas antes do início do período de greve, 
 e, se não o fizerem, deve a entidade empregadora proceder a essa designação. 
 
      9 - No caso de incumprimento das obrigações previstas nos n.ºs 1, 3 e 8, 
 pode o Governo determinar a requisição ou mobilização, nos termos da lei 
 aplicável.”
 
  
 
  
 
          A promulgação deste diploma, que alterou a redacção originária do 
 artigo 8.º da Lei n.º 65/77, foi antecedida de um pedido de fiscalização 
 preventiva da constitucionalidade de todas as normas contidas no artigo único do 
 Decreto da Assembleia da República n.º 29/VI, de alteração da Lei n.º 65/77, de 
 
 26 de Agosto – cujo texto viria a converter-se na Lei n.º 30/92, de 20 de 
 Outubro –, “face às dúvidas colocadas sobre a sua conformidade com o disposto no 
 artigo 171.º da Constituição e, também, (...) face às dúvidas colocadas sobre a 
 sua conformidade com os princípios da precisão ou determinabilidade das leis e 
 da reserva de lei (artigo 2.º da Constituição) e, ainda, face ao disposto nos 
 artigos 18.º, n.º 3, e 57.º, n.os 1 e 2, da Constituição”, tendo o Tribunal, 
 pelo Acórdão n.º 289/92 (publicado no Diário da República II Série, de 19 de 
 Setembro de 1992; BMJ, 419º, pp. 355, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 23º 
 vol., pp. 7), decidido não se pronunciar pela sua inconstitucionalidade.
 
          Após a entrada em vigor da Lei n.º 30/92, um grupo de Deputados à 
 Assembleia da República veio requerer, em sede de fiscalização abstracta 
 sucessiva, “a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral 
 das normas da Lei n.º 30/92, de 20 de Outubro, artigo único, alterações ao 
 artigo 8.º, n.º 2, alínea g), e n.os 4, 5, 7, 8 e 9, por violação do artigo 
 
 171.º, n.º 2, da Constituição da República e das restantes normas que, face ao 
 princípio da precisão ou da determinabilidade das leis, não possam subsistir por 
 força dessa declaração de inconstitucionalidade”.
 
          O Tribunal Constitucional, apreciando o problema da 
 inconstitucionalidade formal – por vício de procedimento legislativo – decidiu, 
 pelo seu Acórdão n.º 868/96 (publicado no Diário da República I Série-A, de 16 
 de Outubro de 1996; BMJ, 459º, pp. 60, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 
 34º vol., pp. 115), declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória 
 geral, das normas em crise, bem como, em consequência, da norma do n.º 6 do 
 mencionado artigo 8.º.
 
          Daí resultou, assim, que se mantivesse, na essência, até à revogação da 
 Lei n.º 65/77 pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto – que aprovou o Código do 
 Trabalho –, o regime originariamente estabelecido no que tange com a definição 
 dos serviços mínimos a prestar durante a greve.
 
          Com a aprovação do Código do Trabalho, introduziu-se – para além da 
 imposição de obrigações a satisfazer durante a greve (artigo 598.º - que 
 reproduz, na essência, a redacção do artigo 8.º da Lei da Greve) e da previsão 
 da possibilidade de requisição ou mobilização no caso de “incumprimento da 
 obrigação de prestação dos serviços mínimos” (artigo 601.º) – uma disposição 
 expressamente consagrada à resolução do problema da “Definição dos serviços 
 mínimos” – o artigo 599.º - que dispõe:
 
  
 
      “1. Os serviços mínimos previstos nos n.os 1 e 3 do artigo anterior devem 
 ser definidos por instrumento de regulação colectiva de trabalho ou por acordo 
 com os representantes dos trabalhadores.
 
      2. Na ausência de previsão em instrumento de regulamentação colectiva de 
 trabalho e não havendo acordo anterior ao aviso prévio quanto à definição dos 
 serviços mínimos previstos no n.º 1 do artigo anterior, o ministério responsável 
 pela área laboral convoca os representantes dos trabalhadores referidos no 
 artigo 593.º e os representantes dos empregadores, tendo em vista a negociação 
 de um acordo quanto aos serviços mínimos e quanto aos meios necessários para os 
 assegurar.
 
      3. Na falta de um acordo até ao termo do 3.º dia posterior ao aviso prévio 
 de greve, a definição dos serviços e dos meios referidos no número anterior é 
 estabelecida, sem prejuízo do disposto no n.º 4, por despacho conjunto, 
 devidamente fundamentado, do ministro responsável pela área laboral e do 
 ministro responsável pelo sector de actividade.
 
      4. No caso de se tratar de serviços da administração directa do Estado ou 
 de empresa que se inclua no sector empresarial do Estado, e na falta de um 
 acordo até ao termo do 3.º dia posterior ao aviso prévio de greve, a definição 
 dos serviços e meios referidos no n.º 2 compete a um colégio arbitral composto 
 por três árbitros constantes das listas de árbitros previstas no artigo 570.º, 
 nos termos previstos em legislação especial.
 
      5. O despacho previsto no n.º 3 e a decisão do colégio arbitral prevista no 
 número anterior produzem efeitos imediatamente após a sua notificação aos 
 representantes referidos no n.º 2 e devem ser afixados nas instalações da 
 empresa ou estabelecimento, nos locais habitualmente destinados à informação dos 
 trabalhadores.
 
      6. Os representantes dos trabalhadores a que se refere o artigo 593.º devem 
 designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços referidos 
 no artigo anterior, até quarenta e oito horas antes do período de greve, e, se 
 não o fizerem, deve o empregador proceder a essa designação.
 
      7. A definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da 
 necessidade, da adequação e da proporcionalidade.”
 
          
 
          
 
          8.1.2 - Como se infere do exposto anteriormente, a alteração 
 introduzida face à regulamentação originária da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, 
 pela Lei n.º 30/92, de 20 de Outubro, atingia directamente o regime relativo ao 
 procedimento de definição dos serviços mínimos durante a greve, passando a 
 prever-se expressamente, nessa matéria específica, a possibilidade de actuação 
 do Governo quando os serviços mínimos não fossem definidos por convenção 
 colectiva ou por acordo com os representantes dos trabalhadores. Em tais 
 circunstâncias, a actuação do Governo estava, em primeiro lugar, pré-ordenada à 
 negociação de um acordo com os representantes dos trabalhadores e dos 
 empregadores quanto à definição dos serviços mínimos e aos meios necessários 
 para os assegurar, sendo que, na falta desta definição acordada, passaria a 
 competir ao Governo a definição dos serviços, nos termos fixados no n.º 6 do 
 artigo 8.º da Lei da Greve.
 
          A bondade constitucional de tal regime foi equacionada no já citado 
 Acórdão n.º 289/92 do Tribunal Constitucional, que se pronunciou expressamente 
 sobre a intervenção governativa no domínio da definição dos serviços mínimos.
 
          Assim, escreveu-se nesse aresto:
 
  
 
      “(...)
 
      O direito à greve é um direito fundamental garantido aos trabalhadores pela 
 Constituição.  Integra o conjunto de direitos, liberdades e garantias enunciados 
 no Título II e apresenta uma dimensão essencial de defesa ou liberdade negativa: 
 
  a liberdade de recusar a prestação de trabalho contratualmente devida, 
 postulando a ausência de interferências, estaduais ou privadas, que sejam 
 susceptíveis de a pôr em causa. 
 
      Esta caracterização constitucional do direito à greve como posição 
 subjectiva fundamental de natureza defensiva não ilude porém a sua ligação aos 
 fundamentos do Estado Social de direito:  a greve é um instrumento de 
 reivindicação que concorre para a promoção de condições de igualdade real entre 
 indivíduos e grupos sociais.
 
      Apresentando-se como um direito individual de exercício colectivo, 
 orientado à tutela comum de um interesse colectivo, o direito à greve revela, 
 pela própria natureza, a 'imbricação das concepções liberal e social' (G. 
 Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, págs. 
 
 105-106), que na ordem  constitucional democrática, em regra, vai ligada ao 
 entendimento dos direitos fundamentais.  O elemento colectivo participa do 
 próprio conteúdo do direito sem que lhe apague a fisionomia de direito 
 individual de cada trabalhador  (A. Monteiro Fernandes, 'Reflexões sobre a 
 Natureza do Direito à Greve', Estudos Sobre a Constituição, 2º vol., pág. 333).
 
      A fundamentalidade material do direito à greve liga-se, pois, aos 
 princípios constitucionais da liberdade e da democracia social.  A sua especial 
 inserção no elenco dos direitos, liberdades e garantias confere-lhe uma 
 protecção constitucional acrescida que se traduz no 'reforço de mais valia 
 normativa' (G. Canotilho) do preceito que o consagra relativamente a outras 
 normas da Constituição.  O que significa: (1) aplicabilidade directa, sendo o 
 conteúdo fundamental do direito afirmado já ao nível da Constituição e não 
 dependendo o seu exercício da existência de lei mediadora; (2) vinculação das 
 entidades públicas e privadas, implicando a neutralidade do Estado (proibição de 
 proibir)  e a obrigação de a entidade patronal manter os contratos de trabalho, 
 constituindo o direito de greve um momento paradigmático da eficácia geral das 
 estruturas subjectivas fundamentais; (3) limitação das restrições aos casos em 
 que é necessário assegurar a concordância prática com outros bens ou direitos 
 constitucionalmente protegidos - sendo certo que a intervenção de lei restritiva 
 está expressamente vedada quanto à definição do âmbito de interesses a defender 
 através da greve (C.R.P., art. 57º, n.º 2). 
 
  
 
       (...)
 
  
 
      [4.]  Os serviços mínimos e o conteúdo essencial do direito à greve: a 
 norma do artigo 8º, n.º 6, no Decreto n.º 29/VI da Assembleia da República
 
  
 
      [1.]  A admissibilidade constitucional de uma obrigação de serviços mínimos
 
  
 
      O Decreto n.º 29/VI da Assembleia da República estabelece a obrigatoriedade 
 da prestação de serviços mínimos, para ocorrer à satisfação de necessidades 
 sociais impreteríveis (artigo 8º, n.º 1).  Esta obrigação imposta aos 
 trabalhadores em greve de assegurarem a prestação de serviços mínimos não 
 suscita dúvidas de constitucionalidade.
 
      A fundamentação da admissibilidade constitucional da obrigação de serviços 
 mínimos reside na tarefa de concordância prática que incumbe ao legislador e ao 
 intérprete.  De um ponto de vista dogmático, estamos aqui perante uma 
 justificação distinta da do pré-aviso: naquele caso não se tratava de 
 intervenção restritiva, não havia ingerência no âmbito de protecção da norma - 
 por isso, não havia que convocar as estruturas de ponderação estabelecidas nos 
 n.ºs 1 e 2 do artigo 18º da Constituição.  Na justificação da admissibilidade 
 constitucional da obrigação de serviços mínimos confrontamo-nos com uma 
 restrição (ou limitação) do direito e a necessidade da sua justificação.
 
      Não se diga que o direito à greve não está sujeito a restrições: o que não 
 está sujeito a intervenção restritiva do legislador é a delimitação dos 
 interesses a defender através da greve (C.R.P., artigo 57º, n.º 2); foi esta a 
 decisão do legislador constituinte em termos do programa 
 normativo-constitucional da greve.  O direito à greve está sujeito a reserva de 
 lei restritiva, desde que a lei restritiva observe os pressupostos formais e 
 materiais que a Constituição lhe impõe.
 
      Bernardo Lobo Xavier (ob. cit., pág. 187) qualifica esta obrigação de 
 serviços mínimos como 'indubitavelmente uma limitação ao direito à greve' e 
 justifica a limitação pela necessidade de 'tutela de outros valores presentes no 
 ordenamento jurídico, traduzida na genérica expressão de satisfação de 
 necessidades sociais impreteríveis'. 
 
      A generalidade da doutrina juslaborista oferece uma justificação semelhante 
 para a obrigação legal de serviços mínimos.
 
      Esta justificação também não oferece dúvidas do ponto de vista da dogmática 
 dos direitos fundamentais: Häberle observa que todos os direitos fundamentais 
 estão entre si e com o direito de organização do Estado - e aí, em especial, com 
 as determinações constitucionais dos fins do Estado - numa relação de 
 complementaridade funcional (Die Wesensgehaltgarantie... cit.).  Também 
 Friedrich Müller chama a atenção para que 'nenhum direito fundamental é 
 garantido sem restrições' - (Die Positivität der Grundrechte, Fragen einer 
 praktischen Grundrechtsdogmatik, Berlim, 1969, pág. 41) - isto, em virtude da 
 
 'reserva de qualidade jurídica dos direitos fundamentais' (Vorbehalt der 
 Rechtsqualität der Grundrechte) decorrente da sua inserção na sistemática da 
 Constituição e no jogo de restrições e complementações implicadas nessa 
 sistemática.
 
      É também o contexto sistemático da Constituição que Gomes Canotilho invoca 
 para justificar limites materiais não escritos, avançando precisamente com o 
 exemplo das restrições (ou limitações) ao direito de greve.  Diz: 'Embora a 
 Constituição não admita limites ao direito de greve, justificar-se-iam limites 
 constitucionais não escritos a fim de se salvaguardarem outros direitos ou bens 
 constitucionalmente garantidos (ex.: exigência de garantia de serviços mínimos 
 em hospitais, serviços de segurança, etc.' (cf. Direito Constitucional... cit., 
 pág. 616).  De modo semelhante, Bernardo Xavier alude à interconexão sistemática 
 dizendo que o direito de greve não se move 'numa atmosfera rarefeita sem conexão 
 com o ordenamento jurídico' (ob. cit., pág. 92).  Jorge Miranda fala de 
 
 'restrições implícitas, derivadas, também elas, da necessidade de salvaguardar 
 outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos' (Manual... cit., 
 tomo IV, pág. 303). 
 
      Certa dogmática dos direitos fundamentais entende estas situações como 
 limitações internas e prévias do direito fundamental, entendimento que vai 
 consubstanciado na doutrina dos 'limites imanentes' - doutrina que, em boa 
 verdade, está correlacionada com uma teoria do Tatbestand restrito.  Outro 
 entendimento dogmático é o de considerar os limites como 'externos' e a 
 posteriori resultando da conciliação com outro direito fundamental ou interesse 
 constitucional suficientemente caracterizado e determinado.
 
      Não temos aqui de proceder a opções de construção, nomeadamente pela teoria 
 restrita ou alargada do Tatbestand e pela sua repercussão na problemática dos 
 limites dos direitos fundamentais: qualquer das vias, pese embora a diversidade 
 de perspectivas, conduziria a uma justificação da admissibilidade constitucional 
 de uma obrigação de serviços mínimos.
 
  
 
   [2.]  A reserva de lei restritiva e a definição dos serviços mínimos pelo 
 Governo
 
  
 
      [...]
 
  
 
  
 
      [2.2.]  A reserva de lei, em matéria de direitos fundamentais, leva 
 implicada a exigência de precisão e determinabilidade normativas. (Cf., o 
 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 285/92, publicado no D.R. I Série, de 
 
 17.8.92, que desenvolve amplamente esta temática).
 
       Constituindo um corolário do princípio do Estado de direito (a lei como 
 garantia de liberdade face à administração) e do princípio democrático (a lei 
 como consentimento dos cidadãos e como resultado de um procedimento assente na 
 publicidade, no contraditório e no debate), à reserva de lei não pode 
 corresponder uma escassa densificação normativa, capaz de contornar a 
 distribuição constitucional das tarefas de legislação e administração e de 
 inviabilizar, quanto a estas, um controlo efectivo pelos tribunais.
 
      A ratio da reserva de lei vem, assim, iluminar a apreciação da norma do 
 artigo 8º, nº 6, constante do Decreto da Assembleia da República.  Esta norma só 
 será constitucionalmente legítima se se constituir em indirizzo  para a 
 Administração e parâmetro de controlo para os tribunais.
 
      E a interpretação haverá ainda de contar com a própria natureza do direito 
 
 à greve.  É à luz desse direito e das estruturas de ponderação que levam à 
 justificação dos serviços mínimos que devem ser compreendidos os parâmetros 
 legais estabelecidos no artigo 8º, n.º 6, do Decreto n.º 29/VI.
 
      
 
      [2.3.]  A doutrina vem abordando a necessidade de  estabelecer uma relação 
 entre o grau de densidade exigível às normas legais, em razão do princípio da 
 reserva de lei, e a natureza dos direitos e situações que regulam.
 
      Sérvulo Correia analisa precisamente o problema das autorizações (legais) 
 para a prática de actos administrativos 'nos domínios abrangidos por reserva de 
 acto legislativo'.  E diz: 'por vezes não depende da vontade do legislador e, 
 portanto, não pode relacionar-se imperativamente à partida com a natureza formal 
 da norma o grau de abertura desta em face das situações da vida que deverão ser 
 conformadas no seu quadro.  A sua capacidade de direcção do conteúdo da decisão  
 
 (Leistungsfähigkeit für die Steuerung von Entscheidungsinhalten) é condicionada 
 pela natureza da situação sobre que incide.  O princípio formulável é o de que, 
 em matéria de reserva de acto legislativo, à concessão de discricionariedade 
 deve presidir o critério da densificação da norma na medida do possível e da sua 
 abertura para o mínimo incomprimível de margem de livre decisão'  (Legalidade e 
 Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Coimbra, 1987, págs. 
 
 339-340).
 
      Vieira de Andrade sublinha 'o carácter específico da protecção dos 
 direitos, liberdades e garantias em face da Administração' e rejeita um método 
 conceitualista de separação entre o que, naquele domínio, é reserva de lei e 
 espaço de actuação administrativa:  'A questão [diz] não é susceptível de ser 
 respondida com um simples 'sim' ou 'não'.  Tudo depende, por um lado, dos 
 direitos em causa e, relativamente a cada um deles, da zona de protecção 
 ameaçada' (ob. cit., págs. 324 e 327).
 
      Também o Tribunal Constitucional Alemão formulou na sentença Lüth (BVerfGE, 
 
 7, 198) - no sentido da atenuação dos limites estabelecidos por lei restritiva - 
 que, de acordo com a teoria dos efeitos recíprocos (Wechselwirkungstheorie), a 
 lei que estabelece limites aos direitos fundamentais tem ela própria que ser 
 interpretada à luz dos direitos fundamentais em causa.
 
      Também na norma do artigo 8º, n.º 6, a ligação entre o direito de greve e 
 os serviços mínimos tem que ver com a própria natureza do direito de greve.  A 
 tarefa de concordância prática e de optimização de diferentes bens, já vimos, 
 liga-se aí indissociavelmente à avaliação das circunstâncias de cada caso. A 
 ponderação dos interesses em jogo leva implicados 'juízos concretos de 
 oportunidade' (B. Xavier) que dificultam a previsão legal de todas as situações 
 de compressão do direito.
 
      Na perspectiva deste ineliminável grau de abertura da norma do artigo 8º, 
 n.º 6, e a sua ligação à natureza do direito, há-de ver-se se dela resultam 
 parâmetros de controlabilidade que a legitimem perante a Constituição.
 
      
 
      [2.4.]  A norma do artigo 8º, n.º 6, determina que, nos casos em que há 
 lugar à definição dos serviços mínimos pelo Governo, essa definição seja 
 
 'estabelecida por despacho, devidamente fundamentado, do Ministro do Emprego e 
 da Segurança  Social e do Ministro responsável pelo sector de actividade, com 
 observância dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade'.
 
      A formulação da norma afigurar-se-á, à primeira vista, redundante: o dever 
 de fundamentação expressa dos actos administrativos que afectem direitos ou 
 interesses legalmente protegidos dos cidadãos decorre já do artigo 268º, n.º 3, 
 da Constituição.  Além disso, por força da eficácia geral e da aplicabilidade 
 imediata das normas constitucionais sobre direitos, liberdades e garantias 
 
 (C.R.P., artigo 18º), a Administração está directamente vinculada aos princípios 
 da necessidade, adequação e proporcionalidade.
 
      Ora, na norma do artigo 8º, n.º 6, há-de reconhecer-se algo mais do que 
 isso.  A norma traça um indirizzo à autoridade administrativa no sentido de 
 estruturar a fundamentação do despacho de acordo com aqueles princípios.  O 
 autor do despacho tem de explicar como e porque está a observar os critérios de 
 adequação, necessidade e proporcionalidade.  A reiteração por lei destes 
 critérios constitui ela própria a fixação de uma directiva ou parâmetro legal do 
 dever de fundamentar, parâmetro este que a natureza das coisas dificilmente 
 permitiria que fosse mais determinado.  Ao que acresce, no plano dos 
 pressupostos fácticos, a indicação clara pelo artigo 8º, n.º 2, das empresas ou 
 estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais 
 impreteríveis.
 
      A motivação e justificação do acto administrativo haverá assim de 
 explicitar directamente um princípio de concordância prática.  A fundamentação 
 
 é, aqui, fundamentação qualificada por critérios de adequação, necessidade e 
 proporcionalidade.  A expressa imposição legal destes critérios, perfeitamente 
 definidos e delimitados na dogmática jurídico-constitucional, garante a eficácia 
 do controlo contencioso de anulação ou suspensão  do despacho conjunto de 
 fixação dos serviços mínimos.
 
      A solução em apreço não se desvia, pois, do princípio constitucional da 
 reserva de lei.  E não cabe ao Tribunal Constitucional conceber alternativas de 
 escolha política que porventura o legislador pudesse nesta sede consagrar.  Do 
 que se trata é tão-só de apreciar a norma do artigo 8º, n.º 6, à luz do 
 princípio da reserva de lei e de demarcar, neste plano da definição dos serviços 
 mínimos, o espaço de legislação e o espaço de administração.
 
      Ora, convocando a anterior ordem de considerações, há que concluir que a 
 norma do artigo 8º, n.º 6, constante do Decreto n.º 29/VI da Assembleia da 
 República, não é contrária à Constituição.”
 
  
 
  
 
          Resulta desta jurisprudência que a intervenção do Governo na concreta 
 fixação dos serviços mínimos a observar durante a greve, talqualmente estava 
 definida no artigo 8.º da Lei da Greve, em resultado da alteração introduzida 
 pela Lei n.º 30/92, não devia ter-se por inconstitucional.
 A questão de constitucionalidade emergente dos presentes autos, que, na verdade, 
 se entrecruza com o problema considerado no aresto supra mencionado, não deixa, 
 todavia, de apresentar contornos diversos porquanto, no caso sub judicio, o 
 problema em apreciação é o de saber se, não estando previsto um procedimento 
 específico para a fixação dos serviços mínimos, a Constituição impede que a 
 fixação dos serviços essenciais possa ser levada a cabo exclusivamente pelos 
 trabalhadores e suas estruturas sindicais sem que ao Governo, no exercício das 
 suas competências administrativas, seja permitido intervir na sua definição. 
 
  
 
  
 
          8.2 - Assim, segundo a argumentação da Recorrente, “na falta de 
 disposição concreta que determine a quem cabe a fixação desses serviços, 
 ter-se-á que recorrer aos princípios e regras gerais, apontando estes 
 necessariamente para a conclusão de que cabe ao Governo, no exercício da 
 competência administrativa, garantir a execução da lei no que diz respeito à 
 garantia das necessidades colectivas a cargo do Estado, (...) competências [que] 
 estão claramente expressas no art. 199.º da CRP, sendo particularmente relevante 
 para o caso a alínea f) (que faz incumbir ao Governo a defesa da legalidade 
 democrática) e sobretudo a alínea g) que (...) atribui ao Governo competência 
 para praticar todos os actos e tomar todas as providências necessárias à 
 promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades 
 colectivas”, o que determinaria a inconstitucionalidade da norma sindicanda. Com 
 razão?
 
  
 
          8.2.1 - Como se acentuou no aresto supra mencionado, o direito à greve, 
 como de resto a generalidade dos demais direitos fundamentais, não é absoluto e 
 ilimitado. Aliás, como se assinala na doutrina, relativamente aos direitos 
 fundamentais em geral, “é inevitável e sistémica a conflitualidade dos direitos 
 de cada um com os direitos dos outros” (Vieira de Andrade, Os Direitos 
 Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª ed., Coimbra, 2004, p. 
 
 283).
 Ora, de entre as limitações geralmente assinaladas ao direito à greve, 
 encontra-se, com fundamento, a imposição de que o exercício de tal direito não 
 afecte um núcleo de prestações essenciais, compreendendo-se, assim, que a 
 obrigação de assegurar, em caso de greve, os serviços mínimos ineliminavelmente 
 ligados à satisfação de necessidades colectivas de natureza básica e 
 impreterível se prefigure como uma instância de salvaguarda e garantia da 
 realização de relevantes bens jurídicos constitucionais que resultariam 
 previsivelmente afectados – e, com isso, potencialmente sacrificados – caso o 
 direito à greve se configurasse de forma absoluta e sem quaisquer restrições 
 possíveis. 
 Assim é, na verdade, porque a questão da manutenção dos serviços mínimos se 
 situa na confluência de dois direitos - de um lado, o direito de greve, e, do 
 outro, alguns direitos como o direito à vida, à saúde e à segurança, já que, com 
 efeito, as greves no sector público e nos serviços públicos têm de particular 
 que elas não afectam apenas os protagonistas em causa, mas também afectam 
 terceiros [Assim, também, Jean Bernier, “La détermination des services 
 essentiels dans le secteur public et les services publics de certains pays 
 industrialisés”, p. 47, in Aa. Vv. (dir. Jean Bernier), Grèves et services 
 essentiels, Québec, 1994)]. É, pois, necessário que o direito à greve seja 
 compreendido em relação com aqueloutros, havendo que confrontar –  como afirmam 
 Gomes Canotilho e Jorge Leite [«Ser ou não ser uma greve (A propósito da chamada 
 
 “greve self-service”)», in Questões Laborais, Ano VI, n.º 13, 1999, pp. 26 e 
 ss.] –, “o direito de greve com virtuais restrições resultantes de um 
 balanceamento concreto entre este direito e outros bens e direitos tutelados 
 jurídico-constitucionalmente”, tendo essencialmente em conta “os direitos dos 
 outros, a continuidade de funcionamento dos serviços públicos e o interesse da 
 comunidade”, assim se dando por assente que “(...) em todos os regimes jurídicos 
 democráticos (...) a greve é um poder limitado, na medida em que se lhe 
 contrapõe a tutela de determinados direitos e interesses que podem ser afectados 
 pelo respectivo exercício, sejam eles dos trabalhadores não grevistas, da 
 entidade empregadora, dos indivíduos alheios ao conflito ou do público em geral. 
 Embora surja nos nossos dias como um poder juridicamente tutelado, a garantia 
 que lhe é reconhecida há-de naturalmente comportar algumas limitações (...) 
 
 [porque] uma liberdade de exercício sem restrições não só poderia provocar 
 alterações ao normal desenvolvimento da sociedade, como colocaria em risco a 
 garantia de certos bens fundamentais, cuja lesão se afigura juridicamente 
 intolerável” (Francisco Liberal Fernandes, “A greve na função pública e nos 
 serviços essenciais: algumas notas de direito comparado”, in Estudos em 
 homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, II vol., número especial, 
 Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra, 1993, pp. 
 
 57-58).
 Nessa linha, à imposição de tais obrigações está implícita uma teleologia 
 determinada por inarredáveis interesses de ordem pública (cf. José João 
 Abrantes, “Direito de greve e serviços essenciais”, in Questões Laborais, Ano 
 II, n.º 6, 1995, p. 130), que passam, como se compreende, pela necessidade de 
 assegurar uma tutela efectiva de certos “bens de relevo constitucional 
 indiscutivelmente geral e primário (vida, saúde, liberdade e segurança), bem 
 como de outros bens que se perfilam mais particulares em relação àqueles 
 
 (liberdade de circulação, de comunicação (...) [e] de assistência social) e que 
 podem considerar-se facilmente como uma sua especificação” (cf. Mario 
 Rusciano/Santoro--Passarelli, Lo sciopero nei servizi essenziali – Commentario 
 alla legge 12 giugno 1990, n. 146, Milão, 1991, p. 15), pelo que a consideração 
 de tais dimensões – que um Estado de direito baseado na inviolável dignidade 
 
 ética da pessoa humana está absolutamente vinculado a proteger – autoriza, 
 assim, que o direito à greve encontre como limite intransponível a satisfação 
 das necessidades sociais impreteríveis cuja realização é instrumental da 
 garantia dos bens constitucionais supra referidos [cf. Bernardo Xavier – 
 
 “Requisição civil, serviços mínimos e greve” - Anotação ao Acórdão do STA de 20 
 de Março de 2002, Proc. n.º 43934, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 
 
 42, Novembro/Dezembro, 2003, p. 29 –, para quem “as necessidades sociais 
 impreteríveis são logicamente a outra face da realização de direitos 
 fundamentais da pessoa (...)”]. Esta concepção, não raras vezes, é expressamente 
 acolhida pela regulamentação disciplinadora do direito à greve no âmbito dos 
 serviços essenciais, como sucede, por exemplo, em Itália com a legge 12 giugno 
 
 1990, n.º 146, que se propõe “(...) temperar o exercício do direito à greve com 
 a satisfação dos direitos da pessoa constitucionalmente tutelados” (cf., Mario 
 Rusciano/Santoro-Passarelli, Lo Sciopero nei servizi essenziali..., op. cit., 
 pp. 14 e ss.; Tiziano Treu et al., Sciopero e servizi essenziali, Commentario 
 sistematico alla legge 12 giugno 1990, n.º 146, Pádova, 1991, pp. 9 e ss.; e 
 Giuseppe Suppiej, “Realismo e utopia nella legge sullo sciopero nei servizi 
 pubblici”, in Rivista Italiana di Diritto del Lavoro, ano XII, n.º 2, 
 aprile-giugno, 1993, pp. 189 e ss.).
 
             
 Por isso, compreende-se que a Constituição sujeite a reserva de lei a definição 
 das condições, durante a greve, dos serviços mínimos, como já havia antecipado o 
 Acórdão n.º 289/92. E este entendimento, manifestado à luz da redacção do artigo 
 
 57.º da Constituição anterior à quarta revisão constitucional, permanece e 
 reforça-se, na sua essência, perante a autorização expressa para restrição 
 legislativa então introduzida no n.º 3 do mesmo preceito que remete 
 explicitamente para a lei a definição das condições de prestação, durante a 
 greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e 
 instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à 
 satisfação de necessidades sociais impreteríveis (cf., quanto ao sentido 
 emergente desta revisão constitucional, Catarina Ventura, Os direitos 
 fundamentais à luz da quarta revisão constitucional, Separata do Boletim da 
 Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, vol. LXXIV, Coimbra, 1998, pp. 
 
 515-516; Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais..., op. cit., pp. 344-345; 
 Jorge Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente 
 autorizadas pela Constituição, Coimbra, 2003, pp. 593-595). Note-se, porém, que 
 mesmo antes da quarta revisão constitucional, e apesar de possíveis divergências 
 quanto ao tratamento doutrinal do problema, sempre se devia considerar o direito 
 
 à greve em termos de se ver garantida a satisfação das necessidades sociais 
 impreteríveis da comunidade. Nesse sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira 
 
 (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 
 
 312) salientavam que, não estando este direito sujeito a “reserva de lei 
 restritiva”, os “eventuais limites imanentes resultantes da determinação do seu 
 
 âmbito normativo constitucional só podem ser «revelados» (não constituídos) em 
 caso de colisão de direitos, por necessidade de defesa de outros direitos 
 constitucionalmente protegidos, [sendo que] somente isso pode legitimar certos 
 requisitos quanto ao processo de declaração e execução de greve, como sejam a 
 imposição de pré-aviso e a definição de algumas obrigações de trabalho aos 
 grevistas nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de 
 necessidades sociais impreteríveis, desde que uns e outras não sejam 
 desproporcionados”; por sua vez, Vieira de Andrade (Os direitos fundamentais..., 
 op. cit., p. 345, n. 26), criticando a fórmula mobilizada no Acórdão n.º 289/92, 
 afirma que “(...) em rigor, na falta de previsão constitucional expressa da 
 restrição, talvez devesse entender-se que a lei estaria, como fez, autorizada a 
 resolver a colisão entre o direito à greve e os interesses da (...) comunidade, 
 através de normas harmonizadoras”; finalmente, para Jorge Reis Novais (As 
 restrições aos direitos fundamentais..., cit., pp. 593-594), o problema seria 
 susceptível de ser enquadrado no âmbito de uma “restrição não expressamente 
 autorizada”, pelo que, “(...) quando, entre nós, a revisão constitucional de 
 
 1997 aditou um novo n.º 3 ao art. 57.º (...), em que se prevê a necessidade de 
 prestação de certos serviços durante a greve e, assim, transformou formalmente 
 um direito fundamental até aí sem reservas em direito sujeito a limitação, não 
 alterou verdadeiramente a norma do direito à greve nem conferiu ao legislador 
 ordinário quaisquer poderes restritivos que este não tivesse já, apesar de se 
 passar agora a prever expressamente a definição (...) das condições de prestação 
 de tais serviços mínimos. (...) [Assim,] nem o direito à greve – que antes da 
 revisão de 1997 era um direito fundamental sem reservas e hoje tem aquela 
 limitação expressa – viu alterados o seu conteúdo ou as possibilidades da sua 
 restrição por parte dos poderes constituídos, nem a lei ordinária em causa viu 
 correspondentemente alterada a sua natureza e, muito menos, os parâmetros de 
 aferição da sua conformidade constitucional”. 
 
             
 Destarte, em todo o caso – isto é, independentemente da configuração dogmática 
 com que deva recortar-se a obrigação de prestação de serviços mínimos para 
 promover a satisfação de necessidades impreteríveis –, sempre há que reconhecer, 
 acompanhando a generalidade da doutrina, que as razões subjacentes à limitação 
 do direito à greve no domínio dos serviços que asseguram as denominadas 
 prestações sociais impreteríveis conduzem, assim, a uma configuração do direito 
 
 à greve que tem forçosamente de ter em linha de conta, como se viu, determinados 
 bens jurídicos fundamentais. Daí não decorre, porém, que esteja vedado o 
 exercício do direito nos domínios afectos à realização de prestações sociais 
 impreteríveis, mas apenas que, em caso de greve, impenda sobre os trabalhadores 
 a obrigação de assegurar os serviços mínimos impostos e determinados pela 
 ponderação que entretece o direito à greve com outros direitos (também) 
 fundamentais.
 
             A necessidade de uma tal consideração ponderada e omnicompreensiva 
 do direito à greve com a tutela de realização das prestações direccionadas à 
 satisfação de necessidades sociais impreteríveis é, assim, sintomática da 
 necessidade de articulação dos valores constitucionais implicados na tensão 
 dialéctica dos pólos em causa: por um lado, a consideração da necessidade de 
 tutela e garantia de certos valores fundamentais impõe que a protecção do seu 
 conteúdo essencial coloque “fronteiras” inultrapassáveis ao exercício do direito 
 
 à greve; mas, por outro lado, a imposição de tais limites deve ter em linha de 
 conta o respeito pelo direito à greve em termos que não impliquem o seu 
 sacrifício fora do apodíctico âmbito tutelar preordenado a impedir a frustração 
 do núcleo intangível dos bens jurídicos que recortam a esfera das necessidades 
 sociais impreteríveis (cf. Tiziano Treu et al, Sciopero e servizi essenziali..., 
 cit., Pádova, 1991, p. 45. Para o Autor, “também o direito à greve tem um núcleo 
 incomprimível, pelo que o respeito pelo conteúdo dos direitos da pessoa deve 
 realizar-se apenas com o sacrifício estritamente necessário [dos direitos] dos 
 trabalhadores em greve”).
 
             
 
 8.2.2 - Assumindo tal conteúdo axiológico, o legislador não deixou de impor um 
 conjunto de “obrigações durante a greve”, definindo em abstracto o sentido e o 
 conteúdo da “obrigação de assegurar a prestação dos serviços mínimos 
 indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”. 
 Não estabeleceu, porém, na redacção original, qualquer “modelo 
 operatório-procedimental” onde se atribuísse expressis verbis a um determinado 
 sujeito a tarefa de individualizar e definir em concreto o cabal cumprimento da 
 obrigação de prestação de serviços mínimos em termos de qualificar e quantificar 
 tais prestações, sendo que, na verdade, o problema da definição-identificação 
 das prestações sociais impreteríveis que devem ser observadas durante um 
 processo de greve desdobra-se em dois momentos relativamente diferenciados: num 
 primeiro momento – que não tange directamente com o objecto do presente recurso 
 de constitucionalidade –, está essencialmente em causa a tarefa de definição em 
 abstracto dos domínios envolvidos no âmbito da obrigação de prover os serviços 
 mínimos direccionados à satisfação de necessidades sociais impreteríveis e do 
 regime de imposições acessórias do cumprimento dessa obrigação; num segundo 
 momento – que se coloca perante a regulamentação da norma sindicanda –, o 
 problema  reside na concreta definição dos serviços mínimos perante um 
 determinado processo de greve, aí se incluindo o problema da competência para 
 proceder a tal individualização.
 António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 12.ª edição, Coimbra, 2004, pp. 
 
 924 e ss.) refere, quanto ao problema de saber quem tem o poder e o dever de 
 definir, em concreto, o âmbito e a natureza dos serviços mínimos a prestar 
 durante a greve, que ele deve colocar-se em três níveis distintos: “o da 
 determinação das necessidades a satisfazer e do nível de serviço adequado a essa 
 satisfação; o da definição do esquema organizativo destinado a garantir a 
 realização desse nível de serviço e a correspondente satisfação das necessidades 
 públicas; o da designação das pessoas, em concreto, que, apesar de terem aderido 
 
 à greve, deverão prestar trabalho no quadro desse esquema organizativo”.
 Quanto a esta sistematização, no caso presente, a summa quaestio concerne 
 imediatamente ao poder de determinação das necessidades a satisfazer e do nível 
 de serviços mínimos adequado a essa satisfação, não se questionando, por isso, o 
 procedimento e as vicissitudes relacionadas com a execução desses serviços.
 
  
 
 8.2.2.1 - Ora, quanto a este problema particular – tendo um pouco em conta 
 alguns modelos discerníveis a partir das experiências jurídicas além fronteiras 
 
 –, deve começar-se por referir que, em abstracto, a sua resolução não obedece a 
 uma regulamentação uniforme, existindo diversas formas de se dar resposta à 
 questão da competência para a definição dos serviços mínimos [atente-se, a este 
 nível, nos modelos enunciados por Gomes Canotilho e Jorge Leite (“Ser ou não ser 
 uma greve...”, op. cit., p. 30): “(i) o da autoregulação assente numa 
 concertação das partes em conflito quanto à individualização de serviços e 
 prestações essenciais; (ii) o da autoregulação através da adopção de “códigos de 
 autoregulamentação” por parte das confederações sindicais; (iii) o da regulação 
 judicial sobretudo no caso de não existência de acordo quanto à definição de 
 serviços; (iv) o da regulação através de comissões ou entidades administrativas 
 independentes; (v) o da regulação, com base na lei, através de lista (taxativa 
 ou exemplificativa) imposta por lei; (vi) o da regulação através de portarias ou 
 despachos a cargo dos membros do governo competentes em razão dos sectores em 
 greve”].
 
  
 A) Em Espanha, no quadro do Real Decreto 17/1977, de 4 de Março, 
 considerando-se, em particular, o disposto no artigo 10.º, n.º 2, retém-se que 
 
 “quando a greve seja declarada em empresas encarregadas da prestação de qualquer 
 género de serviços públicos ou de reconhecida e inafastável necessidade e 
 concorram circunstâncias de especial gravidade, a Autoridade de governo poderá 
 estabelecer as medidas necessárias para assegurar o funcionamento dos serviços”. 
 
 
 Assente em tal base normativa, o Tribunal Constitucional espanhol decidiu, na 
 Sentencia n.º 11/81, de 8 de Abril, que não era inconstitucional a atribuição à 
 autoridade governativa da competência para a definição dos serviços mínimos. 
 Este entendimento foi posteriormente confirmado – directa ou indirectamente – 
 por sucessivas decisões do mesmo Tribunal relativas à questão da obrigatoriedade 
 de observância dos serviços mínimos durante a greve (cf., inter alia, as 
 decisões n.º 26/1981, de 17 de Julho de 1981, n.º 33/1981, de 5 de Novembro de 
 
 1981, n.º 51/1986, de 24 de Abril de 1986, n.º 53/1986, de 5 de Maio de 1986, 
 n.º 27/1989, de 3 de Fevereiro de 1989, n.º 43/1990, de 15 de Março de 1990, n.º 
 
 122/1990, de 2 de Julho de 1990 – com comentário de Maria Soledad Negro 
 Carrillo, Huelga y servicios..., op. cit., pp. 791 e ss. –, n.º 123/1990, de 2 
 de Julho de 1990, e n.º 8/1992, de 16 de Janeiro de 1992 – comentada por Manuel 
 Alonso Olea, “Huelga y mantenimiento de los servicios esenciales”, in Civitas – 
 Revista española de derecho del trabajo, n.º 58, Marzo/Abril, 1993, pp. 201 e 
 ss.).
 Reflectindo a jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol sobre a questão 
 
 – e considerando em particular a afirmação, constante da Sentencia n.º 11/1981, 
 onde se diz expressamente que “(...) se pode extrair a conclusão de que a 
 decisão sobre a adopção das garantias de funcionamento dos serviços não pode 
 pôr-se nas mãos de nenhuma das partes implicada, mas antes deve ser submetida  a 
 terceiro imparcial” e que “deste modo, atribuir à autoridade governativa o poder 
 de estabelecer as medidas necessárias para assegurar o funcionamento dos 
 serviços mínimos não é inconstitucional”–, Manuel Carlos Palomeque, “El 
 ejercicio del derecho de huelga en los servicios esenciales de la comunidad en 
 el derecho español”,  in IV Congresso Nacional de Direito do Trabalho – 
 Memórias, coord. António Moreira, Coimbra, p. 363) afirma que tal formulação 
 
 “impede de lege data, certamente, a virtualidade de fórmulas consistentes na 
 autorregulación ou autodisciplina sindicais da matéria, ou o estabelecimento 
 unilateral por parte das organizações sindicais ou dos próprios grevistas de 
 
 “códigos de comportamento” que contemplem as garantias necessárias para a 
 manutenção dos serviços essenciais em caso de greve”.
 
  
 B) Em França,  apesar de não existir uma lei, de alcance geral – para a 
 totalidade dos serviços públicos –, que fixe os termos da obrigação de prestação 
 de serviços mínimos e defina a competência para a sua fixação, não deixam de 
 existir mecanismos direccionados a assegurar a continuidade do serviço público, 
 pré-ordenada à garantia dos bens e valores constitucionais postos em crise pelo 
 exercício do direito de greve. Tais mecanismos podem traduzir-se numa negação 
 pura e simples do direito de greve (1); outros na interdição de algumas formas 
 particulares de greve, maxime, de greves “não sindicais”, de greves “rotativas” 
 e de greves “surpresa” (2); outros [mecanismos] revelam-se também na organização 
 de um serviço mínimo (3) ou no exercício de um direito de requisição (4) (cf. 
 Jean Pélissier, “Grève et substituts des services essentiels: la situation 
 française”, in Grèves et services essentiels, p. 136 e ss.; Valérie 
 Ogier-Bernaund, Les droits constitutionnels des travailleurs, Paris, 2003, p. 
 
 86, 307).
 
  Quanto aos serviços mínimos, exceptuando as situações legalmente regulamentadas 
 
 – serviço público de radiodifusão (lei de 30 de Setembro de 1986) e segurança da 
 navegação aérea (leis de 31 de Dezembro de 1984 e de 18 de Dezembro de 1987) –, 
 a tarefa de promover à sua organização cabe às autoridades administrativas ou à 
 direcção das empresas, com controlo jurisdicional, não sendo raras as situações 
 onde se assiste a uma negociação com as organizações sindicais representativas 
 
 (cf. Jean Pélissier, “Grève et substituts des services essentiels...”, op. cit., 
 in Grèves et services essentiels, op. cit., p. 143) , admitindo-se, em último 
 caso, com base numa lei de 11 de Julho de 1938, a figura da requisição dos 
 trabalhadores em greve, prevista como um “meio radical” para assegurar a 
 continuidade do serviço público (cf. Valérie Ogier-Bernaund, Les droits 
 constitutionnels..., op. cit., pp. 307-308). 
 
  
 C) Em Itália a disciplina dos serviços essenciais a observar em caso de greve 
 está contida na Legge 12 giugno 1990, n. 146. Este diploma estabelece uma 
 regulamentação multiforme da questão, combinando diversos “modelos” para a 
 fixação dos serviços mínimos essenciais (cf., para uma perspectiva geral desses 
 modelos no caso particular do regime italiano, Tiziano Treu, “Strikes in italian 
 essential services”, in Grèves et services essentiels, op. cit., pp. 175 e ss.). 
 A ideia de base presente em tal regime passa por uma forte intervenção da 
 autonomia e contratação colectivas para individualizar as medidas direccionadas 
 ao cumprimento da obrigação de assegurar os serviços mínimos, privilegiando-se, 
 por motivos relacionados com uma ideia de “consenso social” e “adaptação à 
 regulamentação de situações dinâmicas e diferenciadas”, uma técnica de “normação 
 bilateral” assente na contratação colectiva e na correspondente “centralidade de 
 uma fonte negocial” na definição das regras relativas às prestações 
 indispensáveis” (cf., sobre este aspecto particular, Tiziano Treu et al, 
 Sciopero nei servizi essenziali..., op. cit., pp. 21 e ss.), dando-se por 
 assente que tanto “a contratação colectiva, como a auto-regulamentação, 
 constituem uma primeira rede de segurança dos interesses dos utentes” (cf. Mario 
 Rusciano/Santoro-Passarelli, Lo Sciopero nei servizi essenziali..., op. cit., 
 pp. 23 e ss.). Nessa mesma linha, ainda que com contornos particulares, é também 
 dado relevo aos “códigos de autoregulamentação” que se perfilam como uma fonte 
 de regulamentação alternativa (na expressão de Mario 
 Rusciano/Santoro-Passarelli, Lo Sciopero nei servizi essenziali..., op. cit., p. 
 
 36) à contratação como forma de evitar uma “solução única e sobretudo 
 obrigatória”, salientando-se, na doutrina italiana, que o seu relevo emerge em 
 grande medida na ausência de normas resultantes da contratação colectiva (cf. 
 Tiziano Treu, Sciopero nei servizi essenziali..., op. cit., p. 176; também Mario 
 Rusciano/Santoro-Passarelli, Lo sciopero nei servizi essenziali..., op. cit., p. 
 
 37, colocam em evidência que “parece de difícil observância uma repartição de 
 competências entre a contratação e a auto-regulamentação no âmbito de uma 
 matéria tão delicada como a das prestações indispensáveis”).
 O mesmo diploma (artigo 12.º) instituiu um “órgão técnico, neutral e 
 independente do poder executivo” (cf. Tiziano Treu et al, Sciopero nei servizi 
 essenziali..., op. cit., p. 66) – a “Comissão de Garantia” (“Commissione di 
 garanzia dell’attuazione della legge sullo sciopero nei servizi pubblici 
 essenziali”, http://www.commissionegaranziasciopero.it) –, a quem cabe, inter 
 alia, no exercício de uma “função de controlo” (na expressão de Mario 
 Rusciano/Santoro-Passarelli, Lo sciopero nei servizi essenziali..., op. cit., p. 
 
 36), “valorar a idoneidade das prestações indispensáveis individualizadas nos 
 acordos entre as partes sociais e nos códigos de auto-regulamentação de modo a 
 garantir a conciliação do direito de greve com o respeito pelos direitos da 
 pessoa constitucionalmente tutelados, e, quando não os julgue idóneos, apresenta 
 
 às partes uma proposta sobre o conjunto das prestações consideradas 
 indispensáveis, [cabendo-lhe] na falta de acordo entre as partes (...) 
 
 [realizar] uma tentativa de conciliação e, em caso de insucesso, formula[r] a 
 sua proposta (...)” [artigo 13.º, n.º 1, alínea a)]. A actuação deste órgão 
 independente no âmbito da definição dos serviços mínimos que hão-de ser 
 estabelecidos para assegurar a realização das “prestações indispensáveis” assume 
 um relevo central no sistema italiano, não só pela sua componente tutelar e 
 preventiva, mas também, como se verá de seguida, porque a intervenção da 
 
 “Commissione di Garanzia” acaba por conformar o próprio procedimento governativo 
 de requisição dos trabalhadores.
 Além do exposto, importa referir que no seio de um tal modelo (ou, rectior, de 
 tais modelos) admite-se igualmente – com a figura da “precettazione”, prevista 
 no artigo 8.º do citado diploma legislativo – uma intervenção administrativa 
 autoritária mediante a consagração de um procedimento específico para a 
 requisição dos trabalhadores em greve.
 
  Tal possibilidade é conformada, como é assinalado pela doutrina, como uma 
 
 “válvula de segurança” e como medida de ultima ratio, que tem como 
 pressuposto-base a “existência de um fundado perigo de um prejuízo grave e 
 iminente para os direitos da pessoa constitucionalmente tutelados por causa da 
 falta de funcionamento de serviços de proeminente interesse geral”, sendo apenas 
 exercitável no final de um procedimento complexo ainda marcado pela busca de uma 
 solução consensual e onde, uma vez mais, avulta o papel da “Commissione di 
 Garanzia” – uma vez que a autoridade administrativa tem o dever, após ter levado 
 a cabo uma tentativa de conciliação, de convidar as partes a respeitar uma 
 proposta da “Commissione” eventualmente existente (cf. Mario 
 Rusciano/Santoro-Passarelli, Lo sciopero nei servizi essenziali..., op. cit., p. 
 
 37).
 
  
 
  
 D) No ordenamento jurídico alemão – e na ausência de uma regulamentação legal da 
 greve –, o enquadramento jurídico da problemática em questão tem sido 
 essencialmente traçado por obra da doutrina e da jurisprudência, com particular 
 destaque para as sucessivas decisões do Bundesarbeitsgericht, que – como refere 
 Liberal Fernandes (“A greve na função pública...”, cit., p. 86) – assumem “uma 
 função verdadeiramente criadora de direito”.
 Perscrutando algumas decisões do Bundesarbeitsgericht relativas ao exercício do 
 direito de greve pelos trabalhadores podem surpreender-se os pontos fulcrais em 
 discussão quanto à presente temática. 
 Neste domínio, o Tribunal afirma existir  – cf. decisões de 30 de Março de 1982, 
 de 14 de Dezembro de 1993 e de 31 de Janeiro de 1995 – um consenso generalizado 
 quanto à obrigação de os trabalhadores assegurarem os serviços essenciais e os 
 serviços relacionados com a manutenção e segurança dos equipamentos e 
 instalações da empresa, reconhecendo-se que, estando em causa interesses de 
 terceiros e da própria empresa, o respeito pelo cumprimento de tal obrigação 
 acaba por delimitar a extensão da luta laboral.
 Já quanto “à questão (...) sobre quem tem de determinar, organizar [e] dirigir” 
 os serviços mínimos (v. Decisão de 30 de Março de 1982), são patentes algumas 
 divergências ao nível da doutrina, esclarecendo o Tribunal que tal problema 
 permanece em aberto. 
 O Tribunal Federal acaba por salientar que “é tarefa das partes em conflito 
 esforçarem-se pela regulamentação ordenadora dos serviços mínimos, [sendo que] 
 se chegarem a um acordo, é este que vale como princípio geral a observar durante 
 a greve” (v. Decisão de 31 de Janeiro de 1995), privilegiando-se o recurso a 
 formas convencionais de auto-regulamentação, muitas vezes assentes em directivas 
 da Deutscher Gewerkschaftsbund ou em acordos celebrados para determinados 
 serviços de emergência (v. Liberal Fernandes, “A greve na função pública...”, 
 op. cit., pp. 91-92, maxime, n. 39).
 
  
 
 8.2.2.2 - Considerando agora algumas referências que o problema em questão tem 
 merecido entre nós, atente-se na nossa jurisprudência, designadamente na 
 orientação sucessivamente firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo (cf. os 
 Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Janeiro de 1992, de 26 de 
 Novembro de 1997, de 19 de Maio de 1999 e de 18 de Janeiro de 2000), 
 substancialmente análoga, quanto aos argumentos mobilizados, à que é acolhida 
 pelo Acórdão recorrido, segundo a qual não existe, desde logo, qualquer preceito 
 a impor “[um]a definição prévia dos serviços mínimos a prestar (...)”, pelo que, 
 no quadro de uma tal pressuposição, entende-se que “(...) a definição dos 
 serviços mínimos indispensáveis cabe em primeira linha às próprias associações 
 sindicais e aos trabalhadores em greve, são estes que, nos termos da lei, têm de 
 assegurar esses serviços mínimos (...). Poderia objectar-se (...) com os riscos 
 de um tal regime, colocando nas mãos dos trabalhadores em greve a determinação 
 do que constituem as necessidades sociais impreteríveis e o modo de as 
 satisfazer. [§] Mas não é assim. [§] Na verdade, o instrumento da requisição 
 civil sempre poderá funcionar, no âmbito do artigo 8.º da Lei da Greve (...), 
 sem estar condicionado à eventual «definição» que os trabalhadores façam dos 
 serviços mínimos a prestar, bastando que os membros do Governo entendam, no 
 preenchimento da aludida «cláusula geral», que os trabalhadores em greve não 
 estão a assegurar a satisfação das necessidades sociais impreteríveis”. 
 Trata-se de uma posição a que corresponde, no essencial, a doutrina sufragada 
 por José João Abrantes (op. cit., pp. 133 e ss., e “Greve e serviços mínimos”, 
 in Direito do trabalho – Ensaios, Lisboa, 1995, pp. 205 e ss., esp.te 217 e 
 ss.), para quem “a competência em questão pertencia aos sindicatos e aos 
 trabalhadores em greve, enquanto imediatos destinatários dos n.os 1 e 3 do art. 
 
 8.º, ficando reservado ao Governo apenas o juízo e as competências que lhe eram 
 conferidas pelo n.º 4 (...) daquele artigo, preceito que, todavia, pressupunha 
 para a sua aplicabilidade o não cumprimento pelos trabalhadores daquelas suas 
 obrigações”.
 Assim, afirma o Autor (v. “Greve e serviços mínimos”, in Direito do trabalho – 
 Ensaios, cit., pp. 217-218 – texto escrito na vigência da Lei n.º 30/92): “(...) 
 no caso dos serviços públicos (por exemplo, de saúde), o Governo é também 
 entidade patronal, o que compromete claramente o afirmado atributo de 
 neutralidade e imparcialidade. [§] Independentemente disso, havia que reconhecer 
 não haver efectivamente qualquer norma legal ou constitucional atributiva da 
 referida competência ao Governo. [§] Uma coisa é o poder de decretar a 
 requisição ou a mobilização – e a ela se referia o n.º 4 do art. 8.º -  e outra, 
 bem distinta, é a faculdade de definir os serviços mínimos, a qual claramente a 
 lei se abstinha de atribuir. [§] Também sustentávamos não ser possível ver tal 
 norma no art. 202.º, f) e g), da Constituição, disposição relativa à competência 
 administrativa do Governo e que manifestamente não releva para a situação em 
 apreço. Aliás, a interpretação que a tal preceito faz apelo sempre seria de 
 compaginar com uma outra norma constitucional, a do art. 168.º, 1, b), de onde 
 resulta que o direito à greve é matéria abrangida pela reserva de competência 
 legislativa da Assembleia da República. [§] Antes pelo contrário, o que a lei 
 dizia é tão-só que a obrigação dos serviços mínimos impende sobre os 
 trabalhadores em greve. Estes deveriam então cumpri-la pontualmente, ficando 
 reservado ao Governo – apenas – o juízo e as competências que lhe eram 
 conferidas pelo art. 8.º, 4, da Lei da Greve, preceito que, no entanto, 
 pressupõe para a sua aplicabilidade o não cumprimento pelos trabalhadores 
 daquelas suas obrigações”.
 Já o Supremo Tribunal de Justiça, por seu turno, em Acórdão de 6 de Dezembro de 
 
 1993, considerou, em linha oposta, que “(...) em caso de greve dos trabalhadores 
 de uma empresa do sector dos transportes públicos, não é à empresa empregadora 
 nem às associações sindicais, mas sim ao Governo, que compete definir quais os 
 serviços mínimos cuja execução é de considerar indispensável durante os dias de 
 greve, competindo depois às associações sindicais e aos trabalhadores a 
 designação individual daqueles que irão assegurar a prestação dos serviços pelo 
 Governo fixados”.
 Também a Procuradoria-Geral da República, já depois da prolação do Acórdão n.º 
 
 289/92 deste Tribunal, voltou a considerar o problema da definição e cumprimento 
 dos serviços mínimos, num Parecer (de 18 de Janeiro de 1999) que sistematiza o 
 
 “estado da questão” ao nível do direito pátrio, justificando-se, por isso – e 
 pelo interesse que as questões aí abordadas envolvem para o problema dos autos – 
 que se considerem as linhas capitais com que a questão da obrigatoriedade dos 
 serviços mínimos e a sua definição aí foi tratada:
 
  
 
 «(...)
 O conceito constitucional e legal de “serviços mínimos” é fluído e 
 indeterminado, pelo que as variações de amplitude envolvidas na sua 
 concretização implicam por necessidade variações inversamente proporcionais do 
 conteúdo da greve.
 
  Em suma, a definição e concretização dos serviços mínimos pode redundar numa 
 restrição ou compressão do núcleo essencial do direito à greve.
 
  Se, todavia, importa conciliar o exercício do direito de greve com a protecção 
 de interesses colectivos essenciais e impreteríveis, da aplicação dos textos 
 constitucional e legal de forma alguma pode resultar a inutilização prática 
 daquele direito.
 
  “Se, de facto, não se quis imolar quaisquer direitos fundamentais ao direito de 
 greve, muito menos se quis sacrificar este àqueles: visou-se apenas atingir o 
 necessário ponto de equilíbrio entre um e outros.”
 
   (...) Sendo o conceito de “serviços mínimos” fluido e indeterminado, e 
 exigindo, por isso, definição de concretização, a lei não indica, porém, 
 expressa e directamente, a competência para fixar os serviços mínimos.
 
  A ausência de fixação directa na lei tem provocado em diversas ocasiões um 
 labor interpretativo de ordem sistemática deste Conselho na determinação da 
 competência para a definição do nível, conteúdo e extensão dos serviços mínimos.
 
  Com a conclusão sucessivamente reiterada de que tal competência pertence ao 
 Governo.
 
  Tem-se, com efeito, ponderado que “a definição do nível, conteúdo e extensão 
 dos serviços mínimos indispensáveis releva os interesses fundamentais da 
 colectividade, depende em cada caso da consideração de circunstâncias 
 específicas, segundo juízos de oportunidade e compete ao Governo” –, 
 argumentando-se com a ideia de que a decisão sobre o conteúdo dos serviços 
 mínimos pode transformar-se em factor de conflito entre as partes, e não 
 deveria, por isso, ser deixada na disponibilidade de nenhumas delas, “mas 
 submetida à decisão de uma entidade, em princípio, imparcial”.
 
  Assim, estando em causa “valores implicando considerações de ordem pública, 
 apareceria o Governo, até por razões constitucionais de defesa da legalidade 
 democrática e de tomada das providências necessárias à satisfação das 
 necessidades colectivas - então o disposto nas alíneas f) e g) do artigo 202º da 
 Constituição, hoje do artigo 199º - como a entidade adequada”.
 
  Argumentou-se, também, com o n.º 4 do artigo 8º da Lei da Greve, a qual permite 
 o Governo determinar a requisição ou mobilização se os serviços mínimos não 
 estiverem a ser assegurados, o que teria implícita a competência prévia para a 
 definição do âmbito e nível daqueles serviços mínimos.”
 
  A formulação do Conselho quanto às questões de competência para a fixação dos 
 serviços mínimo suscitou objecções em alguma doutrina. Ponderando objecções, o 
 Conselho reafirmou recentemente a sua posição nos termos seguintes: “Não deixará 
 de se admitir que a decisão de considerar certo departamento como prestador de 
 serviços essenciais e a consequente fixação de serviços mínimos, tomada pelos 
 
 órgãos de direcção de um serviço directamente dependente do Governo, ou mesmo de 
 um serviço personalizado, de um instituto público ou empresa pública, é 
 susceptível de revestir a aparência de menos imparcialidade.
 
  Dará, em menor grau, o flanco à crítica a decisão tomada pelo próprio Governo.
 
  De qualquer modo, não se vê razão para abandonar a posição que vem sendo 
 seguida por este Conselho, nos termos da qual é ao Governo que compete, em 
 
 última instância, tomar as providências necessárias à satisfação das 
 necessidades colectivas, bem como à defesa da legalidade democrática, tal como 
 advém das alíneas f) e g) do artigo 199º da Constituição.
 
  “É certo que o novo n.º 3 do artigo 57º remete para a Lei a definição das 
 condições de prestação desses serviços mínimos, o que não se encontra cabalmente 
 conseguido com o dispositivo actual.”
 
  E acrescenta-se “que [...] não será despiciendo assinalar que a Administração, 
 ao prosseguir o interesse público, deve fazê-lo no respeito pelos direitos e 
 interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Resulta do n.º 2 do artigo 266º 
 da Constituição que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à 
 Constituição e à lei e devem actuar nas suas funções com observância dos 
 princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade.
 
  Por outro lado, a participação dos cidadãos nas decisões ou deliberações que 
 lhes disseram respeito é um princípio também com inscrição constitucional – n.º 
 
 5 do artigo 267º.
 
  Ademais, as decisões tomadas pelo Governo não deixam de estar sujeitas à 
 possibilidade de controlo jurisdicional.
 
  O que quer dizer que, embora seja o Governo a usar do poder de fixar quais 
 sejam os serviços essenciais e a determinar a medida dos serviços mínimos, não 
 deve fazê-lo sem audição das associações sindicais ou comissões de greve, ainda 
 quando haja trabalhadores disponíveis, não aderentes à greve, já que a situação 
 pode alterar-se.”
 
  “Isto independentemente do poder-dever que assiste ao Governo de determinar a 
 requisição civil dos trabalhadores necessários ao seu cumprimento, de acordo com 
 disposto no n.º 4 do artigo 8º da Lei n.º 65/77, que se colocará numa fase 
 seguinte.”
 
  (...)».
 
  
 Importa também notar o entendimento expresso por Gomes Canotilho/Jorge Leite (in 
 
 “Ser ou não ser uma greve...”, cit., p.31-32), que, perante a regulamentação 
 aqui em crise, evidenciam algumas dimensões problemáticas assaz relevantes:
 
  
 
  “(...) a lei da greve (...) limita-se a enunciar alguns dos sectores que se 
 destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis (art. 8.º/2), 
 parecendo estabelecer uma autovinculação das associações sindicais quanto à 
 prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer a essas necessidades 
 
 (art. 8.º/1). Em termos textuais, a lei não diz que os sindicatos são as 
 entidades competentes para definir os serviços mínimos; impõe, sim, a obrigação 
 das associações sindicais de assegurarem durante a greve a prestação dos 
 serviços mínimos indispensáveis. Uma coisa é dizer-se quem tem competência para 
 a definição de serviços mínimos e outra é dizer-se quem está obrigado a cumprir 
 esses serviços. A confusão destes dois planos explica a frequente inversão de 
 competências com alguns sindicatos a reivindicarem a competência para a 
 definição de serviços mínimos e a assumirem a obrigação de apenas cumprirem os 
 serviços mínimos por eles definidos. Ora, isto equivaleria a reivindicar uma 
 completa competência de auto-regulamentação de modo algum consagrada no 
 ordenamento jurídico-constitucional português. A dimensão de autoregulação 
 subsiste, num primeiro momento, na gestão da obrigação de prestação de serviços 
 mínimos definidos pelas entidades legalmente competentes e não na definição 
 destes mesmos serviços. Note-se que nada impede (...) que a definição dos 
 serviços mínimos comece por uma autoregulação das partes envolvidas, mas não se 
 pode impedir que, na falta de acordo autoregulativo, as entidades públicas 
 constitucional e legalmente responsáveis pela defesa de direitos e satisfação 
 das necessidades sociais impreteríveis fixem o nível concretamente adequado de 
 serviços mínimos. Num Estado de direito, os sindicatos poderão, como é óbvio, 
 contestar judicialmente a decisão das autoridades, assim como estas poderão 
 recorrer à via judiciária para obter, se for o caso, a efectivação da 
 responsabilidade das associações sindicais e dos trabalhadores. 
 
 (...) compreende-se, porém, que a lei da greve não tenha querido eliminar 
 totalmente uma autoregulação concertada das partes em conflito, evitando duas 
 unilateralidades, quais sejam a de só confiar à entidade empregadora ou 
 associações patronais e só às associações sindicais e aos trabalhadores a 
 definição dos serviços mínimos (cfr. art. 8.º/4-5 da Lei 65/77 com a redacção 
 que lhe deu a Lei 30/92, entretanto declarada inconstitucional). Na falta, 
 porém, de previsão legal quanto a outros esquemas – heteroregulação judicial ou 
 heteroregulação por entidades independentes – e ausência de autoregulações 
 satisfatórias, só as entidades estatais que têm a responsabilidade pública pela 
 continuidade de serviços sociais indispensáveis se perfilam como instâncias 
 competentes para a definição de serviços mínimos (cfr. art. 8.º/6 da Lei 65/77 
 com a redacção que lhe fora dada pela Lei 30/92). Note-se que esta solução não 
 deixa de suscitar problemas, sobretudo quando as entidades públicas são também 
 as entidades empregadoras, pelo que, pelo menos enquanto esta matéria não for 
 devidamente regulamentada, ainda mais se justifica a existência de um 
 procedimento judicial próprio que responda celeremente ao recurso da parte 
 interessada.
 A generalidade da doutrina constitucional articula a competência do Estado para 
 a definição de serviços mínimos indispensáveis com a ideia de dever de protecção 
 que imputa ao Estado a responsabilidade pela criação de organizações, 
 procedimentos e processos indispensáveis à garantia e protecção de direitos 
 fundamentais. Isto sobretudo quando estão em causa direitos fundamentais da 
 pessoa como a vida, a saúde, a segurança, a integridade física. Em algumas 
 formulações, este dever de protecção de direitos fundamentais abrange a 
 necessidade de conformar as regulações jurídicas de modo a evitar o perigo de 
 violação de direitos fundamentais caso se verifiquem determinados pressupostos. 
 Como pressupostos especiais para a equiparação de perigo de violação de direitos 
 a lesão de direitos assinala-se a elevada possibilidade de resultarem, 
 relativamente aos utentes de serviços essenciais, riscos sérios quanto ao 
 direito à vida ou danos importantes para a saúde.
 Estas considerações, articuladas com as razões aduzidas pela Procuradoria-Geral 
 da República (Parecer, DR II, de 29-11-90), levam-nos a defender que, quando 
 falte ou se revele insatisfatório o mecanismo de autoregulação daqueles sobre os 
 quais recai a obrigação de os prestarem, cabe ao Governo, através dos ministros 
 interessados, proceder à definição dos serviços mínimos.”
 
  
 
 8.2.3 - Após as considerações supra efectuadas (ponto 8.2.1.) sobre a 
 conformação do direito à greve e a imposição de limites a tal direito 
 fundamental, preordenados à imperiosa necessidade de assegurar o respeito pela 
 satisfação de necessidades sociais impreteríveis, e perspectivados, tendo em 
 conta algumas experiências jurídicas além-fronteiras, diversos modelos relativos 
 
 à questão da competência para definir ou identificar em concreto os serviços 
 mínimos que devem ser assegurados pelos trabalhadores (essencialmente o ponto 
 
 8.2.2.), importa agora, respeitando as linhas fundamentais que emergem de tal 
 enquadramento, incidir directamente sobre o problema de constitucionalidade 
 suscitado nos presentes autos. E isto tendo em conta que o “modelo operativo” de 
 
 “definição” dos serviços mínimos – finalisticamente ordenados para satisfação 
 das necessidades sociais impreteríveis –, gizado na decisão recorrida a partir 
 de uma densificação normativa do artigo 8.º da Lei da Greve, assenta em três 
 dimensões nucleares que se entrecruzam reciprocamente:  (a) em primeiro lugar, 
 perfila-se, desde logo, o problema da (não) imposição de uma prévia actuação – 
 independentemente do autor que a leve a cabo – ao nível da definição dos 
 serviços mínimos, em termos de estes ficarem de alguma forma individualizados e, 
 assim, preventivamente determinados no momento efectivo da paralisação laboral; 
 
 (b) depois, seguindo na linha do “procedimento” firmado pelo Tribunal, assume-se 
 como tarefa exclusiva dos trabalhadores proceder in casu à “definição” dos 
 serviços mínimos no âmbito do cumprimento da obrigação estabelecida pelo artigo 
 
 8.º, n.º 1, da Lei da Greve; (c) finalmente, para concluir, o Tribunal sustenta 
 que o Governo poderá sempre intervir quando entender que os trabalhadores, no 
 preenchimento da “cláusula geral” de obrigação de asseguramento da satisfação 
 das necessidades sociais impreteríveis, não a cumprem em termos adequados.
 Tais dimensões – que concretizam a “norma do caso” mobilizada pelo Supremo 
 Tribunal Administrativo – não podem deixar de ser conjuntamente consideradas em 
 ordem à resolução do problema de constitucionalidade colocado nos autos, sendo 
 apenas no âmbito de uma tal “visão de conjunto” por elas possibilitadas que se 
 deverá perspectivar a resolução do caso sub judicio.
 
  
 Já se deixou expresso o sentido teleológico inerente à obrigação de assegurar os 
 serviços mínimos em termos de, neste momento, se poder considerar que a questão 
 do cumprimento – rectior, da imposição... – de tal obrigação, em respeito pela 
 satisfação de necessidades sociais impreteríveis, constitui um ponto fundamental 
 e nuclear ao nível do respeito por determinados valores e direitos 
 constitucionalmente tutelados – estando, pois, inerente ao seu estabelecimento 
 uma preventiva dimensão de garantia, preservação e respeito efectivo própria da 
 tutela constitucional dispensada aos direitos fundamentais.
 Todavia, não obstante corresponderem a uma dimensão material do Estado de 
 direito democrático, a responsabilidade pela realização, efectivação e prevenção 
 dos bens jurídicos aqui envolvidos não cabe exclusivamente ao Governo.
 
  A obrigação de definição dos serviços mínimos capazes de satisfazer as 
 necessidades sociais impreteríveis corresponde a uma obrigação que, por 
 natureza, deve ter-se por manifestamente indisponível, mesmo quando atribuída 
 aos trabalhadores, daí decorrendo que, na sua conformação, terá de proceder-se a 
 uma ineliminável tarefa de determinação e avaliação de quais sejam as 
 necessidades sociais impreteríveis que correspondem a dimensões nucleares 
 constitucionalmente tuteladas e que hão-de ser pacificadas mediante a prestação 
 de serviços mínimos. 
 A tal não obsta, de modo algum, o facto de a construção legislativa que 
 densifica a obrigação de cumprimento dos serviços indispensáveis à satisfação 
 das necessidades sociais impreteríveis assentar, justificadamente, numa 
 ordenação não taxativa edificada sobre conceitos indeterminados, não 
 dispensando, assim, um esforço de concretização e densificação não só quanto ao 
 quid (aqui se questionando os domínios laborais sujeitos à regra da continuidade 
 da laboração de forma a não afectar as “necessidades sociais impreteríveis”), 
 mas igualmente no que concerne ao quantum que permitirá lograr o cumprimento da 
 intenção prático-normativa da imposição legal.
 Nessa linha, não pode duvidar-se de que a concretização definidora dos serviços 
 mínimos se pauta por um critério legalmente estabelecido que, nessa medida, se 
 assume como um tipo ordenador e delimitador em face da concreta delimitação que 
 se opere, pelo que a questão da competência para a definição dos serviços 
 mínimos não deixa de estar, decerto, ineliminavelmente ligada à intenção 
 prático-normativa subjacente à imposição da obrigação de se assegurar a devida 
 satisfação das necessidades sociais impreteríveis. 
 Por isso, mesmo que o grau de densificação normativa com que o legislador 
 recortou a esfera de tal imposição acabe por transferir a especificante 
 conformação dessa mesma obrigação para o plano casuístico, as indefectíveis 
 exigências de previsibilidade, segurança e garantia de tutela efectiva dos 
 direitos fundamentais e dos valores constitucionais potencialmente afectados por 
 uma greve não podem deixar de impor que se acautele devidamente uma determinação 
 identificadora das prestações sociais impreteríveis, daí decorrendo logicamente 
 
 – et pour cause – que o cumprimento da obrigação de prestação de serviços 
 mínimos não possa deixar de estar sempre preordenado a uma tal definição.
 
             O que, em todo o caso, não implica forçosamente que esta última 
 dimensão apenas sobressaia – e, em rigor, se esgote – no momento em que se torna 
 necessário assegurar os serviços mínimos, ficando (por isso) exclusivamente nas 
 mãos dos trabalhadores a competência (implícita) para a determinação dos 
 serviços a cumprir, tendo assim de concluir-se, como se diz no acórdão 
 recorrido, que a “não imposição de definição prévia, por quem quer que seja, 
 começa desde logo a apontar para a falta de apoio legal de um acto autoritário 
 dos membros do Governo que estabeleça os serviços mínimos a prestar (...) [não 
 se devendo] esquecer que os destinatários directos da norma são os trabalhadores 
 e as associações sindicais a quem (...) compete definir o âmbito dos interesses 
 a defender durante a greve”. 
 De resto, a mesma decisão recorrida, como infra se explicitará, admite que, 
 através do instituto da requisição civil, o Governo não fique preso à 
 
 “definição” operada pelos trabalhadores, “bastando que os membros do Governo 
 entendam (...) que os trabalhadores em greve não estão a assegurar a satisfação 
 das necessidades sociais impreteríveis”.
 Em todo o caso, a questão da competência para a definição dos serviços mínimos 
 não deixa de estar de algum modo associada directamente à dimensão 
 prático-normativa subjacente à imposição da obrigação de se assegurar a devida 
 satisfação das necessidades sociais impreteríveis, pelo que nada obsta a que, 
 sob a perspectiva da sua titularidade, tal definição possa estar acoplada a 
 esta, sem que, porém, seja a única solução constitucional possível.
 Assim e nesta perspectiva, a questão que se assume como verdadeiramente nuclear 
 
 é a de saber se o esquema operativo [pré-]ordenado ao cumprimento da obrigação 
 dos serviços mínimos, atenta a sua intencionalidade, há-de ficar, sem violação 
 do parâmetro constitucional invocado, fora do alcance da competência do Governo.
 E, quanto a este ponto particular – que infra se desenvolverá – a  Constituição 
 não reclama, forçosamente, uma intervenção do Governo, sendo igualmente 
 compatível com modelos operatórios que afectem a outras instâncias a tarefa de 
 proceder a tal definição, não sendo forçoso que para o preenchimento dos 
 conceitos indeterminados que recortam a obrigação em causa se haja de impor a 
 intervenção do Governo ao nível da identificação/concretização das necessidades 
 sociais impreteríveis a satisfazer. 
 
             
 Atente-se, então, no problema de saber “a quem cabe” definir e concretizar o 
 quid e o quantum em que a obrigação de prestação de serviços mínimos se cumpre, 
 ou seja, por outras palavras, “quem tem competência” para proceder à 
 densificação concretizadora da intenção normativa da norma que recorta tal 
 orientação, sendo certo, porém, que tal resposta está, nos autos, estritamente 
 vinculada ao objecto do recurso de constitucionalidade e, assim, à apreciação da 
 bondade constitucional do normativo critério decisório sobre o qual incide o 
 presente recurso.
 
  
 Concretizando o “esquema” normativo traçado pela recorrida decisão do Supremo 
 Tribunal Administrativo, e, em particular, a resposta que a questão supra 
 enunciada aí mereceu, podem, em essência, diferenciar-se dois momentos: num 
 primeiro, afirma-se a responsabilidade dos trabalhadores e das suas estruturas 
 representativas pela obrigação de assegurar o cumprimento dos serviços mínimos 
 e, consequentemente, pela concretização identificadora/definidora  desses 
 serviços; num segundo momento, salienta-se que, perante tal definição, o Governo 
 pode, “sem estar condicionado à eventual ‘definição’ que os trabalhadores façam 
 dos serviços mínimos a prestar”, lançar mão do instrumento da requisição civil, 
 daí resultando, no entendimento da decisão recorrida, que “[não se coloca] nas 
 mãos dos trabalhadores em greve a determinação do que constituem as necessidades 
 sociais impreteríveis e o modo de as satisfazer”.
 
             Temos, portanto, que a decisão recorrida entendeu que a tarefa de 
 identificação e fixação dos serviços mínimos cabe, em primeira linha, aos 
 trabalhadores de forma exclusiva e incondicionada por qualquer actuação 
 governamental.
 Vale isto por dizer que a concretização da obrigação de prestação dos serviços 
 conectados com as necessidades sociais impreteríveis – e a sua avaliação – está 
 sempre, segundo tal decisão, num primeiro instante, dependente da posição que 
 seja assumida, em concreto, pelos trabalhadores e sindicatos, em termos de ser 
 tal definição (ou a sua ausência...) a delimitar (ou a excluir...), 
 apodicticamente, o sentido, o conteúdo e o alcance da imposição que sobre eles 
 impende, assim se atribuindo aos trabalhadores o poder de conformação da 
 obrigação de prestação de serviços mínimos que têm de ser garantidos – o que é 
 corroborado, e potenciado,  pelo entendimento de que não é exigível uma 
 definição prévia desses serviços.
 Mas, por outro lado, precisou-se aí também que o Governo não está impedido de 
 intervir na conformação da obrigação de prestação de serviços mínimos, na medida 
 em que, mesmo cabendo, prima facie, aos trabalhadores a “definição” desses 
 serviços, a autoridade administrativa não fica absolutamente vinculada pela 
 fixação que venha a ser estabelecida pelos sindicatos, uma vez que, em última 
 análise, caberá sempre ao Governo uma intervenção correctiva e de garantia do 
 cumprimento da obrigação que impende sobre os trabalhadores, prefigurando-se a 
 requisição civil como um instrumentarium de reacção, sobreponível a uma 
 desadequada “definição” dos serviços mínimos. 
 Deste modo, pode dizer-se que, mesmo segundo a decisão recorrida, a atribuição 
 aos sindicatos da tarefa de definição dos serviços mínimos não corresponde ao 
 reconhecimento de um poder absoluto e insindicável e, em todo o caso, 
 definitivo, mas apenas a um iter do procedimento de greve (que não deixa de 
 estar sujeito a uma intervenção governativa cuja intenção e conteúdo passam, 
 decerto, pela avaliação da correcção do quid e do quantum “definido”, 
 sobreponível ao primeiro juízo, enquanto intervenção de autoridade que assegure 
 o cumprimento da obrigação legal e constitucionalmente imposta).
 
 É certo que a decisão impugnada constitucionalmente, por fazer coincidir o 
 momento da “definição” dos serviços mínimos com o da sua realização, parece 
 sugerir a ideia de que ficará afastada a possibilidade de  o Governo lançar mão 
 de medidas preventivas directamente orientadas para evitar uma iminente situação 
 de incumprimento da obrigação de serviços mínimos e de lesão dos direitos 
 fundamentais.
 Note-se, no entanto, ser também possível uma sua leitura no sentido de que a 
 requisição civil poderá ser determinada pelo Governo logo que este entenda que 
 os trabalhadores, com a posição concretamente adoptada, não estão a assegurar, 
 mesmo que cautelarmente, a satisfação das necessidades sociais impreteríveis.
 Como quer que seja, nem o modo como a decisão recorrida entendeu o instrumento 
 da requisição civil (se passível ou não de ser usado cautelarmente) vincula o 
 Tribunal Constitucional, por não incorporar a dimensão normativa 
 constitucionalmente sindicada, correspondendo a um simples argumento de 
 interpretação de ordem sistemática de que o tribunal a quo se socorreu para 
 definir a norma impugnada, nem a solução da questão de conformidade 
 constitucional da acepção normativa de que cabe aos trabalhadores a competência 
 para a definição dos serviços mínimos é forçosamente implicada pela posição que 
 se tome quanto à resolução dessa questão.
 Na verdade, uma coisa é a questão da necessidade de salvaguardar a eficácia da 
 tutela constitucional dispensada aos direitos fundamentais em caso de risco 
 iminente da sua lesão, derivada da falta ou errada definição do quid e do 
 quantum dos serviços mínimos que satisfaçam as necessidades sociais 
 impreteríveis, pois  que “as limitações ao direito à greve impostas em nome da 
 continuidade dos serviços públicos justificar-se-ão não tanto em nome do combate 
 ao «abuso de direitos fundamentais» mas em nome da defesa de outros direitos 
 fundamentais” (v. Gomes Canotilho/Jorge Leite, “Ser ou não ser uma greve...”, 
 op. cit., pp. 28-29); outra diferente é a questão da atribuição da competência 
 para a definição dos serviços mínimos cuja correcta utilização obviará a que 
 esse risco de lesão se verifique. 
 Deste modo, as problemáticas da possibilidade de recurso a meios cautelares para 
 evitar o risco iminente de lesão de direitos fundamentais pela falta ou errada 
 definição dos serviços necessários e adequados a assegurar a satisfação das 
 necessidades sociais inadiáveis,  de quais sejam os instrumentos jurídicos 
 funcionalizados à obtenção dessa tutela preventiva que satisfaçam as exigências 
 do princípio da proporcionalidade  constantes do n.º 2 do art.º 18º da CRP 
 
 (necessidade, adequação e justo limite) e da competência ou legitimidade para 
 lançar mão deles não contendem com a questão de saber a quem cabe a competência 
 legal para proceder à definição dos serviços mínimos cuja realização  obstará 
 
 àquele risco, podendo as respostas conviver tanto com o sistema defendido pela 
 recorrente como com o sustentado pela decisão recorrida, ou até com os 
 consagrados no direito comparado que se sumariou, prendendo-se antes com a 
 questão de concessão, em caso de risco de lesão, da sua tutela preventiva - 
 risco esse que pode decorrer da falta ou errada definição dos serviços mínimos 
 adequados a satisfazer as necessidades sociais impreteríveis,  qualquer que seja 
 o sujeito a quem a lei ordinária atribua a competência para a definição desses 
 serviços mínimos.
 
 É, pois, neste campo que se poderá colocar a questão da idoneidade 
 constitucional do instituto da requisição civil para poder funcionar como meio  
 administrativo cautelar do risco de lesão dos direitos fundamentais decorrente 
 da falta ou errada definição dos serviços mínimos adequados a satisfazer as 
 necessidades sociais impreteríveis – problema, aliás, que esteve em análise no 
 Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de Março de 2002, e que aí 
 mereceu resposta negativa, mas cuja solução não chegou a ser sindicada em sede 
 de recurso constitucional, suscitando a observação de Bernardo Xavier (in 
 
 “Requisição civil, serviços mínimos...”, cit., p. 33) de que tal “acórdão revela 
 uma distância muito grande das situações de risco ou de perigo” (para o Autor, é 
 certo que “o simples perigo de violação de bens fundamentais pode, em toda a 
 parte, legitimar acções de excepção”, admitindo, assim, perante um caso no qual 
 os trabalhadores manifestaram a sua intenção de não cumprir quaisquer serviços 
 mínimos, a mobilização do instituto da requisição civil como instrumento 
 cautelar de garantia dos valores constitucionais tutelados pela obrigação de 
 satisfação das necessidades sociais impreteríveis, o que “reclama que estejam a 
 postos os serviços indispensáveis para debelar situações de emergência, porque é 
 essa prontidão que satisfaz a legítima aspiração à segurança da própria 
 comunidade envolvida”). Isto não sendo igualmente inédito, mesmo ao nível da 
 doutrina, o reconhecimento da possibilidade de o Governo, judicialmente, “lançar 
 mão de uma providência cautelar urgente, pedindo que as associações sindicais 
 sejam condenadas a indicar os trabalhadores necessários à prestação dos serviços 
 mínimos e à segurança das instalações” (cf. José João Abrantes, “Greve e 
 serviços mínimos”,  op. cit., p. 230). 
 Trata-se, assim, de questão que se pode deixar em aberto, por a sua solução não 
 implicar, como já se disse, com a decisão da questão de saber se a norma aqui 
 concretamente sindicada respeita as normas e princípios constitucionais, 
 nomeadamente, os preceitos do artigo 199º, alíneas f) e g), da Constituição.
 
  
 
             Não obstante se admitir, como se disse, que a atribuição da 
 competência para definir os serviços mínimos, como dimensão coetânea e 
 incindível da obrigação de assegurar o cumprimento de prestações sociais 
 impreteríveis, em exclusivo aos trabalhadores acabe por poder contender com o 
 exercício de uma função pública direccionada a salvaguardar os interesses vitais 
 da colectividade e, consequentemente, a evitar lesões efectivas dos bens 
 jurídicos fundamentais que se pretendem garantir, não é de concluir – com o que 
 se avança a resposta à questão  decidenda – pela desconformidade da norma 
 sindicada com a Lei fundamental.
 
             É certo que a Constituição reserva ao Governo, no domínio da função 
 administrativa, um papel específico, traduzido, desde logo, na “responsabilidade 
 pública pela continuidade de serviços sociais indispensáveis” e que se efectiva, 
 de forma clara, no mandato conferido no artigo 199.º, alíneas f) e g), da nossa 
 Lei Fundamental, podendo, até, ver-se nessa incumbência um argumento a favor da 
 tese (questão deixada em aberto) de que o Governo tenha competência 
 constitucional para, em caso de greve anunciada ou efectivada, lançar mão de 
 meios administrativos ou de medidas cautelares judiciais para “defender e 
 garantir os direitos e interesses dos cidadãos reconhecidos por lei” e de que 
 lhe caiba “providenciar (...) pela satisfação das necessidades colectivas do 
 país” (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 3.ª edição revista, p. 783 – em anotação ao então artigo 202.º), até 
 porque “incumbe ao Estado garantir a continuidade dos serviços mínimos 
 indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis 
 
 (...) [tratando-se], como assinala a doutrina, do cumprimento de um dever de 
 protecção (Schutzpflicht), indispensável à garantia de direitos num estado de 
 direito democrático-constitucional” (Gomes Canotilho/Jorge Leite, “Ser ou não 
 ser uma greve...”, op. cit., p. 40).
 
  
 
             Mas o que seguramente não decorre de tais preceitos é que, 
 possivelmente ressalvado o quadro do uso necessário, proporcionado e adequado de 
 meios jurídicos tendentes a acautelar o risco de lesão de direitos fundamentais 
 pela falta ou errada definição dos serviços mínimos pacificadores das 
 necessidades sociais inadiáveis ou impreteríveis, a Constituição atribua 
 directamente ao Governo a competência para poder definir os serviços mínimos que 
 assegurem a satisfação, em caso de greve, das necessidades sociais inadiáveis ou 
 que - questão que é objecto deste recurso - o legislador ordinário esteja 
 constitucionalmente obrigado a adoptar uma solução nos termos da qual o Governo 
 não possa ser excluído na definição desses serviços mínimos em caso de greve.
 
             O que não seria constitucionalmente tolerável, na óptica da defesa 
 de outros direitos fundamentais, seria que perante uma “não”-definição ou 
 perante uma deficiente definição dos serviços mínimos – que não acautelasse 
 devidamente o cumprimento da obrigação de assegurar a realização das prestações 
 sociais impreteríveis –, se vedasse ao Governo, e em geral à autoridade pública, 
 qualquer  prerrogativa de actuar tomando todas as providências necessárias à 
 satisfação das necessidades colectivas, com particular destaque, como é óbvio, 
 para aquelas que tocam interesses vitais da comunidade e direitos essenciais da 
 pessoa humana, cuja tutela não se mostra compatível com situações de clara e 
 manifesta indefinição.
 Mas, fora desse quadro, não se vê razão para que não possa caber aos 
 trabalhadores, por força de lei, a definição das necessidades sociais 
 impreteríveis a satisfazer.
 
  Ademais, não pode ignorar-se que o entendimento contrário acabaria por 
 conduzir, em tal âmbito, a uma solução que vedaria ao legislador a possibilidade 
 de prever uma outra metodologia de definição dos serviços mínimos, fosse ela 
 deixada a cargo de entidades independentes ou a órgãos de natureza paritária 
 e/ou arbitral, pois teria sempre de estar também nas mãos do Governo o alfa e o 
 omega da competência para a fixação dos referidos serviços. 
 
             
 Pode assim concluir-se que a norma constitucionalmente sindicada não viola os 
 preceitos constantes das alíneas f) e g) do artigo 199º da Constituição.
 
  
 
  
 
  
 
  
 
 9 - Invoca também a Recorrente que a norma em crise afronta o disposto nos 
 artigos 55.º e 56.º da Constituição, colidindo com “o perfil constitucional dos 
 sindicatos”, na medida em que, como se alega, “em face do quadro constitucional 
 e legal vigente, os sindicatos apresentam-se como puros sujeitos de direito 
 privado, cuja representação é naturalmente limitada pelo interesse colectivo da 
 categoria sindical definida nos seus estatutos, (...) não se alcança[ndo], por 
 isso mesmo, como se possa atribuir a esses sujeitos um poder que vai muito para 
 além dessa representação e que se prende com interesses alheios aos da categoria 
 sindical – e que podem mesmo ser, no caso dos serviços mínimos para segurança e 
 manutenção das instalações e equipamentos, interesses do empregador que é 
 contraparte no conflito colectivo que determinou a greve”.
 Para sustentar tal entendimento, a Recorrente invoca, inter alia, as 
 considerações expendidas no Acórdão n.º 272/86 deste Tribunal, citando o aresto, 
 no que interessa para a sua conclusão, na parte em que se refere “importa apenas 
 afirmar, e sem quaisquer hesitações, que o que não é compatível com o direito à 
 independência sindical (...) é, seguramente, a atribuição forçada, e por via de 
 lei, de funções públicas aos sindicatos”.
 Tal jurisprudência foi, mais tarde, recuperada pelo Acórdão n.º 445/93 (também 
 mencionado pela Recorrente e publicado no Diário da República II Série, de 13 de 
 Agosto de 1993, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 25.º vol., pp. 335 e 
 ss.), onde se considerou:
 
  
 
     «(...)
 
     No contexto jurídico-político que tinha por referência legitimadora a 
 Constituição de 1933, compreendia-se que os sindicatos dispusessem de 
 prerrogativas de autoridade e se apresentassem como entidades de direito 
 público.
 
     Com efeito, nos termos do Decreto-Lei nº 23050, os sindicatos nacionais, 
 como entidades de direito público, deviam 'subordinar os respectivos interesses 
 aos interesses da economia nacional, em colaboração com o Estado e com os órgãos 
 superiores da produção e do trabalho' (artigo 9º), cabia a tais sindicatos a 
 
 'representação dos interesses profissionais da respectiva categoria' (artigo 
 
 13º, n.º 1) e os contratos de trabalho e os regulamentos por ele elaborados, 
 depois de sancionados e aprovados, obrigavam 'igualmente os inscritos e não 
 inscritos' (artigo 22º).
 
     Como também se compreendia que tais sindicatos dispusessem de competência 
 para proceder à elaboração dos regulamentos das carteiras profissionais e bem 
 assim a de as emitir, como forma de controlar o exercício regular de determinada 
 profissão.
 
     Mas, contrariamente a semelhante sistema sindical, em que os sindicatos se 
 apresentavam como entidades de 'carácter público' ou de 'pessoas colectivas de 
 direito privado e regime administrativo” (cfr. respectivamente, Bernardo Lobo 
 Xavier, “O papel dos sindicatos nos países em desenvolvimento”, Revista de 
 Direito e Estudos Sociais, ano XXV, 1978, pp. 387 e ss., e Marcello Caetano, 
 Manual de Direito Administrativo, Forense, Tomo I, p. 355), aos sindicatos do 
 actual ordenamento jurídico não é consentida a atribuição forçada e por via de 
 lei de tarefas ou funções públicas, como sucede com aquelas que no quadro do 
 regime em apreço são cometidas à associação sindical dos jornalistas, 'obrigada' 
 a emitir os títulos profissionais, independentemente da qualidade de 
 sindicalizado do trabalhador interessado em tais documentos.
 
     Com efeito, 'dada a natureza privada dos sindicatos, aliada ao princípio da 
 filiação, deve entender-se, na linha da jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional, que não pode a lei atribuir aos sindicatos poderes de autoridade 
 e, designadamente, o poder de passar carteiras profissionais. Tal atribuição, 
 feita por lei, iria violar a liberdade de acção das associações sindicais e a 
 sua independência' (cfr. António Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 461).
 Por outro lado, e complementarmente, a atribuição à organização sindical dos 
 jornalistas de um poder fiscalizador do exercício da profissão traduzido na 
 competência para determinar a suspensão, perda ou apreensão do título, com a 
 consequente impossibilidade de exercer legitimamente a profissão bem como de um 
 verdadeiro poder disciplinar, no que respeita às eventuais infracções aos 
 deveres deontológicos dos jornalistas, implicam a atribuição do exercício de 
 verdadeiros poderes ou prerrogativas de autoridade, manifestamente contrários e 
 estranhos aqueles que são próprios dos sindicatos e se inscrevem no âmbito das 
 suas específicas finalidades.».
 
  
 
  
 Note-se, desde já, que deste entendimento [na esteira do firmado nos Acórdãos 
 n.os  46/84, 91/85 e 272/86 – publicados, respectivamente, in Diário da 
 República II Série, de 13 de Julho de 1984, de 18 de Julho de 1985 e de 18 de 
 Setembro de 1986 –, nos quais se teve por inconstitucional a norma do § 1º do 
 artigo 3º do Decreto-Lei n.º 29931, de 15 de Setembro de 1939 (no caso dos dois 
 primeiros acórdãos), respeitante à competência atribuída ao Sindicato B. para 
 proceder à emissão das carteiras profissionais indispensáveis ao exercício 
 daquela actividade profissional, e a norma do artigo 9º, n.º 2, da Portaria n.º 
 
 367/72, de 3 de Julho (no caso do último aresto), que confiava aos sindicatos a 
 passagem das cadernetas de registo da prática de certos auxiliares de 
 farmacêutico, com base na violação do princípio constitucional da liberdade 
 sindical e da independência, consagrados nos artigos 56º, n.ºs 1, 2, alínea b), 
 e 4, da Constituição, na versão saída da revisão constitucional de 1982] não 
 pode extrair-se qualquer argumentação que determine a inconstitucionalidade do 
 artigo 8.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, quando interpretado 
 no sentido de que compete apenas aos sindicatos e aos trabalhadores, com 
 exclusão do Governo, a definição em concreto dos serviços mínimos durante a 
 greve, por violação do disposto nos artigos 55.º e 56.º da Constituição.
 Na verdade, não resulta da norma aplicada qualquer investidura das associações 
 sindicais e dos trabalhadores no exercício de uma tarefa ou função pública que 
 se traduzam numa prerrogativa de ius imperii e de “exercício de verdadeiros 
 poderes ou prerrogativas de autoridade, manifestamente contrários e estranhos 
 
 àqueles que são próprios dos sindicatos e se inscrevem no âmbito das suas 
 específicas finalidades”.
 Trata-se, tão-só, como é confirmado pela decisão recorrida, de fazer recair 
 sobre os sindicatos e os trabalhadores a observância de uma obrigação social – 
 consubstanciada, como se viu, na determinação e grau das necessidades sociais 
 associadas aos serviços mínimos a prestar e no modo de as pacificar – que lhes 
 cabe assegurar, não vinculando ou excluindo, nos termos em que aqueles não 
 cumpram a imposição legal, a intervenção dos poderes públicos.
 Em todo o caso, a natureza privada dos sindicatos não obsta a que lhes sejam 
 cometidos –  e, em certa medida, a própria Constituição o imporá – direitos e 
 obrigações, ainda que estes se revestissem de natureza pública (atente-se no que 
 decorre do âmbito da negociação colectiva e com o poder de conformar a própria 
 regulamentação normativa das relações de trabalho). É o que se passa com a 
 obrigação de, em caso de greve, atenta a circunstância de ficarem suspensas as 
 relações emergentes do contrato de trabalho, assegurar os serviços mínimos 
 preordenados à satisfação das necessidades sociais impreteríveis (aí se 
 incluindo, na perspectiva da decisão recorrida, a definição em concreto desses 
 serviços).
 Intervindo neste nível e com este recorte, os sindicatos não estão a exercer 
 prerrogativas de autoridade, mas sim a actuar no âmbito de uma obrigação que 
 lhes é constitucional e legalmente imposta. É certo que, como se mencionou, o 
 cumprimento de tal obrigação não prescinde de uma individualização 
 quantificadora, mas essa definição – deixada a cargo dos sindicatos e dos 
 trabalhadores – perfila-se, precisamente, como uma dimensão coetânea ao 
 cumprimento da imposição constitucional e legal e, assim, como momento 
 integrador dessa obrigação, sendo que, como é óbvio, a questão da natureza da 
 obrigação não deixa de ser naturalmente distinta daqueloutra referente ao 
 sujeito a quem tal obrigação está cometida (exemplo paradigmático disso é o que 
 emerge da obrigação de pagamento de impostos). 
 De resto, pode mesmo afirmar-se, considerando a memória dos modelos susceptíveis 
 de permitir uma definição dos serviços mínimos, que da leitura dos preceitos 
 constitucionais invocados só se retiram bons argumentos para fazer incluir os 
 trabalhadores e os sindicatos no âmbito do procedimento conducente à definição 
 desses serviços.
 
  
 
  
 
 10 - Sustenta também a Recorrente a inconstitucionalidade do critério normativo 
 sub judicio por violação do artigo 61.º, n.º 1, da Constituição, uma vez que, 
 segundo o seu juízo, “a definição dos serviços mínimos e a gestão do seu 
 cumprimento projectam-se directamente na conformação do modo de funcionamento da 
 organização empresarial. [§] A adequação da empresa à satisfação das 
 necessidades sociais impreteríveis, como os serviços mínimos (...) bem como a 
 gestão dos trabalhadores afectos ao cumprimento destes serviços são 
 prerrogativas empresariais, que decorrem da liberdade, constitucionalmente 
 reconhecida, de organização e gestão das empresas. [§] Por força da posição 
 sustentada pelo Supremo Tribunal Administrativo, o processo de greve envolveria 
 uma expropriação temporária dos poderes empresariais, e levaria a que fossem 
 atribuídos, por força da declaração de greve, às associações sindicais e 
 trabalhadores grevistas, poderes de conformação da organização empresarial e de 
 gestão dos próprios meios de produção, que não lhe são reconhecidos fora de uma 
 situação de greve”. 
 
  
 Perscrutando os argumentos mobilizados pela Recorrente, ressaltam, na mesma 
 formulação, dois problemas diferenciados a considerar sob o mesmo parâmetro de 
 constitucionalidade. Por um lado, está em causa a questão da definição dos 
 serviços mínimos, por outro questiona-se o processo de “gestão do cumprimento 
 desses serviços”, na estrita dimensão de “gestão dos trabalhadores afectados ao 
 cumprimento dos serviços mínimos”.
 Ora, essa diferenciação impõe-se porque, manifestamente, como se verá, o 
 critério decisório não acaba por abranger ambas as dimensões, porquanto aí não 
 se considera, além do suscitado e decidido problema de definição dos serviços 
 mínimos (em termos da competência para a sua definição), qualquer problema 
 relativo à execução desses serviços (não se reflectindo, designadamente, sobre 
 os critérios e os poderes da entidade patronal e dos trabalhadores na execução 
 da obrigação de prestação dos serviços mínimos).
 
  
 
 10.1 - Na verdade, relativamente à questão concernente à “gestão do cumprimento 
 dos serviços mínimos”, importa esclarecer que a resposta não é susceptível de 
 ser dada com a argumentação expendida na decisão recorrida, que, de resto, não 
 se pronunciou sobre tal problema.
 Aliás, mesmo neste domínio concreto, as questões que se colocam não estão 
 dependentes e absolutamente vinculadas à posição que se tome quanto ao problema 
 da competência para a definição dos serviços mínimos, sendo que o problema da 
 
 “gestão do cumprimento dos serviços mínimos”, enquanto prerrogativa da empresa 
 decorrente do direito à livre iniciativa privada, se coloca já a um nível 
 distinto da questão de identificação das prestações sociais impreteríveis, 
 relegando tal dimensão para a consideração da esfera dos poderes que as 
 entidades patronais podem exercer sobre os trabalhadores adstritos ao 
 cumprimento dos serviços mínimos e para a definição do estatuto que preside à 
 prestação, pelo trabalhador, dos serviços legalmente requeridos, ou então, numa 
 segunda óptica, para o domínio da fiscalização do cumprimento dos serviços 
 mínimos.
 Como a Recorrente concretiza em sede de alegações, está em causa a própria 
 
 “gestão dos trabalhadores afectados ao cumprimento dos serviços mínimos”. 
 Ora, como é manifesto, tal domínio problemático reporta-se inequivocamente a um 
 
 âmbito que contende, não já com a “definição dos serviços mínimos”, em termos de 
 se perscrutar, nesse domínio, a questão da competência para a definição desses 
 serviços, mas sim com as relações entretecentes no âmbito da execução dos 
 serviços mínimos definidos, aí se colocando o problema da gestão do modo como 
 esses serviços devem ser cumpridos, e, nesse domínio em particular, da gestão 
 dos próprios trabalhadores afectados ao cumprimento da obrigação que lhes é 
 imposta. 
 Tratar-se-á de saber se as prestações efectuadas em cumprimento dos serviços 
 mínimos podem ser reconduzidas a prestações de trabalho subordinado, implicando 
 para os trabalhadores a sujeição às ordens da entidade empregadora nos mesmo 
 termos da prestação normal de trabalho, de modo a apurar-se se “continua[m] os 
 serviços essenciais a ser geridos pela entidade empregadora, (...) [e se] a 
 posição dos trabalhadores que tenham sido porventura designados para prestar o 
 trabalho indispensável deve ser igual a todos os outros trabalhadores em serviço 
 
 (...) [estando] sujeitos às directrizes técnicas das hierarquias respectivas” 
 
 (cf. Bernardo da Gama Lobo Xavier, Direito de greve, op. cit., pp. 185 e ss. e, 
 também com resposta afirmativa, António Menezes Cordeiro, Manual de direito do 
 trabalho, Coimbra, 1991, pp. 389 e ss.); ou se, por oposição, o cumprimento de 
 tais prestações deverá configurar-se em termos de se afirmar se, em tal domínio, 
 se trata “(...) de cobrir responsabilidades transferidas, em consequência da 
 greve, para o sindicato e o conjunto dos trabalhadores parados”, sendo que, 
 nessa linha, “ao cumprirem as referidas tarefas, os trabalhadores não estão, em 
 rigor, a conduzir-se no âmbito da subordinação à entidade patronal”, não se 
 encontrando a cumprir o contrato de trabalho, “mas a executar um comportamento 
 pelo qual a lei responsabiliza a associação sindical e o conjunto dos 
 trabalhadores” (cf. António Monteiro Fernandes, Direito de greve – notas e 
 comentários à Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, Coimbra, 1982, pp. 55 e ss. esp.te 
 
 60, e, em sentido paralelo, José João Abrantes, “Greve e serviços mínimos...”, 
 op. cit., pp. 18 e ss., e Jorge Leite, Direito da Greve – Lições ao 3.º ano da 
 FDUC, Coimbra, 1994, pp.62 e ss. esp.te 82) – sobre tais questões, v. o Parecer 
 da PGR n.º 52/92, de 14 de Julho de 1993, com outras indicações bibliográficas e 
 com uma exposição detalhada do tema.
 De resto, note-se que, na actual regulamentação desta problemática constante do 
 Código do Trabalho, o legislador deu-lhe também uma resposta independente da 
 questão da competência para a definição dos serviços mínimos. 
 Na verdade, depois de no artigo 599.º, sob a epígrafe “Definição dos serviços 
 mínimos”, ter consagrado que os serviços mínimos “devem ser definidos por 
 instrumento de regulação colectiva de trabalho ou por acordo com os 
 representantes dos trabalhadores”, veio dispor, no artigo 600.º (“Regime de 
 prestação dos serviços mínimos”), que “os trabalhadores afectos à prestação de 
 serviços mínimos mantêm-se, na estrita medida necessária à prestação desses 
 serviços, sob a autoridade e direcção do empregador (...)”.
 
  
 
  
 Ora, o Acórdão recorrido não considerou tal problemática, não se podendo 
 inferir, a partir da decisão recorrida e do critério normativo aí aplicado, 
 qualquer tomada de posição quanto ao problema de saber, além da definição dos 
 serviços mínimos, a quem cabe a gestão do seu cumprimento, aí se incluindo a 
 questão de saber quais são os poderes que a entidade patronal mantém sobre os 
 trabalhadores adstritos ao cumprimento dessa obrigação.
 Aliás, a própria recorrente, quer nas suas alegações para o Supremo Tribunal 
 Administrativo, quer no requerimento de interposição de recurso para este 
 Tribunal, definiu o objecto do recurso em termos de este incidir sobre a 
 
 “constitucionalidade do artigo 8.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 65/77, de 26 de 
 Agosto, quando interpretado no sentido de que compete aos sindicatos e aos 
 trabalhadores a definição em concreto dos serviços mínimos durante a greve, por 
 violação do disposto no artigo 199.º, alíneas f) e g), da Constituição da 
 República Portuguesa”. É claro que nada impede que, mantendo-se a norma 
 questionada, se invoquem outros fundamentos e parâmetros 
 jurídico-constitucionais susceptíveis de determinar o sentido do julgamento de 
 constitucionalidade. 
 Não é, porém, o que sucede in casu, porquanto o problema da “gestão do 
 cumprimento dos serviços mínimos”, enquanto realidade que extravasa o domínio da 
 competência para a definição desses serviços, não só traduz um alargamento do 
 objecto do recurso – em termos de o Tribunal Constitucional ter também de apurar 
 a inconstitucionalidade dos preceitos em causa não só quando “interpretado(s) no 
 sentido de que compete aos sindicatos e aos trabalhadores a definição em 
 concreto dos serviços mínimos durante a greve”, mas também na dimensão de que 
 lhes cabe, em exclusivo, a gestão concreta do cumprimento dos serviços mínimos 
 definidos –, como, decisivamente, tal norma não foi aplicada pelo tribunal a quo 
 com o sentido que lhe foi imputado.
 Na verdade, o problema que a Recorrente coloca – relembre-se: o da “gestão dos 
 trabalhadores adstritos ao cumprimento dos serviços mínimos” – é um aliud e um 
 posterius em face da determinação da competência para proceder à sua definição. 
 De resto, nem pode pretender inferir-se da decisão recorrida que a resposta a 
 tal questão fosse lógica e impreterívelmente no sentido invocado pela 
 recorrente, porquanto, não só tal questão não foi, como quaestio disputata, 
 submetida a julgamento – sendo que, por isso, qualquer resposta que merecesse, 
 redundaria sempre numa extensão do julgado – mas também porque, em função disso, 
 não cabe aqui estar a prever, caso o recurso para o Supremo Tribunal 
 Administrativo integrasse tal problema, qual seria a solução a alcançar por esse 
 tribunal.
 Assim sendo, passar-se-á à consideração da alegada inconstitucionalidade, por 
 violação do disposto no artigo 61.º, n.º 1, da Constituição, da norma do artigo 
 
 8.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, quando interpretado no 
 sentido de que compete aos sindicatos e aos trabalhadores, com exclusão do 
 Governo, a definição em concreto dos serviços mínimos durante a greve. 
 
  
 
 10.2 - A liberdade de “iniciativa económica privada” está prevista no artigo 
 
 61.º da Constituição, preceito que, como ensinam Gomes Canotilho/Vital Moreira  
 
 (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra, 
 
 1993, pp. 325 e ss.), “contempla as diversas formas constitucionalmente 
 tipificadas de iniciativa económica não pública”, dispondo o seu n.º 1 que “A 
 iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela 
 Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral” (cf., para uma 
 reflexão da natureza deste direito fundamental, com importantes indicações 
 bibliográficas, a posição de Vasco Moura Ramos, “O direito fundamental à 
 iniciativa económica privada (artigo 61.º, n.º 1, da CRP): Termos da sua 
 consagração no direito constitucional português”, in Boletim da Faculdade de 
 Direito, Universidade de Coimbra, 2001, t. 2, pp. 833 e ss.).
 
  
 Quanto à especificação concretizadora do âmbito material deste direito 
 fundamental, atente-se na exposição dos Autores supra citados:
 
  
 
 «Ao garantir aqui a iniciativa económica privada (...), a Constituição 
 considera-a seguramente (...) como um direito fundamental (e não apenas como um 
 princípio objectivo da organização económica), embora remetendo para a lei a sua 
 delimitação e sem a considerar directamente um dos direitos, liberdades e 
 garantias (beneficiando, porém, da analogia com eles). Este entendimento 
 constitucional do direito de iniciativa privada está em consonância com o 
 estatuto da empresa e do sector privados no âmbito da “constituição económica” 
 
 (...).
 A liberdade de iniciativa privada tem um duplo sentido. Consiste, por um lado, 
 na liberdade de iniciar uma actividade económica (direito à empresa, liberdade 
 de criação de empresa) e, por outro lado, na liberdade de gestão e actividade da 
 empresa (liberdade da empresa, liberdade do empresário). Ambas estas vertentes 
 do direito de iniciativa económica privada podem ser objecto de limites mais ou 
 menos extensos. Com efeito, esse direito só pode exercer-se “nos quadros 
 definidos pela Constituição e pela lei” (...), não sendo portanto um direito 
 absoluto, nem tendo sequer os seus limites constitucionalmente garantidos, salvo 
 no que respeita a um mínimo de conteúdo útil constitucionalmente relevante que a 
 lei não pode aniquilar (...), de acordo, aliás, com a garantia constitucional de 
 um sector económico privado (...). É a própria Constituição que manda vedar 
 certas áreas económicas à iniciativa privada (...), não estando a lei impedida 
 de estabelecer outros limites, quer quanto à liberdade de criação de empresas, 
 quer quanto à actividade das empresas, desde que respeitado o núcleo 
 constitucionalmente garantido (...).
 Se a lei pode delimitar negativamente o âmbito do direito de iniciativa 
 económica privada, também pode conformar com grande liberdade o seu exercício, 
 estabelecendo restrições mais ou menos profundas. A Constituição prevê 
 directamente algumas, sendo de salientar, entre as de âmbito geral, as 
 decorrentes dos direitos dos trabalhadores (...) e da intervenção do Estado na 
 vida económica, desde o planeamento económico e social (...) até à interferência 
 directa na vida das empresas (...); a iniciativa económica em certas áreas, não 
 sendo vedada, está constitucionalmente sujeita a restrições especiais (...)».
 
  
 
  
 Quanto à nossa jurisdição constitucional, sobre o sentido tutelar da “iniciativa 
 privada”, escreveu-se, inter alia, no Acórdão n.º 187/2001 (com remissões para 
 diversos outros arestos deste Tribunal):
 
  
 
 «(...) A garantia constitucional da liberdade económica privada há-de, pois, 
 exercer-se sempre 'nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em 
 conta o interesse geral'.
 De entre os primeiros, avulta a definição possível (obrigatória anteriormente a 
 
 1997) de sectores básicos nos quais seja vedada a actividade a empresas privadas 
 
 (artigo 86º, n.º 3), precisada também por várias vezes na jurisprudência 
 constitucional (v. o Parecer n.º 8/80 da Comissão Constitucional, in Pareceres 
 da Comissão Constitucional, 11º vol., 1981, pp. 191 e ss., e os Acórdãos n.ºs 
 
 25/85 e 186/88, in ATC, respectivamente vol. 5º, pp. 95 e ss., e vol. 12º, pp. 
 
 19 e ss.). 
 Sobre os quadros definidos pela lei, disse-se no citado Acórdão n.º 328/94 que
 
 '(...) o direito de liberdade de iniciativa económica privada, como facilmente 
 deflui do aludido preceito constitucional, não é um direito absoluto (ele 
 exerce-se, nas palavras do Diploma Básico, nos quadros da Constituição e da lei, 
 devendo ter em conta o interesse geral). Não o sendo – e nem sequer tendo 
 limites expressamente garantidos pela Constituição (muito embora lhe tenha, 
 necessariamente, de ser reconhecido um conteúdo mínimo, sob pena de ficar 
 esvaziada a sua consagração constitucional) – fácil é concluir que a liberdade 
 de conformação do legislador, neste campo, não deixa de ter uma ampla margem de 
 manobra.'
 A norma constitucional remete, pois, para a lei a definição dos quadros nos 
 quais se exerce a liberdade de iniciativa económica privada. Trata-se, aqui, da 
 previsão constitucional de uma delimitação pelo legislador do próprio âmbito do 
 direito fundamental – da previsão de uma 'reserva legal de conformação' (a 
 Constituição recebe um quadro legal de caracterização do conteúdo do direito 
 fundamental, que reconhece). A lei definidora daqueles quadros deve ser 
 considerada, não como lei restritiva verdadeira e própria, mas sim como lei 
 conformadora do conteúdo do direito.
 Ora, a liberdade de conformação do legislador nestes casos, em que existe uma 
 remissão constitucional para a delimitação legal do direito, há-de considerar-se 
 mais ampla do que nos casos de verdadeiras leis restritivas do direito, desde 
 logo, porque o direito não tem, nos primeiros, limites fixos constitucionalmente 
 garantidos, remetendo-se antes para uma caracterização legal que apenas não 
 poderá aniquilar um mínimo de conteúdo útil, constitucionalmente relevante.
 A estas condicionantes constitucionais e legais (v. também o Acórdão n.º 257/92, 
 ATC, vol. 22º, pp. 741 e ss.) acresce ainda, nos termos da parte final do n.º 1 
 do artigo 61º, na versão supervenientemente introduzida na revisão 
 constitucional de 1989, a consideração do interesse geral – onde antes se 
 estatuía que a 'iniciativa económica privada pode exercer-se livremente enquanto 
 instrumento do progresso colectivo, nos quadros definidos pela Constituição e 
 pela lei.». (itálico aditado).
 
  
 
  
 Este recorte dogmático do artigo 61.º, n.º 1, da Constituição opera igualmente 
 no caso em apreço como enquadramento fundamentante da resposta ao problema 
 concretamente em causa.
 Importa, porém, atentar, desde já, que, no concernente ao problema da definição 
 dos serviços mínimos estritamente considerado, o esforço argumentativo expendido 
 pela Recorrente não se mostra integralmente coerente com as conclusões que 
 determinaram o conhecimento da questão de constitucionalidade atrás considerada.
 Em sede de alegações, a Recorrente dá conta de que o problema da definição dos 
 serviços se projecta directamente na conformação do modo de funcionamento da 
 organização empresarial, remetendo essa dimensão para uma esfera integradora das 
 
 “prerrogativas empresariais que decorrem da liberdade, constitucionalmente 
 reconhecida, de organização e gestão das empresas”.
 A ser assim, a competência para a definição dos serviços mínimos deveria caber 
 ao empregador, mal se articulando com a suscitada questão relacionada com a 
 intervenção do Governo de acordo com o disposto nas alíneas f) e g) do artigo 
 
 199.º da Constituição.
 Ora, não se duvida de que a intervenção do Governo neste domínio concreto, a ser 
 reclamada pelo texto constitucional, apenas poderia ser justificada pela 
 assunção de uma estrita “responsabilidade pública pela continuidade de serviços 
 sociais indispensáveis”, e não, directamente, pelo seu papel como entidade 
 empregadora, devendo, assim, actuar “acima da dimensão directamente conflitual 
 e, consequentemente, como tal, distinto da administração-empregador” (cf., na 
 esteira de doutrina supra citada, o Parecer da PGR n.º 100/89, de 5 de Abril de 
 
 1990). Daí que, face à argumentação já explanada, nunca pudesse inferir-se 
 qualquer proposição no sentido de reservar ao Governo-entidade patronal um papel 
 determinante na conformação definidora dos serviços mínimos. Pelo que, em 
 consequência, deve apenas perspectivar-se se é inconstitucional a solução 
 normativa alcançada no sentido de excluir a intervenção daquela entidade 
 patronal na definição daqueles serviços, ex vi o disposto no artigo 61.º, n.º 1, 
 da nossa norma normarum.
 Cumpre, assim, responder ao problema sub judicio tendo em conta tal observação.
 Como se infere da jurisprudência supra citada, o direito à livre iniciativa 
 privada não se traduz num direito absoluto e insusceptível de limitação. Pelo 
 contrário, os termos da sua previsão apontam claramente para a necessidade de 
 perspectivar o seu exercício em função de diversas condicionantes.
 
 É certo que se poderá afirmar que tal direito recua perante a afirmação 
 constitucional do direito à greve, sofrendo, justificadamente, uma limitação que 
 passa precisamente pelo facto de os poderes da entidade patronal estarem 
 condicionados pelo exercício do direito à greve, não podendo, desde logo, exigir 
 o cumprimento da prestação laboral.
 Contudo, no domínio do problema da definição dos serviços mínimos que hão-de ser 
 cumpridos para garantir a realização das necessidades sociais impreteríveis, a 
 questão que se coloca, como se pode inferir das menções efectuadas, excede o 
 
 âmbito da gestão da empresa, não se reconduzindo, por outras palavras, ao 
 exercício estrito de um poder de gestão empresarial, ainda que se reconheça, na 
 esteira de António Menezes Cordeiro (in  Manual de direito do trabalho, op. 
 cit., pp. 389 e ss.), que o problema do cumprimento da obrigação de prestação de 
 serviços mínimos também se deva configurar como uma questão onde também releva a 
 responsabilidade da empresa. 
 De facto, “a definição do nível, conteúdo e extensão dos serviços mínimos 
 indispensáveis releva de interesses fundamentais da colectividade” e “depende em 
 cada caso da consideração de circunstâncias específicas segundo juízos de 
 oportunidade (...) condicionada por critérios de acomodação constitucional” (cf. 
 o Parecer da PGR n.º 100/89, de 5 de Abril de 1990), cuja assunção não está 
 manifestamente integrada na esfera “da liberdade de gestão e actividade da 
 empresa”. Trata-se, apenas, de decidir quais os serviços que, em homenagem a um 
 interesse público e social, hão-de continuar impreterivelmente em laboração, não 
 se podendo vislumbrar, no âmbito do artigo 61.º, n.º 1, da Constituição,  
 quaisquer argumentos que façam recair forçosamente sobre a entidade patronal, a 
 título de prerrogativa da empresa, a necessidade de ser esta a determinar 
 apodicticamente quais serão as necessidades a satisfazer e qual o nível de 
 serviço indispensável para as cumprir.
 Nessa medida e no limite, apenas se poderá defender que a gestão empresarial sai 
 afectada na estrita medida em que se terá de conformar com um grau de laboração 
 diferenciado daquele que resultaria “normal” na ausência de um processo de 
 greve, impondo-se-lhe a laboração dentro desses limites. Contudo, como bem se 
 observará, esse resultado decorre ineliminavelmente do exercício do direito à 
 greve e com as limitações que este coloca, validamente, à liberdade de gestão 
 empresarial. 
 
  
 
  
 C - Decisão
 
  
 
 11- Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 a)      Não julgar inconstitucional o artigo 8.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 65/77, 
 de 26 de Agosto, na interpretação segundo a qual a definição dos serviços 
 mínimos a prestar em caso de greve que se destinem à satisfação de necessidades 
 sociais impreteríveis compete às associações sindicais e aos trabalhadores, com 
 exclusão do Governo;
 b)      Negar provimento ao recurso;
 c)      Condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 UC. 
 
  
 Lisboa, 19 de Abril de 2005
 
  
 Benjamim Rodrigues
 Paulo Mota Pinto
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos